DRAFT para o livro a ser intitulado "Introdução histórica à filosofia".
XVIII
WITTGENSTEIN: OS LIMITES DO SENTIDO
O filósofo não é cidadão de nenhuma comunidade de ideias. É isso o que
faz dele um filósofo.
Wittgenstein
Ludwig Joseph Johan Wittgenstein (1889-1951) tem sido visto como
candidato ao título de “o maior filósofo do século XX.” Se o radicalismo com
que alguém se compromete com a reflexão filosófica é um parâmetro de julgamento
então há razões para se acreditar que sim.
Wittgenstein foi uma pessoa de
personalidade única, que viveu uma vida aventurosa, diversamente da grande
maioria dos filósofos. Karl Wittgenstein, seu pai, foi uma pessoa que tendo
começado do nada se tornou um dos homens mais ricos da Europa, possuidor de
monopólio sobre a indústria do aço na Áustria. Era uma pessoa dominadora, que
educou seus filhos com exigências extremas, querendo transformá-los em capitães
da indústria. Um resultado foi que dos quatro irmãos de Wittgenstein, três
deles se suicidaram. Percebendo seu erro Karl relaxou as exigências com
Wittgenstein, o mais novo. Ao estudar engenharia Wittgenstein apaixonou-se pela
filosofia da matemática, tendo descoberto por conta própria a incomparável obra
de Frege, na época ignorada. Ele procurou Frege em Jena, que lhe recomendou ir
para Cambridge estudar com Bertand Russell, o maior filósofo inglês do século
XX. Em Cambridge ele se tornou amigo de Russell, que logo o reconheceu como um
gênio filosófico. Wittgenstein era homossexual e parece ter tido um leve grau
de autismo.[1]
Juntando a isso a imensa e séria ambição com que foi educado, dá para se
entender porque ele era um homem atormentado, que viveu acompanhado pela ideia
de suicídio.
Russell se recorda que
Wittgenstein vinha visitá-lo tarde da noite e ficava andando de um lado para
outro sem dizer uma palavra. Russell tinha receio de que se o mandasse embora
ele se suicidasse. Uma vez perguntou: “Em que você está pensando? Em filosofia
ou em seus pecados?” A resposta foi: “Provavelmente em ambos”. Outra recordação
de Russell é a de tê-lo convencido a assistir uma corrida de botes em Cambridge.
Ele foi, mas voltou furioso, justificando seu estado de espírito com a
observação de que todo tempo que não é gasto lendo obras geniais ou escrevendo
obras geniais é tempo perdido!
Wittgenstein se distinguiu da
maioria dos filósofos acadêmicos por ter mantido um pé dentro da instituição
universitária, que pessoalmente desprezava, e outro fora dela, o que deve ter
contribuído para sua extrema originalidade. Após ter estudado com Russell ele
se alistou no exército austríaco para lutar na Primeira Guerra Mundial. Não
tinha boas razões para fazer isso, pois a guerra era iníqua, ele estava na
Inglaterra e era judeu. Acredito que ele queria viver situações extremas. Percebendo
que os oficiais receavam lhe enviar para a frente da batalha, ele os procurou
dizendo que se suicidaria se não o mandassem de pronto para uma posição
arriscada. Eles o enviaram então para um posto de observação avançado à noite,
quando o bombardeio era mais intenso. Ele quase morreu sim, mas de medo, por
sorte voltando sem um arranhão sequer. Mais tarde, em uma das piores batalhas
na fronte russo, a imensa maioria dos soldados foram mortos, mas outra vez ele
saiu ileso. Teve sorte. Como mais tarde comentou: “Onde quer que esteja, você
precisará sempre de um anjo bom”. Nas trincheiras escreveu o livro que resume a
sua primeira filosofia: o Tractatus Logico-Philosophicus, publicado em
1921.[2]
Após o Tractatus, tendo
esgotado o que tinha de importante a dizer, ele decidiu ir viver a vida simples
das pessoas comuns. Empregou-se por algum tempo como aprendiz de jardineiro.
Tentou entrar para um mosteiro, mas foi rejeitado por falta de vocação. Buscava
a pureza. Acabou decidindo ser mestre-escola em vilarejos pobres no interior da
Áustria. Trabalhou nessa profissão por sete anos. Mas em geral os camponeses
não gostavam dele, pois era pretensioso e demasiado severo com os alunos. Na
época os professores batiam nos meninos, mas poupavam as meninas. Wittgenstein
era mais democrático: ele batia em todos, sem distinção. Ajudava os bons
alunos, mas era o terror dos mais fracos. Uma das alunas mais tarde se recordou
de que certa manhã, irritada com as reprimendas de Wittgenstein, resolveu não
responder às perguntas. Ele a puxou pelos cabelos. Ela continuou quieta. Ele
fez isso outra vez. Ela não respondeu. Ele a olhou de modo inquisitivo.
Disse-lhe para ir com ele à sala ao lado, sentando-a em uma cama. Ele então lhe
perguntou: “você não está passando bem? Está com dor de cabeça?” Ela mentiu
dizendo que sim. Ele então se ajoelhou diante dela, pois as mãos em prece, e
rogou: “Me perdoe!” Essa estória demonstra um inocente e radical senso de
retidão moral junto a uma má leitura do que se poderia passar nas mentes das
outras pessoas – ambos sintomas de autismo.
No sétimo ano ocorreu o
incidente. Wittgenstein deu um tapa na orelha de um garoto que desmaiou. Isso o
assustou. Ao sair da escola deu de encontro com um camponês que não gostava
dele. Ele lhe disse que uma pessoa assim serviria mais para ser domador de
ursos do que mestre-escola e que iria chamar a polícia. Como não havia
policiais na aldeia de Trattenbach naquele dia, nada aconteceu. Mas ele teve de
fugir a pé para Viena durante a noite e, meses mais tarde, teve de mentir em um
processo, o que feriu profundamente seu amor próprio.[3] Tendo voltado para o
palacete de sua família em Viena ele recebeu em 1929 frequentes visitas dos
positivistas lógicos de Viena, que queriam que ele lhes explicasse o Tractatus.
Isso o fez interessar-se outra vez pela filosofia. Acabou retornando a
Cambridge, onde passou a ministrar aulas semanais nas quais expunha suas reflexões
aos estudantes. O resultado foi uma filosofia inteiramente nova.
A filosofia desenvolvida a
partir daí foi em certos aspectos oposta à que foi apresentada no Tractatus.
Ambas tinham como objetivo estabelecer os limites da linguagem significativa e
dissolver as confusões filosóficas resultantes da transgressão desses limites.
A primeira foi inspirada na lógica fregeana, objetivando mostrar como a
linguagem poderia ser logicamente analisada de modo a evidenciar as condições
mínimas através das quais ela poderia espelhar de forma representacional o
mundo. Com isso seriam estabelecidos os limites externos da linguagem, cuja
transgressão conduziria a confusões filosóficas capazes de ser desfeitas pela
análise lógica. Em sua última filosofia ele tinha em vista as confusões
filosóficas derivadas do mau uso de termos pertencentes à linguagem ordinária, as
quais seriam desfeitas através de exame mais acurado de como realmente os
usamos. Através dessa nova filosofia, cujas ideias centrais encontram-se
condensadas no livro intitulado Investigações filosóficas[4],
ele buscou mostrar como limites internos da linguagem natural, limites
entre suas regiões, quando transpostos, também conduzem a confusões
filosóficas.[5]
Para bem compreendê-la é preciso escavar nas milhares de páginas por ele
escritas desde 1929 e que só permitiu que fossem publicadas após a sua morte.
Wittgenstein morreu de câncer em 1953, aos 62 anos. Até dois dias antes da
morte ele trabalhou intensamente em um manuscrito profundamente original, mais
tarde publicado sob o nome de Sobre a certeza.[6]
1
Figuração. Quero começar com um rápido exame da filosofia do
primeiro Wittgenstein, tal como exposta no Tractatus. Como foi notado no
capítulo sobre Aristóteles, no desenvolvimento dos fundamentos de sua
metafisica ele foi guiado pela estrutura da linguagem. As frases factuais mais
simples de nossa linguagem têm a estrutura sujeito-predicado, por exemplo:
“Sócrates é um homem”. Como já vimos (Cap. III, sec. 2), partindo do suposto de
que a linguagem espelha o mundo, Aristóteles concluiu que os dois elementos
fundamentais de toda a realidade são a referência do sujeito – a substância
(Sócrates) – e a referência do predicado – seu atributo (ser um homem).
Wittgenstein, acompanhado por
Bertrand Russell, seguiu um caminho semelhante. Mas com uma grande diferença. A
análise da linguagem feita por Aristóteles seguia a lógica aristotélica,
enquanto a espécie de atomismo lógico praticada por Wittgenstein e Russell se
inspirou na lógica fregeana. No final do século XIX Gottlob Frege, um filósofo de
formação matemática, produziu uma revolução na lógica tradicional, tornando
aquilo que havia sido iniciado por Aristóteles um instrumento imensamente mais
poderoso e abrangente. A contribuição de Frege para a filosofia da matemática e
para a filosofia da linguagem também foi de imensa importância. Ela só não será
tratada aqui devido a sua maior tecnicidade e especificidade. A nova análise da
linguagem permitia mostrar que a estrutura lógica de nossos enunciados pode
diferir grandemente de sua estrutura gramatical e que no passado filósofos foram
confundidos, acreditando que a estrutura gramatical fosse a mesma que a
estrutura lógica, que seria a estrutura do que pode ser pensado.
Um exemplo de disparidade entre
estrutura gramatical e estrutura lógica evidenciada pela lógica quantificada desenvolvida
por Frege foi apresentado por Russell em sua teoria das descrições. Considere a
sentença (i) “O atual rei da França é calvo”. Do ponto de vista gramatical essa
frase tem a mesma forma de (ii) “Sócrates é um homem”, ou seja: a forma de uma
frase do tipo sujeito-predicado. Um metafísico como Alex Meinong sugeriu
que em casos como (i), para que a predicação seja possível é preciso que o
referente do sujeito subsista, mesmo que ele não exista. Mas isso tem o
inconveniente de nos forçar a superpovoar o universo com uma quantidade
inumerável de entidades subsistentes. Insatisfeito com essa ideia Russell
sugeriu, com base na lógica fregeana, que a sentença (i) possui uma estrutura
lógica completamente diferente de sua estrutura gramatical.[7] Trata-se de uma sentença a
ser analisada como a conjunção de três sentenças:
1.
Existe ao
menos um atual rei da França e
2.
existe no
máximo um atual rei da França e
3.
ele é
calvo.
Aqui o nome vazio ‘o atual rei da França’ desaparece da posição de
sujeito, dando lugar a predicações quantificadas. Como a primeira sentença é
falsa, a conjunção de 1, 2 e 3 também se torna falsa, disso resultando que a
frase “O atual rei da França é calvo” é falsa. A diferença entre os enunciados
(i) e (ii) fica mais clara quando os expomos formalmente. Chamando o predicado
‘...atual rei da França’ de F e ‘...é calvo’ de C, chamando a expressão ‘existe
ao menos um...’ de E, usando o parêntese (...) para expressar o designador ‘todo’
com relação ao que lhe vier incluso, as três sentenças podem ser formalizadas
pela correspondente conjunção de (1) (x)Ex(Fx), (2) (y)(Fy → y = x) e (3) Cx. Desse modo a sentença (i) fica sendo:
(x) [Ex(Fx) & (y)(Fy → y = x) & Cx]
Em contraste com isso, a estrutura lógica da sentença “Sócrates é um
homem” é muito mais simples. Chamando o nome ‘Sócrates’ de s, e chamando o
predicado ‘... é um homem’ de H, a formalização de (i) fica sendo:
Hs
Se agora considerarmos a análise de (i) veremos que o sujeito vazio ‘o
atual rei da França’ desapareceu, dando lugar aos predicados F e C aplicados a variáveis,
o que elimina a necessidade de recorrermos a um atual rei da França
subsistente. Para Russell foi a inconsciente assimilação da estrutura lógica
complexa de (i) na estrutura gramatical do tipo sujeito-predicado em (ii) que
levou filósofos como Meinong à confusão metafísica que gerou a ideia de que
aquilo que não existe precisa ao menos subsistir.
No Tractatus Wittgenstein
foi profundamente influenciado pela descoberta de que estrutura lógica e
estrutura gramatical podem ser muito diversas. Seu pressuposto básico é o de
que a nossa linguagem corrente, quando completamente analisada em seus
constituintes lógico-metafísicos, é algo que deve se demonstrar profundamente
diferente e que é supostamente muito mais complexo do que sua estrutura
gramatical de superfície parece evidenciar. Como ele escreveu:
A linguagem corrente é parte do organismo humano e não
menos complicada do que ele. Dela é humanamente impossível extrair
imediatamente a lógica da linguagem. A linguagem disfarça o pensamento a tal
ponto que da forma externa de sua roupagem não somos capazes de inferir a forma
subjacente do pensamento, já que a forma externa da roupagem serve a fins
inteiramente diferentes dos de revelar a forma do corpo.[8]
A
ideia aqui sugerida é que as frases (Sätze)[9] factuais (empíricas) da
linguagem corrente, particularmente as da linguagem factual da ciência, devem
ser entendidas como funções de verdade de frases elementares, que são as
frases da linguagem completamente analisada. A noção fregeana de função de
verdade é aqui fundamental. Para Frege o valor-verdade (a verdade ou falsidade)
das frases factuais compostas é dependente dos valores-verdade das frases
factuais simples que a compõem. Considere, por exemplo, a frase disjuntiva: “Ou
chove ou faz calor”. Ela é composta pela disjunção das frases “Está chovendo” e
“Faz calor”. Para a lógica do conectivo ‘ou’ (da disjunção) basta que uma delas
seja verdadeira para que a frase composta seja verdadeira. Somente se ambas as
frases forem falsas, se não estiver nem chovendo e nem fazendo calor, a frase
composta “Está chovendo ou faz calor” será falsa. Isso quer dizer que o
valor-verdade dessa frase composta é função de verdade dos valores-verdade de
suas frases componentes: ele resulta de uma certa combinação lógica dos valores-verdade
de cada uma delas. Outras frases factuais compostas pelos conectivos lógicos
com ‘e’, ‘não’, ‘se... então’ e ‘se e somente se’ também são funções de verdade
de suas componentes, cada qual ao seu modo. A hipótese especulativa do Tractatus
é de que as frases de nossa linguagem, quando completamente analisadas,
expressam o que ele chamou de pensamento (Gedanke), que
Wittgenstein supunha ser alguma espécie de evento mental.
As frases totalmente analisadas, de maneira
a corresponder perfeitamente ao que pensamos através delas – a linguagem sem
suas roupagens comunicacionais – seriam formadas pelo que Wittgenstein chamou
de frases elementares (Elementarsätze). Ele sugeriu que tais frases
elementares fossem constituídas de concatenações de nomes (Namen),
os quais se referem diretamente aos objetos simples no mundo (Gegenstände).
Esses objetos precisam ser simples, caso contrário a análise precisaria ser indefinidamente
continuada. Assim, o nome ‘Escalibur’ na frase “Escalibur tem uma lâmina
afiada” não pode ser um nome no sentido em questão, uma vez que ele se
refere a uma certa espada que é um objeto que tem partes e não um objeto
simples. Por serem simples, os objetos do mundo são também imutáveis e
indestrutíveis: eles formam a substância do mundo.[10] Uma característica desses
nomes é que eles não podem ser vazios: eles se referem necessariamente aos
objetos simples que lhes correspondem. Os objetos simples, por sua vez, são
concatenados uns aos outros em cadeias de modo a formar fatos atômicos que ele
chamou de estados de coisas (Sachverhalten) no mundo, cujos objetos
se encontram em correspondência biunívoca com os nomes que constituem as frases
elementares que representam esses estados de coisas. Os estados de coisas no
mundo, por sua vez, se combinam entre si formando os fatos (Tatsachen),
os quais correspondem às frases que os representam em nossa linguagem corrente.
O mundo nada mais é do que a totalidade dos fatos; e a linguagem é a totalidade
das frases verdadeiras e falsas. Através de suas frases verdadeiras a linguagem
torna-se capaz de espelhar o mundo em correlações que podem ser resumidas no
seguinte diagrama:
LINGUAGEM: MUNDO:
Frases da linguagem factual..................fatos
empíricos
Frases
elementares.................................estados de coisas
Nomes....................................................objetos
simples
Essa
teoria especulativa de como as frases de nossa linguagem poderiam ser
analisadas como funções de verdade de frases elementares expressando
pensamentos não é tudo. Wittgenstein adicionou a ela uma teoria da
representação, mostrando como as frases elementares são capazes de
representar estados de coisas. Trata-se de sua famosa teoria pictorial ou
teoria da figuração (Bildtheorie).[11] Ele teve essa ideia em
Paris, quando observou a maneira como um acidente de tráfico era representado
em uma corte de justiça. Os carros e as pessoas eram representados por
miniaturas e bonecos que eram postados em uma situação correspondente à
situação na qual os objetos reais teriam se encontrado. Ora, pareceu-lhe claro
que a mesma coisa deve acontecer com as frases elementares da linguagem e os
estados de coisa por elas representados. Só que de maneira abstrata.
Antes de explicar como funciona a figuração
é preciso introduzir um outro insight extraordinário de Wittgenstein, segundo o
qual para existir representação (ou figuração) é preciso que exista algo em
comum entre aquilo que representa e aquilo que é representado. Considere, por
exemplo, o caso da escultura de um busto humano. O elemento comum que se
destaca entre aquilo que representa e o que é representado é o espaço
tridimensional. Em uma pintura naturalista e em uma fotografia o elemento
bidimensional do espaço é mantido. Considere agora o caso de uma peça musical.
O que há de comum entre a música, tal como foi uma vez criada pelo seu
compositor, e uma performance posterior pela orquestra, é que tanto a figuração
quanto o afigurado precisam se dar no curso do tempo. Contudo, o que dizer de
uma frase verdadeira de nossa linguagem? O que há de comum entre ela e aquilo
que ela representa? Certamente, nenhum meio espaço-temporal. A sua resposta foi
que aquilo que precisa existir em comum entre uma frase elementar de nossa
linguagem e o estado de coisas por ela representado deve ser a estrutura ou
forma lógica. Para ele, o pensamento expresso pela frase elementar verdadeira
é a figuração lógica de um estado de coisas.[12]
Como Wittgenstein não fornece no Tractatus
exemplo algum de frase elementar, quero lançar mão aqui de dois exemplos
meramente ilustrativos (dado que não são de frases elementares) aos quais
podemos aplicar a ideia de figuração, cuja importância independe de seu papel
na metafísica do Tractatus. Suponha que em contextos demonstrativos
sejam proferidas as frases:
(i)
O carro é
amarelo.
(ii)
O gato
come a ração.
Suponha
também que esses proferimentos sejam verdadeiros para os fatos em questão. Não somos
capazes de ler nada que seja espaço-temporalmente comum entre as frases (i) e
(ii) e os respectivos fatos de o carro ser amarelo e de o gato estar comendo a
ração. Mas se considerarmos a questão com maior cuidado veremos que há algo em
comum entre essas representações simbólicas e aquilo que elas representam, que
é uma mesma estrutura ou forma lógica, sendo isso o que as torna representações
de fatos. Para esclarecer, suponha que decidimos representar formalmente a
frase (i) como Mc, em que c designa o carro c’ e M designa sua cor amarela M’.
Suponha também que a frase (ii) seja representada como aCb, em que a designa o
gato a’, C designa a ação de comer C’ e b designa a ração b’. Vemos que Mc tem
a mesma estrutura que o fato M’c’ (de que o carro c’ é amarelo M’) e que aCb
tem a mesma estrutura que o fato a’C’b’ (de que certo gato a’ se encontra na
relação de estar comendo C’ uma certa ração b’).[13] (Note-se que uma relação
de identidade de forma ou estrutura lógica é também pré-condição para as
representações musical e imagética consideradas anteriormente). A conclusão de
Wittgenstein é a de que a identidade entre a forma lógica daquilo que
representa com aquilo que é representado é a condição última necessária a
qualquer relação afigurante, sem o que não é possível existir nenhuma
representação.
Aplicando as ideias acima à frase elementar
Wittgenstein sugeriu que a figuração depende das duas condições seguintes:
A relação afigurante consiste na correlação dos
elementos da figuração com as coisas.[14]
O fato de que os elementos da figuração estão
relacionados uns aos outros de determinada maneira representa que as coisas
estão relacionadas umas às outras da mesma maneira. (grifos meus)[15]
Ou
seja: em frases elementares verdadeiras deve haver (i) uma direta correlação
de um para um (biunívoca) entre os nomes e seus objetos. Além disso (ii)
esses nomes devem estar relacionados entre si do mesmo modo que os
objetos por eles representados estão relacionados entre si.
Além
disso, as relações entre os nomes pertencentes à frase elementar (associados
uns aos outros de determinado modo) e os objetos correspondentes (associados
uns aos outros do mesmo modo) são para ele imediatas:
As correlações são, por assim dizer, como antenas dos
elementos da figuração, com as quais a figuração toca a realidade.[16]
Um nome está para uma coisa, o outro está para outra
coisa e eles estão combinados uns com os outros. Dessa maneira todo o grupo –
como um tableau vivant – apresenta um estado de coisas.[17]
O
que essas considerações sugerem é uma versão mais sofisticada da teoria
correspondencial da verdade, explicitamente defendida na tradição pelo menos
desde Tomás de Aquino. Na versão do Tractatus a correspondência é
entendida como um isomorfismo estrutural entre a figuração e o estado de
coisas.[18] Uma frase elementar é
verdadeira quando seus nomes estão concatenados do mesmo modo pelo qual
os objetos simples a que se referem estão concatenados, o que se estende às
frases não-elementares verdadeiras. E uma frase elementar é falsa quando seus
nomes estão concatenados de uma maneira que é diferente da maneira pela qual os
objetos simples a que se referem estão concatenados, o mesmo valendo para as
frases não-elementares falsas.
Voltando aos nossos exemplos ilustrativos, a
frase Mc (“O carro é amarelo”) é verdadeira quando M’c’ é um fato, e a frase
aCb (“O gato come a ração”) é verdadeira quando a’C’b’ é um fato. O isomorfismo
estrutural das frases verdadeiras com os fatos por elas representados fica aqui
claramente demonstrado. Certamente, essas mesmas frases são falsas quando isso
não acontece, por exemplo, quando os estados de coisas reais são, digamos, o de
que o carro é verde e que por isso ele não é amarelo, ou de que o gato rejeita
a ração e que por isso ele não a come. As frases verdadeiras nesses últimos
casos terão (i) a forma ~Mc (dado que, simbolizando verde por V, “Vc & (Vc → ~Mc), logo ~Mc”), e (ii) a forma ~aCb (dado que,
simbolizando por R a recusa a comer, “aRb & (aRb → ~aCb), logo ~aCb)”.
Junto a essa teoria da verdade como
correspondência o Tractatus contém uma teoria referencialista do
significado. O significado de um nome é tão somente o objeto simples ao qual
ele se refere: “Um nome significa um objeto; o objeto é o seu significado”.[19] Quanto à questão de se
saber qual é o sentido (ou significado) da frase elementar, Wittgenstein
escreveu:
Uma frase mostra o seu sentido. Uma frase mostra
como as coisas são se ela é verdadeira. E diz que elas são assim.[20]
Ao invés de “essa frase tem tal e tal sentido” nós
podemos simplesmente dizer “essa frase representa tal e tal situação”.[21]
À
primeira vista pode parecer que ele entende o sentido ou significado da frase
como sendo o estado de coisas realmente obtido no mundo. Mas isso tornaria sem
sentido as frases falsas, dado que elas não se referem a estados de coisas
reais. Por isso o sentido ou significado da frase é melhor explicado como sendo
o possível estado de coisas por ela representado.[22]
2
Mística. Com a sua teoria da figuração Wittgenstein pretendeu
explicar como a linguagem da ciência empírica é possível. Mas o que dizer da
linguagem do próprio Tractatus? Para ele a teoria da figuração não
poderia ser aplicada à própria teoria da figuração. Filosofia, lógica, matemática,
ética, estética, a religião e o sentido da vida não possuem linguagem
propriamente factual, ficando excluídas de sua teoria. O que dizer de seus
significados?
A resposta está na assim
chamada mística do Tractatus. Ele introduziu aqui uma distinção importante
entre o dizer (sagen) e o mostrar (zeigen). A
linguagem factual da ciência empírica explicada pela teoria da figuração é a
única capaz de nos dizer como as coisas são. Outras linguagens são capazes
apenas de mostrar. As frases da lógica, por exemplo, são sempre verdadeiras, as
chamadas tautologias, ou são sempre falsas, as contradições. Uma
tautologia como “p v ~p” pertence a lógica, sendo sempre verdadeira. Ela é
instanciada por uma frase como “Está chovendo ou não está chovendo”, que é
sempre verdadeira. Do mesmo modo, frases contraditórias da forma “p & ~p” são
sempre falsas. Tautologias e contradições são frases degeneradas, incapazes de
nos dizer algo sobre o mundo. Elas não nos dizem nada, mas mostram o que
são tautologias e contradições. É isso o que acontece com a forma ou estrutura
lógica. Não somos capazes de dizer o que é a forma lógica, mas apenas mostrá-la
através de exemplos. E a razão disso é que a forma lógica é algo comum tanto à
linguagem quanto ao mundo. Por sua própria ubiquidade, ela se encontra além de
qualquer possibilidade de figuração através da linguagem. O mesmo vale, segundo
Wittgenstein, para a teoria desenvolvida no Tractatus. Ao falarmos de
como a linguagem factual é capaz de dizer algo sobre o mundo precisamos ir além
dela, penetrando no domínio do que pode ser apenas mostrado. Para ele o Tractatus
é apenas um instrumento através do qual encontramos maior clareza na
compreensão de nossa representação linguística do mundo empírico. Como ele
escreveu:
Minhas frases esclarecem na medida em que aquele que
me compreende no final as reconhece como sem significado, quando ele as tiver
superado. (Ele precisa, por assim dizer, lançar a escada fora após ter subido
por ela.) Ele precisa superar essas frases para então ver o mundo corretamente.[23]
O que não pode ser dito deve ser calado.[24]
Aqui a diferença é mais propriamente entre o que ele considera sem
sentido (sinnlos) e o absurdo (unsinnig). A filosofia do Tractatus
é destituída de sentido factual por não poder ser abrangida pela teoria da
figuração, uma vez que ela a expõe. Ela nada nos diz sobre como o mundo é. Mas
nem por isso ela é absurda, dado que serve para alguma coisa.
Quanto à filosofia tradicional,
a posição de Wittgenstein parece ter sido dupla. Uma teoria como a de Meinong,
resultante de confusão lógica, provavelmente seria considerada absurda (unsinnig).
Mas ele não faria o mesmo juízo sobre a metafísica de Shopenhauer, um filósofo
que ele leu quando jovem e que lhe causou grande impressão. Para ele as frases
desse filósofo não poderiam ser tomadas literalmente, posto que elas não são
capazes de dizer nada de propriamente verdadeiro sobre o mundo empírico. Mas
elas são expressivas, elas nos dispõem a tomar certas atitudes, elas mostram
algo acerca do mundo e de nós mesmos, algo que vai além daquilo que a linguagem
factual é capaz de dizer. Para Wittgenstein o mesmo pode ser dito de nossos
julgamentos morais e das frases da estética e da religião.
Podemos nos perguntar se com
sua mística Wittgenstein não tentou abranger uma variedade excessivamente ampla
de coisas através de uma única distinção, ela própria questionável. Rudolf
Carnap se queixou de que ele teria sido inconsistente ao defender que não
podemos dizer frases filosóficas e então, ao invés de ficar em silêncio,
escrever todo um livro de filosofia.[25] E o amigo Frank Ramsey uma
vez escreveu que “o que não pode ser dito não pode ser dito e nem sequer
assoviado”.[26]
Contra o modo de pensar de
Wittgenstein parece possível entender a teoria exposta no Tractatus como
uma metalinguagem. Nesse caso a sua teoria da relação afigurante entre a
linguagem factual e o mundo poderia ser vista como uma teoria metalinguística,
sujeita a exigências similares às da teoria da relação afigurante, só que agora
aplicando-se à relação entre ela própria e a linguagem factual. Além disso, por
que aCb não pode afigurar de modo metalinguístico a própria forma lógica expressa
pela frase “O gato come a ração”? E por que a ideia de figuração não pode ser
aplicada também à matemática e mesmo a outros domínios não primariamente factuais
do conhecimento?
Finalmente, que julgamento
podemos fazer sobre o Tractatus? A maneira mais simpática de avaliá-lo consiste
em vê-lo como um esplêndido texto de metafísica especulativa, tal como foi,
digamos, a Monadologia de Leibniz. Ele apresenta um mundo logicamente
possível que não é certamente o nosso, dado que nosso mundo objetos simples e
estados de coisas elementares espelhados pela linguagem não existem. Mesmo
assim, a concepção é grandiosa e há insights importantes a ser recuperados. Afinal,
sem a ideia de figuração não temos sequer como conceber nossa capacidade de
representar.
3
Terapia. A última filosofia de Wittgenstein deve ter sido
influenciada pelos anos em que viveu como mestre-escola. Ela foi caracterizada por
uma radical alteração metodológica que enfatiza, não a lógica, mas o exame dos
usos ordinários da linguagem.
A hipótese fundamental do Tractatus, segundo
a qual as frases de nossa linguagem corrente são sempre analisáveis como
funções de verdade de frases primitivas de estrutura completamente diversa, foi
abandonada. Por isso, em sua última filosofia ele não concebeu mais a linguagem
ordinária como demandando inevitável análise lógica, mas uma mera decomposição
em segmentos, também eles pertencentes a ela: “a filosofia deixa tudo como
está”.[27]
Uma mudança radical foi feita
em sua teoria do significado. No Tractatus ele defendeu uma forma de
referencialismo semântico na qual o significado do nome seria a sua referência.
Problemas com o referencialismo na linguagem corrente saltam à vista: afinal,
se roubam a minha carteira, não roubam o significado da expressão “minha
carteira”; se a pessoa de nome NN morre, não morre com ela o significado de NN;
as expressões nominais ‘Napoleão’ e ‘o homem do destino’ tem sentidos
diferentes, embora se refiram à mesma pessoa; e nomes sem referência como
‘Eldorado’ e ‘Vulcano’ nem por isso deixam de ter significado. Mesmo quando os
termos são aprendidos em situações indexicais, a concepção referencialista não
é bem sucedida. Imagine, para exemplificar, que o significado do termo
‘vermelhão da China’ seja aprendido através de um exemplo, digamos, um modelo
da cor que é apresentado. Seria o modelo seu significado? Obviamente não. Esse
modelo é memorizado e associado ao nome da cor, de modo que a pessoa consegue
reconhecer a cor quando apresentada a ela e dar a ela o mesmo nome. Não
obstante, o significado do termo não é o modelo, mas o elo semântico entre a
palavra e a coisa, que não pode ser outro senão alguma regra que associa
a palavra ao modelo e seus similares no mundo. O mais perto que chegamos de
admitir uma teoria referencialista do significado é aceitar que em casos como
esse o contato com a propriedade que permite a formação da regra semântica é
imprescindível (um cego não terá como aprender o significado fenomenal do termo
‘vermelhão da China’).
Rejeitando o referencialismo,
Wittgenstein acabou por chegar à conclusão de que o significado de uma palavra deve
consistir principalmente em seu uso,[28] melhor dizendo, em seu modo
de uso. Isso fica bem explícito em uma de suas últimas observações sobre a
questão:
O significado de uma palavra é seu modo de
aplicação (Art der Verwendung)... Assim, há uma correspondência entre os
conceitos de ‘sentido’ e ‘regra’.[29]
Ou seja: o uso aqui é o modo de uso, o uso correto, o que conduz às
regras que determinam usos episódicos da palavra. Por conseguinte, o conceito
de significado deve corresponder ao conceito de regra. É possível até mesmo dar
um passo além do que ele escreveu, admitindo que um significado de uma
expressão (palavra, frase) possa ser reduzido às regras ou (como veremos) a combinações
de regras com base nas quais realizamos usos episódicos da mesma.
Wittgenstein também percebeu
que o uso de uma expressão se dá sempre em um contexto que estabelece as regras
de sua aplicação. Isso é importante porque muitas vezes, alterando-se o
contexto em que inserimos uma expressão teremos de aplicar regras diferentes,
disso resultando usos diversos, ou seja, nuances de significado diferentes. Ele
decidiu dar a esse contexto de uso da expressão o nome de jogo de linguagem (Sprachspiel)
ou prática linguística (Praxis) ou mesmo região da linguagem
(sprachliche Region), quando descritivamente mais extenso.
Nas Investigações
filosóficas ele apresentou uma lista de jogos de linguagem:
Comandar e agir segundo comandos / Descrever um objeto conforme
aparências ou conforme medidas / Desenhar um objeto segundo uma descrição / Relatar
um acontecimento / Conjecturar sobre o acontecimento / Expor uma hipótese e
prová-la / Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e
diagramas / Inventar uma história/ ler / Representar teatro / Cantar uma
cantiga de roda / Resolver enigmas / Inventar uma anedota, contar / Resolver um
exemplo de cálculo aplicado / Traduzir de uma língua para outra / Pedir,
agradecer, maldizer, saudar, orar. (...)[30]
Para ele a nossa linguagem é constituída por um número ilimitado de
diferentes de jogos de linguagem ou práticas.
Para esclarecermos o que é um
jogo de linguagem podemos lançar mão da distinção semiótica entre regras sintáticas,
semânticas e pragmáticas.[31] Uma linguagem é um
sistema de regras. Suas regras são sintáticas quando estabelecem relações entre
os signos, por exemplo, a ligação entre o termo geral e o termo singular em uma
frase predicativa, ou a relação de conjunção entre duas frases. As regras
semânticas são as que relacionam a linguagem com os objetos por ela referidos.
Por exemplo, a regra que relaciona um nome com o seu referente, uma frase com o
fato por ela referido. Há, por fim, a dimensão pragmática, a exemplo das regras
que estabelecem o tipo de relação entre o falante e ouvinte (as forças
ilocucionárias) como as de dar uma ordem, fazer um pedido, uma pergunta,
uma promessa, etc.
Considerando os inúmeros
exemplos de jogos de linguagem apresentados por Wittgenstein, podemos
seguramente caracterizá-los como sistemas de regras sintáticas, semânticas e
pragmáticas. Mesmo que nem todos os jogos de linguagem precisem ter a conjunção
dessas três espécies de regras, sua presença é aquilo que mais os tipifica.
Isso fica claro nos jogos de linguagem mais simples por ele exemplificados,
como o do pedreiro e seu ajudante:[32]
Um pedreiro diz ao seu ajudante: “Traga aquela tábua!”
O ajudante lhe traz a tábua indicada. Pouco depois o pedreiro lhe diz: “Traga
dois tijolos!” O ajudante lhe traz os dois tijolos.
Na segunda frase há uma regra sintática ligando as palavras ‘tijolo’ e
‘dois’. Nesses proferimentos há regras semânticas ligando as palavras ‘tábua’
ao objeto apontado e ‘tijolo’ ao tipo de objeto referido. E há também pelo
menos uma regra pragmática (ilocucionária): o pedreiro está dando ordens ao seu
ajudante, que deve lhe trazer os objetos referidos. Jogos de linguagem ou
práticas linguísticas podem, nos escritos de Wittgenstein, variar imensamente,
mas é usual que eles contenham esses três tipos de regras.[33]
Para Wittgenstein a linguagem
pode ser decomposta das mais diversas maneiras em um número indeterminado de
jogos de linguagem.[34] No Livro Marrom
ele comparou a linguagem com uma nebulosa e nas Investigações ele a
comparou com uma grande cidade antiga. Vale a pena citar:
A linguagem do adulto apresenta-se aos nossos olhos
como uma massiva nebulosa, a linguagem natural, rodeada por mais ou menos
definidos jogos de linguagem, que são as linguagens técnicas.[35]
Nossa linguagem pode ser vista como uma velha cidade:
um novelo de pequenas ruas e pracinhas, velhas e novas casas e casas com
construções de diversos tempos; e isso tendo como contorno uma porção de novos
bairros com ruas retas e regradas e com casas idênticas.[36]
Para Wittgenstein nós somos capazes de dividir a linguagem natural de
múltiplas e variadas maneiras em jogos de linguagens.[37] De modo similar podemos
dividir uma cidade em bairros (as “regiões da linguagem”) ou, digamos, em
zonas, que podem incluir uma variedade de bairros. Podemos ter um condomínio de
casas ou grupos de casas ou simplesmente casas (jogos de linguagem), etc. O
centro antigo da cidade corresponde à linguagem ordinária, enquanto os novos
bairros, com suas casas e ruas planejadas, correspondem às linguagens
científicas posteriores, que dependem da primeira para serem compreendidas.
Não custa notar que essa
divisão em jogos de linguagem é muito mais variada e flexível do que as
distinções entre tipos de interações linguísticas mais tarde investigadas por
filósofos como J. L. Austin, John Searle e mesmo Jürgen Habermas. Como veremos,
a maior utilidade da noção de jogo de linguagem é que ela será
instrumentalmente útil ao aspecto terapêutico da filosofia de Wittgenstein. Importante
é também que sejamos capazes de reconhecer interpessoalmente o uso
episódico de uma expressão como pertencente a uma certa maneira de se dividir a
linguagem, a um jogo de linguagem. Sem esse compartilhamento a comunicação de
um mesmo significado seria impossível.
Além de uso, regra e jogo de
linguagem, um último conceito semântico fundamental é o de forma de vida
(Lebensform), que para Wittgenstein é “o dado”, vale dizer, aquilo que precisa
ser aceito como mais fundamental e que poderíamos tentar caracterizar como todo
o complexo de atividades linguísticas e não linguísticas caracterizador da vida
das pessoas em um meio social e físico específico. Para ele é a forma de vida
que provê os fundamentos últimos do significado, não sendo possível uma
linguagem significativa que não esteja nela enraizada. Acredita-se que a noção
de forma de vida tenha sido inspirada pela leitura que Wittgenstein fez de um
artigo do antropólogo Bronislaw Malinowski defendendo que só somos capazes de
compreender a linguagem de um povo primitivo quando participarmos da maneira
como eles vivem. Em um de seus exemplos: nós só compreendemos o significado da
expressão ‘remamos em um lugar’ usada pelos nativos das ilhas Trobiand se
soubermos que as águas ao redor daquelas ilhas são muito profundas, não
permitindo varar a canoa, o que exige que se reme até chegar a alguma vila, aqui
chamada de ‘lugar’.[38] Uma das melhores
qualidades de Wittgenstein como filósofo era saber ver as implicações de uma
boa ideia.
O conceito de forma de vida é
importante porque os usos de nossas expressões produzidos pelas regras constitutivas
dos jogos de linguagem nos quais elas ocorrem só chegam a fazer sentido por
estarem enraizados no interior de uma forma de vida. É por não se encontrar
devidamente enraizado em uma forma de vida biológica que o uso de uma palavra
por um computador, por exemplo, jamais poderá adquirir significado, a menos que
seja interpretado por nós mesmos. Além disso, é porque a linguagem natural
enraíza o significado na forma de vida que uma linguagem pretensamente
científica, que tenha perdido qualquer relação de dependência para os conceitos
da linguagem natural, torna-se etérea e vazia.
Juntando tudo o que dissemos
acima podemos agora arriscar uma definição reconstrutiva do significado no
último Wittgenstein:
(I)
Um significado de uma expressão W (Df.) = um modo de uso
de W estabelecido por regras ou combinações de regras de um jogo de
linguagem enraizado em uma forma de vida.
Note que identificamos aqui o significado não somente com regras, mas
também como combinação de regras. A expressão “dois tijolos” nos faz combinar
regras. Wittgenstein brincou com a ideia de combinação de regras ao aproximar o
significado de um cálculo; afinal, o significado de uma conta em aritmética
parece residir no cálculo que produz sua solução.[39] A definição (I)
proporciona o que nas palavras de Wittgenstein poderia ser chamado de uma
“representação panorâmica da gramática do conceito de significado.”[40]
Podemos nos perguntar agora para que serve
essa maneira de se entender o significado voltada para a aplicação cotidiana de
nossas expressões? Ora, ela serve como um artifício pelo qual somos capazes de
identificar as nuances corretas nos usos de nossas palavras e assim
refutar as transgressões sutis dos limites internos da linguagem, que são comuns
à filosofia praticada como metafísica. Essa ideia é tanto mais importante se
pensarmos na possibilidade de que grande parte da filosofia tradicional tenha
sido construída pelo auxílio de transgressões dos limites da linguagem,
confusões linguísticas, nós do pensamento, castelos de carta conceituais, para
usar as palavras do autor.
Wittgenstein entendeu a filosofia como sendo de dois tipos
intrinsecamente associados um ao outro. Eles são o que poderíamos chamar de filosofia
como metafísica e filosofia como terapia ou crítica da linguagem. De
acordo com ele, no curso de nossas reflexões filosóficas somos inevitavelmente
levados a produzir confusões metafísicas em nossos usos das palavras e frases,
precisando em um segundo momento corrigir esses usos equívocos através de
terapias linguísticas. As confusões acontecem porque as expressões podem ser
usadas em diferentes jogos de linguagem, ganhando através disso diferentes
matizes semânticos, o que torna possível confundir esses usos. Assim,
confundimos o uso (nuance semântica) de uma palavra em um jogo de linguagem com
o seu uso (nuance semântica) em um outro jogo. Há aqui duas possibilidades. A
primeira é o que eu chamaria de uso equívoco de uma expressão: quando a
usamos no jogo de linguagem (ou contexto) B segundo as regras que ela tem
quando usada no jogo de linguagem (contexto) A. A segunda possibilidade de
confusão é o que eu gostaria de chamar de uso hipostasiado da expressão,
que ocorre quando usamos a expressão de modo confuso, tentando sustentar as
regras de seu uso em diferentes jogos de linguagem (contextos) ao mesmo tempo,
como se isso acontecesse em um mesmo jogo (contexto).
Quando o filósofo transgride os
limites da linguagem, seja por equívoco ou hipostasia, ele incorre na espécie
de confusão linguística típica da filosofia. É aqui que para ele deve entrar em
cena a filosofia terapêutica, a crítica da linguagem, que tem por função “trazer
as palavras de suas férias metafísicas de volta para o seu labor ordinário.”[41] Embora Wittgenstein nunca
tenha oferecido exemplos com respeito à tradição filosófica, é fácil encontrá-los.
Considere, por exemplo, a afirmação de Platão de que a tênue realidade do mundo
visível depende de seu espelhamento do único mundo real, que é o mundo
inteligível das ideias eternas e imutáveis. Aqui ele estava usando a palavra
‘realidade’ em um sentido metafísico equivocado, cabendo ao crítico da
linguagem demonstrar isso ao expor a maneira como essa palavra é realmente aplicada
nos jogos de linguagem constitutivos de nossa forma de vida. Um outro exemplo de
uso equívoco pode ser encontrado no empirismo inglês: foi por ter ignorado que que
a gramática de nossa linguagem proíbe falarmos da percepção de nossas ideias
(sense-data) que Locke preparou o caminho para o idealismo de Berkeley e
o ceticismo de Hume – um ponto que foi muito bem notado por Thomas Reid.
Exemplos de uso hipostasiado podem ser encontrados em Parmênides e Heidegger.
No primeiro o “ser” tem sido interpretado de uma variedade de maneiras (Cap. I,
sec. 4) No segundo a palavra Ser aparece como uma metáfora camaleônica que
sugere existência, mas que também costuma sugerir Deus, essência,
transcendência, relevância, beleza... amiúde variando sua conotação de acordo
com o contexto verbal no qual vem inserida (Cap. XIV, sec. 5).
Podemos encontrar aqui, aliás,
uma analogia entre o que chamei de uso equívoco e uso hipostasiado e,
respectivamente, aquilo que Freud chamou de deslocamento e condensação.
Como já vimos, para Freud esses são os dois mecanismos fundamentais do que ele
chamou de processo primário, que é o mecanismo pelo qual produtos do
inconsciente, como os sonhos, a obra de arte e mesmo a filosofia se concretizam
(ver cap. XVI, sec. 1). Isso sugere que os usos equívocos das expressões pelo
metafísico também possam ser mais facilmente determinados por razões
inconscientes do que o uso hipostasiado.
A importância do pensamento de Wittgenstein
está em ter mostrado o quanto de confusão linguística se encontra incorporado
nas assim chamadas “teses” filosóficas. Mas isso não aconteceria se o filósofo
não tivesse motivações capazes de induzi-lo ao erro. A importância de Nietzsche
está em ter trazido à tona importantes motivações enganosas que tem operado por
trás de um bom número dessas confusões. E Marx mostrou ainda como as bases
econômicas podem propiciar a formação de ideologias capazes de suportar motivações
enganosas...
Pode parecer que essa concepção
de filosofia seja radicalmente contrária à concepção mais substancial de
filosofia como protociência apresentada no primeiro capítulo desse livro. Mas
não é forçoso que seja assim, posto que as motivações nem sempre são
ideológicas e que mesmo as motivações ideológicas podem cumprir uma função heurística.
A filosofia como antecipação da ciência no sentido da busca de um saber
consensual é uma tentativa de dizer algo sobre aquilo que ainda não temos
condições de saber, sobre aquilo de que carecemos até mesmo de um vocabulário
apropriado – o que termina inevitavelmente por aportar em confusões
linguísticas. Quando essas confusões são profundas, elas são como cruzes que
indicam caminhos a serem ou mesmo a não serem seguidos. Desfazer as confusões
pode nos levar adiante, seja por indicar clareiras na floresta ou por mostrar
becos sem saída.
4
Verificacionismo. Considerando a ênfase no uso
como significado pode parecer que o último Wittgenstein tenha rejeitado por
completo a concepção pictorial ou figurativa da linguagem do Tractatus e
a relação do significado com a representação de estados de coisas. Mas pensar
assim pode trair confusão entre mudança de opinião e simples mudança de perspectiva.
Em meu juízo o que houve foi apenas uma mudança de interesse e perspectiva.
Durante a década de 1930 ele passou a se interessar mais e mais pela pragmática
no sentido de investigar a atividade linguística deixando o interesse pela
sintaxe lógica da linguagem factual para trás. Esse movimento já se encontra visível
no que pode ser chamado de o princípio semântico da verificação, proposto por
ele em 1929 junto a Friedrich Waismann e repetido com aprofundamentos nos anos
seguintes. Em suas palavras: “O sentido de uma frase é seu modo de verificação.
O método de verificação não é um meio, um veículo, mas o próprio sentido.”[42] Ou, tentando expor isso
de modo algo mais qualificado:
(II)
Um significado cognitivo de uma frase declarativa P (Df.)
= uma resultante das possíveis regras ou combinações de regras procedurais,
através das quais somos capazes de avaliar o valor-verdade de P em jogos
de linguagem descritivos ou factuais.
Ou seja: aquilo que a sentença declarativa diz, a proposição
por ela expressa, o pensamento (Gedanke), seu conteúdo
cognitivo, nada mais é do que o modo de verificação, que geralmente
é um procedimento ramificado e múltiplo, muitas vezes conhecido apenas de modo
parcial pelos falantes que confiantemente afirmam a verdade ou falsidade de uma
frase.[43] Para dar uma ideia de
como ele pensou a questão, considere a seguinte frase: “A graciosa cachoeira do
Formiga se localiza no parque estadual do Jalapão”. Como Wittgenstein
traduziria seu significado em termos de modos de verificação? A resposta é: de múltiplas
maneiras. Alguns sabem disso só por terem ouvido dizer. Pode ser também que
alguém tenha aberto um guia turístico encontrando lá uma foto da pequena
cachoeira com informações a respeito. Pode ser que alguém vá à cidade de
Mateiros, no parque no Jalapão, e lá seja informado sobre a cachoeira do Formiga.
Pode ser que um guia turístico leve a pessoa para tomar um banho em suas águas
tépidas e transparentes. Note-se que todos esses procedimentos de verificação
se encontram fundamentados por regras procedurais bem conhecidas. Se um guia
turístico me levar para tomar um banho na cachoeira do Formiga e eu encontrar
seu nome escrito em uma tabuleta, eu aprendo uma regra de identificação por
contato sensorial. E se justifico que a cachoeira do Formiga se encontra perto
de Mateiros no Jalapão com base no que li em um guia turístico, estou fundamentando
o que digo com base em regras da prática de conferir dados geográficos. Wittgenstein
notou que os diversos procedimentos de verificação estão interligados uns com
os outros e possuem pesos semânticos diversos. Conhecer cachoeira do
Formiga por ter se banhado em suas águas tem muito mais peso do que só por ter
ouvido dizer. A tese de Wittgenstein é a de que os diferentes modos de
verificação são partes diversamente valoradas do significado. Mais do que isso:
“Se retirarmos alguns procedimentos, a frase perde parte de seu significado; e
se retirarmos todos os procedimentos a frase deixa de ter qualquer significado.[44]
Embora a explicação multifacetada
do procedimento verificacional acima esboçada demande desenvolvimento, ela é sob
um ponto de vista metodológico muito mais adequada do que as tentativas de
precisar a ideia de significado como verificação feitas pelos filósofos do
positivismo lógico, tentando forçar um problema pragmático dentro de um
espartilho lógico falsamente unificador. Esses filósofos não fizeram mais do
que tentar construir uma versão formalista simplista do insight de Wittgenstein
com o objetivo comum de destruir a metafísica, só para constatar que tal versão
era insustentável. Como reação eles refutaram a sua própria versão, acreditando
ter assim refutado a formulação mais apropriada de Wittgenstein, cujo
desenvolvimento demandaria uma análise da pragmática de diferentes atos
verificacionais. O erro acabou por se transformar na “sabedoria herdada” segundo
a qual o princípio da verificação havia sido definitivamente refutado. Ele foi
sem dúvida refutado, só que na versão positivista que Wittgenstein sempre
rejeitou.
5
Representação panorâmica. Como vimos, existe
em Wittgenstein uma filosofia como metafísica, transgressora das fronteiras da
linguagem, e uma filosofia como terapia ou crítica da linguagem, que desfaz
essas transgressões. Podemos encontrar um correspondente disso no método
praticado nos diálogos de Platão e, na verdade, ao longo de toda a filosofia:
produz-se uma tese que se demonstra, após discussão, errônea ou insuficiente;
inventa-se uma alternativa, que também pode se demonstrar insuficiente... mas
por esse meio se consegue uma maior aproximação da resposta procurada. A
transgressão das fronteiras da linguagem equivale ao primeiro momento, enquanto
a terapia equivale à crítica. O que distingue um filósofo como Wittgenstein é tão
somente uma ênfase maior na dimensão linguística.
Há, contudo, um terceiro modo
de filosofar também apontado por Wittgenstein, que permite uma aproximação com
a ideia de que a filosofia é busca de um conhecimento publicamente
consensualizável (cap. I, sec. 8). Trata-se de uma teoria da linguagem e do
significado que é por ele assumida, tal como, digamos, a doutrina das ideias em
Platão. Em Wittgenstein essa teoria foi delineada quando conectamos usos,
nuances de significação, regras, jogos de linguagem e formas de vida. Trata-se certamente
de uma teoria de textura aberta, vaga, orgânica, dinâmica, cuja finalidade é
exclusivamente filosófica. Mas ela não é uma adição dispensável. Ela constitui
o próprio fundamento justificador da crítica da linguagem. Ela é como que a
poção indispensável à eficácia da terapia linguística. Wittgenstein escreveu a
respeito: “Temos agora uma teoria. Uma teoria dinâmica da frase, da linguagem,
mas ela não se nos afigura como teoria.”[45] Nas Investigações
filosóficas ele expôs esse ponto de forma particularmente pregnante:
Uma fonte principal de nossa incompreensão é que não
possuímos uma visão panorâmica do uso de nossas palavras. Falta caráter panorâmico
à nossa gramática. – A representação panorâmica permite a compreensividade, que
consiste justamente em “ver as conexões”. Daí a importância de encontrar e
inventar as articulações intermediárias.
O conceito de representação panorâmica é para nós de
importância fundamental. Designa nossa forma de representação, o modo pelo qual
vemos as coisas (é isso uma ‘Weltanschauung’?).[46]
Em suma: a terapia filosófica proposta
por Wittgenstein depende de pressupostos anteriores sobre o funcionamento da
linguagem. Esses pressupostos podem ser explicitados em representações
panorâmicas que se constituem naquilo que pode com razão ser chamado de uma
teoria filosófica, oposta à forma científica das teorias. Se a filosofia
terapêutica não fosse fundada em assunções teóricas, ainda que implícitas e
profundamente entranhadas em nossa linguagem – assunções que tentei explicitar
aqui – ela careceria de poder de convencimento.
Com isso voltamos mais uma vez à
noção de filosofia como protociência proposta no primeiro capítulo desse livro.
A representação panorâmica é a forma tomada pela filosofia como protociência em
Wittgenstein.[47]
[1] O Dr. Christopher Gilberg,
que em um ensaio diagnosticou Wittgenstein como portador de autismo leve ou síndrome
de Asperger – caracterizada por inabilidade social acompanhada de interesses
obsessivos – fez sobre ele a seguinte observação: “A perseverança, o impulso
para a perfeição, a boa inteligência concreta, a habilidade para desconsiderar
convenções sociais e não se preocupar em demasia com as opiniões e críticas dos
outros, poderiam ser todas vistas como vantajosas, talvez mesmo um pré-requisito
para certas formas de novo pensamento e criatividade.” Christopher Gillberg: A
Guide to Asperger Syndrome (Cambridge: Cambridge University Press 2005),
cap. 15. Filósofos como Nietzsche, Spinoza, Locke, Aquino e Descartes podem muito
bem ter tido uma gota de Autismo.
[2] Ludwig Wittgenstein: Tractatus Logico-Philosophicus (São Paulo:
Edusp 2022)
[3] Ray Monk: Wittgenstein: The Duty of Genius (New
York: Penguin 1990), p. 234.
[4] Philosophische Untersuchungen (1953).
Trad. port. Investigações filosóficas (Nova Cultural 1999).
[5] A distinção entre a investigação dos limites externos
e internos da linguagem em Wittgenstein encontra-se em David Pears, As
Ideias de Wittgenstein (São Paulo: Cultrix 1971).
[6] Über Gewissheit. Trad. port. Sobre a certeza (São Paulo: Fósforo
2023).
[7] Ver Bertrand
Russell “On Denoting”. Mind
14, n. 4, 1905, pp. 479- 493. A teoria de Russell foi desafiada por P. F.
Strawson no artigo intitulado “On Referring”, Mind 59, 1950, 320-344.
[8] Tractatus Logico-Philosophicus 4.002.
[9] Wittgenstein usa a palavra ‘Satz’, cuja tradução
mais literal é ‘frase.’ Em geral a palavra ‘Satz’ é traduzida como
‘proposição’, ‘enunciado’ ou ‘sentença’. Preferi manter a tradução literal sob
o suposto de que com a palavra ‘frase’ se entenda também aquilo que a sentença
está dizendo e não só a mera expressão linguística.
[10] Tractatus 2.021.
[11] Outro problema de tradução: a palavra ‘Bild’,
usada por Wittgenstein, significa literalmente ‘quadro’. Contudo, suas
conotações são intraduzíveis. A tradução inglesa ‘picture’ possui
deficiências semelhantes. Por isso prefiro traduzir Bildtheorie por
‘teoria da figuração’,
[12] Tractatus 3.
[13] Esses exemplos ilustrativos nada tem a ver com as frases
elementares do Tractatus porque nem o carro nem gato nem o comer e nem a
ração são objetos simples. Além disso o predicado monádico ‘...é vermelho’ e o
predicado relacional ‘...come...’ não são nomes de objetos simples, mas
predicados que poderiam ser respectivamente caracterizados como “a cor primária
oposta ao verde” e como a “ação de um animal de engolir mastigando.”
[14] Tractatus 2.1514.
[15] Tractatus 2.15.
[16] Tractatus 2.1515.
[17] Tractatus 4.0311.
[18] Ver a interpretação de Erik
Stenius, “Die Bildtheorie des Satzes”. In Erkenntnis 9, 1975, pp. 35-55.
Stenius demonstrou que a teoria da figuração pode ser diretamente aplicada a
frases de nossa linguagem ordinária sem a necessidade da metafísica atomista
sugerida no Tractatus.
[19] Tractatus 3.203.
[20] Tractatus 4.022.
[21] Tractatus 4. 031.
[22] O termo ‘estado de coisas’ (Sachverhalt) é
ambíguo, querendo dizer também a possível combinação de objetos representada
pela proposição elementar, razão pela qual também podemos dizer que o sentido
da frase é simplesmente o estado de coisas (ver 2.201 ss.).
[23] Tractatus 6.54.
[24] Tractatus 7.
[25] Rudolf Carnap: Philosophy
and the logical syntax (London 1955), p. 37 ss.
[26] Frank Ramsey, Philosophical
Papers (Cambridge: Cambridge University Press 1990) p. 146.
[27] Investigações filosóficas (Petrópolis: Vozes 2014),
Parte I, sec. 124.
[28] Investigações filosóficas, Parte I,
sec. 43.
[29] Sobre a Certeza, sec. 61-62.
[30] Ver Investigações filosóficas parte I,
sec. 23
[31] C. W. Morris: The
foundations of the theory of signs (Chicago: University of Chicago Press
1938)
[32] Investigações filosóficas, parte I, sec. 20.
[33] O que não as torna necessárias: o jogo de solitária,
por exemplo, não possui regras pragmáticas.
[34] Investigações filosóficas, parte I,
sec. 46-48.
[35] Das braune Buch (Frankfurt: Suhrkamp
1984), p. 122.
[36] Investigações Filosóficas parte I, sec. 18.
[37] Investigações Filosóficas parte I, sec. 48.
[38] O artigo foi publicado como
apêndice no livro de C. K. Ogden & I. A. Richards: The Meaning of
‘Meaning’ (Orlando: Harcourt Brace 1984 (1922)), um texto lido por Wittgenstein.
[39] Alice Ambrose
(ed.): Wittgenstein’s Lectures 1932-1935 (Oxford: Oxford University
Press 1979), pp. 96-97. Também Wittgenstein The Big Typescript (John
Willey & Sons 2012), sec. 35.
[40] Investigações
filosóficas I, sec. 122.
[41] Investigações filosóficas I, sec. 116.
[42] Wittgenstein und der Wiener Kreis
(Frankfurt:
Suhrkamp 1984), p. 244.
[43] Podemos nos perguntar se em seus limites
esses procedimentos não acabariam por demandar isomorfismo estrutural com facetas
do fato referido, como em um palimpsesto da teoria figurativa do Tractatus.
[44] Para um exemplo do próprio
Wittgenstein com observações similares, ver Alice Ambrose (ed.): Wittgenstein’s
Lectures 1932-35. (New York: Prometheus Books 2001), p. 29. Considerações
mais detalhadas encontram-se em meu livro Philosophical Semantics:
Reintegrating Theoretical Philosophy (Newcastle upon Tyne: CSP, 2018), cap.
VI.
[45] Wittgenstein: Zetteln
sec. 444.
[46] Investigações I, sec. 122.
[47] Claudio Costa: Wittgenstein’s
Beitrag zu einer sprachphilosophischen Semantik (Konstanz: Hartung Gorre
Verlag 1990).
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