RESOLVENDO O PROBLEMA HUMIANO DA INDUÇÃO
Gostaria de discutir aqui o aparentemente insolúvel problema da justificação da indução introduzido por David Hume. Para tal quero começar expondo a famosa crítica humiana à possibilidade de fundamentação de nossas inferências indutivas. Em seguida quero considerar algumas das mais conhecidas respostas a Hume, mostrando que nenhuma delas é muito plausível. Finalmente, quero propor em traços muito gerais uma solução do problema que me parece ser a única realmente viável.
O argumento Humiano
Quero começar reconstruindo brevemente o argumento de Hume.[1] Ele apresentou o problema por meio de uma crítica à necessidade causal, mas na reconstrução que se segue eu desassocio o argumento anti-indutivista de Hume dessa sua crítica, de maneira a tornar mais claro o que nos interessa. Segundo Hume, nossas inferências indutivas, isto é, aquelas que são ampliativas de nosso conhecimento, indo do observado para o não observado, requerem princípios metafísicos de regularidade ou uniformidade da natureza que as garantam.[2] Embora a indução possa ser não só do passado para o futuro, mas também do futuro para o passado e de uma região espacial para outra, no presente ou não, por razões de simplicidade me restringirei aqui ao primeiro caso, cujo princípio de uniformidade pode ser enunciado como:
PF: o futuro será semelhante ao passado.
Se esse princípio for verdadeiro, ele garantirá as inferências indutivas do passado para o futuro. Considere o seguinte exemplo muito simples de justificação de um argumento indutivo pela introdução de PF como primeira premissa:
1 O futuro será semelhante ao passado (PF).
2 O sol sempre nasceu a cada dia.
3 Portanto: o sol nascerá amanhã.
Essa parece à primeira vista uma maneira natural de justificar a inferência de que se o sol sempre nasceu a cada dia ele também nascerá amanhã, uma inferência que também poderia ser estendida na forma da generalização “O sol sempre nascerá”. Aqui começa a se delinear o problema da indução. Ele se inicia com a constatação de que a primeira premissa do argumento, a formulação de PF, não é nenhuma relação de ideias (Hume) ou verdade da razão (Leibniz), caracterizada pelo caráter contraditório ou inconsistente de sua negação, ou seja, não é nenhuma proposição que possa ser chamada de analítica (Kant). É perfeitamente imaginável, escreve Hume, que o futuro se torne muito diverso do passado, por exemplo, que árvores floresçam no inverno e que a neve queime como fogo.[3] Mesmo assim (embora Hume não tenha exposto dessa forma) parece que podemos ganhar a convicção de que o futuro será semelhante ao passado com base em nossa experiência dos futuros que já passaram, os quais foram semelhantes aos seus próprios passados. Eis a inferência que parece justificar PF:
1 Os futuros já passados sempre foram semelhantes aos seus próprios passados.
2 Portanto: o futuro será semelhante ao passado.
O problema todo é que essa é uma inferência indutiva. Ou seja: para justificar a indução recorremos a PF, o princípio de que o futuro será semelhante ao passado, e para justificar PF recorremos outra vez à indução. A intentada justificação da indução demonstra-se assim circular, posto que ela depende de um princípio que acaba ele próprio por depender da indução para ser firmado.
A conclusão humiana é a de que não há justificação racional possível para a indução, não havendo, portanto, justificação racional, nem para as expectativas criadas pelas leis da ciência empírica, nem sequer para as nossas próprias expectativas cotidianas de senso comum, posto que ambas se baseiam claramente na indução. É verdade que possuímos uma disposição muito forte para crer em nossas inferências indutivas. Mas para Hume essa disposição não tem nenhuma base racional, devendo-se somente à nossa constituição psicológica. Somos instintivamente dispostos a adquirir certos hábitos produtores de expectativas indutivas, que uma vez formados nos fazem agir de modo semelhante ao das mariposas, que são por natureza dispostas a voarem sempre em direção à luz. Essa é uma conclusão extremamente cética, e não é sem razão que só uns poucos filósofos acompanharam Hume nesse ponto. A maioria pensa que algo deve estar errado em algum lugar.
Para melhor situar o leitor no problema, quero a seguir considerar brevemente algumas dessas reações.
Breve sumário das respostas mais influentes
1. Rejeição do problema. A reação mais radical consiste em aceitar a conclusão cética de Hume. Karl Popper esteve entre os poucos que o fizeram.[4] Para ele a indução não existe. Mesmo assim a ciência continua de pé, pois para ele a ciência não se baseia na indução. De acordo com Popper, a ciência se baseia na criação de novas teorias, tão imaginativas quanto ousadas, que são admitidas como verdadeiras na medida em que resistem aos testes empíricos potencialmente capazes de falseá-las.[5]
Essa resposta contém uma dificuldade que foi notada por muitos críticos de Popper, nomeadamente, a de que ela recorre sub-repticiamente à indução.[6] Afinal, que razão podemos ter, por exemplo, para acreditarmos que uma teoria que tem resistido a testes refutadores no passado é mais bem corroborada, ou seja, mais confiável do que outra teoria qualquer – considerando o ilimitado número de teorias competitivas que podem ser criadas e que ainda não passaram por testes refutadores – se não com base na indução? Mesmo que se encontre uma estratégia para contornar essa objeção, há uma outra ainda pior: como podemos saber que uma teoria que resistiu a testes refutadores no passado continuará resistindo a exatamente os mesmos testes no futuro? Parece que sem admitirmos um princípio da indução, não temos maior razão para confiar mais em nossas teorias bem sucedidas do que em quaisquer outras, inclusive as que já foram refutadas no passado!
2. Vindicação pragmática. Uma tentativa talvez mais promissora de lidar com o problema da indução seria a justificação pragmática. Ela segue o argumento humiano até o ponto onde fica estabelecido que não há meio de justificar dedutivamente ou indutivamente a indução. Mas sugere uma resposta pragmática.
Hans Reichenbach foi quem desenvolveu uma vindicação pragmática particularmente engenhosa.[7] Ele parte da ideia de que devemos tratar a indução, não como uma inferência visando o estabelecimento de crenças, mas como uma aposta feita em uma situação na qual não temos outra opção senão apostar. Sua justificação da indução lembra a aposta de Pascal na existência de Deus: “a razão não vos pode ajudar, mas vale apostar; pois vencendo ganhareis tudo, e perdendo nada mais tereis a perder”. De uma forma algo simplificada, eis o raciocínio de Reichenbach.[8] A natureza é uniforme ou não é. Suponhamos que ela seja uniforme. Nesse caso, o procedimento indutivo terá êxito. Já outro procedimento qualquer, por exemplo, o de consulta à bola de cristal, poderá ter ou não ter êxito. Assim sendo, um ponto para o procedimento indutivo. Imagine agora que a natureza não seja uniforme. Nesse caso, procedimento algum poderá ter êxito. Logo, vale mais a pena apostarmos no procedimento indutivo.
O argumento foi resumido por Brian Skyrms da seguinte maneira:
1) Ou a natureza é uniforme, ou não é.
2) Se a natureza é uniforme, o procedimento indutivo terá êxito.
3) Se a natureza não é uniforme, nenhum procedimento terá êxito.
4) Logo: se algum procedimento pode ter êxito, o procedimento indutivo terá êxito.
Skyrms nota que embora esse argumento seja dedutivamente válido, podemos questionar se a terceira premissa é verdadeira. Além da indução há outros procedimentos de previsão que podem ser alternativamente aventados, como o método de se prever o futuro consultando uma bola de cristal ou lendo folhas de chá.
Contudo, Reichenbach tem um bom argumento a favor da terceira premissa. Ele imagina que na tentativa de se orientar em um mundo completamente caótico, um procedimento qualquer, digamos, o método de consulta à bola de cristal, se demonstre bem-sucedido. Ora, se esse método se revela satisfatório e a partir de premissas verdadeiras é capaz de probabilizar as conclusões, acabaremos por concluir que se ele mereceu crédito no passado, ele deve merecer crédito também no futuro, o que é uma inferência tipicamente indutiva. Assim, o sucesso do método da bola de cristal vindica o método indutivo, mostrando que existe realmente uma uniformidade importante na natureza. Generalizando: se algum procedimento der certo, o procedimento indutivo será corroborado; logo, se não temos outra opção senão apostar, é racional apostarmos no procedimento indutivo.
A objeção fundamental à justificação pragmática da indução é externa: ela faz concessões demasiadas ao ceticismo. Segundo a justificação de Reichenbach, não podemos realmente saber coisa alguma através da indução; o que chamamos de crenças indutivas são na verdade meras apostas, ainda mais arriscadas que as feitas em uma mesa de jogo, que ao menos tem a sua probabilidade garantida. Somos, no dizer do próprio Reichenbach, como cegos perdidos em uma floresta, tateando o que parece ser um caminho, na esperança de sermos por ele conduzidos para fora dela... É difícil imaginar uma situação cética mais desesperadora.
3. Justificações indutivistas. Passemos agora as assim chamadas tentativas indutivistas de justificar a indução. Uma resposta natural, quando nos perguntam como justificar que os argumentos indutivos que foram até agora bem-sucedidos continuarão a ser bem sucedidos no futuro, parece ser: “Porque eles sempre foram bem sucedidos no passado”. Justificações indutivistas da indução, como a proposta por Max Black[9] e por F. L. Will[10], tentaram mostrar que semelhante resposta não constitui uma petição de princípio. Para introduzir a ideia, comecemos formulando como princípio da indução a seguinte versão epistêmica (ao invés de metafísica) subjetiva de PF:
PI: As regularidades observadas no passado tenderão a se repetir no futuro.
Podemos justificar PI pelo seguinte argumento:
1 No passado as regularidades já observadas sempre tenderam a se repetir.
2 Logo PI: as regularidades observadas no passado tenderão a se repetir
no futuro. (PI’, 1)
Note-se que para passarmos da premissa para conclusão nós precisamos aplicar o mesmo PI, na forma da regra de inferência indutiva PI’, à premissa, o que parece tornar a inferência circular. Contudo, o defensor da solução indutivista poderá aqui responder que na função de PI’, PI funciona como um princípio de inferência de segundo nível, o que lhe dá um diferente status justificacional. Ele reconhece que PI’ ainda carece de justificação; mas esse princípio ainda poderá ser justificado por meio de um argumento idêntico em um terceiro nível, o de PI’’, e assim sucessivamente. Como não há um limite superior nessa hierarquia de níveis, a justificação não é circular; e como para cada nível pode ser encontrada uma justificação, o defensor da justificação indutivista é levado a concluir que ela existe para todos os níveis.
Não obstante, tem sido apontadas razões aparentemente decisivas para a rejeição de uma solução indutivista do problema humiano.[11] Uma primeira delas é que outros sistemas, diversos do sistema da lógica indutiva e mesmo opostos a ele, podem ser justificados de maneira similar. Esse é o caso de uma suposta lógica contra-indutiva: uma lógica que afirma que as regularidades não observadas do futuro serão diferentes das regularidades já observadas no passado, de modo que cada sucesso da lógica indutiva seria assegurado por um princípio da lógica contra-indutiva em nível superior. Assim, se o passado tem sido semelhante ao seu futuro, poderemos usar uma regra para dizer que esse fato evidencia que o futuro será diferente do passado e assim por diante, aplicando sempre a mesma regra em nível superior. Uma outra razão para se rejeitar a solução indutivista é que, requerendo um número infinito de níveis de inferência, ela se torna impossível de ser completada, de nada valendo na prática. Finalmente, não parece haver nenhuma razão para a distinção epistêmica entre os diversos níveis: não parece lícito justificarmos um argumento através de uma mera repetição desse mesmo argumento em um nível superior. Parece que a pretensa justificação indutiva da indução lança mão de uma forma artificiosa de raciocínio, que se fosse admitida nos permitiria justificar praticamente qualquer coisa.
A verdade sobre a justificação indutiva da indução parece resumir-se no seguinte. Nós por vezes realmente realizamos justificações indutivas de procedimentos indutivos. É razoável que se diga que certo método indutivo para a previsão do tempo será bem-sucedido no futuro porque no passado ele sempre foi bem-sucedido. Mas o apelo ao sucesso passado de um método indutivo é apenas o apelo a uma certa base indutiva calibradora do procedimento no sentido de ser apropriada para o seu sucesso. Contudo, essa calibragem só é possível se for ultimamente baseada em algum princípio da indução mais fundamental, que como tal não é capaz de ser indutivamente fundamentado.
4. Justificação a priori: Outra maneira de se tentar justificar a indução consiste um tanto paradoxalmente em conceber a inferência indutiva como possuindo a forma de um raciocínio dedutivo cuja conclusão é probabilística, como fizemos ao expor o dilema humiano.[12] Para tal será mister utilizarmos como premissa um princípio indutivista como, digamos, a seguinte variante mais técnica de PI:
PI*: Se o fenômeno X tem sido sempre observado em certa associação com o fenômeno Y na proporção n%, se X for observado no futuro ele tenderá a preservar a mesma associação com Y em proporção similar.
Contudo, como já foi notado, parece que em qualquer de suas formulações esse princípio pode ser negado sem contradição, o que faz com que ele não possa ser considerado uma verdade analítica ou conceitual. E se ele não é uma verdade analítica, ele é um princípio sintético. Ora, ele não pode ser um princípio sintético a posteriori, pois nesse caso nos defrontaremos com os problemas da justificação indutivista já considerados. É aqui que surge o espaço para a proposta de uma terceira via, que é a de se admitir princípios indutivistas entendidos como possuindo natureza sintética a priori, ou seja, como proposições informativas que não se originam da experiência.
O problema em torno dessa espécie de solução é bem conhecido. É que se demandarmos que ela se torne inteiramente racional parece que acabaremos sendo inevitavelmente forçados a aceitar que princípios da indução devem ser tais que o mundo externo deva se conformar ao que eles dizem, de modo a torná-los garantidos. Mas essa exigência kantiana de que o mundo externo deva se comportar tal como nossa razão ou sistema conceitual ordena, sempre me pareceu de uma arbitrariedade inaceitável e de fundo ultimamente místico, pois parece demandar que alguém (um Deus pessoal) deva ordenar que o mundo seja organizado de acordo com a nossa razão.
Há tentativas de se evadir do problema, como os cinco postulados da indução de Russell, que seriam a melhor explicação para não cairmos em um solipsismo que negue o conhecimento do mundo externo. Exemplificando com o postulado da continuidade espaciotemporal nas linhas causais: Se há uma conexão causal entre dois eventos não-contíguos, deve haver elos causais intermediários entre eles.[13] Esse postulado deve servir para negar a ação causal à distância. O problema é que ele só pode ter sua aplicabilidade garantida se for interpretado como um juízo sintéticos a priori. Afinal, não parece inconcebível um mundo possível no qual só existam ações à distância, o que o tornaria falso. Ou seja: parece que estamos outra vez impondo princípios ao mundo externo.
5. Tentativas de dissolução do problema. Ainda uma alternativa foram as tentativas de dissolução do problema da indução por apelo ao senso comum. Filósofos como A. J. Ayer, Paul Edwards e, mais influentemente, P. F. Strawson, rejeitaram o problema da indução apresentando o que é chamado de solução ou dissolução de senso comum do problema. Para Strawson, o problema da indução é um pseudoproblema resultante de um uso equívoco de conceitos como o de racionalidade e justificação.[14] Se perguntarmos a uma pessoa por que ela se sente justificada em acreditar que o sol nascerá amanhã, ela poderá responder simplesmente que é porque o sol sempre nasceu a cada 24 horas, e nenhum de nós deixará de considerar tal justificação perfeitamente racional. Assim, é parte do que entendemos por racionalidade a aceitação dos procedimentos da lógica indutiva. Por conseguinte, não faz sentido querer justificar a própria lógica indutiva, pois não se pode justificar a própria fonte de nossas decisões racionais; não se pode encontrar razões para aquilo que exerce um papel fundamentador de nossa racionalidade; não se pode rejeitar a lógica indutiva sem se ser intuitivamente percebido como irracional. Além disso, pensa Strawson, qualquer método de inferência se apoia no método indutivo.
O problema se assemelha à questão: como justificar racionalmente a lógica dedutiva? Não há resposta geral para essa pergunta, posto que a lógica dedutiva exerce um papel fundamentador em nossa racionalidade. Rejeitá-la seria irracional. Mas por que os filósofos geralmente não exigem uma justificação para a lógica dedutiva, mas exigem-na para a lógica indutiva? A resposta seria que eles estão na verdade procurando uma justificação dedutiva para a indução. Quando o filósofo se pergunta pela justificação da indução, ele está pensando em uma justificação dedutivamente conclusiva; e quando ele busca uma razão para a indução, ele está pensando em uma razão logicamente conclusiva. Mas a indução não pode satisfazer tais parâmetros, simplesmente porque não é dedução: como já se notou, não se pode censurar um gato por não se comportar direito em uma festa de cães...
Segundo Strawson, a confusão resulta de assimilarmos a racionalidade ao sucesso. O procedimento indutivo é racional, mas isso não significa que só por isso ele nos deva oferecer uma garantia de sucesso; é perfeitamente possível que o mundo de repente se torne caótico e que nossos procedimentos indutivos deixem de ser bem sucedidos. Mas como racionalidade não implica em sucesso, o procedimento indutivo não deixa por isso de ser racional, inclusive porque concluir que em um universo caótico nossos procedimentos indutivos não devem funcionar é lançar mão de um raciocínio indutivo de nível superior.
Um problema geralmente apontado nessa tentativa de dissolver o problema da indução é que ela, supostamente recorrendo ao senso comum e ao conceito de racionalidade por ele instituído, estabelece de maneira a priori que é razoável crer em uma conclusão para a qual há evidência indutiva. Mas se assim o fizermos, parece que recairemos na justificação apriorista da indução, tendo de admitir algum princípio da indução que funcione como uma espécie de juízo sintético a priori a garantir a indução. Strawson tentou evadir-se dessa espécie de dificuldade ao propor a dissociação entre racionalidade e sucesso. Mas isso expõe sua solução a uma objeção ainda mais destrutiva. Eis como podemos formulá-la: se o conceito de racionalidade do senso comum não exige que a indução, para ser racional, seja em alguma medida bem sucedida – o que já é bastante questionável – então tanto pior para o conceito de racionalidade do senso comum. Afinal, desde Hume o que tem interessado aos filósofos é uma justificação para o sucesso de nossas inferências indutivas; mas é precisamente isso o que Strawson não nos consegue oferecer.[15]
6. Tratamento estatístico da indução humiana. Donald Williams foi um filósofo que percebeu a necessidade de se objetar contra o ceticismo indutivo, para ele paralisador da ação correta.[16] Ele partiu de uma análise de populações. Qualquer população, entendida como classe de itens similares, deve possuir uma compleição de itens com certa característica. Por exemplo, se a população for a dos pinguins, 100% dos itens são pinguins, ~50% são do sexo masculino e ~14% deles são, digamos, pinguins-imperadores. Ora, é um fato estatístico que qualquer amostra randômica dessa população representa aproximadamente a mesma distribuição de itens do todo. Em outras palavras, ela será representativa da população. Diz-se que a compleição da maioria das amostras se assemelha à compleição da população como um todo.
Essa constatação é base para o chamado silogismo estatístico, que é um procedimento lógico. Considere o seguinte caso:
Se todos os S são P e o item presente é S, então ele deve ser P.
Se for abaixo de 100% teremos algo provável, por exemplo, se 10% dos pinguins-imperadores tem mais de 18 anos, esse pinguim-imperador aqui presente tem aproximadamente 10% de chances de ter mais de 18 anos. Nenhum problema com isso.
Williams foi além disso: ele decidiu aplicar tal ideia de forma reversa ao problema da indução. Se nos for dada uma amostra, poderemos inferir indutivamente que a distribuição de itens da amostra provavelmente se aplicará ao todo da população. Por exemplo, podemos generalizar sugerindo que não só 50% dos pinguins da amostra são fêmeas, mas que isso vale para todos os pinguins no presente e mesmo no futuro e no passado, exceto, é claro, se a amostra for atípica. Em resumo: a população deve ter aproximadamente a compleição da amostra conhecida. Essa é uma inferência indutiva provável, na qual se passa do observado para o inobservado.
Como vemos, Williams tentou assimilar a indução humiana (i.e., a que é aberta à objeção de Hume) à indução estatística. Mas o problema é que apesar disso a primeira continua pressupondo a regularidade do universo. Isso fica muito claro quando tentamos aplicar os resultados da amostra do passado para o futuro. Sabemos que 100% dos pinguins não voam. Mas podemos generalizar isso para os pinguins do futuro? Para Hume nada garante que os pinguins não passem amanhã a voar em bandos, a menos que se pressuponha que o futuro será como o passado, um conhecimento já obtido com base na indução. Apelar para a probabilidade é, se pensarmos bem, um mau começo quando percebemos que um certo grau de probabilidade já vem sempre implícito no raciocínio indutivo.
Dessa breve discussão das principais tentativas de dar conta do problema da indução, uma coisa é certa: todas elas estão longe de serem bem sucedidas. Quando muito elas atingem arestas do problema. Mesmo que sobre fundamentos tão pobres sejam desenvolvidas tentativas mais sofisticadas, elas estarão fadadas ao insucesso. Em contraposição, a estratégia que desenvolverei a seguir representa um novo ponto de partida que tem a vantagem de conduzir-nos ao fundo do problema. Como é a única alternativa realmente verossímil, podemos assumi-la como a alternativa correta.
Proposta de uma solução analítico-conceitual
A estratégia que acredito resolver de vez, em seus princípios, o problema humiano da indução, se aproxima da estratégia dedutivista por admitir princípios indutivistas a priori; não se trata, contudo, de algo com a força de princípios sintéticos a priori. Trata-se de princípios analítico-conceituais, no sentido de que eles são ditos verdadeiros por força do que querem dizer, melhor dizendo, por força da combinação dos significados de seus constituintes semânticos, não admitindo serem negados sem contradição ou incoerência com as regras da linguagem usual, sejam elas do senso comum ou da ciência.[17] Ela também preserva algo da solução de senso comum, visto que transforma muito do argumento humiano em pseudoproblema. Quero primeiro expor a minha tese geral e depois mostrar como ela se aplicaria a um princípio indutivista escolhido.
I
A tese geral possui um leve sabor kantiano, embora sem o indigesto condimento do sintético a priori. Trata-se da ideia de que faz parte de nossa própria capacidade de conceber um mundo (universo, natureza) qualquer, e mesmo do conceito da experiência de um mundo qualquer, que o mundo ao qual os conceitos que lhe sejam constitutivos venham a se aplicar seja aberto à indução. Quero defender que essa é uma verdade conceitual (analítica e obtida a priori), do mesmo modo que é uma verdade (analítica e obtida a priori) pertencente ao nosso conceito de mundo externo que qualquer mundo externo ao qual esse conceito se aplique possa ser em alguma medida apresentado à percepção sensível.
Definindo um mundo possível como sendo um mundo como o nosso, mas em maior ou menor medida diverso,[18] o argumento pode ser mais detidamente formulado como se segue:
Um mundo só pode existir se ele for ao menos concebível. Mas não se pode conceber um mundo sem nenhum grau de uniformidade, de regularidade. Ora, como só é possível experienciar o que se pode conceber, então não se pode experienciar nenhum mundo completamente destituído de uniformidade ou regularidade. Mas como a existência de regularidade ou uniformidade é o que basta para que algum procedimento indutivo seja aplicável, então não é possível haver nenhum mundo concebível nem experienciável que não seja aberto à indução.
É, pois, uma verdade conceitual que se um mundo nos for dado então algum procedimento indutivo deverá ser aplicável a ele. (Já um mundo em princípio não-experienciável, inconcebível, é incapaz de se qualificar como tal.)
A objeção a essa tese é esperada: o que autoriza alguém a supor que não possa existir um mundo caótico, um mundo destituído de qualquer regularidade e, portanto, fechado à indução? Afinal, a hipótese de um mundo inacessível à indução tem sido tradicionalmente aceita. Contudo, a generalizada crença nessa possibilidade tem sido em meu juízo um grande erro, um erro cuja responsabilidade deve ser atribuída ao próprio David Hume. Esse erro foi logo no início introduzido pelo fato de Hume ter misturado o problema da indução com o da causalidade. Ele elegeu a regularidade causal como foco de sua discussão sobre a indução e escolheu seus exemplos em conformidade com isso, o que foi confusivo. No que se segue quero justificar essa afirmação.
A regularidade causal é o que gostaria de chamar de uma regularidade diacrônica, qual seja, aquela na qual pensamos que um fenômeno dado vem regularmente seguido por outro fenômeno diverso do primeiro, muitas vezes de uma forma bem entrincheira (well entrenched) em nosso sistema de crenças[19]. Note-se, ademais, que nem todas as regularidades diacrônicas são causais: depois da noite vem sempre um novo dia, mas a noite não causa o dia. Contudo, essa é também uma regularidade diacrônica. As regularidades diacrônicas constituem aquilo que poderia ser chamado de o devir do mundo.
É, porém, um fato que podemos conceber um mundo sem um devir, sem regularidades diacrônicas, incluindo entre elas a regularidade causal. Esse seria o caso de um mundo sem mudança, estático, congelado. Ainda assim parece que ele poderia ser corretamente chamado de mundo. Afinal, mundos sem regularidades diacrônicas são concebíveis e mesmo em princípio cognoscíveis, embora a eles não sejam aplicáveis coisas como a indução de leis causais. (Estou abstraindo disso uma interação causal entre um mundo congelado e o sujeito epistêmico.) O problema com o foco argumentativo humiano restrito à inferência indutiva causal, que é diacrônica, é que ele nos desvia a atenção do fato de que um mundo empírico é igualmente constituído de regularidades sincrônicas, as quais, tanto quanto as regularidades diacrônicas, só podem ser conhecidas através de procedimentos indutivos. Mas o que são, afinal, essas regularidades sincrônicas? Eu as defino como sendo (em um dado sistema de referências) as supostas relações simultaneamente vigentes entre os fenômenos (tropos) diversamente localizados no espaço, na medida em que elas perduram no tempo. Em contraposição ao devir, chamo a isso de permanência. Esse é o caso das relações que existem entre as faces de um cristal, para tomarmos um exemplo distintivo. É a indução que deve justificar a persistência das relações sincrônicas, fazendo-nos crer, por exemplo, que o cristal permanecerá reconhecível como sendo o mesmo quando observado outras vezes no futuro. O domínio das regularidades sincrônicas é extremamente amplo, dado que não só qualquer objeto, mas qualquer propriedade complexa e qualquer estado de coisas reconhecível possui relações constitutivas entre suas partes, relações essas que devem perdurar enquanto o objeto, a propriedade ou o estado de coisas existirem. A forma mais interessante de regularidade sincrônica é a que constitui aquilo que chamamos de estrutura. Regularidades sincrônicas são muitas vezes estruturas no sentido de possuírem uma identidade funcional que perdura no tempo. Uma catedral gótica, com seus arcos ogivais, seus grandes vitrais, seus adornos e estatuárias, pode servir de exemplo ilustrativo do que é a sincronicidade estrutural. Mas uma pilha de livros, embora constituindo uma regularidade sincrônica enquanto permanece a mesma, não constitui o que tipicamente chamamos de uma estrutura. Um mundo congelado só é um mundo porque, embora não possua regularidades diacrônicas, possui regularidades sincrônicas, sendo esperado que ele possua alguma estrutura. Por conseguinte, a indução é aplicável a essa estrutura, uma vez que ela é sempre aplicável a regularidades sincrônicas, na previsão de sua permanência no futuro. São as regularidades sincrônicas que tornam o mundo congelado cognoscível.
Tentemos agora imaginar um mundo sem regularidades sincrônicas nem diacrônicas, sem permanência nem devir. À primeira vista parece que esse mundo minimalista pode ser ao menos ilustrado quando pensamos nele como sendo constituído de repetições irregulares de um único ponto luminoso, ou de um único som.[20] Contudo, mesmo que o ponto luminoso ou o som ocorram irregularmente, eles precisarão repetir-se alguma vez (enquanto o mundo durar), o que já demonstra ao menos a regularidade diacrônica da repetição, donde a indução se aplica a tais mundos minimalistas enquanto eles durarem. Mas o que dizer de um mundo absolutamente destituído de ambas as espécies de regularidade, sem permanência nem devir – é ele concebível? A resposta é clara: um mundo sem regularidade alguma não pode ser realmente concebível, não sendo, portanto, acessível à experiência. Não podemos pensar nenhum conjunto de elementos empíricos compatíveis sem lhe dar alguma permanência ou devir. Mas se é assim, se um mundo sem regularidades é algo inconcebível, considerando que a existência de regularidades é tudo o que precisamos para que alguma inferência indutiva seja aplicável, então não é possível que exista um mundo que não seja aberto à indução. Onde há um mundo precisa haver alguma regularidade, e onde houver alguma regularidade, algum acesso indutivo será logicamente possível. Conceber um mundo ao qual a indução não se aplica redundaria, pois, em conceber um mundo sem regularidade de nenhuma espécie, o que contradiz nosso próprio conceito de mundo.
Resumindo o que quis dizer: ao concentrar-se na relação causal Hume nos induz a ignorar que o mundo também seja constituído de regularidades sincrônicas, o que por sua vez nos leva a crer que possamos conceber a existência de um mundo cujo devir seja destituído de regularidades diacrônicas, no caso, um mundo inteiramente caótico e portanto inacessível à inferência indutiva.[21] Quando levamos em devida consideração ambas as espécies de regularidade às quais a indução se aplica, percebemos que um mundo inteiramente caótico, sem qualquer regularidade, é inconcebível e por conseguinte impossível, dado que qualquer mundo possível é feito de suas regularidades, sendo por isso intrinsecamente aberto à indução.
Em uma introdução elementar à filosofia encontro a mesma ideia formulada em termos do que a linguagem é capaz de dizer, o que sugere que o verdadeiro insight filosófico possa estar sendo inibido:
Seria impossível dizer verdadeiramente que o universo é um caos, pois se o universo fosse genuinamente caótico não poderia haver linguagem para dizê-lo. A linguagem depende de coisas e qualidades que tenham suficiente persistência no tempo para serem identificadas pelas palavras e essa mesma persistência é uma forma de uniformidade.[22]
Essa observação não é isolada. Ela condensa o conteúdo de um breve artigo do filósofo australiano Keith Campbell.[23] Segundo esse filósofo, para que possamos experienciar cognitivamente um mundo – uma realidade objetivamente estruturada – é preciso que estejamos sempre reaplicando conceitos empíricos, os quais, por sua vez, para serem fixados, aprendidos e usados, exigem uma reidentificação de suas designações como sendo idênticas[24]; ora, isso só é possível se houver um grau de uniformidade no mundo que seja suficiente para permitir a reidentificação. Com efeito, se o mundo pudesse perder totalmente as suas regularidades (não só as diacrônicas, mas no caso também as sincrônicas) então nenhum conceito mais se reaplicaria, a experiência do mundo cessaria e ele deixaria, para nós, de existir. Tudo isso apenas corrobora aquilo que já foi antes sugerido.
Ainda uma razão para que se tenda a admitir a possibilidade de um mundo cujo grau de irregularidade impossibilite a indução é a negligência do fato de que a indução tem uma natureza autoajustável, ou seja: a aplicação do procedimento indutivo deve ser sempre calibrável em conformidade com a natureza daquilo a que ele se aplica. A exigência de base indutiva, de uma repetida e variada experimentação indutiva, pode ser tornada sempre maior, quanto mais improvável for a uniformidade esperada; por conseguinte, mesmo um mundo com uniformidade mínima sempre acabaria possibilitando o sucesso indutivo, uma vez que exigiria uma busca indutiva maximizada.[25] Ou seja: basta haver alguma uniformidade para que alguma exigência de base indutiva nos permita idealmente encontrá-la. Somente para ilustrar, imagine que em um mundo possível próximo, um time de zoólogos esteja à procura de camelos selvagens no deserto de Gobi. Esse deserto é imenso, incluindo o norte da China e a inteira Mongólia. Ademais, esses tímidos camelos, se é que nesse mundo ainda existem, são muito dificilmente encontráveis. Os zoólogos terão de investigar visualmente, com binóculos, uma vasta extensão de deserto, subindo e descendo dunas até encontrarem com alguma sorte esse quase mítico camelo. Aqui a pressão da calibração indutiva deve ser aumentada.
As considerações gerais feitas até agora sugerem o seguinte entremeado de inferências conceituais:
efetiva experiência cognitivo-conceitual do mundo ↔ aplicabilidade de conceitos empíricos ↔ aplicabilidade de procedimentos indutivos ↔ existência de um mundo intrinsecamente possuidor de regularidades.
II
Para mostrar como a tese recém-apresentada poderia ser aplicada à reformulação dos princípios da uniformidade ou indução, gostaria de reconsiderar PF em algum detalhe. Seria possível transformá-lo em uma verdade analítico-conceitual? Como já notei, entendo uma proposição analítico-conceitual como sendo aquela cuja verdade depende apenas da combinação de seus constituintes semânticos.[26] Essa verdade caracteriza-se por não ser ampliadora de nosso conhecimento (opostamente às proposições sintéticas), possuindo como critério de identificação a característica de sua negação contraditória, incoerente ou impossível de ser concebida.
A primeira questão que se coloca é se PF, afirmando que o futuro será semelhante ao passado, é capaz de satisfazer essa caracterização usual de analiticidade. Hume pensava que não. Como já vimos, ele considera que podemos conceber que a neve passe a queimar como fogo e que as árvores passem a florescer no inverno... Mas esses exemplos de Hume são tão sugestivos quanto ilusórios. Pois como uma multidão de outras regularidades, principalmente as sincrônicas, continuará permanecendo, esses exemplos estão longe de tornar o futuro tão dessemelhante do passado a ponto de invalidar procedimentos indutivos. Não obstante, ainda assim é claramente concebível que se algum cataclismo cósmico imprevisível modificar profundamente o futuro, de modo a torná-lo diferente do passado, isso nos demonstra que PF é concebivelmente negável e portanto não-analítico. Contudo, podemos refazer PF. Considere a seguinte reformulação:
PF*: O futuro deverá ter alguma semelhança com o seu passado.
Diversamente de PF, PF* pode ser claramente entendido como expressando uma verdade analítico-conceitual. Afinal, PF* parece satisfazer a caracterização de analiticidade acima apresentada. Eis como isso pode ser evidenciado: Entendendo a noção de futuro em termos de sucessivos conjuntos de regularidades constitutivos do mundo a ser dado em tempos posteriores ao presente, e esclarecendo o conceito de passado em termos de sucessivos conjuntos de regularidades em tempos anteriores ao presente, podemos dizer o seguinte: pertence ao conceito de futuro que ele seja o futuro do seu próprio passado. Ele não pode ser o futuro de outro passado qualquer. Mas se um futuro não tivesse nada a ver com o seu passado, não poderíamos sequer reconhecê-lo como sendo o futuro de seu próprio passado, pois ele poderia ser então o futuro de um outro passado qualquer. Ou seja: o futuro F do mundo atual m só pode ser o futuro de m, ou seja, Fm, que só pode ser o futuro do passado de m, ou seja, Pm; ele não pode ser o futuro dos outros inúmeros mundos possíveis m1, m2, m3... que tiveram como passados as sucessões Pm1, Pm2, Pm3... É preciso, pois, que haja algo que identifique Fm como sendo o futuro de Pm. Ora, esse algo só pode ser alguma margem de semelhança. Ou seja: a noção de futuro deve se encontrar de alguma forma conceitualmente ligada à noção de seu passado como lhe sendo em alguma medida, de algum modo, semelhante a ele, ao menos na medida e no modo que permitam a associação temporal de Fm com Pm. Eis porque PF* satisfaz nossa caracterização de analiticidade: negá-lo significa tornar as palavras ‘futuro’ e ‘passado’ sem sentido ao tornar impossível relacioná-las da maneira como é convencionado fazê-lo: se nego PF* então parece claro que o futuro não precisa mais se distinguir do seu passado como sendo o futuro de seu passado. Mais além, PF* não parece ampliar nosso conhecimento. PF* satisfaz o critério de identificação de proposições analíticas, pois não somos capazes de negá-lo coerentemente; não somos capazes de pensar que o futuro não possua qualquer semelhança com o seu passado sem inconsistência.
Com efeito, parece que toda vez que, na tentativa de rejeitar PF*, concebemos uma dessemelhança tão grande entre futuro e passado que invalide todos os procedimentos indutivos, falhamos em conceber qualquer estrutura objetiva e mesmo qualquer mundo possível. Esse ponto pode ser facilmente ilustrado através de exemplos. Imagine, em uma tentativa de conceber um futuro completamente diverso de seu passado, uma “completa transformação do mundo” como a narrada no texto bíblico do Apocalipse. É difícil imaginar alterações mais drásticas do que as que foram aí descritas. Afinal, trata-se da narração do próprio fim do mundo por nós conhecido! Mas é um erro pensar que a destruição de nosso mundo descrita no Apocalipse implicaria em uma negação de PF*, posto que a ideia de uma “completa transformação” não é aqui entendida em um sentido literal. Se examinarmos o texto mais de perto veremos que a grande maioria das coisas com as quais estamos familiarizados – ou seja, as regularidades sincrônicas básicas e mesmo a maioria das regularidades diacrônicas – continua inalterada após a transformação, embora elas tenham sido bizarramente combinadas, como na passagem bíblica descrevendo os gafanhotos enviados pelo quinto anjo:
O aspecto desses gafanhotos era o de cavalos aparelhados para a guerra. Nas suas cabeças havia uma espécie de coroa com reflexos dourados. Seus rostos eram como os de homem. Seus cabelos como os de mulher e seus dentes como os dentes de leão. Seus tórax pareciam envoltos em ferro e o ruído de suas asas era como o ruído de carros de muitos cavalos correndo para a guerra. Tinham caudas semelhantes à do escorpião, com ferrões e o poder de afligir os homens por cinco meses.[27]
Ora, nada há nesse relato que ponha PF* em questão. Aliás, um exame acurado do exemplo demonstra que ele sequer põe em questão um entendimento pouco rigoroso de PF! Pois embora esses gafanhotos bíblicos se nos afigurem delirantemente estranhos, eles são constituídos por combinações de partes com as quais já estamos muito bem familiarizados – como cabelos, mulheres, homens, dentes, escorpiões, ferrões – as quais incluem internamente e externamente uma vasta soma de regularidades, de associações estruturais (como as que formam gafanhotos, as que formam coroas, as que formam rostos de pessoas...) e sequenciais (como a relação causal das coroas com seus reflexos dourados, da ferroada do escorpião com os efeitos do seu veneno nos seres humanos por cinco meses, do bater das asas com os ruídos que elas produzem...), que permanecem preservadas e indutivamente acessíveis, a despeito das alterações. Com efeito, não fosse assim o Apocalipse não chegaria a ser compreensível, pensável, concebível, nem passível de descrição linguística, e o que não é nada disso é também impossível de ser experienciado. O relato ilustra a ideia já mencionada de que o mundo futuro precisa, ao menos na medida em que ele se encontre suficientemente próximo do presente, continuar suficientemente semelhante ao seu passado para que se deixe conceber como o futuro desse mesmo passado, ou seja, ele deve continuar suficientemente semelhante ao seu passado para caucionar a aplicação de procedimentos indutivos no reconhecimento de sua continuidade como mundo.
Mas o que dizer de um futuro imensamente posterior ao presente? Ele não poderia ser totalmente diferente do passado? Parece que sim. Se interpretássemos PF* como podendo se referir, não ao futuro como um todo a partir do presente, mas a um futuro muito remotamente distante, destacando-o de todos aqueles que lhe antecederam, então parece claro que PF* poderia ser falseado, pois não é inconcebível que uma sequência contínua de pequenas alterações nas regularidades possa, no curso de um tempo muito longo, dar lugar a regularidades completamente diversas. Mas não é nesse sentido que pretendi entender PF*, pois quando o apresentei já estava implícito que ele era continuação de seu próprio passado, incluindo nisso, pelo menos, o futuro que vem imediatamente após o presente.
Essa última consideração nos faz recordar uma outra verdade conceitual, já constatável na relação considerada por PF*. É que quanto mais nos aproximamos do ponto de junção entre o futuro e o passado, ou seja, do presente, maior deve ser a semelhança entre ambos, tornando-se futuro e passado idênticos em seu limite, que é o presente.[28] Esse ponto pode ser aproximado quando nos recordamos da análise aristotélica do conceito de mudança como pressupondo a permanência de um algo que continua idêntico e que sob forma contínua ganha ou perde.[29] A sugestão é a de que toda mudança pressupõe alguma base de permanência, ou seja, alguma regularidade sincrônica, o que não só permite a inferência indutiva, mas a requer para ser conhecida.
Mas isso não é tudo. Há uma constatação relevante que ainda precisa ser feita, agora sobre a medida da permanência do que é pressuposto. É que enquanto se dá a mudança, a medida da permanência precisa como um todo ser inversamente proporcional ao período em que a mudança se dá. Isso significa que se nos é dada uma sequência de mudanças que fazem parte de uma mudança mais completa, se comparadas com o todo as mudanças que fazem parte da sequência pressupõem mais permanência do que a mudança mais completa.
O princípio que acabo de expor pode parecer de início algo obscuro, mas ele pode ser bem ilustrado através de um exemplo: considere as mudanças resultantes do aquecimento de um pedaço de cera a partir de T0. Primeiro temos a mudança do estado sólido para o estado líquido em T1. Com maior aquecimento temos a mudança da cera líquida para a cinza de carbono em T2. Se essa cinza for aquecida a muitos milhões de graus Celsius teremos, enfim, a dissolução dos átomos de carbono e a formação de um plasma de partículas subatômicas em T3. Eis um esquema mostrando como as mudanças tipicamente pressupõem maior permanência quanto mais parciais e mais breves elas forem:
Entidades físicas: Curso do tempo:
T0 T1: T2: T3:
Cera (sólida): XXXXXX
Cera (líquida): XXXXXXXXXX
Átomos de carbono (cinza): XXXXXXXXXXXXXXXX
Partículas subatômicas (plasma): XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Note-se como as regularidades sincrônicas se perdem no curso do tempo. Do momento T0 ao momento T1 pressupõe-se como permanente a cera e os seus constituintes atômicos, que são átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio, além dos constituintes subatômicos. Já do momento T1 ao momento T2 mantém-se como pressuposto permanente apenas os átomos de carbono e seus constituintes subatômicos. Finalmente, do momento T1 ao momento T3 tudo o que permanece são certos constituintes subatômicos. A mudança é gradual aqui em sua perda de regularidades.
O modelo de mudança sugerido acima não se restringe a casos como o da estrutura química de um composto. Ele se aplica a alterações físicas, biológicas, psicológicas, sociais, econômicas, enfim, a qualquer outro domínio empírico que possamos conceber. Considere, por exemplo, a revolução industrial. Ela começou ainda no século XVIII, com a introdução de máquinas de tecelagem e divisão do trabalho e um pequeno êxodo rural. A estrutura social e econômica da Inglaterra permaneceu no início praticamente a mesma. No decorrer do século XIX, porém, as mudanças se aprofundaram. Surgiram indústrias siderúrgicas, locomotivas a vapor, uma malha ferroviária, um grande êxodo rural... A sociedade inglesa deixou de ser a mesma, embora muitas uniformidades permanecessem. Há aqui sucessivas perdas e ganhos de regularidades. Mas as alterações só podem ser identificadas sobre bases de permanência.
O que estou sugerindo é que esse modelo de mudança a tudo se aplica pela simples razão de que ele constitui parte da estrutura metafísica da realidade, tal como ela é conceptualmente concebível. É constitutivo da própria estrutura do mundo da experiência real ou concebível que as mudanças que se dão em um período mais curto tipicamente pressupõem mais permanência do que as mudanças mais completas em que elas tomam parte: natura non facit saltus. Mesmo a mudança abrupta de órbita de um eléctron somente se dá sob uma estrutura de permanência, que no caso é a do átomo.
O modelo de mudança metafísico recém sugerido tem consequências para nosso entendimento epistemológico da indução. É que o futuro mais próximo de nós deve, por necessidade ser, se tomado como um todo suficientemente próximo, mais semelhante ao seu passado do que os futuros mais distantes (os quais, como já notamos, podem se tornar até mesmo irreconhecivelmente diversos do presente). Isso já deveria ter ficado claro quando examinamos o exemplo da cera que é aquecida: se T0 é o presente, T1 guarda mais similaridades com T0 do que T2 e T2 tem mais similaridades com T0 e T1 do que o mais distante T3.
No que concerne à indução, esse princípio garante, dado certo sistema de referência, que as previsões indutivas se tornem tanto mais prováveis quanto mais próximo for o futuro ao qual elas concernem.[30] Com base nisso podemos substituir o excessivamente pobre princípio PF* por:
PF**:
Um futuro suficientemente próximo deverá guardar alguma semelhança com o seu passado suficientemente próximo de tal modo que quanto mais próximo ele estiver do ponto de junção com o seu próprio passado (o presente), mais ele precisará se assemelhar tendencialmente a esse seu passado, tornando-se idêntico a ele no ponto de junção.
Para o correto entendimento de PF** é preciso lembrar apenas que inclusos na aplicação desse princípio devam estar sempre os futuros que se prolonguem a partir do presente e que lhe estejam suficientemente próximos, uma vez que é necessário que alguma coisa deles contenha situações pertencentes ao passado ou a continuação das mudanças advindas do passado. Afora isso, é importante enfatizar o aspecto tendencial do processo: é preciso acrescentar que nada impede a anomalia de que parte desse futuro suficientemente próximo seja mais diversa do presente do que uma parte dele que esteja mais distante, conquanto em seu ponto de junção com o passado o futuro se torne idêntico ao presente. (Considere, buscando um exemplo simples, as crises cíclicas que ocorrem na economia, apesar de esta ter tido a longo prazo um padrão sempre crescente. Por exemplo: o PIB norte-americano de 1930 voltou a ser o de 1920, embora no todo, de 1900 até 2000, ele tenha sido crescente...)
Acredito que PF** possa ser considerado em maiores detalhes e mais formalmente. Mas parece-me que esse princípio já satisfaz claramente a caracterização de analiticidade aqui sustentada, pois ele demonstra pertencer ao próprio conceito de futuro que vem em um tempo suficientemente próximo do presente que no todo ele tenda a se assemelhar exponencialmente mais ao seu passado, quanto mais próximo ele estiver de seu ponto de junção com o seu passado, convergindo para a identidade no próprio ponto de junção que é o presente. Podemos mesmo tentar o recurso fregeano de mostrar que PF** pode ser transformado em uma tautologia, onde x pode ser ocupado por um evento qualquer ou por uma variedade de eventos quaisquer, ‘Fa’ = ...o que pertence ao futuro suficientemente próximo do presente, ‘Pa’ = ...o que pertence ao passado suficientemente próximo do presente, ‘≈a≈’ = tendem, na medida de sua proximidade com o presente, a serem idênticos entre si. Eis como essa relação pode ser apresentada:
PF**: (x) (Fax ≈a≈ Tax )
Parece que algo assim poderia ser entendido como uma tautologia dentro de uma lógica temporal, na medida em que parece ser parte daquilo que entendemos e podemos definir como o fluir dos eventos no tempo; algo que lembra uma régua logarítmica que, indicando o presente, vai do passado para o futuro dentro de um dado sistema de referência.
Uma consequência da admissão de F** é a de que se torna natural pensar que quanto mais distante do ponto de junção com o seu passado um período futuro estiver, menos prováveis serão as previsões indutivas a ele concernentes. Isso explica por que as nossas generalizações indutivas sobre o futuro não chegam a ser sobre um futuro indefinidamente remoto, como pode parecer a um primeiro exame. Quando dizemos, por exemplo, que a indução nos permite inferir que o Sol sempre nascerá, o ‘sempre’ é uma palavra que deveria ser colocada entre aspas. Faz sentido afirmar, tendo como base indutiva o fato de o Sol sempre ter nascido, que ele nascerá amanhã e mesmo daqui a mil anos. Mas não faz sentido algum (e na verdade a astronomia afirma ser preditivamente falso) usar a mesma base indutiva para dizer que o Sol nascerá daqui a 17 bilhões de anos.
Há, é claro, o caso de leis científicas como as da teoria geral da relatividade ou da mecânica quântica, que se aplicam hipoteticamente a todo o universo. Essas leis geralmente resultam de inferências da melhor explicação (inference from the best explanation). Uma inferência da melhor explicação é indutiva porque ampliativa, assentando-se subrepticiamente sobre um imenso volume de induções enumerativas prévias. Mesmo assim, é questionável se PF** não seria válido até mesmo para elas. As equações de campo da teoria da relatividade geral se aplicam bem a regiões conhecidas do universo. Aplicar-se-iam elas de fato a tudo no universo? Suponhamos, por exemplo, que existam múltiplos universos. Nesse caso não nos sentiremos mais tão seguros acerca da extensão de sua aplicação.
Finalmente, PF** pode garantir aplicações restringidas de PF, tornando PF analítico quando entendido de maneira a se restringir ao domínio dessas aplicações: se o futuro em questão estiver suficientemente próximo de seu ponto de junção com o passado, então esse futuro necessariamente tenderá a ser semelhante ao seu passado. O problema, naturalmente, é que nos falta estabelecer critérios para sabermos o quão próximo precisa estar um futuro do seu passado para que PF a ele se aplique. Podemos especular se a resposta não dependerá da assunção de um domínio de regularidades ao qual pertence a mudança que está sendo considerada – um domínio de regularidades sendo entendido como aquele ao qual se aplica todo um sistema de crenças bem entrincheiradas umas nas outras. Assim, a conclusão indutiva de que sol nascerá amanhã pertence ao domínio de regularidades implicadas nas mudanças investigadas pela astronomia, o que inclui um futuro muito distante para que as mudanças mais amplas aconteçam, como, por exemplo, a morte do sol. É possível, embora muito improvável, que o sol não nasça amanhã, como o próprio procedimento indutivo prevê. Mas isso só seria concebível ao preço de uma imensa perda de outras regularidades e, subsequentemente, de nossa presente inteligibilidade de uma parte considerável daquilo que nos cerca.
Ainda assim, o que nos faz considerar altamente provável a permanência futura de regularidades particulares, como a de que o sol nasce a cada dia? A resposta parece partir da inevitável assunção do fato bruto de que o mundo existe como um sistema de regularidades, posto que podemos concebê-lo e dele ter experiência. Junto a isso parece que também assumimos que esse sistema de regularidades que é o nosso mundo permanecerá existindo. Mas não caímos aqui outra vez no abismo humiano? Afinal, o que garante que nosso mundo não deixará repentinamente de existir daqui a cinco segundos, junto com tudo o que existe dentro dele, incluindo nós mesmos?
A resposta é que embora possamos encontrar razões que tornem improvável que uma parte de nosso mundo desapareça em um momento próximo, enquanto outras permanecem existindo, não faz sentido algum supor que o mundo inteiro possa desaparecer de um relance. A razão disso é verificacionista. Segundo um razoável princípio da verificação, um enunciado que não é capaz de ser verificado nem refutado de maneira alguma não é capaz de ter sentido cognitivo. Enunciados como (i) “Meu irmão morreu depois de amanhã” e (ii) “Durante essa noite o mundo inteiro dobrou de tamanho junto a tudo o que a ele pertence”, podem ter sentidos gramaticais – aqueles fornecidos pelas regras gramaticais – mas não tem o muito mais importante e próprio significado cognitivo de serem capazes de dizer algo sobre o mundo, um sentido a ser dado por regras verificacionais. (Obviamente, alguém poderia aqui objetar que o verificacionismo é uma doutrina refutada pelo desenvolvimento posterior de grande parte da filosofia analítica da linguagem e mesmo pelos seus principais defensores, os positivistas lógicos... Contudo, esse seria um grave erro! O verificacionismo semântico foi proposto pela primeira vez por Wittgenstein para os positivistas lógicos em 1929 e, como tentei mostrar no primeiro capítulo, tratava-se de uma proposta de senso comum, bem mais flexível e plausível do que as dos últimos, não ficando aberta às mesmas objeções.[31])
Ora, do mesmo modo que com os enunciados (i) e (ii), podemos sugerir que o enunciado (iii) “O mundo inteiro irá desaparecer daqui a 5 segundos” não é verificável. (Note-se que um enunciado como (iv) “Possivelmente o mundo inteiro irá desaparecer daqui a 5 segundos” é verificável, pois ele será verificado após 5 segundos, posto que o que é certo é também possível. Mas o enunciado (iv) é diferente da afirmação (iii), que não possui qualquer fundamento justificador.) Podemos facilmente enganar-nos a esse respeito ao nos imaginarmos fora do mundo, percebendo o seu desaparecimento. Mas como nós mesmos pertencemos ao mundo, é simplesmente impossível verificar um tal acontecimento, pois o sujeito epistêmico capaz de verificá-lo também desapareceria, e, não existindo mais, seria logicamente incapaz de fazer tal verificação. Concluímos, pois, que o enunciado acima apenas parece possuir sentido cognitivo, mas não o possui realmente. Mas que dizer de sua negação? Que dizer do enunciado (v) “O mundo inteiro não irá desaparecer daqui a 5 segundos” ou (vi) “O mundo inteiro permanecerá existindo daqui a 5 segundos”? Ora, a negação de um enunciado sem sentido deve ser também sem sentido: a negação de “Meu irmão morreu depois de amanhã”, que é “Meu irmão não morreu depois de amanhã”, é igualmente sem sentido. Por conseguinte, os enunciados (v) e (vi) devem ser também destituídos de sentido cognitivo. Contudo, pode-se sugerir que (v) e (vi) fujam a essa regra, uma vez que após os 5 segundos terem decorrido esses enunciados terão sido verificados. O que é certo? Prefiro pensar que (v) e (vi) realmente não fazem sentido enquanto tais, pois esses enunciados afirmam o não-afirmável, ou seja, que o mundo continuará existindo, diversamente de um enunciado como (vii) “É possível que o mundo permaneça existindo daqui a 5 segundos”, que pode ser verificada pelo fato do não desaparecimento do mundo após os 5 segundos, dado que existência implique em possibilidade, a possibilidade não implica em existência. Que tenhamos a disposição de continuar agindo como se o mundo fosse permanecer existindo parece ser questão puramente disposicional. À parte essa disposição natural, não somos capazes de encontrar razão alguma para acreditarmos que tudo existirá ou que deixará de existir em um momento próximo. Eis porque esse fato disposicional é incapaz de nos conduzir ao ceticismo: ele permanece cognitivamente irresgatável.
Tais considerações em nada nos impedem de admitir como provável a existência de certos domínios coesos de regularidades, e das regularidades particulares inferidas nesses domínios como sendo de permanência provável, seguindo PF**. A consequência desse modo de conceber as coisas é que se rejeitarmos a permanência futura de uma regularidade – como a de que o sol deve nascer a cada dia – precisaremos rejeitar a permanência futura de todo o domínio de regularidades no qual ela se inclui. Mas como a própria probabilidade da regularidade em questão é medida com base na admissão da permanência desse domínio de regularidades (um ponto evidenciável pelo teorema de Bayes), deixa de ser racional que nós a coloquemos em questão.
A solução que acabo de esboçar é esquemática e inconclusiva, limitando-se a uma única forma de indução. Não obstante, ela possui a vantagem de não abordar a questão humiana de forma equívoca, como me parece ser o caso de todas as outras. Ela aborda a questão humiana frente-à-frente, na condição em que ela se apresenta, sem reduzi-la a outra coisa, o que já pode ser de alguma ajuda para um problema que visto sob qualquer outro ângulo tem se afigurado desorientador e intangível.
[1] A formulação original de Hume encontra-se em seu A Treatise of Human Nature. P. H. Nidditch (ed.), Oxford: Clarendon Press 1978 (1739-40), parte III, tendo sido reapresentada em seu An Inquiry Concerning Human Understanding (1748), sec. IV.
[2] Hume: A Treatise of Human Nature, p. 89.
[3] An Inquiry Concerning Human Understanding, sec. IV, 30.
[4] Karl Popper: The Logic of Scientific Discovery. London: Routledge 2002.
[5] Karl Popper: Objective Knowledge. London: Oxford University Press 1972, pp. 1-31.
[6] Cf. Anthony O’Hear: Karl Popper. London & New York: Routledge 1982, cap. III. Ver especialmente W. H. Newton-Smith, The Rationality of Science. London: Routledge 1981, cap. III.
[7] Hans Reichenbach: Experience and Prediction: An Analysis of the Foundation and Structure of Empirical Knowledge. Chicago: University Press of Chicago 1938, pp. 339-363.
[8] Sigo aqui a exposição de Brian Skyrms em Choice and Chance: An Introduction to the Inductive Logic. Belmont: Dickenson Publishing Company 1966, cap. 2, sec. 5.
[9] Max Black: “Inductive Support of Inductive Rules”, in Problems of Analysis. Ithaca: Cornell University Press 1954.
[10] F. L. Will: “Will the Future be like the Past?”, Mind 56, 1947, pp. 332-347.
[11] Cf. Brian Skyrms: Choice and Chance, cap. 2. Ver também W. C. Salmon: The Foundation of Scientific Inference. Pittsburg: University of Pittsburg Press 1966, pp. 12-17.
[12] Cf. Laurence BonJour: In Defense of Pure Reason: A Rationalist Account of A Priori Junstification. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 201 ss. Ver também Bertrand Russell: Human Knowledge, its Scope and Limits. New York: Simon and Schuster 1948, cap. 6. É verdade que Russell não pretendia com seus postulados da inferência científica firmar princípios sintéticos a priori, mas parece que não há como tratá-la de outro modo se quisermos eliminar a arbitrariedade em sua escolha.
[13] Bertrand Russell: Human Knowledge: Its Scope and Limits, Taylor and Francis 1967, p. 458.
[14] P. F. Strawson: Introduction to Logical Theory. New York: John Willey & Sons 1952, pp. 248-263. Ver também Paul Edwards: “Russell’s Doubts about Induction”. Mind 58, 1949, pp. 141-163.
[15] Ver Brian Skyrms: Choice and Chance: An Introduction to the Inductive Logic, cap. 2, sec. 5.
[16] Donald Williams: The Ground of Induction. Harvard: Harvard University Press 2014.
[17] A analiticidade é um fenômeno linguístico porque significados pertencem primariamente à linguagem; mas os significados (e suas relações analíticas autoverificadoras) são ontologicamente determinados pelo modo como o mundo é. Essa é a razão pela podemos resolver um paradoxo: dizendo que enunciados analíticos tanto pertencem à linguagem como são sobre o mundo.
[18] Prefiro essa definição simples e intuitiva a outras mais técnicas e questionáveis como, digamos, um mundo que pode ser representado por uma classe maximal de enunciados consistentes entre si.
[19] Um bom entrincheiramento me parece ser o verdadeiro responsável por aquilo que chamamos de necessidade causal.
[20] Certamente, esses mundos não são fisicamente realizáveis sem a suposição de uma estrutura subjacente, o que demandaria regularidades sincrônicas. Contudo, podemos concebê-los de forma quase ilustrativa.
[21] A ideia de um mundo caótico ao qual a indução não se aplica é frequentemente repetida na literatura sobre o assunto, de P. F. Strawson a Wesley Salmon.
[22] Janne Teichman & C.C. Evans: Philosophers: A Beginners Guide. Oxford: Blackwell Publishers 1991, p. 181.
[23] Keith Campbell: “One Form of Scepticism about Induction”. Analysis 23, 1963, pp. 80-83.
[24] A necessidade da correção interpessoal na formação última das regras semânticas foi algo convincentemente estatuido por Wittgenstein em sua discussão sobre a impossibilidade de uma linguagem privada (Philosophische Untersuchungen, sec. 244-271).
[25] Estamos falando de uma possibilidade ideal e não prática. Do ponto de vista prático, para que procedimentos indutivos se apliquem é já necessário um mundo com uma permanência e um devir extraordinariamente complexos, no qual caibam sujeitos epistêmicos conscientes em condições de observar e agir.
[26] A crítica quineana à analiticidade tem sido tão influente quanto profundamente questionável. Minhas objeções encontram-se em Philosophical Semantics: Reintegrating Theoretical Philosophy, Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing 2018, pp. 250-253.
[27] João: Apocalipse, sec. 9.
[28] Notem que estarei sempre implicitamente pressupondo a mudança em um determinado sistema de referência, posto que se misturarmos sistemas de referência diversos precisaremos nos confrontar com as dificuldades decorrentes da teoria da relatividade.
[29] Aristóteles: Física, 200b 33-35.
[30] Podemos imaginar um mundo cíclico no qual em um futuro muito distante o futuro imediatamente próximo ao do presente será repetido em todos os seus detalhes. Mas a hipótese de um mundo cíclico é compatível com PF**.
[31] Uma defesa detalhada do verificacionismo semântico por oposição ao positivismo lógico encontra-se no capítulo V de meu livro Philosophical Semantics: Reintegrating Theoretical Philosophy. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing 2018.
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