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sábado, 7 de setembro de 2024

HEGEL: ESPIRITUALISMO DIALÉTICO

  

 Draft para o livro "Introdução histórica à filosofia"

 


 

 

XIV

HEGEL: ESPIRITUALISMO DIALÉTICO

 

O mundo é a realização da razão divina. É apenas à superfície que reina o jogo dos destinos irracionais.

Hegel

 

 

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi a mais importante figura do idealismo alemão e o último dos grandes construtores de sistemas filosóficos. Foi colega e amigo pessoal de Schelling. A amizade perdeu-se depois de Hegel ter escrito que a filosofia da identidade de Schelling é como a noite em que todas as vacas são pretas e coisas do gênero.[1]

   Sobre a vida de Hegel não há muito a dizer. Embora tenha nascido de uma família de algumas posses, ele viveu na época em que a Europa estava sendo assolada pelas guerras napoleônicas. Estudou teologia e filosofia no seminário da Tübingen, tendo como companheiros Schelling e o poeta Hölderlin. Os três plantaram juntos uma árvore da liberdade em homenagem à revolução francesa em 1789. Ele era docente privado em Jena quando o exército de Napoleão invadiu a cidade, confiscando seus haveres. Mas o principal deles, a Fenomenologia do Espírito, foi a tempo enviado para publicação. Nem por isso ele deixou de ficar suficientemente impressionado com a importância emancipadora dos acontecimentos. Como ele escreveu em uma carta:

 

Vi o imperador, essa alma do mundo, ao atravessar a cavalo as ruas da cidade. É um sentimento prodigioso o de ver um tal indivíduo que de seu cavalo concentra-se, elege um objetivo e estendendo-se sobre o mundo, o domina. Como o fiz outrora, todos fazem votos de sucesso ao exército francês...[2]

 

Devido a tais acontecimentos Hegel passou por dificuldades financeiras, acabando como diretor de um colégio em Nuremberg. Casou-se. Teve três filhos; um deles havia sido fora do matrimônio e foi caridosamente adotado por sua esposa após a morte da mãe. Após um tempo como professor em Heidelberg, Hegel foi chamado a Berlim, onde viveu os últimos treze anos de sua vida como professor, tornando-se algo como o filósofo oficial do estado prussiano, um governo de ambições reformadoras, mas ainda assim autoritário e prepotente, por ele agora apresentado como a mais completa realização da razão na história. Sabemos também que ele por essa época atendia aos serviços religiosos. O contraste entre o jovem amante da liberdade e o velho conservador é grande demais para nos convencer de que em seu íntimo ele deixara de alimentar os mesmos valores.

   Em 1831 Berlim foi assolada por uma peste. Hegel refugiou-se no campo. Contudo, sentindo falta de seus alunos acabou por retornar cedo demais, sendo fatalmente vitimado pela doença aos 61 anos.

   O sistema filosófico extraordinariamente imaginativo de Hegel não nasceu do nada. Ele foi lentamente erguido com auxílio de uma imensa quantidade de leituras. Parece ter sido dele a frase: “Não há nada de original em mim e o que é original é falso”.

 

1

 

Idealismo. O ponto de partida de Hegel foi o mesmo de todo o idealismo alemão: a rejeição da coisa em si como uma contradição dentro do próprio sistema kantiano. Uma vez aceito o idealismo, o problema epistemológico da percepção no interior do qual se deblateraram filósofos de Descartes a Locke e de Hume a Kant, desaparece. Deixa de ser preciso explicar como somos capazes de ter acesso a um mundo exterior essencialmente heterogêneo a nós mesmos, uma vez que agora tudo são ideias, mente, espírito. Com isso a investigação epistemológica que motivou muito da filosofia produzida de Descartes a Kant passou a dar lugar a uma metafísica do processo com influência neoplatônica. A preocupação de Hegel passou a ser com a evolução do mundo como um todo, entendida como o desdobramento de um espírito absoluto (Deus, a razão infinita), que se aliena de si mesmo para formar a natureza, só para depois aos poucos reconhecer-se através de nossas consciências como sendo ele mesmo, primeiro como espírito subjetivo, depois como espírito objetivo nas instituições e na evolução histórica, passando então a reconhecer-se como espírito absoluto na arte, na religião e na própria história da filosofia, só para reencontrar-se por completo na filosofia do próprio Hegel. Nunca um sistema filosófico foi tão criativamente ambicioso quanto o de Hegel.

   Embora improvável enquanto travestido e magnificado na forma de uma investigação da evolução de um espírito absoluto omniabrangente, o que Hegel fez de mais importante foi investigar especulativamente a evolução da consciência humana em suas múltiplas e variadas manifestações, nisso incluindo a liberdade do indivíduo em sua relação com a sociedade. Daí que as mais consistentes contribuições de Hegel foram para a filosofia prática, incluindo a história, a arte, o direito, a religião e a própria história da filosofia. Só esse esforço especulativo já resgata a importância de sua obra.

 

2

 

Racionalismo. A filosofia do processo de Hegel contém dois pressupostos que precisam ser salientados. O primeiro deles é ontológico. Trata-se da assunção de que tudo o que é real é racional e tudo o que é racional é real.[3] Isso pode parecer estranho, mas é fácil de ser compreendido. Para ele o mundo inteiro não é nada mais do que ideia, mente, pensamento, sujeito, espírito, razão, Deus, infinito, conceitos que em sua filosofia costumam significar a mesma coisa sob as mais diversas colorações semânticas. O espírito absoluto é tudo o que é real. Ele é pensamento. O pensamento precisa ser racional. Logo, tudo o que existe, seja interno ou externo a nós mesmos, tem de ser racional. E tudo o que é racional, sendo pensamento, também tem de ser real.

   A adoção desse princípio tem a consequência de encorajar o filósofo na busca de explicações racionais. Podemos usar a razão para conhecer o mundo em qualquer nível porque ela é seu próprio princípio definidor. Da escravidão na Roma antiga até as consequências nefastas da revolução francesa, para tudo pode ser encontrada alguma razão justificadora, ao menos do ponto de vista do absoluto ou de Deus. Afinal, tudo é consequência dos desdobramentos do espírito absoluto e cabe à filosofia explicar como isso acontece.

 

3

 

Dialética.  O segundo pressuposto é metodológico. Para Hegel o método da filosofia não poderia restringir-se à silogística aristotélica, nem à lógica transcendental de Kant, incapazes de investigar os modos de transformação do espírito absoluto. A lógica que investiga o devir da realidade precisa ser o que ele chamou de dialética. Essa lógica deve dar conta da fluidez dos conceitos, os quais (em razão da premissa idealista) contém os seus opostos e neles se revertem no vir a ser das coisas. Assim, o conceito de ser contém o conceito do nada, o conceito de sujeito contém o de objeto, etc. Ele estava interessado em uma dialética que se aplicasse à realidade como um todo, à vida do espírito absoluto em suas infinitas divisões.

   Hegel encontrou o mecanismo de progressão do absoluto nas tríades dialéticas inspiradas em Fichte. O absoluto tem um primeiro momento em que ele se põe a si mesmo (tese)[4] na afirmação de uma parte da realidade que o constitui. No que se segue o absoluto nega aquilo que antes pôs, afirmando a realidade de seu oposto ou, no dizer de Hegel, sua contradição (antítese). Mas essa oposição termina por demonstrar-se insuficiente, o que faz com que o espírito unifique o que foi posto (a tese) ao que foi oposto (a antítese), naquilo que eles possuem de verdadeiro. Isso se dá pela “negação da negação” em um movimento de superação conservadora (síntese) no qual o espírito se sublima a si mesmo (sich selbst aufhebt), incorporando em si as verdades parciais do que é posto e do que é oposto. Essa superação, por sua vez, poderá servir de base (tese) para uma nova negação, que irá gerar uma nova oposição (antítese), do que resultará uma nova superação (síntese) e assim por diante. O progresso do absoluto é na verdade mais complexo, uma vez que cada momento pode conter subdivisões sequenciais e que o movimento não precisa ser triádico.[5]

   Alguns pensam que com sua dialética Hegel conseguiu superar o princípio da não-contradição discutido na metafísica aristotélica.[6] Mas essa foi uma pretensão vã, decorrente de uma má compreensão da relação entre a dialética e aquele princípio.[7] Segundo o princípio da não-contradição (em sua formulação ontológica) uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Ora, a suposta “contradição dialética” em Hegel é uma negação da tese pela antítese que não é sob o mesmo aspecto, pois envolve um contrário, um conflito, uma oposição em potência no interior de algo, que se atualiza para nós na síntese em um tempo posterior. Na verdade, é só pela pressuposição do princípio da não-contradição que a dialética tem como se pôr em marcha, pois se a tese pudesse ser a sua negação ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, tese e antítese se confundiriam irremediavelmente.

   Podemos encontrar um análogo da dialética idealista nas dialéticas discursivas. Esse é o caso da dialética argumentativa exercida nos diálogos de Platão, em que um falante defendia uma tese enquanto outro, geralmente Sócrates, argumentava contra ela, o que levava a novas sugestões que eventualmente conduziam a uma aproximação maior da verdade, ainda que os diálogos terminassem aporéticos. Um outro exemplo foi o método de pensamento dos filósofos céticos da antiguidade, que para Hegel precediam a dialética. Eles desenvolviam teses para então desenvolver antíteses de igual valor, de modo a se convencerem de que é impossível chegar à verdade (ver cap. IV, 3).  Mas os céticos, rejeitando a possibilidade de conhecimento, paravam aí, não procedendo em direção a uma síntese. Também encontramos a dialética como exercício intelectual nas universidades medievais, nas quais o proponente deveria defender a tese enquanto seu oponente deveria encontrar argumentos a favor da antítese...

   Hegel pensava que a consciência humana em seus mais variados aspectos se desenvolve dialeticamente. Vale aqui notar que há uma interessante confirmação dessa ideia na maneira como Jean Piaget expôs os sucessivos estágios do desenvolvimento da criança. Em sua investigação, o desenvolvimento cognitivo da criança segue duas funções antagônicas, que são as de assimilação e acomodação em um processo geral de equilibração.

   Explicando: Na assimilação os esquemas de interação com o objeto são conservados e o organismo tende a submeter o meio a suas formas de organização, selecionando e integrando informações. A acomodação, por sua vez, expõe-se como variação no comportamento, ocorrendo quando o processo de assimilação se demonstra insuficiente. Nela os esquemas mentais precisam ser modificados de modo a moldar-se às singularidades do objeto. A acomodação é, pois, a fonte de mudanças do organismo na criação de novas maneiras de se adaptar ao meio. Embora esses mecanismos sejam geralmente indissociáveis, na mudança de uma fase para outra do desenvolvimento da criança a acomodação leva vantagem, pois há uma diferenciação maior dos esquemas, com o desencadeamento de novas e mais robustas formas de assimilação...[8] O processo todo é uma busca incessante de equilíbrio entre o organismo e o meio chamada por Piaget de equilibração. O desenvolvimento é “uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior.”[9]

   Ora, parece claro que no aprendizado o processo de assimilação pode ser concebido como um por dialético (tese), enquanto a acomodação constitui-se em seu contrapor (antítese), daí emergindo um maior equilíbrio do sistema (síntese). Os esquemas aprendidos são sustentados até que, pelo acúmulo de novas experiências eles se tornem insuficientes e o organismo precise passar por uma fase de acomodação a esquemas superiores e assim por diante. Isso se dá mesmo que diversas assimilações a acomodações acabem por se sobrepor no processo. A maneira como Piaget concebe o desenvolvimento das capacidades intelectivas na criança não difere em essência daquilo que Hegel seria capaz de entender como um processo dialético. Além disso, em uma analogia com a recapitulação da filogênese (no desenvolvimento da espécie) pela ontogênese (na embriologia) também parece que as sucessivas fases do desenvolvimento da criança recapitulam aspetos do desenvolvimento da consciência humana no processo histórico do seu desenvolvimento. Por exemplo: Piaget notou que quando uma criança explica o movimento de uma seta como empurrando o ar com a sua ponta, de modo que ele passe para a sua cauda e a empurre para frente, ela nos provê de uma explicação similar à fornecida por Aristóteles em uma de suas infelizes tentativas de explicar fenômenos físicos especulativamente. É plausível pensar que desde Aristóteles, restringindo-nos ao raciocínio físico, a consciência humana tenha sofrido um desenvolvimento histórico no qual recapitula o desenvolvimento da criança, seguindo em alguma medida o modelo piagetiano de evolução recém exposto. Mas isso parece conduzir-nos de novo a Hegel!

   Uma conclusão é que a “dialética” diz respeito primeiramente ao modo como desenvolvemos nosso pensamento. Raciocinamos opondo teses e antíteses com base no material informativo que nos é acrescentado, objetivando chegar a sínteses mais compreensivas em um processo teleológico-intencional. O mesmo processo ocorreu dialogicamente no caso das disputas dialéticas entre os acadêmicos medievais. Mas se o pensamento se desenvolve dialeticamente, então isso pode muito bem valer para tudo aquilo que tem a ver com a ação humana, na medida em que ela se dá sob o escopo da intencionalidade. É por isso que a dialética se estende aos produtos sócio-histórico-culturais resultantes do que tem sido chamado de intencionalidade coletiva.[10] Múltiplas mentes podem ter a habilidade de compartilhar de uma mesma intenção e de dirigi-la à realização de alguma coisa no mundo, algo que pode ser de natureza histórica, institucional, cultural, estética, religiosa ou mesmo filosófica. Mas se é assim então, na medida em que eles resultam de intenções compartilhada, esses produtos da ação humana podem ser capazes de se desenvolver em estágios dialéticos. Eles são capazes de evoluir na criação de oposições e sínteses também compartilhadas, desenvolvendo-se igualmente em estágios dialéticos e, no caso de uma dialética como a mais tarde sugerida por Marx, através das consequências das intenções compartilhadas por uma classe contra as compartilhadas por uma outra com ideias e ideais conflitantes.

   Não quero dizer com isso que tais processos sócio-históricos-culturais sejam lineares, uma vez que há no mundo concreto inúmeros fatores intervenientes que nada tem a ver com eles (Hegel tinha plena consciência disso). Mas se o que foi notado é certo, então ao menos bosquejos dialéticos podem ser encontrados nas ações humanas e em seus produtos. Sob essa perspectiva parece que somos capazes de validar em alguma medida as ambições científicas de Hegel em sua filosofia do espírito, sem recorrer a alguma forma de misticismo como a que se vale do desenvolvimento de um espírito absoluto. Se for esse o caso então há em Hegel uma antecipação especulativa, mesmo que romanticamente magnificada, de processos naturais capazes de ser resgatados pela ciência, o que por si só já seria um feito significativo.

   Explica-se assim o fracasso da tentativa de Hegel de desenvolver uma dialética da natureza puramente biológica e inorgânica, geralmente considerada o ponto mais fraco de seu pensamento. A razão é que os processos dialéticos não valem onde não há mais lugar nem para a intencionalidade nem para o que possa ser derivado dela, ou seja, eles não valem no mundo da natureza puramente biológica e inorgânica. Ele não poderia saber disso na época em que viveu. Mas nos tempos atuais, mais bem esclarecidos pelas ciências naturais e pela teoria da evolução, a crença em uma dialética da natureza tornou-se uma projeção indébita da racionalidade humana lá onde ela não é mais capaz de atuar.

   Resumindo o argumento: discutimos dialeticamente buscando sínteses pela oposição de teses e antíteses. É assim porque elas refletem nossos próprios processos de pensamento que são, como diria Platão, “um diálogo da alma consigo mesma”. Mas isso também significa que os produtos intencionais de nossos processos coletivos de pensamento, tudo aquilo que se dá historicamente (a política, a ordem social, a moralidade, a arte, etc.) também tendem a refletir essa característica. Não obstante, não podemos esquecer que a realidade é tão complexa e depende de tantas variáveis que ela com frequência dilui e altera essa tendência de modo a torná-la irreconhecível. Por exemplo: o impressionismo na pintura (Renoir, Monet...) era um reflexo apolíneo do melhor da civilização francesa, tendo sido seguido pelo seu contraponto dialético: o expressionismo (Van Gogh, Gauguin...), um reflexo bem pouco apolíneo do que havia de errado com ela. Mas depois disso a arte pictórica foi assaltada por uma variedade tão grande de estilos que não se tornou mais possível falar de síntese.

 

4

 

A lógica. Em todo o sistema filosófico de Hegel, a mais abrangente das tríades dialéticas constitui-se no movimento do espírito absoluto que começa com sua constituição lógico-metafísica (tese), é seguido de sua autoalienação no mundo da natureza (antítese) e termina na autoidentificação (do real) e no autorreconhecimento (do racional) de si mesmo como espírito absoluto (síntese).

   Essa tríade originária faz com que existam três grandes momentos dialéticos. O primeiro é estudado na Lógica de Hegel, que é ao mesmo tempo uma metafísica. Ela é a ciência da ideia em si, do espírito absoluto: “a investigação da estrutura da mente de Deus antes da criação do mundo”, por assim dizer.[11] O segundo momento é estudado em sua filosofia da natureza, que é a ciência da ideia objetificada, do Deus objetificado, da ideia que vem a ser outro de si. O terceiro momento, enfim, é o da filosofia do espírito.[12] Ele é o momento da ciência da ideia como o Deus que se reconhece a si mesmo através dos homens, embora não além deles, terminando na forma absoluta de autoconsciência.

   A lógica de Hegel nos parece hoje questionável e sua filosofia da natureza por demais implausível, não importa o que seus cultores digam. Mas a filosofia do espírito, ainda que repleta de artificialidades, é rica em insights e capaz de nos sugerir ideias de maior interesse, mesmo à luz da ciência e da cultura contemporânea. Quero considerar aqui esquematicamente as duas primeiras, para depois expor em um mínimo de detalhes a filosofia do espírito.

   A lógica de Hegel deve investigar a constituição do absoluto primordial em sua eterna essência, antes de sua alienação de si mesmo como natureza. Ela investiga Deus, a ideia ou o pensamento em sua essência absoluta e necessária. Hegel quis que a sua lógica fosse também metafísica, posto que nela são investigados conceitos puramente abstratos cuja aplicação atravessa toda a realidade, como é o caso das categorias aristotélicas.

   A lógica de Hegel divide-se na tríade do ser, da essência e do conceito. Começando com o ser, ele apresenta uma muito famosa tríade primordial que envolve a passagem do ser para o não ser, que por sua vez passa ao vir-a-ser ou Devir. Ou, como ele escreveu:

 

O puro Ser (Seyn) é o começo: porque ele é de um lado o puro pensamento e de outro a imediatez em si mesma, simples e indeterminada, e porque o primeiro começo não pode ser mediado por coisa alguma ou ser mais além determinado. (...) Mas o mero Ser, sendo mera abstração, é portanto o absolutamente negativo, o qual, em seu aspecto igualmente imediato, é apenas Nada (Nichts). (...) O Nada, se ele é para ser imediato e igual a ele mesmo é também, de modo converso, o mesmo que o Ser. A verdade do Ser e do Nada é dessa maneira a unidade dos dois e essa unidade é o Devir (Werden).[13]

 

Paráfrases existem inúmeras. Aqui vai uma: o Ser puro (a tese) é absolutamente imediato e completamente indeterminado. Mas por isso mesmo ele é totalmente vazio de conteúdo. Mas então ele nada é. Ou seja: dele se deriva diretamente o Nada (a antítese), que por sua vez é algo (o não ser nada). Ora, dessa oscilação entre o Ser e o Nada e o Nada e o Ser resulta sua superação no Devir (“síntese”), que incorpora em si mesmo tanto o Ser que não é – o Nada – quanto o ser que é – o Ser.

   Após essa impressionante primeira tríade Hegel prosseguiu mostrando que o Devir infinito se opõe ao ser determinado, que é o ser finito. O ser finito, por sua vez, se opõe ao ser finito das categorias da qualidade, quantidade e medida. Da reflexão do ser infinito no finito vem a ser as relações da lógica da essência... Na sequência ele buscou explicitar uma multiplicidade de outros conceitos metafísicos, chegando após um longo e pedregoso caminho a uma síntese final na lógica do conceito.

  Não pretendo considerar nada disso. A falta de clareza e a mesmerizante confusão conceitual da lógica de Hegel é tão imensa que uma pessoa hábil e imaginativa seria capaz de conceber uma outra série de determinações dialéticas com similar poder de convencimento. E uma pessoa com suficiente conhecimento e razoável capacidade de análise perceberá as falhas no argumento, o que arruinará seu prazer estético.

   Nem assim a lógica de Hegel se reduz à pura mistificação. Por exemplo: ele pretendeu ter resolvido o grande problema humiano da ausência de necessitação do efeito pela causa. Em sua doutrina da essência ele notou que a necessidade da relação entre causa e efeito advém do fato de, considerando que a causa e o efeito acontecem em um mesmo evento, elas são duas maneiras diferentes de se considerar uma mesma coisa, o que garante a necessitação do efeito pela causa.[14] Isso é falso porque embora causa e efeito se encontrem no instante de sua consumação, elas se prolongam diversamente em tempos diferentes, sendo isso o que as caracteriza. Mesmo estando errado, o que Hegel escreveu provoca algum pensamento. Daí podermos concluir que uma leitura in negativo da lógica de Hegel possa ser de algum proveito.

   O segundo grande momento do absoluto é aquele investigado pela filosofia da natureza. Trata-se da ideia que se opõe a si mesma pondo-se como o outro, sem, contudo, reconhecer-se nesse outro. Hegel apresenta aqui uma progressão dialética da mecânica para a física e, finalmente, para o mundo da natureza geológica, vegetal e, finalmente, animal. O indivíduo animal morre por não se adequar à ideia, dele restando a mente humana, que é reabsorvida na ideia eterna, marcando a passagem da natureza para o espírito... A filosofia da natureza é a parte mais obviamente artificial do sistema e dispensa considerações críticas.

 

5

 

Crítica da linguagem. A lógica de Hegel nos lembra a abertura de certas obras sinfônicas cujos efeitos iniciais são impressionantes, mas que pouco depois se tornam melodicamente maçantes. Após Wittgenstein (ver cap. XVIII, sec, 3) nós nos tornamos predispostos a ver em textos dessa espécie um engalfinhado de confusões lógico-conceituais magnificando alguns parcos insights. Por isso faço aqui uma pausa para analisar criticamente a ofuscante primeira tríade da lógica hegeliana. Embora em termos literais o texto citado acima não faça sentido, ele parece fazer sentido e seu efeito pode ser mesmerizante. A questão é: o que o faz parecer ter sentido? Qual a fonte de seu fascínio inicial?

   Para encontrar uma resposta vale a pena voltarmos à sugestão feita pelo filósofo analítico Paul Edwards no que concerne a Heidegger, um filósofo que usava de estratégias discursivas semelhantes. Em um conhecido artigo[15] Edwards cita trechos nos quais Heidegger se impressiona com o fato de que o Ser se encontra para além dos entes. Por exemplo:

 

A sala de leituras é. Ela é iluminada. Nós reconhecemos a sala de leitura iluminada toda de uma vez... como algo que é. Mas onde está em toda a sala de leitura o ‘é’? Em nenhum lugar entre as coisas encontramos o Ser.

Onde está o Ser dessa escola superior? Afinal ela é. O edifício é. Se qualquer coisa pertence a esse ser é seu Ser; mas não encontramos o Ser dentro dela.

Nós corremos (ou ficamos) ao redor do mundo com todas as nossas tolas sutilezas e conceitos. Mas onde em tudo isso está o Ser? [16]

 

Edwards nos lembra de que há três sentidos fundamentais do verbo ser: como cópula (“Sócrates é sábio”), como identidade (“Uma rosa é uma rosa”) e como existência (“Nos altos cumes é serenidade”). A isso se adicionam diferentes tonalidades conotativas que podem ser encontradas em dicionários. Heidegger está usando o verbo ser nas passagens acima no sentido de existência. E o que ele está fazendo é apontar para o fato já bem conhecido de que a existência não é uma propriedade das coisas, embora ele o apresente como se fosse algo misterioso, superior, impressionante e indizível. Recorde-se da análise do conceito de existência feita no capítulo XII do presente livro (seção 13): a existência é o que Frege apontou como sendo a propriedade do conceito de sob ele cair ao menos um objeto e, em um sentido menos metafórico, que também procurei demonstrar, a existência pode ser considerada a propriedade da garantida aplicabilidade de uma regra conceitual a seu objeto (o que torna esse último não-ficcional). Para Edwards, ao dizer que o Ser das coisas não se encontra nelas Heidegger está apenas redescobrindo de forma magnificada algo já bem sabido por filósofos, especialmente os analíticos. Como ele escreveu:

 

Umas poucas palavras estão em ordem no que concerne à ‘descoberta’ de Heidegger da “paradoxal natureza do ser”, sua “tendência misteriosa” de revelar-se tanto como de ocultar-se a si mesmo em uma espécie de eterno strip-tease cósmico. Esse tema é infinitamente repetido nos trabalhos de Heidegger. Podemos agora ver que não há nenhum “mistério” aqui e que Heidegger não descobriu coisa alguma. O “ocultamento” do Ser é um modo de referir ao fato de que quando procuramos pela existência nas coisas não podemos encontrá-la; a “revelação” do Ser é uma maneira desnecessariamente mística de dizer que apesar disso as coisas existem. Nós podemos honestamente caracterizar a descoberta de Heidegger da “paradoxal natureza do ser” como uma redescrição bombástica desses fatos; e, diversamente da análise dos enunciados existenciais esboçada acima, não faz nada para explicá-los.[17]  

 

Ou seja: o que Heidegger fez não foi nada mais do que redescobrir o fato de que a existência não é uma propriedade das coisas, como se isso fosse a porta para uma dimensão superior da realidade, a do Ser, usualmente no lugar do Deus cristão.

   Meu ponto é que um argumento como o de Edwards contra Heidegger também pode ser aplicado à primeira tríade da doutrina do ser na lógica de Hegel. O verbo ser também é aqui usado primariamente no sentido de existência, ainda que carregue consigo outras conotações. Assim, se nos recordarmos que a existência foi analisada por Frege como significando o mesmo que a propriedade de um conceito, qual seja, a de que sob ele cai pelo menos um objeto, podemos parafrasear a primeira tríade da doutrina do Ser excluindo colorações polissêmicas secundárias como se segue:

 

A propriedade conceitual da existência enquanto tal (o puro Ser) é o começo: ela pode ser considerada de forma pura, em separação de qualquer conceito particular a que se possa aplicar (...) Mas a mera propriedade conceitual da existência como o do cair sob algum conceito, quando abstraída de qualquer conceito específico, não resulta em objeto algum que venha a cair sob um conceito (é apenas um Nada). Essa falta de ligação com conceitos é como a existência enquanto tal, como mera propriedade... A existência como propriedade abstraída de conceitos e objetos não conduz à existência de coisa alguma, nem a existência de coisa alguma conduz à sua ligação com conceitos determinados. E no perceber dessa alternância há um movimento da mente para lá e para cá (o Devir).

 

Podemos ainda parafrasear a mesma passagem usando a noção de efetiva ou garantida aplicabilidade (da regra) conceitual, mas abstraída de um conceito ao qual ela se aplique. Nesse caso temos a noção de existência tout court, ou seja, do “Ser.” O resultado fica ainda mais estranho:

 

A efetiva aplicabilidade conceitual, tomada como a mera efetiva aplicabilidade conceitual sem o conceito (o puro Ser) é o começo: ela pode ser concebida enquanto tal, separada de qualquer conceito particular (...) Mas a simples efetiva aplicabilidade conceitual, tomada como existência abstraída de qualquer regra conceitual, não resulta em objeto algum ao qual conceitos possam se aplicar, na verdade não resulta em coisa alguma (é apenas Nada). Ora, essa existência como mera propriedade conceitual de aplicabilidade não ligada a nenhum conceito específico conduz à inexistência de qualquer coisa, enquanto a inexistência de qualquer coisa conduz à consideração da existência sem sua ligação com qualquer conceito particular, de modo que na percepção dessa alternância encontra-se um movimento da mente de um lado para o outro e vice-versa (o Devir).

 

Essas paráfrases destituem o texto de Hegel de qualquer colorido metafórico resultante da substantivação do ser, do nada e do devir. Só que aqui a aura metafísica perdeu-se. Não é mais o relato de algo misterioso e extraordinário. Afora isso, ao me concentrar no ser-existência semanticamente fundamental, estou deixando de lado a polissemia enriquecedora dessa palavra, como a do Ser-Deus, que aparece aqui como o pensamento que Deus tem de si mesmo como nada e que contribui para o mistério poético do texto... Mas se estou certo então temos aqui um exemplo concreto de como, no dizer de Wittgenstein, toda uma nuvem de metafísica se condensa em uma gota de gramática.[18]

   Também é importante acentuar que é parte da gramática conceitual do verbo ‘existir’ que de tudo podemos dizer que de algum modo existe. Até da própria existência podemos dizer que ela existe, que ela é. Assim, o Ser como existência pode ser usado no lugar de qualquer coisa, como uma espécie de metáfora universal. Esse foi o genial estratagema filosófico inventado por Parmênides para exprimir o que lhe era indizível e que continuou sendo usado em toda a filosofia ocidental, de Platão a Heidegger, passando por Hegel.

   Jean Paul Sartre usou essa metáfora universal em um sentido psicológico,[19] mas de maneira a magnificá-lo como uma ontologia existencial. Suas duas metáforas eram as do ser-em-si (l’être en-soi), o ser das coisas, e do ser-para-si (l’être pour-soi), o ser propriamente humano. Para ele o ser-para-si age sobre o ser em si como um abismo nadificador que se consuma na angústia da negatividade (“a náusea”). Contudo, se analisada de forma não metafórica essa progressão também se demonstra trivial. Ela nada mais é do que uma maneira magnificada, altamente literária e profundamente pessimista de dizer que as coisas nos chamam atenção até que as conheçamos bem o suficiente para elas nos parecem tediosas e vazias.[20]

 

6

 

O espírito. É em sua filosofia do espírito que Hegel apresentou o que ele tinha de mais importante a dizer. O espírito é o autorreconhecimento da ideia através da alteridade por ela mesma inconscientemente posta. Para ele o espírito também se desenvolve através de um processo dialético triádico, que começa pondo o espírito subjetivo (individual), ao qual se opõe o espírito objetivo (geral ou social), terminando no espírito absoluto (universal ou divino).

   Comecemos com o espírito subjetivo. Ele é o indivíduo humano, que também se subdivide em três momentos dialéticos. O primeiro é o da antropologia, que tem por objeto a alma sensível na qual o espírito é o indivíduo unido a um corpo. Para Hegel a alma e o corpo não podem se opor, pois nesse caso não haveria comunidade entre eles. O segundo momento é o da fenomenologia. Aqui o espírito se torna consciência. Ele reflete sobre si mesmo na forma de autoconsciência, pondo-se como um eu. Mas esse eu só se faz capaz de autoconsciência pelo reconhecimento de outras consciências, como é mostrado na famosa dialética do senhor e do escravo.[21] O terceiro momento é o da psicologia. Aqui o espírito considera-se a si mesmo de forma universal, como possuidor de uma vontade livre e capaz de submeter-se ao escrutínio racional.

   Ao espírito subjetivo Hegel opõe dialeticamente o espírito objetivo. Este é o momento em que o espírito individual passa a viver a vida da humanidade, objetivando-se através de seus modelos de interação social e cultural. Os três momentos dialéticos do espírito objetivo são os do direito, da moralidade e da eticidade.

   Com relação ao direito individual ou pessoal Hegel dá particular importância ao direito de propriedade. A propriedade é diferente da mera posse por ser fundada no reconhecimento mútuo entre as partes. É pelo reconhecimento mútuo que os indivíduos se tornam livres. A lei é determinante do que é certo e por isso deve representar a vontade comum, estabelecendo o que é de direito para todos. Se alguém viola a lei, esse alguém perde seus direitos pessoais, só podendo recuperá-los se sofrer a punição prescrita. Na medida em que a pessoa que viola a lei considerar justo que outra pessoa sofra a mesma punição no caso de fazer o mesmo contra ela, será coerente que aceite seu castigo como sendo justo.

   O direito regula apenas o comportamento exterior das pessoas. Ele não é capaz de interferir em sua interioridade, em suas intenções. É aqui que ele cede lugar à moralidade. O que produz a ação moral é a intenção concreta. Se a intenção for como deve ser, gerando o bem estar, ela se universaliza como boa vontade. Mas quando a intenção que determina a ação não for como deve ser o resultado será a má vontade geradora do mal.

   Hegel introduz um terceiro momento, o da eticidade (Sittlichkeit), que é o da síntese entre o direito e a moralidade. O bem que daí resulta é o de uma comunidade social. A forma mais alta de moralidade é para ele algo concreto, vale dizer, aquela que se constitui no espírito de um povo determinado sob a perspectiva de sua realização histórica. A eticidade, por sua vez, também segue um devir dialético, começando com a família, passando à sociedade civil e terminando na economia pública.

   Da oposição entre família e sociedade civil resulta o estado. O estado é a unidade universal na qual se resolvem as vontades individuais. Para Hegel o estado encontra-se sempre acima dos cidadãos. O estado não existe para o cidadão, mas o cidadão para o estado. Para ele o estado é absoluto. Ele é o Deus na terra, melhor dizendo, ele é a consciência que vige entre Deus e a humanidade! É dele que dependem a religião e a moralidade. Um cidadão aumenta a sua liberdade concreta na medida em que consegue conformar as suas ações com as instituições do estado.

   Para Hegel o direito internacional é insuficiente para salvaguardar os interesses dos estados. Como consequência, quando os interesses vitais dos estados entram em conflito, a guerra se torna em geral a única maneira pela qual acordos podem ser alcançados.[22] Ele via na guerra uma forma saudável de decidir sobre quem tem razão, sem a qual o progresso da humanidade não seria possível. Ela possui, ademais, a função de guardar nas mentes das pessoas as realidades da morte e da destruição. Não há em Hegel a ideia do mundo presidido por um estado mundial ou por uma confederação de estados com interesses comuns, como Kant sugeriu em À paz perpétua.[23]

   Os estados representavam para Hegel os diversos povos. Esses povos progridem e conflitam entre si como partes do espírito do mundo (Weltgeist), que se serve dos povos para realizar-se. Quando um povo acaba de exercer a sua função ele entra em decadência, dando lugar a outro. O espírito do mundo também pode se servir de indivíduos capazes de encarnar o espírito do tempo (Zeitgeist), como nos casos de Alexandre, Cesar e Napoleão. Enquanto general Napoleão encarnou o espírito de seu tempo, levando a exigência de ascensão da classe burguesa a vários outros povos. Ele esteve a serviço da astúcia da razão (list der Vernunft) para depois ser descartado. A forma mais elevada de estado era para Hegel uma monarquia constitucional que respeitasse os direitos individuais.

 

7

 

A história. Adentramo-nos aqui na mais importante filosofia da história de Hegel. A vida do espírito objetivo revela-se temporalmente na historicidade, que também deve desdobrar-se em movimentos dialéticos cujo objetivo final é alcançar a consciência da liberdade. O desenvolvimento do espírito absoluto presentifica-se na história através de quatro momentos nos quais a liberdade humana se desenvolveu.

   O primeiro é o da infância da humanidade no Oriente (China, Índia, Egito Antigo e Pérsia). Nessas civilizações estacionárias só era livre o déspota, com poderes absolutos arbitrários. Os indivíduos não possuíam uma moral própria e leis que deles emanassem.

  A juventude do espírito foi representada pela Grécia antiga, onde podia existir a consciência feliz advinda da consonância entre a vontade dos cidadãos e seu ideal representado pela cidade-estado. Os cidadãos eram livres por constituírem uma “bela totalidade” em cidades-estados nas quais o público e o privado eram capazes de se harmonizar. Mas embora os cidadãos já fossem livres, tratava-se de uma liberdade limitada pelo fato de ser social e não propriamente individual. A liberdade dos cidadãos devia se conformar aos hábitos morais estabelecidos pela cidade-estado e nunca a consciências morais reflexivas e pessoais. Devia ser assim porque os cidadãos viam-se tão absolutamente ligados à cidade-estado que não se sabiam capazes de distinguir seus interesses próprios dos interesses do estado. A maior glória de um cidadão grego, por exemplo, era morrer lutando em um campo de batalha. Tratava-se da liberdade do hábito ou costume e não do uso da razão.

   O conflito entre a liberdade reflexiva individual e a liberdade do cidadão como membro da pólis é demonstrada na tragédia de Eurípedes chamada Antígona. O novo rei da cidade, Creonte, decide que um irmão de Antígona, morto na batalha, não poderá ser enterrado, devendo servir de repasto para os abutres e animais selvagens, o que significava que seu espírito teria de vaguear pela terra sem descanso. Contrariando essa decisão do rei, Antígona decide enterrar o irmão, sendo por isso punida com a morte. Outro exemplo é o de Sócrates, cujo delito foi o de opor aos valores da cidade-estado uma liberdade originada de sua própria consciência crítica. Com isso ele se tornou o inimigo mortal da liberdade do costume, sendo essa a razão última pela qual foi condenado.

   O conflito entre a consciência individual e o estado emergiu com toda a sua força no império romano, que constituiu para Hegel a virilidade do espírito. O império romano foi a negação dialética do mundo grego. Diversamente de outros, ele era formado por uma coleção de povos os mais diversos, que precisavam ser unidos pela mais severa disciplina através do uso da força. Disso resultou que embora os cidadãos já dispusessem de uma consciência reflexiva da liberdade individual, eles não eram capazes de realizá-la na prática. Tratava-se de uma liberdade meramente formal, posto que as liberdades concretas eram esmagadas pelo poder de Roma e o indivíduo não tinha mais como se identificar com o estado. No mundo romano o espírito grego espontaneamente livre havia sido destruído. Isso explica o proliferar de filosofias consoladoras como as do estoicismo, epicurismo e ceticismo, que negavam a importância dos afazeres do mundo. Hegel via essas filosofias como expressões da impotência do indivíduo. Elas refletiam o desespero dos que mesmo vendo-se a si mesmos livres eram incapazes de influenciar os poderes que regiam seu destino. Afora isso, Roma precisava de escravos para nutrir seu sistema, os quais não possuíam liberdade alguma.

   Como superação dessa situação entrou em cena o cristianismo. Ele se distinguia por sua doutrina moralizante, segundo a qual vivemos nesse mundo para purgar-nos do pecado original, a verdadeira vida começando no além-mundo. Precisamos para isso quebrar o domínio de nossos desejos naturais de modo a fazermo-nos merecedores da vida eterna, o que é possível, dado que fomos feitos à imagem de Deus e que por isso nosso valor é infinito. Para Hegel, o cristianismo significou um grande progresso na consciência humana, que se descobriu como sendo essencialmente espiritual. Sendo seres essencialmente espirituais então devemos ser capazes de transcender a hostilidade do mundo natural de uma forma positiva. Para Hegel, o cristianismo substitui a moralidade do costume grega pela moralidade do amor. Ele acabou por dominar o mundo europeu depois de tornar-se a religião oficial de Roma, tendo permanecido por ter cristianizado os bárbaros, como aconteceu no ocidente ou mesmo por ter resistido a eles, como aconteceu no decadente império bizantino. Só essa concepção igualitária do homem defendida pelo cristianismo permitiu o desaparecimento da escravidão na Europa, pois deu a todos a perspectiva da liberdade ao considerar cada indivíduo humano como possuidor de um valor infinito e candidato à vida eterna. Em compensação, o cristianismo produziu um imenso peso na consciência humana, que pode ser representado pela figura hegeliana da consciência infeliz, que é produzida quando a distância entre o indivíduo concreto e o Deus cristão passou a ser sentida como infinita e intransponível.[24]

   Quanto à Idade Média, tudo o que Hegel nela conseguiu ver foi uma longa e terrível noite na qual a igreja perverteu o verdadeiro espírito cristão. Só com o renascimento e, mais tarde, com a revolução francesa, houve um progresso real. E foi só pelo florescimento do mundo germânico que o espírito entrou em sua fase de ancianidade construtiva.

   Para Hegel o alvorecer do mundo germânico começou com Lutero. A igreja católica havia sido corrompida, tratando a divindade como se ela estivesse incorporada no mundo real através de rituais, cerimônias e vendas de indulgência. O protestantismo permitiu a cada ser humano encontrar a salvação por si mesmo, como indivíduo. A consciência individual do ser humano passou a ser o árbitro último do que é bom e verdadeiro. Assim, só após a reforma luterana, que demandou uma fé abstrata, e após a revolução francesa, que naufragou devido ao despreparo das pessoas em lidar com as demandas concretas da racionalidade, mas que permitiu o estabelecimento de leis capazes de tornar o estado racional, fez-se possível a criação de um estado racional na Alemanha, capaz de tornar possível ao indivíduo realizar-se de modo verdadeiramente livre em sua racionalidade reflexiva. É por isso que no mundo germânico as liberdades individuais se tornaram capazes de se encontrar, em uma síntese final, com a liberdade do absoluto. Pois quando o estado é racional, ser livre é ser capaz de adequar-se a ele! No dizer de Hegel, foi na sociedade racionalmente organizada do mundo germânico de seu tempo que a ideia da liberdade alcançou a sua consumação. Pois em um estado racionalmente organizado, a liberdade subjetiva da racionalidade individual passa a coincidir com a liberdade objetiva da racionalidade do estado.

 

8

  

Espírito absoluto. Passados pelo espírito subjetivo (tese) e por sua oposição no espírito objetivo (antítese) chegamos agora à sua superação conservadora: o espírito absoluto (síntese). Tal é o caso do espírito que se considera em si e por si mesmo, tudo superando sem deixar nada fora de si. Ele é a síntese do temporal com o eterno, do finito com o infinito, do particular com o universal. Mas a realização do espírito absoluto também deve se dar através de três momentos dialéticos, que são o da arte, o da religião e o da filosofia.

   Vejamos, para começar, o momento da arte (tese). Para Hegel é através da arte que a consciência do absoluto ou ideia toma sua primeira forma. Ela é a revelação do divino na intuição sensível: a arte é a manifestação sensível do absoluto. Na arte a ideia se manifesta como forma sensível. A arte será melhor quando mais perfeita for essa intermediação. Como a natureza é espírito adormecido e a arte é produto direto do espírito, o belo da arte é sempre superior ao belo da natureza.[25]

   A arte também se manifesta sob três formas dialéticas. A primeira, própria da arte oriental, foi a arte simbólica cultuada na Pérsia, Índia e Egito. A arquitetura foi a principal forma de arte simbólica. Ela se utilizava de elementos naturais como um leão para simbolizar a coragem, um pássaro para simbolizar a alma, a luz para simbolizar o divino. Mas como esses produtos da natureza se encontram muito distantes da ideia, ela só pôde ser por eles apresentada de forma misteriosa, bizarra e mesmo grotesca,[26] ainda que pudesse conter algo de sublime.

   A superação antitética da arte simbólica só se deu pela objetivação da ideia na arte clássica nascida na Grécia antiga. Mais próprio dessa forma de arte foi a escultura de formas humanas idealizadas para representar o absoluto, como a estátua do deus Apolo. Pela perfeita compenetração de forma e conteúdo a arte clássica foi considerada por Hegel a mais bela. Contudo, por mais idealizada que fosse, não era possível libertar essa forma de arte da finitude sensual do mundo fenomenal.

   Essas duas formas de arte, a simbólica e a clássica, só foram dialeticamente superadas pela arte romântica. Essa última é exemplificada pela arte cristã, que se liberta do elemento sensual para adquirir tons religiosos, exprimindo a interioridade dos sentimentos. As principais formas de arte romântica são para Hegel, a da pintura, da música e da poesia. Há nessa sequência um movimento de desmaterialização e de interiorização. Na música não há mais representação, senão dos movimentos da alma. Na poesia, o visível e o audível reduzem-se a simples sinais do espírito, que já se concebe como sendo infinito e que é mais complexo e sofisticado do que sua expressão nas formas anteriores de arte. Através da arte romântica a arte começa a superar a sua própria natureza, tornando-se arte-religião e quase que abandonando o elemento sensível.

   Como manifestação do espírito absoluto, a arte encontra o seu oposto (antítese) na religião, que é o momento da pura objetividade. Aqui a intuição se espiritualiza na forma da representação do absoluto. A religião encontra um desenvolvimento histórico coincidente com o desenvolvimento da ideia de Deus na consciência humana. Hegel também encontra nesse desenvolvimento três momentos dialéticos. O primeiro foi o da religião natural. Ele foi o momento da magia, do fetichismo, do simbolismo. Ele é para Hegel o momento das religiões orientais na China e na Índia. No segundo momento a ideia de Deus passou às religiões da liberdade, movendo-se da substancialidade à individualidade espiritual. Nós o encontramos nas religiões persa e egípcia. Mais tarde encontramos as religiões da individualidade espiritual – o culto do sublime entre os judeus, do belo entre os gregos e dos fins entre os romanos. Finalmente chegamos ao cristianismo, à religião mais alta, a religião absoluta. O cristianismo é a única religião que conseguiu satisfazer plenamente o objetivo de unir o homem ao divino. Contudo, também dentro do cristianismo encontramos uma evolução. Ele passou por um momento imagístico na Idade Média, chegando ao seu apogeu no momento conceptual do protestantismo, quando imagens humanas de objetos de culto passaram a ser banidas.

   A síntese do momento subjetivo da arte com o momento objetivo da religião só pode ser encontrada na filosofia. A filosofia é para Hegel a ciência que as unifica. Ela transcreve as representações religiosas em conceitos, preservando seu conteúdo, tanto como o da emoção contida na arte romântica, sendo por isso também um culto a Deus, uma teologia racional. Só na transparência da razão filosófica o espírito absoluto explicita-se a si mesmo por completo, de modo a alcançar sua inteira autoconsciência. Através dela o absoluto não é mais nem intuído nem representado, vindo diretamente expresso no conceito.

   Também essa explicitação evolve dialeticamente. Por meio de tríades dialéticas apresentadas na sucessão dos diversos sistemas filosóficos, a ideia adquire um conhecimento cada vez maior de si mesma. A história da filosofia torna-se assim o movimento de auto-explicitação do absoluto.

   Para Hegel cada filosofia necessariamente pressupõe as que a precedem, como na demonstração de um teorema. Em sua leitura, a história da filosofia teve seu primeiro momento com os pré-socráticos. Tales, ao considerar a água como o princípio, estava tomando o conceito de água pela primeira vez em um sentido abstrato. Sócrates foi uma figura chave por ter adicionado à moralidade grega convencional um princípio de reflexão da consciência sobre si mesma, algo que poderia ser chamado de moralidade reflexiva. Por isso mesmo, como Antígona, ele não encontrou respaldo na moralidade comunitária da pólis. Mesmo Platão e Aristóteles não se libertaram suficientemente da moralidade comunitária. Somente a filosofia cristã irá universalizar o tipo de subjetividade representado por Sócrates no mundo Grego e representado por Cristo no mundo romano. Mas a filosofia só encontrará a sua completude quando a procissão das filosofias cristãs e modernas tiver desembocado no próprio Hegel, refletindo as condições do verdadeiro estar em casa no mundo, aproximadas pela sociedade alemã de sua época. É só nessa última filosofia que o espírito atinge a sua mais completa maturidade: é quando o espírito absoluto toma absoluta consciência de si mesmo.

   Eis como Hegel descreve a posição de sua própria filosofia como a culminação última do pensamento ocidental:

 

Até aqui chegou o espírito do mundo. E cada estágio toma sua forma própria no verdadeiro sistema da filosofia. Nada se perdeu, todos os princípios foram preservados, dado que em seu aspecto final a filosofia é a totalidade de suas formas. Essa ideia concreta é o resultado dos esforços do espírito durante quase vinte e cinco séculos de trabalho honesto no sentido de tornar-se objetivo para si mesmo, de conhecer-se a si mesmo: tantae molis erat, se ipsam cognoscere mentem. [27]

 

A filosofia de Hegel explicita o absoluto na consciência plena de tê-lo recuperado em sua totalidade. “Depois de mim,” teria dito ele, “não haverá mais a necessidade de ser original.”

 

9

 

Crítica. Hegel foi um filósofo de imaginação prodigiosa. Sua investigação dialética da filosofia de produtos da ação humana, como a história, a arte, a religião e a própria história da filosofia merece ser levada a sério, nem que seja só por fornecer um rico material de reflexão. Não obstante, sua tentativa de construir um sistema capaz de tudo abranger através da dialética é artificial e deriva, na lógica como metafísica e na filosofia da natureza no que aparenta ser uma gigantesca, ainda que brilhantemente articulada, mistificação.

   A argumentação de Hegel segue o estilo kantiano do construtor de sistemas, servindo-se vagos esquemas argumentativos amiúde distorcidos, forçados, artificiais e fantasiosos (a virtude epistêmica nunca foi o forte do idealismo alemão). Só um exemplo: a arte, a religião e a filosofia não culminaram uma depois da outra como seria de esperar se sua relação fosse realmente o produto de um desenvolvimento dialético. Sabemos apenas que a filosofia foi um fenômeno posterior, que coexistiu com a arte e a religião, o que em meu parecer só pode ser justificado por sua natureza derivada (cap. I, sec. 8-9).

   Para avaliarmos melhor o que Hegel pretendeu fazer como filosofia precisamos recorrer ao triângulo metafilosófico apresentado no primeiro capítulo desse livro (sec. 9). Segundo aquele esquema a filosofia é uma prática cultural derivada da prática científica (heurística), da prática artística (metafórica) e da prática religiosa (holística). A filosofia de Hegel possui alguma ambição heurística, mas sempre à serviço das outras. De paladino da verdade muito pouco ele tinha. Trata-se de filosofia como uma arte da razão. Sua motivação pendia para os elementos estético e místico, de modo que ele estava sempre disposto a sacrificar a verdade pelos efeitos metafórico-estéticos e pela ambição de totalizante de um sistema que se pretendia omniabrangente. Por isso muito de sua filosofia impressiona mais pela imaginativa configuração sistematizadora e pela tonalidade religiosa-oracular de sua retórica argumentativa, confirmando uma ambição que, como a de Schelling, era a de produzir uma mitologia racional provedora de uma visão de mundo (Weltanschauung) capaz de servir de esteio e guia para seus semelhantes.[28]

   Essa disposição esteticista e mística se torna mais clara quanto comparamos Hegel com Hume tendo em mente nosso triângulo metafilosófico. O último está mais próximo da arte e da ciência, mas muito pouco da religião, da qual é crítico, o que quase extingue a disposição holística construtiva. Daí ter ele desenvolvido argumentos feitos para impressionar seus leitores pelas conclusões tanto inaceitáveis quanto irrecusáveis, em apelo a um efeito estético-imaginativo. Mas eles são particularmente proveitosos pelo desafio que colocam para quem busca a verdade. Como o modelo de Hume possui forte apelo esteticista (a produção do “espanto”), ele não precisa “nos levar pelo nariz”, dado que, como na arte, ele produz uma ilusão capaz de, em princípio, ser admitida como tal. Afinal, ele apresenta argumentos claros que o conduzem ao paradoxo, deixando para nós mesmos escolher se os aceitamos ou não, além do trabalho de explicar porque os aceitamos ou não. Já Hegel é construtivo: tudo precisa ser idealmente justificado.

   A questão da plausibilidade importa, mesmo que não seja o único elemento importante na avaliação das ideias filosóficas. Não há porque duvidarmos do progresso da ciência. Hegel viveu antes da descoberta da evolução natural por Darwin, que se faz por tentativa e erro e que não é teleológica nem dialética. Ele viveu antes da descoberta dos princípios da termodinâmica e da cosmologia contemporânea, que mostraram ser a mente consciente um acaso ínfimo dentro da imensidão do universo. Mesmo que essa mente consciente seja produto do universo e, nesse sentido a sua própria consciência (o universo que se pensa através dela) nada sugere que a mente seja um produto teleológico desse universo, o que já basta para a rejeição do idealismo absoluto como uma posição especulativa implausível.

   Finalmente, é preciso lembrar da mais séria objeção contra a eliminação do objeto independente da mente no idealismo absoluto. A maior razão pela qual admitimos a existência de um mundo material independente do sujeito da experiência é que tanto o aparecimento quanto a combinação e a ordem de aparecimento das representações sensíveis independem da mente ou do espírito. Como notamos já no capítulo V (sec. 4), na ausência da concretização de qualquer cenário cético radical, nós nos servimos desse e de outros critérios similares para mantermos a postulação semântica de que nosso mundo externo é ultimamente real e material no sentido de não possuir propriedades mentais. Assim, na ausência da concretização de um cenário cético não há lugar para a hipótese cética; nós temos toda razão em admitirmos a existência de um mundo externo independente e fora da mente, que deve ser a fonte dessas representações, valendo-nos dos critérios usuais de realidade inerente. Essa postulação semântica é aqui para nós natural por uma questão de simplicidade, pois é ociosa a hipótese de que a ordem e independência das coisas seja resultado de uma imaginação produtiva inconsciente de um suposto espírito absoluto. Os filósofos que veremos a seguir, Marx e Nietzsche, poderiam com razão adicionar que foi a fé cristã em uma realidade extramundana o que mais instigou a filosofia a ignorar esse postulado e a confundir nossas intuições.[29]

 

 

 

 

 



[1] G. W. F. Hegel: Phenomenologie des Geistes (1807), Prefácio. Trad. port. Fenomenologia do espírito (Vozes 2014).

[2]  Carta a Nithammer 13/10/1806.

[3] G. W. F. Hegel: Philosophie des Rechts (1820), prefácio. Trad. port. Filosofia do Direito (ed. 34: 2019).

[4] Observe que Hegel não usava as palavras ‘tese-antítese-síntese’ (These-Antithese-Synthese) pertencentes ao vocabulário de Fichte. Eu as uso aqui por razões didáticas e também por ver na dialética hegeliana um emprego pessoal, antiformalista e muito mais flexível do mesmo procedimento.

[5] Para se ter uma ideia dos desgastantes problemas interpretativos internos da dialética hegeliana ver o artigo “Hegel’s dialectic” na Stanford Encyclopedia of Philosophy (Internet 2019).

[6] Ver, por exemplo, Graham Priest: “The Logical Structure of Dialectic”, in History and Philosophy of Logic 44 (2), 2023, pp. 200-208.

[7] Cf. Wissenschaft der Logik livro II, sec. 1, cap. 2, C. Trad. port. A ciência da lógica (Vozes 2016), 3 vols.

[8] A construção do real na criança, p. 329 (Rio de Janeiro: Zahar 1970). Ver também Jean Piaget, Biologia e conhecimento (Petrópolis: Vozes 1996).

[9] Jean Piaget: A equilibração das estruturas cognitivas (Rio de Janeiro: Zahar 1976), p. 123.

[10]  Sobre o conceito de intencionalidade coletiva, ver John Searle Making the Social World: The Structure of Human Civilization (New York: Oxford University Press 2010).

[11] Isso não deve ser entendido literalmente, pois como o mundo é para Hegel parte de Deus, ele não poderia tê-lo criado.

[12] Para Hegel a lógica investiga Deus como o pai, a filosofia da natureza investiga Deus encarnado, ou seja, como o Filho, e a filosofia do espírito investiga Deus como o Espírito Santo, o que resolveria filosoficamente o mistério da Santíssima Trindade! Vorlesungen über die philosophie der Religion II (Werke vol. 12), Parte 3, I, 3.

[13] Wissenschaft der Logik (versão da Enciclopédia publicada em 1830), parágrafos iniciais das seções 86, 87, 88. Trad. port. Enciclopedia das ciências filosóficas em compêndio: A ciência da lógica, vol. 1 (Ed. Loyola 1995).

[14] Hegel, Wissenschaft der Logik, livro II, cap. 3, sec. B.

[15] Paul Edwards: “Heidegger Quest for Being”, in Philosophy 1989, vol. 64, n. 250, pp. 437-470.

[16] Ibid. p. 443.

[17] Ibid., p. 464.

[18] Ludwig Wittgenstein: Philosophische Untersuchungen (1953), parte II. Investigações filosóficas (Petrópolis: Vozes 2014).

[19] J. P. Sartre: L’étre et le néant: Essay d’ontologie Phénoménologique (1945) parte II, cap. 3.

[20] Para Freud, assim como o esquizofrênico trata o abstrato como se fosse concreto, o filósofo trata o concreto (no caso, o psicológico) como se fosse abstrato (o ontológico-existencial).

[21] Embora esse momento apareça na Enciclopédia (Parte Três, seção I, B (1830)), ele foi mais profundamente desenvolvido na Fenomenologia do Espírito, uma obra que mereceria um comentário à parte.

[22] Enciclopedia vol. III, sec. 547-548. Ver especialmente G. W. F. Hegel: „Die Verfassung Deutschlands“ (Leipzig: Reclam 1923).

[23] Immanuel Kant, Zum ewigen Frieden: einer philosophischen Entwurf (1795). Trad. Port. À paz perpétua: um esboço filosófico (Petrópolis: Vozes 2020).

[24] Fenomenologia do espírito, cap. IV, sec. B.

[25] G. W. F. Hegel: Vorlesungen über die Äesthetik (1835). Curso de estética: o belo na arte (São Paulo: Martins Fontes 1996), I, Definições Gerais, 1.

[26] G. W. F. Hegel: Curso de estética: o belo na arte. Ibid., Parte II, seção 1 (a forma simbólica de arte).

[27] “Tão difícil era para a mente conhecer-se a si mesma”. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie (1833) sec. III: Filosofia Alemã Recente, E. Resultado final.

[28] Uma carta de Schelling a Hegel mostra bem o pathos através do qual ambos escreviam e buscavam ser entendidos: “Necessitamos de uma nova mitologia, mas essa mitologia deverá estar a serviço da razão. Por isso, enquanto não tivermos transformado as ideias em obras de arte, isto é, em mitos, elas não terão qualquer interesse para o povo… A mitologia deverá tornar-se filosofia e o povo racional… Um espírito superior enviado pelo céu fará reinar entre nós a nova religião, derradeira obra da humanidade.” Op. cit. Kostas Papaioannou, Hegel (Lisboa: Editoral Presença 1964), pp. 7-8.

[29] Procurei ignorar objeções de caráter moral como as imprecações de Schopenhauer contra Hegel, as objeções exageradas de Karl Popper e mesmo as de Bertrand Russell, para quem Hegel é a prova de que um gênio também pode ser intelectualmente desonesto (o que soa como dizer que os profetas bíblicos eram desonestos, dado que ambas resultaram da sociedade que os envolvia). Também quis ignorar a atitude dos cultores de Hegel que o interpretam da maneira como os teólogos interpretam os textos sagrados, às vezes pelo entretenimento de delírios filosóficos próprios, calçados nas mensagens do profeta. Prefiro ver no idealismo alemão um jogo de ilusionismo especulativo hiperdimensionado, mas detentor de um considerável número de insights enriquecedores.



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