Traduzido
de Analysis 23 (1963), pp. 121-3.
É O CONHECIMENTO
CRENÇA
VERDADEIRA
JUSTIFICADA?
Edmund
Gettier
Nos
anos recentes foram feitas várias tentativas de enunciar condições necessárias
e suficientes para que alguém conheça uma dada proposição. As tentativas têm
freqüentemente sido tais que podem ser enunciadas de uma forma similar à
seguinte:
(a)
S sabe que P SEE* (i) P é verdadeiro,
(ii) S crê que P, e
(iii) S está justificado em crer que P.
Por
exemplo, Chisholm sustentou que o que se segue fornece as condições necessárias
e suficientes para o conhecimento:
(b)
S sabe que P SEE (i) S aceita P
(ii) S tem evidência adequada para P, e
(iii) P é verdadeira.
Ayer
enunciou as condições necessárias e suficientes para o conhecimento como se
segue:
(c)
S sabe que P SEE (i) P é verdadeira
(ii) S está certo de que P é verdadeira, e
(iii) S tem o direito de estar certo que
P é verdadeira.
Irei
defender que (a) é falso no sentido de que as condições que enuncia não
constituem uma condição suficiente para a verdade da proposição de que S sabe
que P. O mesmo argumento mostrará que (b) e (c) falham se “ter adequada
evidência para” ou “ter o direito de estar certo” é substituido por “está
justificado em crer que”.
Devo
começar notando dois pontos. Primeiro, no sentido de “justificado” no qual S
está justificado em crêr que P é uma condição necessária para S saber que P, é
possível para uma pessoa estar justificada em crer numa proposição que é de fato
falsa. Segundo, para qualquer proposição P, se S está justificado em crêr que P
e P implica em Q, e S deduz P de Q e aceita Q como resultado dessa dedução,
então S está justificado em crêr que Q. Guardando esses dois pontos em mente,
apresentarei agora dois casos nos quais as condições enunciadas em (a) são
verdadeiras para alguma proposição, embora seja ao mesmo tempo falso que a
pessoa em questão conhece a proposição.
CASO
1:
Suponha
que Smith e Jones se candidataram para um certo emprego. E suponha que Smith
tem forte evidência a favor da seguinte proposição conjuntiva:
(d) Jones é o homem que conseguirá o
emprego e Jones tem dez moedas no seu bolso.
A
evidência de Smith para (d) pode ser de que o presidente da companhia
assegurou-o de que Jones seria no final selecionado e que ele, Smith contou as
moedas no bolso de Jones dez minutos antes. A proposição (d) implica:
(e) O homem que conseguirá o emprego tem
dez moedas no bolso.
Suponhamos
agora que Smith percebe a implicação de (d) para (e), e aceita (e) com base em
(d), para o que ele tem forte evidência. Nesse caso, Smith está fortemente
justificado em crêr que (e) é verdadeira.
Mas
imagine além disso que, sem que Smith saiba, ele próprio e não Jones conseguirá
o cargo. E imagine também que, sem que Smith saiba, ele próprio tem dez moedas
em seu bolso. A proposição (e) é então verdadeira, embora a proposição (d), da
qual Smith infere (e), seja falsa. Em nosso exemplo, então, tudo o que se segue
é verdadeiro: (i) (e) é verdadeira, (ii) Smith crê que (e) é verdadeira, (iii)
Smith está justificado em crer que (e) é verdadeira. Mas é igualmente claro que
Smith não sabe que (e) é verdadeira; pois (e) é verdadeira em
virtude do número de moedas no bolso de Smith, ao passo que Smith não sabe quantas
moedas estão em seu bolso e baseia a sua crença em (e) na contagem das moedas
no bolso de Jones, que ele crê falsamente ser quem será escolhido para o
emprego.
CASO
II
Suponhamos
que Smith tem forte evidência para a seguinte proposição:
(f) Jones possui um Ford.
A
evidência de Smith pode ser a de, tanto quanto ele se lembra, Jones sempre
possuiu um carro, que sempre foi um Ford, e que Jones acabou de oferecer a
Smith um passeio dirigindo um Ford. Imagine agora que Smith tem outro amigo,
Brown, cujo paradeiro ele ignora completamtente. Smith seleciona três nomes de
lugares completamente ao acaso e constrói as três seguintes proposições:
(g) Ou Jones possui um Ford, ou Brown está
em Boston;
(h) Ou Jones possui um Ford, ou Brown está
em Barcelona;
(i)
Ou Jones possui um Ford, ou Brown está em Brest-Litovsk.
Cada
uma dessas proposições é implicada por (f). Imagine que Smith compreenda a
implicação de cada uma dessas proposições que ele construiu a partir de (f), e
prossiga em aceitar (g), (h) e (i) com base em (f). Smith corretamente inferiu
(g), (h) e (i) da proposição para a qual ele tem evidências fortes. Smith está,
portanto, completamente justificado em crer em cada uma dessas três
proposições. Smith, é claro, não tem a menor idéia de onde Brown se encontra.
Mas
imagine agora que as duas seguintes condições são válidas. Primeiro, Jones não
possui um Ford, mas está presentemente dirigindo um carro alugado. E depois,
pela mais pura coincidência, e de modo inteiramente desconhecido por Smith, o
lugar mencionado na proposição (h) é realmente o lugar no qual Brown se
encontra. Se essas duas condições são incluídas, então Smith não sabe
que (h) é verdadeira, apesar de (i) (h) ser verdadeira, (ii) Smith crêr que (h)
é verdadeira, e (iii) Smith estar justificado em crer que (h) é verdadeira.
Esses
dois exemplos mostram que a definição (a) não estabelece uma condição suficiente
para alguém conhecer uma dada proposição. Os mesmos casos, com mudanças
apropriadas, serão suficientes para mostrar que nem a definição (b) nem a
definição (c) são capazes disso.
Notas:
*
SEE: abrevição para “se e somente se” (N.T.).
1
Platão parece estar considerando uma tal definição em Teeteto 201, e
talvez aceitando uma em Menon 98.
2 Roderick M. Chisholm, Perceiving: A
Philosophical Study (Ithaca, N. Y.: Cornell University Press 1957), p. 16.
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