Draft b
(Há muito materia a ser corrigido ou excluido.)
COMO
EXPRESSÕES
REFERENCIAIS REFEREM?
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Claudio Costa
Problemen
kann man nicht mit derselben Denkweise lösen, durch die sie entstanden sind.
[Problemas não podem ser resolvidos pelo mesmo modo de
pensar que os produziu.]
Albert Einstein
PREFÁCIO
Meu
primeiro encontro com as teorias filosóficas dos nomes próprios aconteceu há mais
de trinta anos, quando me encontrava na Alemanha escrevendo uma tese sobre a
concepção de significado na filosofia do último Wittgenstein. Como era de se
esperar de um bom apóstolo, a melhor resposta parecia-me ser a teoria do feixe
de descrições, tal como fora comentada pelo próprio Wittgenstein na seção 79 de
suas Investigações Filosóficas. Por
contraste, as poucas leituras que fiz na época sobre a concepção
causal-histórica da referência dos nomes próprios proposta por Kripke me deixaram
escandalizado. O recurso ao batismo e às cadeias causais externas soava-me como
uma explicação mágica da referência. Não que eu me sentisse à vontade com a teoria
do feixe. Minha opinião era a de que seria necessário impor uma ordem ao apanhado
arbitrário de descrições constitutivas do feixe e que isso só poderia ser feito
pelo recurso a alguma regra-descrição de ordem superior, capaz de estabelecer o
papel e a força das regras-descrições a ele pertencentes. Mas logo me esqueci
do assunto.
Só voltei a me interessar pela questão dos
nomes próprios em 2006, por razões meramente acidentais. Lembrei-me então de
meu antigo projeto. Escrevi um breve esboço no qual propunha a existência de uma
regra cognitiva meta-descritiva para nomes próprios, capaz de conferir papel e
valor aos diversos tipos de descrição pertencentes aos feixes de descrições a
eles associados, uma regra que demandasse a satisfação disjuntiva de regras
descritivas localizadoras e caracteridoras. Apresentei esse esboço em várias
ocasiões, sempre surpreso com a forte reação adversa dos ouvintes. Contudo, como
ninguém me apontava um erro sério e como um pouco de reflexão me mostrava que
as objeções poderiam ser facilmente refutadas, prossegui. A teoria metadescritivista
daí resultante encontra-se exposta no presente livro, sendo o que ele tem de mais
interessante a oferecer. Embora essa teoria incorpore intuições provenientes da
concepção causal-histórica, ela as condiciona a ideias de fundo claramente descritivistas,
o que faz com que se deixe mais apropriadamente classificar como uma elaboração
mais complexa da velha teoria do feixe de descrições.
A teoria metadescritivista dos nomes
próprios justifica a sua maior complexidade por possuir um poder explicativo claramente
superior ao das teorias anteriores. Entre os bons atributos que a recomendam
encontram-se: (i) ser capaz de explicar adequadamente como e porque o conteúdo cognitivo
(sentido) do nome próprio pode contribuir para a identificação do seu portador
(referência); (ii) ser capaz de gerar a idéia de que nomes próprios são designadores
rígidos do próprio interior do descritivismo; (iii) ser capaz de explicar, sob
uma perspectiva descritivista, como e porque se dá o contraste entre a rigidez
dos nomes próprios e a flacidez das descrições definidas e, finalmente, (iv)
ser capaz de responder de forma perfeitamente convincente aos mais variados exemplos
até hoje levantados contra a teoria do feixe.
A resposta
à questão da natureza do nome próprio é uma pedra angular da filosofia da
linguagem. Se ela for alterada, tudo se altera. A teoria causal-histórica dos
nomes próprios, advogada por Saul Kripke, Keith Donnellan e outros, produziu
uma revolução na maneira como entendemos outras expressões referenciais como descrições
definidas, indexicais, termos gerais e sentenças, inaugurando uma nova
ortodoxia causalista e externalista em filosofia da linguagem. Se proponho uma teoria
neodescritivista (metadescritivista) dos nomes próprios verdadeiramente convincente,
o que estou sugerindo é no fundo uma contra-revolução basicamente descritivista-cognitivista,
que promete responder diversamente e complementarmente a tudo aquilo que a nova
ortodoxia tem proposto desde o início da década de 1970. Essa é, eu creio, a
explicação última da reação de rejeição da maioria de meus ouvintes diante da
proposta de uma teoria neodescritivista dos nomes próprios. Isso explica também
as direções que minha pesquisa precisou tomar em seguida.
Com efeito, uma vez que me encontrava investigando
a função dos nomes próprios, meu interesse alargou-se para a história das teorias
descritivistas e também para a necessidade de alcançar um entendimento crítico
da concepção causal-histórica que fizesse justiça ao trabalho genial de Kripke.
A investigação
do funcionamento dos nomes próprios inevitavelmente me levou a considerar
outras expressões referenciais, como descrições definidas, termos indexicais e mesmo
termos gerais, onde a mesma disputa entre o referencialismo causal-externalista
e o cognitivismo internalista se repete. Minha pergunta foi irreprimível. Se
havia obtido tão bons resultados defendendo uma espécie de cognitivismo metadescritivista
essencialmente internalista para o caso dos nomes próprios, por que semelhante
maneira de ver não seria capaz de produzir resultados igualmente interessantes quando
aplicada a outras expressões referenciais? A tarefa me parecia imensa, mas a intuição
era boa, de modo que decidi considerar também essas questões. O objetivo era
duplo. De um lado queria demonstrar as limitações das teorias referencialistas-externalistas
aplicadas a outros termos referenciais; de outro, considerando as objeções, queria
desenvolver melhores explicações cognitivistas-internalistas (neodescritivistas
ou neo-fregeanas) para os modos como descrições definidas, indexicais e termos
gerais referem.
Alguns resultados me parecem memoráveis.
Entre eles está a compatibilização do descritivismo de “Russell” com o de
“Frege”, a defesa da irrelevância das incongruências não-convencionais no
resgate descritivista do conteúdo semântico dos indexicais, a tese da plasticidade
do pensamento, a crítica ao externalismo semântico de Putnam e a proposta de regras
meta-descritivas parcialmente análogas às dos termos singulares na constituição
de regras de aplicação dos termos gerais. Trata-se, eu creio, de algo que nos
aproxima mais de um conhecimento apto a obter consenso; mais próprio, portanto,
daquilo que chamamos de ciência. Apesar disso, a maior parte do que escrevi não
vai muito além de esboços rudimentares, que lanço na esperança de que possam
ser melhor desenvolvidos por outros. Assim deve poder ser, dado que filosofia é
work in progress por definição.
Ao trabalhar com essas questões percebi,
em retrospecto, que aquilo que estava tentando fazer poderia ser entendido como
a retomada de um programa especulativamente desenvolvido por Ernst Tugendhat na
década de 1970 no livro Lições introdutórias
à filosofia analítica da linguagem – um programa que acabou abandonado à
sombra do domínio sempre crescente das concepções externalistas da referência.
Esse programa pode ser “fregeanamente” entendido como sendo, para o caso fundamental
da frase predicativa singular, o de analisar o sentido cognitivo (Sinn) do termo singular como sendo a sua
regra de identificação (Identifikationsregel), o sentido
cognitivo do termo geral como sendo a sua regra
de aplicação (Verwendungsregel) e
o sentido epistêmico (epistemisches Gehalt) da frase predicativa completa
como sendo a sua regra de verificação
(Verifikationsregel). Essa última
regra seria a resultante da aplicação combinada das duas primeiras (da regra de
identificação seguida da aplicação da regra de aplicação), o que foi concebido por
Tugendhat como uma forma analiticamente aprofundada de se falar da verificação
em termos de significado e da verdade em termos correspondenciais. Como
consequência, meu objetivo deixa-se também explicar como sendo o de justificar
e analisar em maiores detalhes cada uma dessas regras em sua natureza, estrutura,
subdivisões e relações, além de tentar esclarecer atributos a elas
relacionados, como os de existência e verdade.
Essas
são as estações do presente texto, que foi escrito na intenção de ser entendido
por leitores que, apesar de versados em filosofia, não precisam possuir
conhecimento especializado de filosofia da linguagem.
Finalmente, quero observar que o trabalho
com esse livro foi interrompido em 2011 para que eu pudesse escrever dois livros
em inglês, Lines of Thought: Rethinking philosophical
assumptions (2014) e Philosophical
Semantics: Reintegrating Theoretical Philosophy (2018). Os conteúdos desses
três livros são parcialmente inclusivos e complementares.
Por
exemplo: foi só no livro Philosophical
Semantics que tratei de enunciados completos, os quais também podem ser chamados
de expressões referenciais. O significado cognitivo desses enunciados foi lá
analisado em termos de regras verificacionais, o que foi feito juntamente com
uma crítica a entendimentos equivocado que filósofos do Positivismo Lógico e
outros tiveram do verificacionismo semântico originariamente proposto por
Wittgenstein (cap. V). Esses entendimentos equivocados gerou críticas
equivocadas e no final das contas uma rejeição absurda e bloqueadora dos caminhos
da investigação ao modo mais natural e pontencialmente frutífero de se bem analisar
significados de sentenças assertivas. Finalmente, a compatibilidade do verificacionismo
semântico com a teoria correspondencial da verdade foi também demonstrada naquele
mesmo livro, no âmbito de uma teoria ampla da correspondência, evidenciando que
Tugendhat no final das contas havia sido presciente (cap. VI).
(a ser continuado...)
AGRADECIMENTOS
Devo agradecer ao CNPq por uma bolsa de
pós-doutorado na Universidade de Konstanz junto ao professor Wolfgang Spohn,
onde permaneci no período de 2009/2 a 2011/1 e onde pude desenvolver as
primeiras versões do presente texto. Tenho muito a agradecer a muitas pessoas,
mas em especial gostaria de agradecer ao professor Wolfgang Spohn por ler e discutir
comigo versões de minhas idéias sobre nomes próprios. Também gostaria de
agradecer ao professor João Branquinho pelas discussões nos colóquios da Universidade
de Lisboa. Outras pessoas a quem sou grato são o professor Manuel Garcia-Carpintero,
que em 2006 me incentivou a dar início a essa pesquisa, assim como aos
professores Richard Swinburne, Guido Imaguire, André Leclerc, Nelson Gomes, Daniel
Durante, Ethel Rocha e Cinara Nahra, por objeções e estímulos. Preciso também
agradecer a François Recanati por me ter aceito para um pós-doutorado na École Normale Supérieure em 2016, quando
pude notar que influenciado por fontes diversas ele tinha produzindo um trabalho
com importantes pontos de semelhança com aquilo que eu mesmo tento fazer em
filosofia da linguagem. Finalmente, gostaria de agradecer aos meus ex-professores
Raul Landin e Guido Antônio de Almeida por terem me ajudado a compreender a amplitude
e a complexidade própria das questões centrais da filosofia.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
PARTE
I: TERMOS SINGULARES
1. CLASSIFICANDO OS TERMOS SINGULARES
2. TERMOS INDEXICAIS
3. DESCRIÇÕES DEFINIDAS
4. NOMES PRÓPRIOS (I): TEORIAS DESCRITIVISTAS
5. NOMES PRÓPRIOS (II): TEORIAS
CAUSAIS-
HISTÓRICAS
6. NOMES PRÓPRIOS (III): META-DESCRITIVISMO
PARTE II: TERMOS GERAIS
7. INTRODUÇÃO: DESCRITIVISMO VERSUS CAUSALISMO
8. PUTNAM, A TERRA GÊMEA E A FALÁCIA
EXTERNALISTA
9. IRREGULARIDADES DO TERRENO CONCEITUAL
PARTE I: TERMOS SINGULARES
1
CLASSIFICANDO OS TERMOS SINGULARES
Quero
começar mapeando brevemente o território a ser explorado ao expor a classificação
tradicional dos termos singulares.
Tipos
de termos singulares
Um
termo singular é aquele que é usado para singularizar um objeto (um particular,
um indivíduo) ao distingui-lo de uma multiplicidade de outros objetos.[1] Nas línguas
européias os termos singulares costumam ser claramente divisíveis em indexicais, descrições definidas e nomes próprios.
Comecemos
com os assim chamados termos indexicais.[2] Eles
podem ser definidos como sendo aqueles termos singulares cuja referência
costuma variar com o contexto do proferimento, como é o caso dos pronomes
demonstrativos. David Kaplan distinguiu dois tipos de indexicais: demonstrativos verdadeiros e indexicais puros.[3] Os
primeiros são termos como ‘esse’, ‘essa’, ‘isso’, ‘aquilo’, ‘ele’, ‘ela’, ‘seu’,
‘sua’. Eles precisam vir acompanhados de ações ou intenções do falante, através
do que ele seleciona para ele mesmo e para o auditório, a princípio dentre as
coisas que presentemente o circundam, aquela a que se propõe referir. Por isso
os demonstrativos verdadeiros costumam vir acompanhados de gestos de ostensão
(atos de apontar), quando não de algum termo descritivo desambiguador como em
‘essa bola’, ‘essa cor’, ‘essa sala’. Já os indexicais puros são aqueles cuja
referência é automática, não dependendo nem de ações nem de intenções. Eles se exemplificam
pelo pronome pessoal ‘eu’, pelo pronome possessivo ‘meu’, por advérbios como ‘aqui’,
‘agora’, ‘hoje’, ‘amanhã’, e ainda por adjetivos como ‘atual’ e ‘presente’.
Há muitas outras expressões cujo conteúdo,
em maior ou menor medida, depende do contexto. Como John Searle notou, é
razoável pensar que todos os nossos enunciados empíricos possuem algum traço de
indexicalidade.[4]
Considere, por exemplo, o enunciado singular “Galileu foi o primeiro a expor
claramente a lei da inércia” e o enunciado universal “Todos os corpos materiais
têm força gravitacional”. Parece claro que com o enunciado sobre a descoberta
da lei da inércia estamos nos referindo indexicalmente a um acontecimento no
planeta Terra no século XVII. Se em algum outro planeta habitado de outra
galáxia alguém descobriu a lei da inércia há milhões de anos, isso não afetará
a verdade desse enunciado, uma vez que ele foi indexado à história do desenvolvimento
científico em nosso planeta. Quanto ao enunciado sobre a universalidade da
força gravitacional, ele é considerado verdadeiro em relação ao nosso universo.
Se existir um universo paralelo no qual há corpos materiais destituídos de força
gravitacional, ele não deixará por isso de ser verdadeiro, pois a universalidade
em questão é indexada ao nosso universo. Contudo, mesmo que a maioria de nossos
enunciados considerados não-indexicais contenha um elemento indexical oculto em
seu pano de fundo contextual, isso não destrói nossa classificação, pois ao
considerarmos os termos indexicais estamos fazendo um uso restritivo do
conceito. Nós queremos nos limitar às expressões que, embora variando a sua
referência com a variação do contexto de proferimento, fazem isso com a função prescípua
de designar particulares que se encontram dentro do âmbito daquilo que o
falante presentemente experiencia (exs: isso, aquilo, eu, tu, agora...) ou que
se encontram proximamente relacionados a esse âmbito (exs: ontem, amanhã, depois
de amanhã, mas não daqui a dois anos...).
Passemos
agora às descrições definidas. Elas são complexos nominais geralmente iniciados
com um artigo definido no singular. Exemplos são ‘o cavaleiro da triste figura’,
‘a dama das camélias’, ‘a cidade luz’. O que caracteriza as descrições
definidas legítimas é que elas são capazes de representar ou conotar, através
de seu sentido, propriedades distintivas do objeto ao qual se referem. Assim, a
descrição ‘o pai de Sócrates’ é referencial por representar uma propriedade distintiva
de uma pessoa de ser o pai de Sócrates. E o mesmo se aplica às outras descrições
definidas listadas acima, capazes de conotar respectivamente as propriedades distintivas
de usar uma máscara de ferro, de gostar de camélias e de ser uma cidade
extraordinariamente bela. Por outro lado, uma expressão como ‘O Sacro Império Romano’
– que, como notou Voltaire, não era nem sacro nem império nem romano – não é uma
descrição definida, mas um nome próprio (tendo por isso iniciais maiúsculas),
posto que não conota propriedades do objeto referido.
As
descrições definidas fazem contraste com as descrições
indefinidas, que começam com artigo
indefinido, como, por exemplo, ‘uma mulher’, ‘um terno azul’. Essas últimas nos
permitem apenas falar de algum objeto qualquer pertencente a uma classe de
objetos, mas sem identificá-lo. Por serem incapazes de identificar um objeto
específico, elas não são propriamente termos singulares.
Os nomes próprios, por fim, são expressões geralmente
destituídas de complexidade sintática, que ainda assim têm a função de designar
um particular na independência do contexto do proferimento.[5] Diversamente
das descrições definidas, os nomes próprios não exprimem um sentido único. Segundo
uma sugestão de J.S. Mill, eles não conotam propriedades específicas do objeto
referido; eles apenas o denotam. Mesmo quando eles possuem alguma complexidade sintática,
como é o caso do nome ‘Touro Sentado’, ela de nada serve à referência.
Nomes
próprios são classificados nos livros escolares como nomes de pessoas, objetos
ou lugares. Mas essa é uma classificação simplificadora se considerarmos a grande
variedade de objetos particulares que podem ser referidos por eles. Além de
nomes de pessoas e animais, há nomes de construções humanas, como cidades, de objetos
geológicos, como montanhas e rios, de objetos astronômicos, como planetas e nebulosas,
de fenômenos naturais como furacões e vulcões, de regiões geográficas e de instituições
financeiras, além de nomes de objetos abstratos como números e fórmulas
matemáticas.
Relações
entre os tipos de termos singulares
Faz parte
da concepção essencialmente cognitivista-descritivista a ser defendida nesse
livro a sugestão de que não deve haver uma fronteira nítida a separar os indexicais
de descrições definidas e essas últimas dos nomes próprios. Uma descrição
definida como ‘o homem que está discursando naquele palanque’, por exemplo, é
conotativa, mas contém o demonstrativo ‘aquele’ com função indexical. Nesse
sentido ela não é uma descrição definida tão pura quanto, digamos, ‘o sapo barbudo’.
Considere agora um termo singular como ‘o Cristo Redentor’. Sendo antecedido de
artigo definido, ele conota descritivamente a propriedade identificadora da
estátua, que é a de ser uma homenagem ao Deus cristão. Ele contém, pois, elementos
de descrição definida. Contudo, ele também tem aspectos de nome próprio, na
medida em que ao usá-lo não costumamos ter em mente a homenagem ao Deus cristão,
mas a própria estátua do Cristo situada no alto do Corcovado. Assim, a expressão
‘o Cristo Redentor’ parece estar a meio caminho entre uma descrição definida e
um nome próprio. Muito diferente é o caso de um nome próprio típico como
‘Machado de Assis’, referente ao grande escritor carioca. Mesmo que ‘machado’
conote uma ferramenta e ‘Assis’ uma cidade, esses elementos descritivos não tem
nenhuma função identificadora, pois o escritor nem era um machado nem nasceu na
cidade de Assis.
Há uma hipótese vislumbrada por filósofos
como P.F. Strawson[6],
que ajuda a explicar a ausência de fronteiras definidas entre indexicais,
descrições definidas e nomes próprios. Queria expô-la como sugerindo que deve haver
uma progressão estrutural e muitas vezes genética, que vai dos indexicais para
as descrições definidas e delas para os nomes próprios.[7] Os
indexicais teriam de algum modo prioridade como fontes originadoras da referência.
Afinal, parece que a única maneira pela qual podemos aprender a identificar
objetos nos estágios iniciais do aprendizado da linguagem é por intermédio de
atos de chamar a atenção e apontar de parte dos adultos. Como veremos, com base
nesse uso indexical da linguagem nós assimilamos regras de identificação, as
quais podem mais tarde ser expressas por meio de descrições definidas que, diversamente
dos indexicais, podem ser usadas para a comunicação mesmo na ausência dos objetos
por elas referidos. Essa é a vantagem da constância.
Finalmente, como as maneiras de se identificar um objeto, assim como as descrições
correspondentes, podem se diversificar cada vez mais, aprendemos a colocar um
nome próprio no lugar da variedade de descrições definidas usadas para designar
um mesmo objeto, usando-o indistintamente para significar essa ou aquela descrição
ou conjunção de descrições identificadoras.[8] Com
isso podemos nos comunicar sobre objetos sem precisarmos nos comprometer com o
compartilhamento de conteúdos de descrições específicas. Ganham assim os nomes próprios,
além da vantagem da constância, típica das descrições definidas, também a vantagem
da flexibilidade. Essa linha de
pensamento nos oferece não apenas uma hipótese de trabalho, mas um itinerário a
ser seguido.
2
TERMOS INDEXICAIS
Indexicais
são termos singulares que nos permitem identificar particulares diferentes em
diferentes contextos de proferimento. Eles são epistemologicamente importantes
porque é através deles que a linguagem, por assim dizer, toca na realidade. Geralmente
se admite que um indexical possui minimamente duas espécies de significado: a função lexical e o conteúdo semântico. Quero começar considerando cada um deles
separadamente.
A função lexical (também chamada de significado
linguístico, literal, caráter, papel etc.) é algo que não varia com o contexto
do proferimento. Os principais elementos do contexto de um proferimento indexical
são (a) o falante, (b) o auditório, (c) o objeto (o particular) sobre o qual ele fala e (d) o local e o tempo em que o proferimento ocorre. Usualmente cada termo indexical,
através da regra constitutiva de sua função lexical, indica seletivamente um
tipo de elemento pertencente ao contexto
de avaliação do proferimento (que em geral não se distingue de seu contexto
de ocorrência). Eis algumas expressões dessas regras:
1. Os demonstrativos ‘isso’ e ‘aquilo’ têm a função
de indicar algo que circunda o falante quando ele os profere, respectivamente,
o mais próximo e o mais distante, geralmente com auxílio de algum gesto indicador
(ostensão).
2. O pronome pessoal ‘eu’ tem a função de indicar
quem o está proferindo.
3. A palavra ‘nós’ costuma indicar os falantes e ouvintes
presentes em seu proferimento.
4. Os pronomes ‘tu’, ‘vocês’, ‘ele’, ‘ela’, ‘eles’,
‘elas’, indicam primariamente componentes do auditório, respectivamente, o ouvinte,
os ouvintes, um terceiro, uma terceira, os terceiros, as terceiras, no contexto
do proferimento.
5. Os advérbios ‘aqui’ e ‘agora’ têm a função de
indicar respectivamente o lugar e o momento em que são proferidos.
A função lexical de um indexical é uma invariante,
uma vez que se traduz em uma única regra, capaz de se aplicar a uma indeterminada
diversidade de elementos contextuais do tipo por ela especificado (o pronome
‘eu’, por exemplo, é feito para se referir sempre a quem fala no momento em que
fala). Isso demonstra a insuficiência da função lexical para o que nos é de
interesse semântico.
Vejamos agora a segunda espécie de significado
do indexical. Ela é o que chamamos de conteúdo
semântico. Diversamente do caso do sentido lexical, o conteúdo semântico do
indexical depende da aplicação do indexical em uma situação de fala, variando
com o contexto do proferimento. Não é difícil demonstrar que esse contexto
existe. Suponha que um aluno ao ouvir seu nome lido de forma impessoal em uma lista
de presenças responda: “Eu estou aqui”. Suponha agora, por comparação, que após
uma operação um homem acorde em um leito de hospital e, segurando sua mão, sua
esposa lhe diga: “Eu estou aqui”. O pronome pessoal eu tem em ambos os casos
uma mesma função: identificar aquele que fala. Mas há um grau diverso de penetração
no modo de apresentação intencionado pelo falante. No primeiro caso trata-se de
uma pessoa qualquer. No segundo trata-se de uma pessoa bastante específica, à
qual se encontra associada uma multidão de traços psicológicos e físicos, além de
uma história pessoal carregada de memórias compartilhadas.
Há duas concepções gerais competitivas sobre
a natureza do conteúdo semântico, que são a da referência direta (ou milliana) e a cognitivista (ou fregeana em um sentido amplo). Segundo a primeira
concepção, o conteúdo semântico do indexical é o próprio objeto por ele referido no mundo. Já segundo as teorias
cognitivistas, o conteúdo semântico do indexical é um modo de apresentação fregeano, em nosso entendimento, uma regra semântico-cognitiva
episódica.
A
teoria kaplaniana dos indexicais
Uma particularmente
influente teoria referencialista dos indexicais foi proposta por David Kaplan.[9] O sentido
lexical do indexical é chamado por ele de caráter.
Kaplan costuma expor as regras constitutivas de caráteres como funções matemáticas
cujos argumentos são contextos. Eis algumas delas:
1. O caráter do pronome ‘isso’ é uma função de
contextos cujos valores são objetos apontados.
2. O caráter do pronome ‘eu’ é uma função de
contextos cujos valores são os falantes que o proferem.
3. O caráter do pronome ‘tu’ é uma função cujo
valor, para cada contexto, é a pessoa endereçada pelo falante no contexto.
4. O caráter do advérbio ‘aqui’ é uma função de
contextos cujos valores são os inúmeros locais que podem ser referidos pela palavra.
5. O caráter do advérbio ‘agora’ é uma função
cujo valor, para cada contexto, é o tempo desse contexto.
Além
disso, o caráter da sentença “Eu estou com fome”, falada por João, é a função
de um contexto cujo valor é o próprio estado de coisas de João estar com fome. Isso
não passa de uma elegante maneira alternativa de exprimir as mesmas regras que
expomos ao introduzirmos a noção de função lexical do indexical.
A
teoria de Kaplan também deve dar conta do conteúdo semântico do indexical em sua
variabilidade contextual. Para tal ele advoga uma teoria da referência direta,
segundo a qual o conteúdo semântico de um indexical não é algo que se encontra
em nossas mentes, mas a sua própria
referência. Assim, o conteúdo do demonstrativo ‘isso’ é o objeto por ele referido em um contexto C;
o conteúdo do demonstrativo ‘aqui’ é a localização
de C; o conteúdo do advérbio ‘agora’ é o tempo
de C; o conteúdo do pronome ‘eu’ em C é o próprio agente; o conteúdo de um predicado com respeito a C é a propriedade ou relação; e o conteúdo de uma sentença indexical proferida em um
contexto C é a proposição estruturada, que poderíamos entender
como um fato no mundo (um estado de coisas ou um evento) constituído pelo
conteúdo da sentença, podendo esta proposição conter não só particulares, mas
também propriedades e relações como constituintes. Assim, se João diz “Eu estou
com fome”, o conteúdo do pronome pessoal é para Kaplan o próprio João e o
conteúdo do predicado ‘...estou com fome’ é a própria condição de ele estar faminto.
Além disso, o conteúdo semântico de uma
sentença com relação ao contexto tem um valor-verdade de acordo com o mundo (a
totalidade consistente dos estados de coisas) no qual se encontra inserido o contexto.
Assim, “Lá está um rato” é uma sentença falsa no mundo de C, no qual o falante
está apontando para um filhote de gambá; mas ela será verdadeira no mundo possível
de C*, no qual o animal apontado é mesmo um rato. Há, pois, sempre um mundo com
um contexto no qual a proposição é verdadeira.
Kaplan também admite que os indexicais são designadores rígidos. O termo ‘designador rígido’ foi inventado por Saul Kripke,
tendo em mente especialmente o caso dos nomes próprios. Kripke definiu o designador
rígido de duas maneiras. Primeiro como sendo um termo que designa o mesmo objeto em todos os mundos possíveis,
depois como um termo que designa o mesmo
objeto em todos os mundos possíveis nos quais esse objeto existe.[10] Fiel
ao princípio da assunção de intuições linguísticas fundamentais devo rejeitar a
primeira definição, dado ela é claramente contraditória: como pode um nome
próprio se referir em um mundo possível no qual seu objeto de referência não
existe? Que um termo só seja capaz de se referir se existir um objeto de sua referência
é, como Avrum Stroll enfatizou, parte da gramática lógica de nosso conceito de
referência. A segunda definição de designador rígido é, porém, altamente
intuitiva. O nome próprio ‘Aristóteles’, por exemplo, é um designador rígido
porque ele se aplica em todos os mundos possíveis nos quais Aristóteles existe.
Kripke também notou que as descrições
definidas em geral não satisfazem tal condição. Elas não são designadores rígidos,
mas acidentais, a saber: aqueles que designam objetos diferentes em
diferentes mundos possíveis. Considere a descrição definida ‘o amante de Herphylis’.
Essa descrição é um designador acidental, pois embora em nosso mundo (muito provavelmente)
se refira a Aristóteles, em um mundo possível no qual Teofrasto foi o amante de
Herphylis ela se referirá a Teofrasto, que é outra pessoa, quer Aristóteles tenha
ou não tenha nele existido.
É razoável considerar os indexicais como
sendo designadores rígidos, tal como os nomes próprios. Considere, por exemplo,
o pronome ‘eu’. Ele designa quem profere no momento de seu proferimento. Mas aquele
ou aquilo que profere não precisa ser uma pessoa, podendo ser um autômato ou um
programa de computador capaz de dizer ‘eu’. Indexicais são originariamente
palavras indicadoras de um local espaço-temporal, sendo a determinação do que se
encontra nesse local uma adição posterior. Assim, em seu sentido mais originário
a palavra ‘eu’ se refere ao local espaço-temporal de sua emissão no momento em
que ela acontece. Contudo, normalmente o pronome ‘eu’ é usado para designar mais
do que isso, ou seja, a pessoa que o pronuncia
no momento do dizer. Aqui ele pode se referir a uma pessoa em sua localização
espaço-temporal sem que seja especificado quem essa pessoa é. Por exemplo, se alguém
pergunta quem é o próximo a ser atendido em uma fila e uma pessoa responde “eu”,
o contexto não exige que se considere a especificidade própria dessa pessoa.
Geralmente, contudo, está sendo assumido que se trata de uma pessoa específica,
por exemplo, quando um professor pergunta “Quem é Mônica Gicéia de Carvalho?” e
alguém responde “Eu”. Uma vez que fixemos uma dessas intepretações e a mantenhamos
ao considerar o uso do pronome ‘eu’ em outro mundo possível, fica claro que
esse pronome funciona como um designador rígido. Digamos que eu use o pronome ‘eu’
para me referir a minha pessoa. Nesse caso o ‘eu’ será um designador rígido, pois
em qualquer mundo possível no qual eu existisse e proferisse a palavra ‘eu’, ainda
que as circunstâncias fossem muito diferentes e que eu mesmo fosse diferente de
como sou – conquanto não deixasse de ser quem sou – essa palavra continuaria designando
a mim mesmo. A mesma coisa acontece com o demonstrativo ‘isso’. Podemos usar ‘isso’
para apontar para um objeto próximo, mesmo que ele também possa ser usado para apontar
para um local próximo ao emissor do proferimento no momento em que o emite,
independentemente do que ocupe esse local. Suponhamos que, usando esse demonstrativo
nesse último sentido eu aponte para uma maçã vermelha e diga “Isso é vermelho”.
Ele será um designador rígido, pois se aplicará em qualquer mundo possível no
qual ele puder ser usado de modo a apontar para o que estiver na mesma localização
espaço-temporal diante de seu proferidor agora, mesmo que o proferimento seja
falso e nesse local não esteja mais uma maçã vermelha, mas uma pêra verde.
Mas Kaplan
quer mais. Ele quer que o indexical seja um designador cujas regras semânticas
façam com que em qualquer mundo possível o seu referente seja o mesmo que no mundo atual.[11] O efeito
disso é que mesmo nos mundos possíveis nos quais a referência não existe, o
indexical se torna capaz de cumprir com a sua função referencial, posto que ele
é indexado pelo mundo atual! Assim, o indexical se torna um designador rígido no
primeiro sentido de Kripke, o de um designador rígido persistente.
Mas
será que essa sugestão é coerente? Os seguintes exemplos sugerem que não. Imagine
que você esteja em uma sala iluminada e diga “Há luz aqui” e que esse enunciado
seja verdadeiro. A palavra ‘aqui’ indica o lugar em que se encontra o falante
quando ele fala. Mas se em um mundo possível muito próximo ao nosso nesse mesmo
instante falta luz e a sala está às escuras, esse seu enunciado se torna falso.
Não obstante, se o indexical ‘aqui’ fosse indexado pelo mundo atual, como Kaplan
pretende, parece que o enunciado deveria continuar sendo verdadeiro, dado que aqui
a sala se encontra iluminada. Considere ainda o proferimento “Eu estou com fome”
sendo o pronome usado para indicar uma pessoa específica. Ele é falso se
pensado agora por mim. Mas imagine que em um mundo possível, nas mesmas
circunstâncias presentes, eu esteja realmente com fome ao proferir. Como isso é
possível se o pronome pessoal se refere a mim mesmo no mundo atual, onde eu não
estou com fome?
Tais
incoerências me parecem fatais. E a razão é simples: um local, um objeto, só é
capaz de ser inserido em um mundo possível se for através de suas relações espacio-temporais
e causais com elementos contextuais circundantes que pertençam a esse mundo. Por
isso não é coerente que se fale de um local ou objeto em outro mundo possível,
inserindo-o assim relacionalmente no contexto desse outro mundo e, ao mesmo
tempo, inserindo-o relacionalmente no contexto de nosso próprio mundo, pois quando
isso acontece os critérios pelos quais identificamos o local ou objeto em cada
mundo possível são arbitrariamente misturados. (Uma maneira de tornarmos a proposta
de Kaplan coerente seria reduzir a aplicação do indexical em outros mundos possíveis
às mesmas relações espacio-temporais e causais que ele tem em nosso mundo atual.
Mas isso tornaria a sua proposta inesperadamente fraca, equivalendo praticamente
a dizer que o indexical não possui a referência intencionada em nenhum outro mundo
possível, à exceção de nosso próprio mundo atual.)
Devido
a essa incoerência com a noção de indexação pelo mundo atual, adotarei aqui a
idéia intuitivamente mais segura de que indexicais são designadores rígidos no
sentido de identificarem o mesmo referente em qualquer mundo possível no qual
ele exista, seja ele o que estiver sendo contextualmente definido.
Os
argumentos de Kaplan
Ao
pensar que o conteúdo semântico do indexical deva ser a sua própria referência Kaplan
se apresenta como um defensor da teoria da referência direta, ou seja, da idéia
de que o significado do indexical
seja o seu próprio objeto de referência. Ele apresenta uma variedade de originais
e elaborados exemplos destinados a demonstrar esse ponto. Quero examinar alguns
deles, mostrando que eles não chegam a ser bem sucedidos.
Começo
com um exemplo engenhoso que faz apelo a substituições questionáveis. Digamos que
eu aponte para uma pessoa na rua que me parece ser João e digo[12]:
(1) Ele mudou-se para Brasília,
Isso
é verdadeiro para João, pois sei que ele se mudou para Brasilia. Contudo, quem
está passando na rua não é João, mas José, devidamente disfarçado de maneira a
parecer João. Como José não se mudou para Brasília, a proposição é falsa. Para
Kaplan, se a proposição fosse mero conteúdo cognitivo, ela deveria ser verdadeira,
pois a crença que tenho é a de que a pessoa por mim apontada é João, sendo
verdadeira a minha crença de que João foi para Brasília. Mas não é o que acontece.
Portanto, é o estado de coisas real e não o conteúdo da crença que constitui o
conteúdo semântico envolvido.
Não
é difícil, porém, encontrar uma falha no argumento. Para dizer (1) eu preciso
primeiro identificar a pessoa: eu só estou autorizado a afirmar “Ele mudou-se
para Brasília” porque pretendo ter reconhecido a pessoa na rua como sendo João
e não apenas por saber que João mudou-se para Brasília. O proferimento (1) é,
pois, pensado por mim como a conclusão de um argumento que assume o reconhecimento
correto de João. Esse argumento é o seguinte:
(2) Aquele sujeito lá é João. F
João mudou-se para Brasília. V
Logo: (1) Ele (aquele sujeito lá) mudou-se
para Brasília. F
Assim, (1) não possui como conteúdo a idéia
de que João foi para Brasília, embora resulte de outros conteúdos ideativos
meus, como o conteúdo verdadeiro de que João mudou-se para Brasília e o conteúdo
falso de que aquele sujeito que eu vejo lá é João. Mesmo que (1) resulte dos conteúdos cognitivos
expressos por essas premissas acima, (1) contém um conteúdo cognitivo
independente desses, que comparado à realidade se demonstra factualmente falso.
É esse conteúdo cognitivo o que tenho em mente, esse o conteúdo de
significação, verificado pelo fato de a pessoa ser José, mas que não precisa
nem deve ser confundido com esse próprio fato.
Suponhamos agora, para contrastar, que José
também tenha ido para Brasília. Ora, nesse caso a minha frase (1) será coincidentalmente
verdadeira, o que eu precisarei admitir, mesmo que a tenha derivado da premissa
falsa de que aquele sujeito que eu vejo lá seja João. Isso demonstra que a crença
que tenho de que a pessoa por mim apontada é João não tem nada a ver com o conteúdo
cognitivo que associo a (1).
Outro
argumento de Kaplan, dessa vez inspirado no externalismo semântico de Putnam,
diz respeito a dois gêmeos idênticos, Castor e Pollux, cujos cérebros são monitorados
de modo a terem sempre os mesmos estados cognitivo-psicológicos.[13] Em um
dado momento ambos dizem:
(1) Meu irmão nasceu antes de mim.
Como
Pollux nasceu antes, Castor diz algo verdadeiro e Pollux diz algo falso. Para
Kaplan, como os estados cognitivos são idênticos, a diferença no conteúdo de crença
só pode se encontrar no mundo lá fora, na proposição estruturada.
Contudo, há algo de errado também com esse
exemplo. Ele só funciona se assumirmos, como Kaplan, que o externalismo de Putnam
é correto. Se for, então é possível querer dizer coisas diferentes mantendo o
mesmo estado mental. O argumento de Putnam, porém, será demonstrado implausível
quando discutirmos as referências dos termos gerais. Mas se abstrairmos o externalismo
de Putnam a assunção de que Castor e Pollux estariam tendo idênticos estados cognitivo-psicológicos
e querendo dizer coisas diferentes torna se gratuita. Afinal, por meio do
proferimento (1) com a expressão ‘meu irmão’ Castor deve ter em mente Pollux e Pollux
Castor, e com o pronome ‘mim’ Castor tem em mente Castor e Pollux
Pollux. Mesmo sendo idênticos, os gêmeos possuem nomes diferentes e se diferenciam
pelas posições diferentes que ocupam no espaço. (Castor pode não saber onde está
Pollux, mas sabe que Pollux não pode estar onde ele, Castor, está, mas sempre em
algum outro lugar e vice-versa.)
Assim, é natural pensarmos que só há duas
alternativas: ou eles querem dizer coisas diferentes ao custo de estados cognitivo-psicológicos
diversos, ou então eles pronunciam frases idênticas sem serem capazes de querer
dizer com elas algo que vá além do mero sentido gramatical que se torna o mesmo.
Nesse último caso, a única maneira de se conceber que Castor diz algo verdadeiro
e Pollux diz algo falso é considerar o que eles dizem sob o ponto de vista do ouvinte,
que entende o conteúdo do proferimento emitido por Castor como sendo verdadeiro
e o do preferimento emitido por Pollux como sendo falso. Mas nesse caso um proferimento
é verdadeiro e o outro é falso porque os estados cognitivo-psicológicos do ouvinte
a considerar a frase “Meu irmão nasceu antes de mim” dita por cada um dos gêmeos
é diferente. Assim, uma origem da impressão de que seja possível que Castor e
Pollux tenham idênticos estados cognitivo-psicológicos e diferentes conteúdos
de crença pode ser encontrada na falha em perceber o papel dos intérpretes na
atribuição de sentido ao proferimento.
Para
enfatizar as dificuldades, quero adaptar aqui um exemplo conhecido.[14] Imagine
que em uma loja de roupas Maria veja uma única mulher à sua frente e, em um dos
espelhos ao lado, veja refletida a mesma mulher de costas. Confundida, Maria pensa
que são duas pessoas distintas. Ela está em condições de dizer:
(1) Essa
pessoa não é aquela pessoa.
Contudo, se o conteúdo do pensamento de Maria fosse a
proposição estruturada e o objeto fizesse parte dessa proposição, parece que ela
deveria saber que se trata de um mesmo objeto, de uma mesma mulher. Mas não é
isso o que acontece. Maria acredita falsamente na verdade do seu conteúdo de pensamento
expresso em (1).
A resposta do defensor da teoria da referência
direta poderia ser a de que um mesmo objeto pode ser acessado sob modos diferentes,
os quais são condicionados pelos caráteres dos indexicais envolvidos. Assim, os
indexicais ‘essa’ e ‘aquela’ em (1) tem caráteres diversos, que para Kaplan
estão no lugar dos sentidos fregeanos, permitindo o erro na identificação “dessa”
ou “daquela” pessoa. Essa resposta, porém, esbarra em dificuldades. Afinal ,
Maria poderia ter usado o mesmo indexical duas vezes para designar objetos diferentes,
como na frase:
(2) Essa
pessoa não é essa pessoa,
e ao fazer isso apontar primeiro para a pessoa a sua
frente e depois para a pessoa refletida no espelho ao seu lado.[15] Seria
possível, é verdade, responder que nesse caso a primeira ocorrência do demonstrativo
‘essa’ não pode ser substituída pelo demonstrativo ‘aquela’, enquanto a segunda
ocorrência pode, o que mostra que o diferente caráter dos indexicais se encontra
implícito. Mas podemos imaginar situações nas quais esse não é o caso, como quando
os dois objetos que aparecem a Maria estão muito próximos, ou no caso de uma
língua na qual os demonstrativos ‘essa’ e ‘aquela’ são cobertos por um único indexical.
O que esses
contra-exemplos sugerem é que existe mais entre o indexical e o objeto do que um
mero caráter nos permite imaginar. Ao influir na atribuição de verdade, o modo de
apresentação do objeto pelo indexical permite um detalhamento cognitivo da experiência
que vai além daquilo que a função lexical do indexical é capaz de explicitar. Nós
experienciamos os objetos sempre sob perspectivas, sob modos de apresentação,
sob sentidos fregeanos com base nos quais os inferimos. Entender o conteúdo
semântico em termos da própria referência, na independência desses modos de
apresentação, é deixar sem explicação o caráter perspectivista ou aspectual da
experiência.
Talvez hajam estratégias concebíveis
contra as objeções recém-apresentadas. Podemos interpretar o objeto, a propriedade
e mesmo o fato de uma maneira aspectual e mesmo assim externa. Nesse caso (i)
diz respeito a dois subfatos: (i-a) o subfato de algo que aparece à frente do
falante com a aparência de uma mulher vista de frente e (i-b) o subfato de algo
que aparece ao lado direito do falante com a aparência de uma mulher vista de costas.
Cada um desses subfatos é objetivo (pois poderia ser similarmente acessado por
outra pessoa que estivesse no lugar de Maria) e mesmo diversamente localizável
no mundo externo, o que torna compreensível a objetividade do erro. Não obstante,
se considerarmos o que pode ser presumido como pertencente ao véu das sensações
e sobre o caso dos proferimentos indexicais falsos, continua sendo indiscutível
que também esses subfatos são primeiramente dados à experiência como modos de
apresentação cognitivos e então concebidos como pertencentes ao mundo externo.
Alternativas
fregeanas
As
idéias de Frege sobre os proferimentos indexicais foram muito brevemente esboçadas
em algumas poucas frases de seu ensaio “O pensamento”. Ele percebeu que no caso
de proferimentos indexicais o conteúdo de pensamento vai além do que as
palavras dizem. Em um exemplo seu, se alguém diz:
(1) Essa árvore está florida,
esse
pensamento não se torna falso daqui a oito meses, quando o inverno tiver feito
a árvore secar. E a razão disso é que nesse caso “o momento da enunciação é parte
da expressão do pensamento”.[16] Frege
dá a entender que os elementos contextuais que cercam o proferimento indexical
são partes não-simbólicas da expressão do pensamento. Para ele, o tempo (e certamente
o lugar) do proferimento, o gesto de apontar, o olhar, são capazes de atuar
como meios complementares de expressão do pensamento. Como consequência, o
proferimento “Essa árvore está florida” feito na primavera exprimirá um
pensamento diferente de quando é feito no inverno. Esse pensamento também irá
variar com a posição do falante e com o lugar do qual ele aponta para o objeto.
Note-se, contudo, que pelo próprio fato
desses elementos contextuais serem para Frege parte da expressão do pensamento,
eles próprios não são o pensamento. Admitindo-se uma reconstrução cognitivista
da concepção platonista que ele mantinha sobre a natureza do pensamento,
devemos concluir que, como estado cognitivo-psicológico objetivamente concebido,
o pensamento indexical, ou seja, o
conteúdo epistêmico do proferimento indexical, que precisa incluir em si mesmo
a representação mental desses elementos conceituais. Como notou Michael Luntley,
“o pensamento é conteúdo contextualmente expresso e não o próprio estado de
coisas contextualmente situado; ele não é sequer um amálgama de conteúdo mais
contexto”.[17]
Outro ponto é que se o sentido é um modo
de apresentação geralmente exprimível em descrições, parece que os elementos contextuais
que ajudam a exprimir o pensamento indexical deveriam poder ser traduzidos em
termos descritivos de modo a formar frases eternas, capazes de expressar o pensamento
na independência do contexto. Assim, parece que um proferimento como (1) deveria
poder ser substituído por
(2) O local mais próximo apontado pelo falante F situado
no local espacial E no momento T ao proferir a frase ‘Essa árvore está florida’
(ao dizer que essa árvore está florida) contém um objeto que tem as
propriedades de ser uma árvore e de estar florido.
Note-se
que o sentido do demonstrativo ‘essa’ no proferimento (1) é ‘o algo situado no
local E que o falante F no tempo T aponta’, que é um modo de apresentação contextualizado.
Como notaria Frege, sua referência é indireta, é o sentido. Naturalmente, se
uma dessas variáveis mudar, o pensamento expresso também será alterado.
Essa maneira de ver contrasta com o ponto de
vista de Kaplan. Para ele o sentido fregeano do indexical é o seu caráter,
enquanto o conteúdo semântico é o seu objeto referido. Essa correlação
<sentido-caráter> seria mais plausível se expressões outras que não as
indexicais não tivesse algo equivalente ao caráter ou função lexical. Mas não é
assim. O nome próprio tem algo correspondente ao caráter, que consiste na sua
função linguística de nomear o seu portador. Mesmo assim, o sentido fregeano do
nome próprio não é a sua referência, mas o seu modo de apresentação, que em nosso
entendimento inclui a função de nomear, embora de modo algum se limite a ela. O
mesmo podemos dizer do termo geral: o seu caráter é a sua função predicativa,
que pode ser entendida como um modo de apresentação fregeano. A própria frase
tem um caráter, que consiste no que tem sido chamado de o seu sentido literal; esse sentido literal da frase pode ser caracterizado como
aquilo que podemos entender se não tivermos qualquer informação que auxilie na
identificação da referência.[18] Uma frase
como “Cesar visitou Calpúrnia”, por exemplo, tem um sentido literal, um
caráter, que é anterior ao conteúdo epistêmico, ao pensamento fregeano, pois sabemos
que ela é sintaticamente correta mesmo se não conhecêssemos nada de história
nem dos sentidos fregeanos dos nomes ‘Cesar’ e ‘Calpurnia’. Já para entendermos
o sentido-pensamento expresso, nós precisamos mais do que isso. Nós precisamos conhecer,
ao menos em suficiente medida, os sentidos ou modos de apresentação associados
a esses nomes, o contexto no qual seus portadores existiram, aquilo que doa valor
epistêmico (Erkenntniswert) ao que é
dito. (Cesar visitou sua esposa Calpúrnia na noite do dia anterior ao seu
assassinato, quando ela lhe avisou de um sonho que continha um mau presságio,
pedindo-lhe para não ir ao senado.) Ora, se mesmo em frases não-indexicais a tricotomia
<caráter – sentido epistêmico – referência> se mantém, por que rejeitá-la
para as frases indexicais? Se ela existe para nomes próprios, por que
rejeitá-la para os termos indexicais?
Podemos agora
retornar a um esquema próximo ao de Frege de níveis semânticos tendo em vista a
frase indexical predicativa singular.[19] Para
tal é preciso distinguir dois subníveis semânticos do sentido cognitivo (Sinn): (i) o subnível do sentido lingüístico
(lexical, literal), contextualmente independente, e (ii) o subnível mais propriamente
epistêmico (Erkenntniswert) do
conteúdo semântico, que Frege mais propriamente tinha em mente e que no caso é
também contextualmente determinado. Eis o esquema:
Indexical
predicado frase
Sentido sentido + função = sentido
sentido linguístico
lexical predicativa lingüístico
cognitivo
Sentido
conteúdo + conteúdo
= conteúdo
de
Cognitivo
semântico conceitual pensamento
Referência objeto +
propriedade
= fato
(sistema
de (simples ou (combinação
propriedades)
composta) de proprie-
dades e sis-
temas
de pro-
priedades)
Vemos, pois, que o sentido lexical do indexical também
pode ser entendido como fazendo parte (secundária) do sentido cognitivo, pois esse
último consiste na determinação geral de um tipo de entidade a ser apresentada.
Mas ele precisa ser complementado por aquilo que é epistemicamente relevante, pelo
conteúdo semântico-cognitivo, que no caso é o modo de apresentação de alguma coisa
contextualmente dada. O mesmo acontece com a frase indexical. Considere a frase
“Aquilo é uma raposa”. A articulação gramatical da frase não deixa de fazer
parte do sentido que ela exprime. Mas ele só se torna relevante e se completa
como pensamento se contiver também o restante da regra verificacional, que deve
incluir os critérios específicos de identificação de um objeto físico como as
propriedades que fazem do animal uma raposa.
Um outro ponto é que embora no proferimento
indexical o sentido determine a referência, ao mesmo tempo a referência também
determina o sentido. A árvore florida real determina causalmente a sua identificação
pelo demonstrativo ‘aquela’, o qual, tendo ganho conteúdo cognitivo, passa a
determinar para o intérprete onde a árvore se encontra. Mas não parece que isso
requeira qualquer modificação relevante no princípio fregeano de que o sentido
determina a referência. Afinal, é óbvio que em geral as regras semânticas são estabelecidas
convencionalmente tendo como base causal a própria referência. Isso acontece
com nomes próprios e termos gerais, cujas regras semânticas são determinadas com
base na experiência que temos de objetos e propriedades. A diferença é que no
caso dos nomes próprios e dos termos gerais essa experiência deu-se geralmente
no passado e gerou convenções semânticas tácitas, mais ou menos compartilhadas entre
os falantes. Essas convenções são os sentidos fregeanos, devidamente
reconstruidos, os quais por sua vez são usados para determinar a referência.[20] A diferença
com relação ao indexical não está, pois, no fato de o sentido cognitivo ser
determinado pela referência, mas no fato de ele estar sendo presentemente determinado pela sua referência e pelo
fato de que a regra que o constitui – que é o próprio conteúdo semântico do indexical
– não ter chegado a se instituir na forma de uma convenção entre os falantes
(embora, como veremos, ela possa se tornar eventualmente uma convenção, no caso
em que partes importantes do conteúdo acabem por se tornarem explicitáveis
através de descrições definidas suficientemente compartilhadas entre os
falantes).
Finalmente,
uma concepção como a fregeana responde melhor ao problema do conteúdo das
frases indexicais falsas. Suponhamos que alguém, vítima de psicose alcoólica,
tenha a alucinação perfeita de um cavalo branco. Ele diz “Lá está um cavalo branco”
apontando para o espaço vazio. Para a teoria da referência direta, a crença
falsa que a pessoa está tendo precisaria ter uma natureza semântica intrinsecamente
diversa da natureza da crença que ela tem quando aponta para um cavalo de carne
e osso no mundo atual. Afinal, só no último caso o conteúdo semântico do
indexical está sendo realmente dado! Contudo, não parece haver qualquer
diferença intrínseca entre um e outro conteúdo fenomenal de crença, podendo ser
as alucinações na psicose alcoólica perfeitamente realistas. A concepção fregeana,
valendo-se de modos de apresentação que podem ser fenomenalmente interpretados,
não diferencia radicalmente as crenças indexicais falsas das crenças indexicais
verdadeiras. Para ela o proferimento “Lá
está um cavalo branco” tem exatamente o mesmo significado, o mesmo modo de
apresentação, seja ele verdadeiro ou falso, o que está em perfeito acordo com
nossas intuições semânticas.[21]
Consideração
de objeções
Quero
agora apresentar algumas objeções mais importantes feitas ao entendimento
cognitivista neofregeano do conteúdo semântico dos indexicais, seguidas de suas
respostas.
A
primeira é a de que devem existir conteúdos de pensamento irredutivelmente indexicais.
John Perry[22]
introduziu essa objeção por meio de um conhecido exemplo. Encontrando-se uma vez
em um supermercado ele percebeu um rastro de açúcar no chão e pôs-se a procura
do responsável. Após dar uma volta ao redor da estante ele percebeu que o rastro
vinha do seu próprio carrinho! No começo a sua constatação era
(1) Alguém está fazendo uma bagunça.
No
final a sua constatação se tornou
(2) Eu estou fazendo uma bagunça.
A
constatação (2) não é a mesma que (1), pois acompanhou-se de uma súbita mudança
de comportamento. Ela também não pode ser substituída por (3) “Perry está fazendo
uma bagunça”, pois suponha que Perry estivesse sofrendo de demência, tendo
esquecido o seu próprio nome... A constatação poderia, é certo, ser substituída
por (4): “Perry está fazendo uma bagunça e Perry sou eu”. Mas nesse caso apenas se reconhece a indispensabilidade do
indexical.
O ponto em questão é o seguinte. Se Frege estivesse
certo, então o modo de apresentação do objeto expresso pelo indexical deveria poder
ser sempre parafraseado por uma descrição definida. Mas o exemplo de Perry
demonstra que o pronome pessoal ‘Eu’ em “Eu estou fazendo uma bagunça” não pode
ser substituído por descrição alguma sem que o seu conteúdo se altere. Ora,
isso parece suportar a idéia de que o conteúdo semântico do indexical é o
próprio objeto referido e que a concepção referencialista do conteúdo semântico
dos indexicais é correta.
Uma
resposta a essa objeção é a que foi apresentada por J.R. Searle. Ele admite a
conclusão de Perry de que é impossível encontrar uma paráfrase descritiva que preserve
exatamente os mesmos critérios de verdade da frase indexical (2). Contudo, ele
pensa que essa constatação não basta para derrubar a idéia de que os indexicais
possuem sentidos fregeanos como conteúdos semânticos, pois mesmo que não
possamos substituir o indexical por uma descrição equivalente, isso não implica
que o conteúdo semântico não seja um sentido fregeano.[23] É
perfeitamente possível que o indexical se refira através de um modo de apresentação
sem que este último seja resgatável por descrições, ou pelo menos sem que ele
seja inteiramente resgatável por elas. Não creio, porém, que sequer essa concessão
seja necessária. Pretendo mais adiante demonstrar que há descrições capazes de
substituir os indexicais preservando o essencial. Antes de introduzir minha
resposta, porém, quero discutir outras objeções de Perry.
Eis um outro contra-exemplo que adapto de
Perry[24]:
Maria profere o enunciado
(1) Hoje é 7 de setembro.
no dia
6 de setembro. Logo a crença é falsa. Perry supõe que para Frege é preciso
haver alguma descrição que capture o sentido do indexical ‘hoje’. Suponha que
Maria esteja pensando na descrição ‘o dia da proclamação da república’. Nesse
caso, ao dizer (2) Maria está querendo dizer
(2) O dia da proclamação da república é 7 de setembro.
Nesse
caso, a teoria fregeana implica que a palavra ‘hoje’ dita no dia 6 se refere ao
dia 7 de setembro, e que o proferimento (1) dito em 6 de setembro expressa uma
crença verdadeira, o que é absurdo. Portanto, a teoria de Frege não deve ser
correta.
Mas
há problemas com essa objeção de Perry. Primeiro que mesmo que Maria esteja
pensando em (2), não é obviamente isso o que ela está querendo dizer com (1). Ela
não está interessada em informar que feriado nacional é o dia 7. Ela só pode ter
querido dizer o enunciado de que o dia no qual ela produz o proferimento (1) é
o dia 7 de setembro, o que sabemos ser um enunciado falso.
Considere agora a descrição (4): “No dia 6
de setembro de 2011 Maria diz ‘Hoje é dia 7 de setembro’”. É verdade que a
frase (4) não é sinônima de (1): ela lhe acrescenta informação. Além disso ela
ainda contém o indexical ‘hoje’. Mas ela contém uma melhor substituição ao
transformar o indexical ‘hoje’ em uma palavra que é apenas metalinguisticamente
mencionada, ou seja, em algo que tem como referência (supomos) apenas a sua
função lexical, que não é contextualmente relativa, sem deixar de preservar o
mesmo valor-verdade (falso) da frase (1). Essa me parece uma substituição descritiva
mais razoável.
Kaplan
adiciona a essas objeções um problema modal. Suponha que eu diga:
(1) Se
eu existo então eu estou falando.
e
suponha que o sentido do termo ‘eu’ seja ‘a pessoa que está falando’. Nesse caso
a sentença passa a significar o mesmo que
(2) Se a pessoa que está falando existe então a
pessoa que está falando está falando.
Contudo,
pensa Kaplan, (2) exprime uma verdade necessária, uma proposição verdadeira em
todos os mundos possíveis, diversamente de (1), que é contingente. Logo, (2) não
pode querer dizer o mesmo que (1).
Uma resposta provém da constatação de que o pensamento
(1) é ambíguo. Ele pode querer dizer (1a): “Se acontece de eu existir, então
acontece de eu estar falando”, que é contingente. Mas ele também pode querer dizer
(1b) “Se eu existo ao falar o que estou falando, então estou falando”, que é
necessário. Afinal, em qual mundo possível seria verdadeiro o proferimento “Se
eu existo ao falar o que estou falando, então eu não estou falando”? Assim (2) não precisa ser entendido como pertencente
a uma categoria diferente de (1), pois (2) se deixa implicar por (1) se este último
for interpretado no sentido (1b) de um enunciado necessário.
Em mais
um exemplo de Perry[25], elaborado
de forma mais enfática por Searle[26], imagina-se
que David Hume diga
(1) Eu sou Hume,
e
que nesse mesmo momento em um planeta distante chamado Terra-Gêmea – onde quase
tudo acontece exatamente do mesmo modo que aqui na Terra – o Doppelgänger
de David Hume, que se chama Heimson, diga
(2) Eu sou Hume.
Parece
que o pensamento é o mesmo: ambos pensam ser o filósofo David Hume. Contudo, a
sentença (1) é verdadeira enquanto a sentença (2) é falsa. Parece, portanto,
que Frege está errado e que o conteúdo semântico do indexical não se reduz ao
pensamento. Ele deve ser a própria referência, que só no primeiro caso é o
próprio Hume, sendo no segundo caso Heimson!
Para
responder a essa objeção é preciso em primeiro lugar considerar que para uma concepção
como a de Frege não só o tempo, mas também o lugar do proferimento podem (e na
verdade devem) ser considerados pertencentes
ao pensamento indexicalmente expresso, na medida em que forem considerados,
sendo essa pertinência estabelecida pelo fato desses fatores contribuirem para
o valor-verdade do pensamento em questão. Ora , como o verdadeiro ‘Hume’ se encontra
em um lugar chamado Terra e não em outro chamado Terra-Gêmea, (1) é um
proferimento verdadeiro por se referir ao Hume da Terra, enquanto (2) é falso
por se referir a quem não é o Hume da Terra.
A
essa resposta se poderia ainda objetar que “Eu sou Hume” é verdadeiro para o Hume
da Terra e falso para Heimson, mesmo que eles não saibam de nada acerca da Terra
e da Terra-Gêmea; afinal, não precisamos, para usarmos indexicais corretamente,
conhecer muito mais além das circunstâncias imediatas de sua aplicação. Contudo,
essa objeção advém de não termos percebido que o pensamento indexical envolve a
localização no espaço como um todo e não só no espaço que circunda o falante,
posto que até onde sabemos o espaço forma (como diria Kant) uma unidade. Assim,
se adicionarmos que Hume disse “Eu sou Hume” em sua casa em Edimburg, na Escócia,
no planeta Terra, que é o terceiro do sistema solar e que se encontra no braço
Órion da via Láctea... essas informações encontram-se pelo menos implicadas
pelo pensamento indexical e seriam admitidas pelo próprio Hume como implicações
legítimas se ele fosse devidamente informado a respeito. Assim, quando Heimson
diz “Eu sou Hume”, na medida em que ele tem a intenção de identificar-se com
David Hume[27],
ele não pode estar dizendo outra coisa senão:
(2’ )
Eu sou o Hume histórico do planeta Terra.
Mas com
isso Heimson faz repousar o seu pensamento sobre a assunção contextualmente
falsa de que ele é Hume e de que ele se encontra na Terra e não na Terra-Gêmea.
Quem quer que saiba que o Hume histórico do planeta Terra não pode ser Heimson,
saberá que o proferimento (2’ )
é falso.[28]
Respondendo
ao problema do indexical essencial
A
maneira neofregeana de pensar a distinção entre sentido lexical e conteúdo semântico
tem a meu ver uma vantagem teórica importante ao permitir-nos uma tradução suficientemente
adequada das frases indexicais em frases eternas, uma tradução que em meu juizo
dissolve o problema do indexical essencial.
Usando
exemplos de Perry e Kaplan, imagine que em diferentes ocasiões ele diga:
A
1 Eu estou fazendo uma bagunça.
2 Agora preciso ir à reunião.
3 Hoje está chovendo.
4 Hoje é 4 de julho de 1972.
Suponha
também que o primeiro e o terceiro proferimento sejam verdadeiros, enquanto o segundo
seja falso por ter sido cancelada a reunião sem que o falante tenha sido informado,
sendo o quarto proferimento falso por ter sido proferido em 3 de julho de 1972.
Ora, os proferimentos listados em A podem ser correspondentemente substituidos
pelas frases eternas listadas em B:
B
1 Na seção de adoçantes do supermercado Fleuty em
Berkeley às 8 da noite do dia 23/06/1968, vendo que o seu carrinho está
deixando um rastro de açúcar pelo chão, Perry diz que ele está fazendo uma bagunça (ou: “Eu estou fazendo uma bagunça”).
2 Na entrada da UCLA-Berkeley ao meio dia de
2/08/1972 Perry consulta seu relógio e conclui que precisa ir à reunião, que é às 13 horas.
3 No Willard Park, em Berkeley, às nove horas da
manhã do dia 12/05/1972 começa a chover e Perry nota que está chovendo.
4 No dia 3 de julho de 1972, às 9 da manhã, em Berkeley[29], Perry
diz: “Hoje é 4 de julho de 1972” .
Aqui
outra vez os mesmos pontos podem ser observados. Primeiro, embora os indexicais
compareçam nessas paráfrases, eles o fazem como cláusulas-que ou, de qualquer
maneira, metalinguisticamente mencionados. Como consequência, eles perdem a sua
função referencial, sendo apresentados apenas em sua função lexical intralinguística
(como já notei, Frege diria que as referências deles são os seus sentidos).
Esse procedimento permite que evitemos as paráfrases de se tornarem frases
indexicais. Além disso, esse mesmo procedimento é necessário para capturar a
propriedade de reflexividade-token das
frases que expressam proferimentos indexicais, uma vez que as relações
contextuais que participam na expressão do pensamento precisam ser capturadas
pela paráfrase. Ou seja: ao expormos essa relações através de uma metalinguagem
semântica, nós consideramos apenas a função lexical de seus indexicais, abstraindo
assim de sua função referencial.
É fundamental notar que não estou tentando
defender que todos os aspectos do sentido realmente pensados pelos falantes das
respectivas sentenças do primeiro e do segundo grupo são exatamente os mesmos. No
que concerne à relação entre B1 e A1, por exemplo, é possível que Perry tenha
esquecido o próprio nome e que ele não saiba o nome do supermercado onde se encontra.
Mas isso não tem a menor importância para o que pretendo demonstrar, pois nós percebemos
que um número indeterminado de detalhes pode ser adicionado na complementação
das frases eternas. Posso, por exemplo, dizer que o supermercado Fleuty está ao
norte da cidade de Connecticut, nos EUA, que o Willard Park é uma praça em Berkeley,
que a tarde de 12/05/1971 é estabelecida pelo calendário gregoriano baseado no
tempo histórico do planeta Terra etc. Essa possibilidade de complementação da
determinação espaço-temporal tem a ver, aliás, com o elemento indexical pervasivo
em todo o discurso empírico. O que quero dizer, porém, é que Perry pode saber
mais ou menos dos conteúdos A1, A2, A3 e A4, mas que aquilo que Perry sabe se
encontra ao menos implicado respectivamente por B1, B2, B3 e B4, a saber, está
sendo pressuposto nesses pensamentos. Em outras palavras, o que faço ao traduzir
uma sentença indexical em uma sentença eterna da espécie indicada é adicionar implicações
que o falante possivelmente desconhece, ainda assim capturando o máximo daquilo
que o proferimento do falante é capaz de expor. É essa relação de pertencimento
ao conteúdo e não uma relação de identidade de conteúdo o que aqui importa. Afinal,
o que uma tradução precisa capturar é o conteúdo na independência daquilo ela que
traduz, não importando que lhe adicione elementos factuais novos, não pensados
ou mesmo não sabidos pelo falante, sendo isso o que as paráfrases da coluna B
fazem.
Mas se é assim, então por que o indexical
parece essencial e insubstituível? Receio que a resposta seja mais trivial do
que se possa imaginar. Ela reside no simples fato de que os elementos
fenomenalmente dados à percepção não podem ser linguisticamente reproduzidos por
descrições. Não posso reproduzir através de descrições lingüísticas o perfume
da água de colônia, nem o calor do sol, nem a beleza de uma paisagem, a não ser
por intermédio de paráfrases indiretas, que só serão compreendidas por quem já
possui experiências fenomenais equivalentes. Eu reconheço que quanto a isso os conteúdos
semânticos dos indexicais permanecem intraduzíveis em termos descritivos: embora
seja possível descrever o interior da catedral de Notre Dame, é impossível
reproduzir dessa maneira as sensações visuais que se tem ao visitá-la. Contudo,
não é esse elemento fenomenal o que importa, pois ele não satisfaz a função
primordial da linguagem de comunicar com base em convenções. Considere, por
exemplo, o proferimento “Eu estou fazendo uma bagunça”. Só quem participa da
situação indexical como falante ou ouvinte pode ter acesso ao conteúdo fenomenal
desse proferimento. Mas do ponto de vista do conteúdo semântico-cognitivo isso
é irrelevante.
Com efeito, os conteúdos dos proferimentos
do grupo A só são relevantes para a comunicação na medida em que se tornam resgatáveis
pelas frases eternas do grupo B, mesmo que essas últimas não conservem nada do
conteúdo fenomenal vivenciado no proferimento. Mais ainda, essas substituições
são frequentes e realmente úteis quando reportamos conteúdos de proferimentos
indexicais a terceiros. Assim, o que há de realmente único no indexical são apenas
os aspectos fenomenais de seus sentidos (as colorações do proferimento
indexical), os quais são episódicos e irrepetíveis. Contudo, por isso mesmo
esses aspectos se tornam incomunicáveis a quem não compartilha da situação de fala,
deixando de importar à linguagem. Ou seja, embora no que concerne ao elemento fenomenal
o episódio identificador e verificacional no qual se dá o pensamento indexical seja
único e insubstituível, a um ponto que o próprio falante não seria capaz de reproduzi-lo,
o mesmo não acontece com o pensamento indexical. Esse pensamento, entendido
como um modo de apresentação fregeano, ou, tal como prefiro interpretá-lo, como
uma combinação episódica de regras relacionando o falante ao contexto, pode ser
descritivamente registrado e reproduzido. A regra constitutiva do conteúdo
semântico do indexical é episódica, tal como a coloração fenomenal, mas diversamente
da última, é descritivamente reproduzível pela linguagem. Como a função da linguagem
comunicacional não é a de preservar o elemento fenomenal, mas a de selecionar o
que pode ser comunicado, o essencial do proferimento indexical é preservado nas
paráfrases da classe B.
A favor de minhas paráfrases está o fato
de que o próprio Perry poderia eventualmente reconhecer as substituições B1, B2,
B3 e B4 como sendo válidas. Ele poderia ser informado, por exemplo, que ao
dizer que estava fazendo uma bagunça era o dia 23/06/1968 e que ele estava no supermercado
Fleuty, ao norte de Connecticut etc. estendendo assim o que ele sabe daquilo
que ele mesmo experienciou. Em outras palavras: os sentidos dos substitutos
não-indexicais dos proferimentos indexicais podem ser considerados traduções
adequadas, uma vez que aquilo que eles perdem são elementos fenomenais subjetivos
e episódicos, enquanto o que lhes pode ser adicionado são extensões não-próprias,
mas inferencialmente legitimáveis, do conteúdo semântico dos indexicais por
eles capturados.
O que foi dito acima pode ser melhor esclarecido
quando percebemos que a tensão entre este “sentido episódico” do proferimento
indexical e o sentido da sua paráfrase não-indexical só vem a ocorrer enquanto
o conteúdo do proferimento é acessível ao falante e ao ouvinte, mas não à comunidade
lingüística em geral. Se
o avaliador do conteúdo dos proferimentos da coluna A não for o próprio Perry,
mas uma terceira pessoa que os reporta, nós implicitamente admitiremos que os
seus conteúdos sejam descritivamente explicitáveis. Por exemplo: Mary ouviu Perry
dizer que está chovendo. Mas Perry ingeriu uma droga que o tornou provisoriamente
psicótico e, como resultado disso, além de acreditar que é outra pessoa, está
alucinando que se encontra exposto a uma tempestade. Mais tarde, ao contar o
episódio a alguém, Mary diz algo como “Quando estávamos no Willard Park em Berkeley,
no diz 12, Perry disse que estava chovendo quando na verdade não estava”. Aqui,
para o propósito de comunicação, A3 já foi completamente substituída por ao
menos parte de B3. Ora, como o proferimento
com indexicais só ganha interesse em termos informativos para a comunidade
lingüística na medida em que ele for substituível por proferimentos em terceira
pessoa, proferimentos cujo conteúdo é interpessoalmente acessível através de
descrições independentes do contexto e nos quais o elemento fenomenal se perde
por ser limitado ao episódio em que o indexical tiver sido inicialmente usado,
sua irrelevância comunicacional fica demonstrada.
Em resumo: constatamos ser possível a
substituição do proferimento indexical por uma frase descritiva capaz de
preservar o que mais interessa: o conteúdo semântico convencionalmente fundado
como o sentido epistêmico (fregeano) da frase indexical. É verdade que ao fazermos
isso adicionamos elementos que não foram pensados pelo falante. Contudo, eles são
capazes de ser reconhecidos por ele e pelos outros falantes como assunções complementadoras
do proferimento. Por ser comunicável na independência do contexto, tal paráfrase
descritiva é a que realmente importa. Ela é possível e desejável como um filtro
através do qual são abstraídos os aspectos fenomenais não-convencionalmente
fundados e de menor interesse.
A
plasticidade do pensamento
Considere
agora os seguintes pares de proferimentos e pergunte-se se eles têm ou não têm
o mesmo sentido:
1a Eu
estou com fome (dito por João) e
1b Você está com fome (dito por Maria para João).
2a Hoje
é um belo dia (dito hoje) e
2b Ontem foi um belo dia em Natal (dito amanhã no
mesmo local).
A resposta
de Frege para casos como esses parece claramente inconsistente. Explicitamente,
ao analisar um caso do tipo (2), ele sugeriu que se trata do mesmo pensamento[30], o que
parece estar de acordo com nossa intuição lingüística ordinária. Além disso, a
sugestão está de acordo com o critério para a identidade do pensamento sugerido
por Frege, segundo o qual, dados dois pensamentos P1 e P2, eles serão idênticos
quando for impossível atribuir um valor-verdade a P1 sem atribuir o mesmo valor
a P2.
Mas fica a questão de se saber se os pares
de sentenças acima não são capazes de exprimir pensamentos diferentes. Afinal, mesmo
que o valor-verdade deva no final coincidir, Maria pode ter razões para pensar que
João está faminto sem que ele realmente esteja, mas João dificilmente se
enganará acerca de seu desejo de comer, uma vez que o modo de acesso que ele
possui é mais direto. Além disso hoje alguém pode se enganar acreditando que ontem
foi um belo dia em Natal, simplesmente por não ter estado ontem em Natal e ter
sido confundido por falsas informações. Mas é mais difícil que alguém seja
enganado por sua própria memória em um caso como esse. Minha sugestão é a de que
é preciso admitir que nosso conceito de pensamento possui o que seria possível chamar
de enfatização semântica, definível
como sendo a propriedade de certos
conceitos de terem algumas condições de aplicação efetivamente satisfeitas em
sua verificação efetiva, o que conduz a uma diferença naquilo que é
semanticamente considerado, resultando no que poderíamos chamar de uma
diferente ênfase semântica. Ou seja: devemos admitir que usamos a expressão
‘o mesmo pensamento’ de maneira mais ou menos exigente de acordo com o interesse
dos falantes, sem que haja um critério geral que estabeleça um mesmo grau de precisão
para todos os casos. Sob tal perspectiva as frases dos tipos (a) e (b) sob um nível
de exigência menor exprimem pensamentos iguais, embora sob um nível de exigência
maior possam exprimir pensamentos diferentes.[31]
Com
efeito, quando digo que você e eu tivemos “o mesmo” pensamento, estamos falando
de similaridade entre dois conteúdos de pensamento, e o grau de congruência
exigido dependerá dos interesses envolvidos no contexto do proferimento. Considere
os exemplos. Os pensamentos (1a) e (1b) são similares, pois compartilham de alguns
critérios de verificação, mas não de outros. Maria sabe que João está com fome
porque sabe que ele ficou sem comer por muito tempo; João sabe que ele próprio está
com fome porque sente a barriga roncando. Os dois critérios são inferencialmente
interligados, a satisfação do primeiro usualmente implicando na do segundo, na própria
fome de João – a condição última de verdade, o fato verificador último. Por
isso, embora grosso modo os proferimentos (1a) e (1b) expressem um mesmo núcleo
de pensamento, que atribui a João a sensação de fome, um exame mais acurado mostra
que é possível encontrar diferenças em detalhes, pois tais pensamentos envolvem
modos de apresentação algo diversos de um mesmo estado de coisas, procedimentos
verificacionais algo diversos, o de (1a) baseado em um fazedor de verdade primário,
o de (1b), uma ramificação verificacional baseada em um fazedor de verdade secundário.
O mesmo se aplica a (2a) versus (2b).
“Hoje é um belo dia” se verifica diretamente pela percepção, enquanto “Ontem foi
um belo dia” se verifica indiretamente, digamos, por intermédio da memória da
percepção de algo que foi diretamente verificado. Nesse último caso, o mesmo
estado de coisas é apresentado por um caminho verificacional mais longo, que
pressupõe o primeiro. Contudo, o critério mais próprio está outra vez na
condição de verdade, no fazedor de verdade que podemos chamar de o fato verificador.
Assim, de um ponto de vista maximamente genérico, que envolve somente a condição
de verdade, os pensamentos (1a) e (1b) são os mesmos, o mesmo se dando com (2a)
e (2b). Por outro lado, se tomarmos como base a diferença no modo de apresentação
do estado de coisas refletida na diversidade do indexical empregado, os
critérios deixam de ser os mesmos, resultando disso uma diferença no sentido
cognitivo, uma vez que estou assumindo que o sentido cognitivo de um enunciado
é o mesmo que a sua regra criterial de verificação.[32]
Diante de semelhantes considerações pode
ser argumentado que do ponto de vista da condição última para a identidade do
pensamento, a alternativa mais coerente poderia ser a de elevar as exigências ao
máximo, demandando que qualquer diferença criterial que possa produzir alguma
variação em nossa avaliação do valor-verdade da frase nos permitia identificar
um diferente pensamento. Quero apresentar dois exemplos para mostrar que essa
solução não só não corresponde à nossa práxis lingüística, mas também pode ser tornada
impraticável. O primeiro diz respeito a uma visita que fiz ao museu egípcio em
Berlim a procura do busto de Nefertitis. Ao entrar em um salão cheio de gente, divisei
o busto ao longe, me aproximei e, estando perto, o rodeei lentamente, admirando
a qualidade da escultura. Há uma série de crenças indexicais que posso ter tido
nessa ocasião. Algumas delas seriam formuláveis como:
A
1 Lá está Nefertitis (quando a distingo de longe),
2 Ali está Nefertitis (quando me aproximo dela),
3 Aqui está Nefertitis (quando a examino de perto),
4 Aqui está Nefertitis (quando a vejo de lado),
5 Aqui está Nefertitis (quando a vejo de trás)...
Outro
exemplo diz respeito ao relato sobre o terremoto do Haiti. Alguém pode dizer:
B
1 Acaba
de haver um terremoto no Haiti (dito minutos após).
2 Acaba de haver um terremoto no Haiti (dito horas
após).
3 Hoje houve um terremoto no Haiti.
4 Ontem
houve um terremoto no Haiti.
5 Há um ano
houve um terremoto no Haiti.
A
questão é: em que medida e sob que critérios podemos dizer que os pensamentos de
cada grupo são os mesmos? Se mantivermos a tese da plasticidade semântica do
pensamento, a resposta pode variar.
Primeiro,
se decidirmos ignorar as diferenças entre os componentes lingüísticos e
contextuais da expressão do pensamento, considerando apenas a condição de verdade,
o fato verificador fundamental, podemos dizer que há um único pensamento expresso
pelos cinco proferimentos de cada grupo, qual seja, o de que eu no dia tal e
tal vi o busto de Nefertitis, no primeiro, e o relato de um terremoto no Haiti,
no segundo. Escolhemos aqui os dois núcleo de pensamento contido em todas as
variantes de cada grupo, núcleos cujas condições de verdade últimas – o fato fundamentador
que é o busto de Nefertitis no museu de Berlin e o fato fundamentador de ter
havido um terremoto no Haity, é também implicada por cada variante dos grupos A
e B.
Se
decidirmos ser menos exigentes, fazendo apelo às diferenças linguísticas, então
há para o grupo A três pensamentos diferentes, distinguidos pelos sentidos lexicais
dos indexicais ‘lá’, ‘ali’ e ‘aqui’, que são (A1), (A2) e (A3, A4 e A5). Já para
o grupo B há quatro pensamentos diferentes, distinguidos pelos sentidos
lexicais dos indexicais ‘acaba de haver’, ‘hoje houve’, ‘ontem houve’, ‘há um
ano houve’, que são respectivamente (B1, B2), (B3), (B4) e (B5). Pode-se aqui
considerar que essas diferenças não são, contudo, semânticas, pois se o
significado dos pensamentos expressos pelos grupos A e B de sentenças incluem todas
as ramificações verificacionais, pouco importa qual ramificação verificacional
verificou o pensamento, se a expressa por A1 ou por A4, digamos. Mas podemos
dizer, contudo, que se for A1 então uma ramificação verificacional é realçada e
mesmo que há um sub-fato verificador, que é Nefertitis vista da entrada da sala
do museu, enquanto sendo A4 realça uma outra ramificação verificacional que é a
de Nefertitis vista de lado, uma perspectiva fundamentada pelo sub-fato que é
Nefertitis vista de perfil. Seriam essas diferenças semânticas? Talvez seja melhor
dizer, diferenças no realce semântico.
Finalmente, se quisermos elevar o nível de exigência
mais ainda, demandando que a condição de identidade do pensamento seja dependente
de qualquer coisa que efetivamente tenha influido na avaliação de seu valor-verdade,
deveremos considerar o contexto espacial que envolve a perspectiva e distância da
experiência sensorial que tenho do objeto (explicitado entre parênteses) como constituintes
da expressão de um certo pensamento. Nesse caso poderíamos dizer que há aqui
cinco pensamentos diferentes em cada grupo, um para cada proferimento, pois as
perspectivas e distâncias diferentes no espaço e no tempo contam, posto que dão
ao falante diferentes modos de apresentação, diferentes caminhos referenciais
ou sentidos capazes de contribuir algo diversamente para o valor-verdade do
pensamento, no final das contas mesmo diferentes sub-fatos verificacionais. (Se
o busto de Nefertitis estivesse no interior de uma câmara incrustada na parede,
de modo que não se pudesse vê-lo de trás, sob a perpectiva de A5 eu estaria impedido
de atribuir verdade ao pensamento; quanto ao terremoto do Haiti, se a pessoa se
encontrasse em um lugar distante onde não fosse possível receber informações atuais
sobre o mundo, intervalos de tempo muito curtos após o acontecimento teriam de
ser excluidos).
Contudo, aqui surge uma questão
embaraçosa: o que devemos considerar como uma diferença relevante de perspectiva?
Será que eu teria um pensamento diverso a cada 90 graus? Ou a cada 10 graus? Ou
a cada mudança perceptível de perspectiva? E o que contaria para uma alteração
significativa da distância? Deveríamos então aceitar que qualquer alteração perceptível na distância ou na perspectiva
é suficiente para produzir alguma alteração no conteúdo do pensamento, produzindo
assim um limite mínimo racionalmente compreensível, embora certamente ocioso?
Deveríamos aceitar essa mesma conclusão com respeito aos intervalos de tempo entre
os relatos do grupo B? De um lado parece que sim, pois uma pessoa pode conhecer
uma ramificação de um pensamento, que ela sabe estar sendo satisfeita, e
desconhecer outras ramificações. Então ao nível do indivíduo que aplica a regra
verificacional aquilo que ele sabe das ramificações dessa regra é importante.
Mas a um nível mais geral parece que não, que afora uma diferença no realce
semântico, naquilo que está sendo enfatizado por ser a ramificação efetivamente
satisfeita da regra verificacional, o que realmente conta como o sentido ou
significado cognitivo ou pensamento é uma única coisa nas variantes de A e uma
única coisa nas variantes de B.
Para concluir, podemos estabelecer para esses
exemplos três critérios intuitivamente respaldados para a identidade de pensamentos
em proferimentos indexicais ordenados do menos para o mais precisamente determinado:
1 o critério do fato fundamentador referido (dado
pela condição geral de verdade),
2 o critério lingüístico respaldado por algum
sub-fato (dado pela função lexical do indexical),
3 o critério da proximidade e perspectiva espacial
e/ou proximidade temporal, também respaldado por algum sub-fato (dado pela
alteração minimamente perceptível).
Podemos
agora ver que a oscilação acerca do critério de identidade do pensamento em
Frege resulta de uma alternância implícita entre a aceitação do critério (2)
(diferenças nos indexicais) e a aceitação do critério (3) (qualquer coisa que
contribua para diferenciar a avaliação da verdade do pensamento). Essa
oscilação é, em meu juízo, apenas o reflexo da de uma certa plasticidade
semântica do pensamento constituída pela variabilidade dos critérios
verificacionais efetivamente empregados.[33]
Indexicais,
descrições, regras de identificação
Vimos
que muitas vezes as descrições definidas são capazes de substituir indexicais.
Quero agora mostrar que é parte da função comunicacional das descrições definidas
realizarem tais substituições.
Posso esclarecer o que quero dizer através de
um exemplo. Digamos que na preparação de um jantar a anfitriã entre em uma sala
e diga ao seu ajudante: “Leve essa
cadeira para junto à mesa quando o jantar for servido”, ou mesmo “Leve isso para junto a mesa quando o jantar
for servido”. Com isso ela cria uma regra de identificação para uma cadeira
específica. Isso fica claro quando, passado algum tempo o auxiliar vai ao quarto,
pega a cadeira e a leva para junto à mesa. Ele reidentifica o objeto corretamente.
A regra de identificação é aqui criada tendo como critério primeiro a indicação
de um local no espaço egocêntrico (digamos, a anfitriã apontou para o canto direito
do quarto ao lado da cozinha do velho casarão), o qual constitui o conteúdo semântico,
o sentido fregeano do demonstrativo ‘isso’ junto ao gesto de ostensão. Depois
disso foi adicionada a especificação do tipo de coisa que preenche o local indicado,
o que aqui pode ser feito pelo sortal ‘cadeira’, ao que se adicionam as propriedades
percebidas da cadeira em
questão. Qual é a estrutura dessa regra? A linguagem nos guia:
as palavras ‘essa cadeira’ formam aquilo que
Wittgenstein chamou de uma expressão de regra
(Regelausdruck)[34], a
saber, o símbolo lingüístico de uma regra, que no caso é uma regra de
identificação. Essa regra, cujo domínio se deixa compartilhar entre falante e ouvinte,
permite que o objeto em questão seja intersubjetivamente reidentificado. Ao menos
parcialmente, os critérios de identificação dessa regra podem ser resgatados por
uma descrição definida mais elaborada como, digamos, ‘o objeto com forma de cadeira
antiga, feito de madeira, com estofado de pano vermelho que uma hora antes do
jantar se encontrava no canto direito do quartinho que fica ao lado da cozinha
da casa...’, ou ainda, sob a forma de uma descrição russelliana como “Existe no
mínimo um x e no máximo um x, tal que antes do jantar x se encontrava no canto direito do quartinho
ao lado da cozinha e x tem a forma de
cadeira antiga com estofado vermelho”.[35] Todas
essas paráfrases são apenas expressões mais completas da regra cognitivo-criterial
de identificação do objeto a ser levado para junto da mesa. O que a regra apresenta
é:
(a) uma localização e carreira espaço-temporal do
objeto (a cadeira se encontra no velho casarão, foi vista no quartinho ao lado
da cozinha antes de ir para a mesa do jantar etc.)
(b) uma regra de caracterização daquilo que é relevante
no objeto (uma cadeira antiga com estofado vermelho etc.)
Que
essa regra foi firmada torna-se claro, pois se o ajudante tiver esquecido dela
a anfitriã poderá lembrá-lo de que se trata da cadeira de estofado vermelho que
está no quartinho ao lado da cozinha, recorrendo assim a uma descrição. A vantagem
da descrição reside no fato de ela possibilitar a referência mesmo na ausência
do objeto.
Os indexicais são os termos capazes de codificar
informacionalmente nosso acesso perceptual ao mundo através de alguma perspectiva
contextualmente dada, cada qual traduzindo não só uma função lexical como um
conteúdo semântico cuja forma é um modo de apresentação, um sentido comunicável
na independência do contexto quando resgatado através de descrições definidas. A
vantagem que a descrição definida tem sobre o indexical está na fixação de um
sentido comunicável na independência da presença de um contexto próprio, ou
seja, naquilo que já havíamos chamado de permanência.
[1] Ver Ernst Tugendhat: Lições Introdutórias à Filosofia Analítica da Linguagem, p. 425 ss.
[2] A palavra ‘indexical’ vem da noção de índice
de C.S. Peirce. Outros termos usados no mesmo sentido são particulares egocêntricos
(Russell), termos token-reflexivos (Hans Reichembach), indicadores (Nelson Goodman, W.V-O.
Quine), demonstrativos (John Perry) e
dêiticos (Ernst Tugendhat, John
Lyons, S.C. Levinson).
[3] David Kaplan: “Demonstratives”, pp. 490-491.
[4] Ver J.R. Searle: Intentionality, p. 221.
[5] Os nomes próprios de pessoas em sua expressão
fonética ou ortográfica costumam ser multiplamente ambíguos, de modo que a unicidade
de sua designação acaba por depender do contexto. Contudo, esse fato não nos
leva a confundir nomes próprios com indexicais, pois o contexto desambiguador
do nome próprio não é o do proferimento, mas o de uma pluralidade de crenças interligadas
que, conectadas ao proferimento, fazem valer um certo domínio de objetos selecionado
para uma específica regra de identificação para o nome. (Ver capítulo 6.)
[6] Ver P.F. Strawson
em Individuals: An Essay on Descriptive
Metaphysics, parte I.
[7] Mesmo admitindo que o indexical costume depender
do uso de conceitos para ser capaz de identificar algo, parece claro que o
indexical deve ter um papel fundamental no aprendizado inicial de novos conceitos.
[8] Estou considerando isso de maneira bem genérica. Claro que um nome
próprio pode também gerar uma descrição definida, por exemplo, a descrição
laudatória “o mestre dos que sabem” usada por Dante para se referir a
Aristóteles.
[9] Ver Kaplan: “Demonstratives”
e “Afterthoughts”. Uma posição
similar foi defendida por John Perry.
[10] De acordo com Kaplan, Kripke informou-lhe por
carta que preferiria manter-se neutro quando a questão de saber se o termo
designa alguma coisa em um mundo possível no qual o objeto a ser referido por
ele não existe. Ver comentário de G.K. Fitche em Saul Kripke, pp. 36-37.
[11] Kaplan: “Demonstratives”, p. 492.
[12] Kaplan: “Demonstratives”, IX. Simplifico (melhor
dizendo, “descomplico”) o exemplo de Kaplan de modo a tornar patente o que me
parece claramente equívoco no argumento.
[13] David Kaplan,
“Demonstratives”, XVII.
[15] Ver, por exemplo,
Howard Wettstein: “Has Semantics Rested on a Mistake?“ pp, 115-116.
[16] G. Frege: “Der Gedanke”,
p. 66.
[17] M. Luntley: Contemporary Philosophy of Thought: Truth, World,
Content, p. 334.
[18] Jeronime Katz caracterizou o sentido literal
como aquele que é apreendido em um contexto informacionalmente pobre. Ver J. Katz: Propositional Structure and Illocutionary
Force, pp. 14 ss.
[19] Digo
próximo ao de Frege porque rejeito a sua estranha a ideia de que a referência
do predicado seja o conceito. A referência é a propriedade particularizada (tropo
ou conjunto de tropos) enquanto o conceito é mesmo o que geralmente chamamos de
um conceito, ou seja, o sentido do termo predicativo.
[20] Ver Claudio Costa: Philosophical Semantics: Reintegrating Theoretical Philosophy, cap.
IV. O capítulo V contém
uma defesa do verificacionismo semântico.
[21] Gareth Evans ressaltou o elemento causal: se
estou diante de um objeto real ao qual me refiro pelo demonstrativo “isso”, meu conteúdo de crença é causado pelo objeto,
de modo que se o objeto se alterasse ou deixasse de existir, meu conteúdo de
crença indexical (pensamento) também se alteraria ou deixaria de existir. Não
obstante, isso não é suficiente para desfazer a natureza cognitiva do
pensamento demonstrativo. (Cf. G. Evans: The Varieties of Reference, 5.1, 9.4,
9.5)
[22] J. Perry: “The
Problem of the Essential Indexical”, pp. 3-20.
[23] J.R. Searle: Intentionality, pp. 218-19
[24] J. Perry, “Frege
on Demonstratives”, pp. 487-8.
[25] J. Perry: “Frege
on Indexicals”, p. 485 ss.
[26] J.R. Searle: Intentionality, p. 219.
[27] Note-se
que no exemplo em questão a diferença de conteúdo não se deve às diferenças simbólicas
superficiais entre as palavras ‘Hume’ e ‘Heimson’, caso no qual “Eu sou Hume”
quereria dizer o mesmo que “Eu me chamo Hume” ou, ainda mais explicitamente,
“Eu sou o portador do nome ‘Hume’”. Mas não é isso o que está em questão, posto
que nesse caso os próprios pensamentos expressos pelos proferimentos (1) e (2)
precisariam ser também diferentes, um verdadeiro e o outro falso.
[28] No exemplo original de Perry, Heimson é um imitador
de Hume que, tendo se convencido de ser o próprio Hume, diz “Eu escrevi o Treatise”, o que é obviamente falso,
pois só o próprio Hume poderia dizer isso de modo verdadeiro. Nenhuma descrição,
insiste Perry, pode substituir aqui o pronome pessoal ‘eu’ dito pelo próprio
Hume. Com efeito, o pronome pessoal ‘eu’ não parece ser substituível por coisa
alguma de forma absolutamente congruente. Mas, como veremos, uma congruência parcial
pode ser suficiente. Na maioria dos contextos “Hume escreveu o Treatise” faz o mesmo serviço que o proferimento
acima.
[29] Note-se
que a localização pode importar: se Perry tivesse dito isso em São Peterburgo referindo-e
ao dia nos Estados Unidos, ele poderia estar dizendo uma verdade.
[30] G. Frege: “O Pensamento“, p. 64 (paginação
original).
[31] Outro conceito plástico, para exemplificar,
seria o de identidade pessoal. Há usos nos quais uma pessoa de 80 anos é considerada
a mesma pessoa que foi ao nascer, quando talvez sequer fosse uma pessoa. Há
outros usos nos quais essa pessoa já pode ser identificada com a criança que
foi aos sete anos de idade. E ainda há outros usos (que Chisholm chamou pejorativamente
de frouxos (loose)) nos quais ela não
é a mesma pessoa que era antes de ter se casado ou mesmo antes de ter se
alcoolizado... Cf. Claudio Costa
“Identidade pessoal: por uma criteriologia mista”, publicado no livro Paisagens Conceituais.
[32] Para uma defesa do verificacionismo semântico que põe a descoberto as
confusões tanto do verificacionismo quanto do anti-verificacionismo do
positivismo lógico e dos seus herdeiros, resgatando a ideia original de Wittgenstein,
ver Claudio Costa: Philosophical Semantics:
Reintegrating Theretical Philosophy, cap. V.
[33] Para uma defesa de uma forma plausível de verificacionismo (que eu aqui
pressuponho) acompanhada de uma crítica às reflexões equívocas sobre a questão
feitas por filósofos como A. J Ayer, W. V-O. Quine e vários outros, ver capírulo
V de meu livro Philosophical Semantics:
Reintegrating Theoretical Philosophy.
[34] L. Wittgenstein: Tractatus Logico-Philosophicus, 5.476; Philosophische Untersuchungen, I, seção 201.
[35] A
teoria das descrições de Russell será considerada no próximo capítulo. Contudo,
se nossa análise é correta, ela se aplica também ao conteúdo intersubjetivamente
resgatável dos proferimentos indexicais.
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