Texto didático:
LÓGICA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS
No que se segue quero expor alguns conceitos indispensáveis ao curso de lógica dedutiva.
1.
ARGUMENTO
A
primeira noção a ser considerada é a de frase, que é um conjunto
unificado de símbolos com significado independente (morfemas). Uma frase ou
sentença além de poder ser afirmativa, pode ser interrogativa, um comando, uma
exclamação... casos nos quais não será nem verdadeira nem falsa. O que nos
interessa aqui são as frases enunciativas. Uma frase enunciativa é a que
exprime uma proposição (enunciado, pensamento), uma unidade de
compreensão que pode ser definida como aquilo
que a frase diz, aquilo que ela dá a entender, o conteúdo semântico por ela
expresso, chamado por Frege de pensamento. Característico da proposição assim
considerada é que com ela podemos erguer uma pretensão de verdade, ela pode ser
verdadeira ou falsa (Aristóteles chamava as frases enunciativas significativas
de logos apophantikós, caracterizando-as
por poderem ser verdadeiras ou falsas). Ao conjunto da sentença assertiva com a
proposição por ela expressa iremos chamar de enunciado.
Um argumento é uma sequência de
enunciados na qual um dos enunciados é a conclusão e os demais são as premissas,
as quais servem de evidência para a conclusão. Exemplo de argumento:
(1)
Todos os homens são mortais. (primeira
premissa)
Sócrates é homem (segunda premissa)
Portanto: Sócrates é mortal (conclusão)
O raciocínio
é o argumento pensado enquanto o
argumento é o raciocínio linguisticamente
expresso.
A lógica estuda os argumentos; ela
pode ser definida como o estudo da
relação formal entre as premissas e a conclusão dos argumentos.
Existem dois tipos de argumento: os dedutivos
e os indutivos. Vejamos primeiro os argumentos dedutivos. Os argumentos
dedutivos se definem como aqueles nos
quais se todas as premissas forem verdadeiras a conclusão terá de ser
verdadeira. Ou, o que vem a dar no mesmo, aqueles nos quais é (logicamente) impossível que as premissas sejam
verdadeiras e a conclusão seja falsa. Uma característica suplementar é que
neles a conclusão já vem implícita nas premissas.
No argumento dedutivo a verdade das
premissas garante a verdade da
conclusão, não sendo possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa. Isso significa que, dada a verdade das premissas, a conclusão passa a
ter probabilidade 1 (probabilidade de 100% de ser verdadeira). O argumento
apresentado no exemplo (1) é dedutivo, pois a conclusão de que Sócrates é
mortal já estava implícita nas premissas. Além do mais ele é válido, pois se
for verdade que todos os homens são mortais e que Sócrates é homem, se torna
necessariamente verdadeiro que ele é mortal.
Devido ao fato de a conclusão já se
encontrar de algum modo implícita nas
premissas, o argumento dedutivo não é capaz de ampliar o nosso conhecimento.
Considere outra vez o exemplo (1). A conclusão de que Sócrates é mortal já vem
implícita nas premissas, que dizem que ele é homem e que todos os homens são
mortais. Esse fato deixa de parecer óbvio em argumentos mais complexos.
O argumento dedutivo é chamado de válido
quando, sendo as suas premissas
verdadeiras a sua conclusão é necessariamente verdadeira. A definição de
validade é na verdade redundante,
servindo apenas para distinguir a classe dos argumentos dedutivos da classe dos
argumentos aparentemente dedutivos.
Eis um exemplo de argumento aparentemente dedutivo (inválido):
(2)
Todos os homens são mortais.
Sócrates é mortal.
Portanto: Sócrates é homem.
É
inválido porque se Sócrates fosse um cão as premissas seriam verdadeiras e a
conclusão falsa. É crucial entender que a validade do argumento não depende da
verdade das premissas. Argumentos válidos
com premissas verdadeiras são chamados de corretos (sound). Considere o argumento:
(3)
Todos os ratos são cães.
Todos os cães comem gatos.
Portanto: todos os ratos comem gatos.
Esse
argumento é válido, pois se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será
verdadeira. Se fosse o caso que os ratos fossem cães e comessem gatos, então os
ratos comeriam gatos. Mas como isso não é o caso, ele não é correto. A lógica
não se interessa pela correção dos argumentos, mas pela validade deles. Ela se
interessa pela forma dos argumentos capazes de transmitir verdade das premissas
para a conclusão. Em filosofia não nos interessamos apenas pela validade de
nossos argumentos, mas também pela sua correção, o que filósofos formalistas extremados
(os logicósofos) costumam esquecer.
Vejamos agora os argumentos indutivos.
Eles podem ser definidos como aqueles em que a conclusão contém conteúdo que
não está implícito nas premissas, sendo, pois, capaz de ampliar nosso conhecimento. Neles a verdade das premissas não torna
(logicamente) necessária a verdade da conclusão. Neles a verdade das premissas
dá à conclusão um grau de probabilidade que é sempre menor do que 1 (menor do
que 100%). Quando a probabilidade da conclusão é maior do que 0,5 (maior do que
50%) dizemos que o argumento indutivo é forte (ou válido). Nesse
caso ele torna a verdade da conclusão provável. Exemplo:
(4)
O sol sempre nasceu a cada
dia.
Portanto: o sol também
nascerá amanhã.
O
argumento indutivo pode ter a conclusão falsa, mesmo sendo as suas premissas
verdadeiras. É perfeitamente possível, embora improvável, que o sol não nasça
amanhã. Quando a probabilidade da conclusão do argumento indutivo é menor do que
0,5, dizemos que o argumento é indutivamente fraco (ou inválido). Eis um
exemplo:
(5)
Alguns brasileiros gostam de picles.
João é Brasileiro,
Portanto: João gosta de picles.
Note-se
que a força de um argumento indutivo pode variar com a adição de novas
evidências. Um argumento indutivo deve conter todas as premissas relevantes
para a sua conclusão. Se no argumento (4) a premissa “Esta tarde o planeta
errante Melancholia irá colidir com a terra” estivesse sendo suprimida, o
argumento seria indutivamente fraco. A supressão de premissas relevantes para
um argumento indutivo se chama de falácia
a evidência suprimida.
Argumentos também podem ser relevantes
ou não. Um argumento é relevante quando
as premissas são relevantes para a conclusão. Um argumento é bom quando é dedutivamente válido e relevante ou
quando é indutivamente forte. Eis um exemplo de argumento válido, mas sem
relevância:
(6)
Alguns mosquitos picam.
Alguns mosquitos não picam.
Todas as coisas são idênticas a
elas mesmas.
Curiosamente,
esse é um argumento dedutivo válido. A validade decorre do fato de que as
premissas são verdadeiras e a conclusão é um enunciado necessariamente
verdadeiro. Mas a conclusão “Todas as coisas são idênticas a elas mesmas” é
necessariamente verdadeira por si mesma, ela não resultando aqui da verdade das
premissas, sendo essa conjunção de verdades mera coincidência. Esse argumento é
válido, mas não é relevante, pois a relevância se mede pelo quanto a verdade
das premissas importa para a verdade
da conclusão, e aqui elas não parecem importar nem um pouco.
===========
Exercício
I
Classifique
cada um dos seguintes argumentos em dedutivo ou indutivo, correto ou incorreto.
Se indutivo, diga se é forte ou fraco. Diga se o argumento for irrelevante.
(1)
Nenhum ser
humano tem 10 metros
de altura.
João é um ser humano.
Portanto: João não pode ter dez metros de altura.
(2)
Geralmente faz calor em Mossoró.
Está fazendo calor em Mossoró.
(3)
Alguns porcos tem asas.
Todas as coisas aladas gorjeiam
Portanto: Alguns porcos gorjeiam.
(4)
João está lendo Proust.
Portanto: João tem mais de um mês de idade.
(5)
Deus fez o universo.
Deus é perfeitamente bom.
Se Deus é perfeitamente bom então ele não permite o
mal.
Portanto: não existe o mal no universo.
(6)
O céu está carregado de nuvens negras.
Se chover não haverá piquenique.
Portanto: parece que não haverá piquenique.
(7)
Uma vez olhei para um sapo e no mesmo dia quebrei o
dedo.
Olhar para um sapo dá azar.
(8)
7 + 2 = 9
1 + 1 = 2
Portanto: 2 + 2 = 2 x 2
(9)
5 > 2
8 > 5
Portanto 8 > 2
(10)
Nenhum ser humano tem mais de 150
anos.
Portanto: nenhum ser humano vivo
viverá mais de 150 anos.
(11)
Todos os homens são mortais.
Silver (o cavalo de Zorro) é mortal.
Portanto: Silver é um homem.
(12)
Um fóssil não pode ser enganado no
amor.
Uma ostra pode ser enganada no amor.
Portanto: ostras não são fósseis.
Respostas
do exercício I:
(1)
dedutivo, correto (sound), relevante; (2) indutivo, forte, relevante; (3)
dedutivo, incorreto (unsound); (4) indutivo forte; (5) dedutivo, correto, pouco
relevante; (6) indutivo forte, bom; (7) indutivo fraco, mau; (8) dedutivo,
correto, irrelevante. (9) dedutivo, correto, relevante. (10) indutivo, correto,
bom. (11) Dedutivo, inválido, incorreto (12) dedutivo válido incorreto.
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