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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O IDEALISMO PLATÔNICO

  DRAFT para "introdução histórica à filosofia"

 

 

II

O IDEALISMO PLATÔNICO

 

Em comparação com os pré-socráticos Platão é um mundo. Ele e seu aluno Aristóteles foram os dois grandes filósofos do mundo antigo, comparáveis a Hume, Kant e Hegel na filosofia moderna. Eles foram os primeiros a construir grandes sistemas filosóficos tentando explicar especulativamente o mundo como um todo e o lugar que o homem nele ocupa. Ao fazê-lo desenvolveram amplas visões de mundo (Weltanschauungen), ainda hoje influentes. Eles viveram em um tempo no qual a cultura grega começara a declinar através da guerra do Peloponeso, uma prolongada guerra fratricida entre as cidades-estados, que acabou com a tomada de Atenas por Esparta, o que parece dar razão à observação de Hegel de que a filosofia é como a coruja de Minerva, que só alça voo ao anoitecer.

   Platão (428-348 a.C.) pertenceu à aristocracia ateniense. Era para ter-se tornado um político. Mas decepcionou-se com as atrocidades da democracia ateniense, principalmente com a condenação de Sócrates. Ele tentou influenciar politicamente Dionísio, o tirano grego de Siracusa, o que quase lhe custou a vida. Acabou se conformando em viver o resto de sua longa existência como professor na academia por ele fundada. As maiores influências no pensamento de Platão foram os filósofos pré-socráticos, principalmente Parmênides e Heráclito. Mas a principal influência foi a de Sócrates, de quem foi admirador e discípulo.

 

1

 

Sócrates. É difícil explicar uma personalidade como a de Sócrates (469-399). Ele nunca deixou palavra escrita, segundo a lenda, porque queria que a própria força de seu dizer se imprimisse nas mentes das pessoas. Acredita-se que na época cerca de dois terços de Atenas era constituído de escravos. Assim, mesmo com poucos recursos, o honrado cidadão Sócrates, aposentado depois de haver lutado na guerra e servido ao estado, pôde se dar ao luxo de viver pelas ruas de Atenas discutindo filosofia. Segundo Nietzsche, um crítico sarcástico, o responsável por tudo teria sido sua esposa Xantipa. Para se livrar da presença dessa mulher difícil, quarenta anos mais jovem, que muito trabalho lhe dava e nenhum prazer, Sócrates resolveu ir para as ruas de Atenas onde, conversando com as outras pessoas, desenvolveu seu talento para a dialética. A mãe de Sócrates era uma parteira. Sócrates não a decepcionou. Ele tornou-se, segundo suas próprias palavras, um parteiro de ideias, que ele fazia nascer à fórceps das cabeças das pessoas com as quais conversava.

   Os interesses de Sócrates eram muito diferentes dos interesses dos pré-socráticos. Enquanto aqueles tinham a cosmologia como o centro de suas preocupações, Sócrates se interessava pela ética. Ele defendia uma forma de intelectualismo moral. Para ele a moral é uma forma de conhecimento radicada na natureza humana. Por isso, a má ação é sempre resultado de alguma forma de ignorância. Quem age mal é uma pessoa que não sabe fazer uma adequada estimativa do que tem a ganhar ou perder com sua ação. Ninguém faz o mal sabendo-se ultimamente culpado.  A pessoa espera obter algum ganho como a riqueza, o poder ou o prazer, não percebendo que com isso ela está causando um dano maior a si mesma. Sócrates acreditava que a perda da virtude é um mal que é feito à integridade psicológica do agente. Por isso é melhor sofrer do que praticar a injustiça. A conclusão de Sócrates foi a de que uma pessoa só é capaz de ser feliz se for virtuosa. Não que a virtude seja o mesmo que a felicidade. Mas é que a verdadeira felicidade pressupõe a virtude, cuja ausência implica na infelicidade.

   O quanto Sócrates estava certo é uma questão muito difícil de ser respondida, uma vez que não sabemos bem em que consiste a felicidade e menos ainda como mensurá-la. Além disso, o que dizer de pessoas sem consciência moral, psicopatas que não tem sentimento de culpa quando fazem coisas erradas? Não poderiam elas ser felizes na ausência de virtudes? Ou a espécie de felicidade por elas alcançada seria de ordem inferior?

   Para além da ética, uma outra contribuição de Sócrates foi a introdução do problema dos universais na filosofia. Ele teria sido a primeira pessoa a sugerir que só podemos dizer um de muitos se recorrermos a universais, ou seja, a conceitos gerais. Assim, podemos atribuir justiça a muitas e muito diversas ações, bondade às mais diversas pessoas, beleza a coisas as mais diferentes umas das outras. Mas isso só deve ser possível porque temos um conceito geral do que seja a justiça, o bem e a beleza. Além disso, se somos capazes de comparar, por exemplo, dizendo que uma ação é mais justa que outra, é porque devemos ter algum modelo de justiça que permita a comparação. Como consequência, o objetivo de Sócrates era investigar, não as coisas justas, boas e belas, mas o que é a justiça, o bem, a beleza. Ele queria encontrar definições para termos como ‘justiça’, ‘beleza’, ‘coragem’, ‘amizade’, etc.

   Sócrates é um personagem constante nos diálogos platônicos, sempre em busca de definições de termos gerais de importância filosófica. Nesses diálogos encontramos sempre perguntas da forma “O que é X?”, onde X está no lugar de um termo conceitual-geral que desempenha alguma função central em nosso entendimento do mundo. Assim, a pergunta poderá ser “O que é a virtude?” (Protágoras). “O que é a coragem?” (Laques), “O que é a justiça?” (República), “O que é o conhecimento?” (Teeteto), e assim por diante.

   Por seu questionamento moral Sócrates incomodava as pessoas que detinham poder em Atenas. Ele incomodava os políticos por recusar-se a participar de ações desonrosas. E incomodava os sofistas, que cobravam para ensinar a arte da oratória às pessoas de modo a fazê-las obter sucesso, uma vez que ele mesmo nada cobrava pelos seus ensinamentos e desprezava os valores mundanos. Decidiram livrar-se dele. Sócrates foi acusado de desdenhar os deuses e corromper a juventude, devendo ser por isso condenado a morte. O objetivo teria sido apenas o de fazer com que ele fugisse de Atenas. Mas como ele não foi embora, tiveram de submetê-lo a um julgamento público. No final os juízes concluíram que ele era culpado e que deveria ser condenado a morte, mas que teria o direito de decidir por uma pena alternativa que não fosse a morte, mas que fosse suficientemente severa, como a de ser banido de Atenas ou ter a língua cortada.

   Sócrates reagiu argumentando que não só não era culpado, como fez grandes favores ao estado através de ações e ensinamentos. Por conseguinte, não deveria ser punido, mas recompensado. Como acontecia com os heróis da Polis, ele merecia viver dos favores do estado pelo resto da vida. Afrontado, o júri não teve outra opção senão condená-lo à morte por envenenamento com cicuta.

   Platão foi testemunha desses acontecimentos e podemos atribuir à influência de Sócrates seu ensinamento de que a ideia do bem é a mais elevada de todas – algo semelhante ao sol que ilumina tudo o mais. A ética de Platão era como a de Sócrates. Quando agimos mal nós fixamos nossa atenção em algum bem, esquecendo-nos das consequências, que para nós mesmos costumam ser piores.

 

2

 

As ideias. Voltemos a Platão. O centro radial de seu sistema, do qual emergem as explicações, foi a sua doutrina das ideias. Essa doutrina surgiu como uma maneira de conciliar a doutrina do mundo em constante mudança de Heráclito com a doutrina do ser imutável de Parmênides, o verdadeiro objeto do conhecimento. A solução de Platão consiste na admissão da existência de dois mundos completamente separados um do outro: o mundo visível e o mundo inteligível. O mundo visível é o das aparências sensíveis no qual tudo se encontra em constante mudança, tal como Heráclito pensava. O verdadeiro mundo, porém, é o mundo inteligível, que é o mundo do ser e que é imutável. O mundo inteligível é constituído de ideias (idéa) ou formas (eidos) eternas e imutáveis. E o conhecimento só é possível porque tem por objeto, não as coisas do mundo visível, em constante mudança, mas as próprias ideias, eternas e imutáveis. Esse mundo das ideias é para ele o único verdadeiramente real. Os dois mundos, o das ideias e o dos sentidos existem e sempre existirão paralelamente um ao outro, ou seja, em completa independência um do outro.

   Exemplos centrais de ideias são as do bem, da beleza, da justiça, do conhecimento, da coragem, da amizade. Essas são ideias sublimes, cuja definição será buscada nos diálogos. Mas há também ideias mais vulgares, como as de cama, homem, água ou fogo. Para Platão existe uma hierarquia das ideias, a mais elevada de todas sendo a ideia do bem, que como o sol ilumina todas as outras. Para ele, sem sabermos o que é o bem não seremos capazes de compreender e definir as outras ideias de maneira adequada. Abaixo do bem há ideias como a de ser, identidade, semelhança, movimento... e ainda as da justiça, beleza e virtude. E mais abaixo temos ideias como as de homem, cama, água e fogo. Ideias que estão embaixo implicam nas que estão em cima. Por exemplo: a ideia da justiça implica na ideia do bem. Entretanto, Platão nunca conseguiu estruturar essa hierarquia de um modo coerente.

  Para Platão as ideias possuem numerosos atributos[1]: elas não se encontram nem no espaço nem no tempo, mesmo assim sendo objetivas. Elas são essências eternas, imutáveis, indivisíveis, absolutas, sublimes. Diversamente do ser de Parmênides e das archai dos pré-socráticos elas são transcendentes em relação à physis, nada possuindo de material. A transcendentalidade das ideias é uma inovação original de Platão: ele as apresentou como existindo em uma realidade suprassensível, para além da dimensão física, rompendo definitivamente com o naturalismo dos pré-socráticos.

   Note-se que no grego antigo a palavra ‘idéa’ significava forma, aparência, o aspecto visual de uma coisa. Foi Platão que lhe deu o sentido filosófico de uma essência abstrata transcendente. Modernamente a palavra ‘ideia’ diz respeito a entidades psicológicas que se encontram no espaço e no tempo. Se digo “Acabei de ter uma ideia”, a ideia é algo que aconteceu há alguns segundos e em um lugar específico, qual seja, na minha cabeça. Mas as ideias de Platão não são entidades psicológicas. Elas são entidades objetivas transcendentes, às quais todos nós podemos, em princípio, ter acesso.

   Além disso as ideias platônicas são entidades singulares. Só existe uma ideia do belo, só uma ideia da justiça, uma da virtude, uma do bem. É por isso que a ideia de um número não pode ser a mesma coisa que os números, dado que os números se repetem e se adicionam – não é possível que na soma 2 + 2 = 4 duas ideias do número 2 se juntem. Sendo objetivas e singulares, as ideias são objetos, mesmo que abstratos. Para demonstrar isso Platão usava o recurso de substantivar ou nominalizar predicados que designavam ideias. Assim, no enunciado “Sócrates é sábio” a ideia de sabedoria comparece de modo secundário. Nós só nos referimos mesmo à sabedoria quando colocamos a palavra no lugar do sujeito em um enunciado como “A sabedoria é uma virtude”, nominalizando o predicado. Aqui a palavra ‘sabedoria’ se refere primariamente a um objeto abstrato: a ideia de sabedoria. Para evidenciar esse ponto Platão usava em grego expressões que podem ser traduzidas como “o X-em-si-mesmo”, “a X-idade”, ou “aquela coisa própria que é X”.

   Outra propriedade das ideias é que elas são autopredicativas. O belo-em-si-mesmo é belo, a justiça-em-si-mesma é justa. As muitas coisas que são ditas belas são belas de modo aspectual. Sócrates era feio de rosto, mas possuía beleza interior. Mas o belo em si mesmo é belo em todos os aspectos.

    Por serem unitárias as ideias desempenham o papel fundamental de universais, permitindo-nos dizer o mesmo de muitos, em outras palavras, permitindo a espécie de síntese característica da predicação. Isso fica claro quando consideramos enunciados do tipo Fa, como “Sócrates é sábio”, “Parmênides é sábio”, “Heráclito é sábio”. Podemos predicar a sabedoria de muitas coisas. Segundo Platão essas coisas participam da sabedoria no sentido de que elas são cópias ou imitações da Sabedoria-em-si-mesma.

   Seguindo o tratamento que Sócrates deu aos conceitos, Platão considerava as ideias passíveis de definição. Por exemplo, existem muitos triângulos com as mais variadas formas. A ideia de triângulo não possui uma forma específica. Mas ela pode ser definida: “o triângulo é um polígono com três lados”. Filósofos analíticos contemporâneos falariam de análise conceitual ao invés de definição, o que demonstra que a assim chamada tradição analítica, em seus bons momentos, não se distingue de uma continuação mais rigorosa da filosofia tradicional.

   Particularmente importante é a maneira pela qual as ideias se relacionam às coisas do mundo visível. Platão tinha duas metáforas: a da participação (méthexis) e a da cópia ou imitação (mímesis). A ideia é uma coisa única. Mas muitas coisas do mundo visível podem participar dela, ou, se preferirem, copiá-la. Assim, as muitas coisas belas participam da ideia de beleza, assim como as muitas coisas justas participam da ideia de justiça. Ou então dizemos que coisas sensíveis contêm cópias imperfeitas das ideias. Para Platão nós só podemos conhecer o mundo sensível porque ele contém cópias, mesmo que imperfeitas, das ideias ou formas. O substrato não ideativo, não formal do mundo sensível é e será para sempre incognoscível.

 

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Reminiscência. Mas por que razão o mundo visível é constituído de cópias das ideias? Platão respondeu especulativamente a isso através de um mito da formação do mundo. Para ele, tanto o mundo das ideias como o mundo sensível sempre existiram. Mas eles existiam em paralelo e o mundo sensível era um caos primevo incognoscível e indefinível, não podendo ser considerado real. O Deus-Demiurgo, guiado pela ideia do bem, decidiu tomar como modelos as ideias do mundo inteligível e por meio delas dar forma à matéria caótica do mundo primevo, de modo a produzir indivíduos que fossem cópias, ainda que imperfeitas, das ideias perfeitas. O Demiurgo pode ser entendido como o símbolo da razão operando no universo. É só por formarem cópias imperfeitas das ideias que as coisas do mundo sensível se tornam reais e, portanto, cognoscíveis. As ideias ou formas doam realidade às coisas que enformam.

   Essa maneira de entender o mundo sensível permitia a Platão oferecer uma explicação inteiramente racionalista da aquisição do conhecimento. Ele acreditava na ideia da transmigração das almas ensinada pelos místicos pitagóricos. Para ele, antes de serem incorporadas, nossas almas estiveram vagando no mundo das ideias ou então pertenciam a outros seres vivos. Uma vez incorporadas, as ideias foram apagadas, tornando-se inconscientes. Mas quando temos a experiência sensível de coisas no mundo visível, por exemplo, de ações justas, somos levados a rememorar a ideia de justiça com a qual tivemos contato no mundo das ideias ou em outras encarnações.[2] A conclusão impressionante é que todo nosso conhecimento não passa de reminiscência (anamnesis). Usando o conceito kantiano de conhecimento a priori, a ser entendido como aquele conhecimento que não é proveniente da experiência, mesmo que dela indiretamente dependa para ser constituído, podemos dizer que todo o conhecimento humano é para Platão a priori. No diálogo Menon ele ofereceu uma comprovação de sua teoria no exemplo de um escravo que é induzido por Sócrates a desenhar na areia a prova de um teorema de geometria. Para Platão ele só conseguiu essa proeza por ter se recordado da geometria euclidiana que sua alma já conhecia desde sempre.

   Hoje estamos em condições de oferecer uma explicação diferente.  Nós diremos que a evolução natural produziu em nossas mentes a capacidade inata de aplicação geometria euclidiana, que usamos o tempo inteiro ao agirmos no mundo ao nosso redor. A experiência pode nos fazer tomar consciência dos procedimentos de aplicação da geometria euclidiana e de como provar um teorema a partir de axiomas. Mas a espécie humana aprendeu essa geometria através de um processo de seleção natural que é empírico.

 

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Objeções tradicionais. Na primeira parte do diálogo Parmênides, um estrangeiro apresenta ao jovem Sócrates uma série de importantes objeções à doutrina das ideias que ele não consegue responder. Parece que Platão continuou acreditando em sua doutrina das ideias depois disso, uma vez que ele continuou a mencioná-las, mas ele deixou de apresentar argumentos em sua defesa. No que se segue irei expor as principais objeções tradicionalmente levantadas contra a doutrina.

   Uma primeira objeção foi a de que se admitimos que predicados remitem a ideias, então assim como admitimos as ideias de bem e de virtude, precisamos admitir ideias como as de cabelo, lama e sujeira. Só que essa é uma admissão repugnante ao jovem Sócrates, que a rejeita sem saber respondê-la.

   Há também uma objeção de simetria contra a metáfora da cópia. Como nota Parmênides, se as coisas brancas são como a ideia de brancura, então a ideia de brancura deve ser como as coisas brancas. Mas isso não é correto. A favor de Platão seria possível responder que a relação de semelhança não é realmente simétrica. Afinal, embora a face que vejo no espelho seja reflexão de minha face, a minha face não é reflexão da face que vejo no espelho. A relação de cópia é de semelhança por derivação.

   Uma outra objeção diz respeito à participação. Se as coisas precisam participar da ideia, então ela perde a sua unidade e homogeneidade. A imagem proposta por Parmênides é a de vários marinheiros carregando uma vela sobre as costas. Outra imagem seria a do bolo de passas. Imaginando que as coisas particulares sejam como os marinheiros ou como as passas no bolo, cada qual participa de parte da ideia e não do todo e a ideia precisa dividir-se por partes, cada qual contendo coisas diversas. A alternativa é dizer que a ideia se multiplica pertencendo por completo a cada coisa que dela participa. Nos dois casos a ideia perde a sua unidade e homogeneidade original. Sócrates tenta retrucar sugerindo que a ideia deve ser como o sol que ilumina o dia e todas as coisas que nele se encontram.[3] Essa é uma bela metáfora, mas não sabemos como resgatá-la.

    Ainda outra objeção presente no Parmênides foi mais tarde reapresentada por Aristóteles como o argumento do terceiro homem. Se os homens particulares H1, H2… Hn são todos eles cópias de HI, que é a ideia de homem, então parece que é preciso haver uma nova ideia de homem HI1, da qual tanto os homens particulares quando a ideia de homem são cópias. Mas se for assim, então precisaremos de ainda outra ideia para garantir a última relação e assim por diante. Aqui seria ainda possível responder que o argumento deixa de se aplicar se admitirmos que a ideia de homem não é autopredicativa: se ela não for um homem. Dizer que a ideia de homem é autopredicativa é tratá-la como uma coisa visível entre outras. A ideia é algo sui generis.

    Vale ainda lembrar uma objeção importante feita por Aristóteles contra a doutrina das ideias. Trata-se da objeção de que Platão duplica os mundos.[4] Além do mundo empírico precisamos de um mundo inteligível, contendo um número igualmente grande de ideias. Mas isso não é parcimonioso. A solução de Aristóteles será a de colar o mundo inteligível ao mundo sensível, de maneira a formar um único mundo. Por isso uma maneira trivial de distinguirmos a ontologia de Platão da ontologia proposta por Aristóteles consiste em dizer que para Platão, no caso de o mundo físico deixar de existir o mundo das ideias permanecerá existindo; mas para Aristóteles, se o mundo físico deixar de existir, como ele desaparecerá também o próprio mundo das ideias ou formas.

 

5

 

Objeções contemporâneas. Há também objeções contemporâneas à doutrina. Quero considerar três. A primeira é algo que poderia ocorrer a qualquer estudante de lógica simbólica: Platão, não poderia conhecer a revolucionária lógica predicativa desenvolvida por Gottlob Frege no final do século XIX. Por isso ele confundia nossa gramática de superfície com a gramática lógica no que diz respeito à nominalização de predicados. Para o que Platão sabia de lógica, um enunciado como (1) “Sócrates é sábio” teria a mesma estrutura que (2) “A sabedoria é uma virtude”, ou seja, uma estrutura do tipo Sujeito-Predicado ou Fa (onde a está para o sujeito e F para o predicado). Ora, como Platão consegue encontrar os referentes de sujeitos como ‘Sócrates’ no mundo visível, e mesmo os de pessoas e ações virtuosas, mas não encontra no mundo visível nenhum referente que para o termo ‘sabedoria’ na posição do sujeito, ele conclui que deve existir um mundo inteligível no qual se encontra a a-sabedoria-em-si-mesma, ou seja, a ideia da sabedoria.

   A lógica dos predicados, por sua vez, nos sugere algo muito diferente. Em sua interpretação mais intuitiva, um termo como ‘a sabedoria’ é apenas uma forma nominalizada do predicado ‘...é sábio’, remetendo por isso a ele. Sabendo disso, quando analisamos completamente os dois enunciados acima veremos que embora as suas estruturas gramaticais sejam idênticas, as suas estruturas ou formas lógicas fundamentais (aquilo que realmente somos capazes de pensar através) são completamente diversas. A frase “Sócrates é virtuoso” tem a estrutura lógica do tipo Fa. Mas a frase “A sabedoria é uma virtude” apenas parece ter a estrutura ou forma lógica de Fa. O que com ela realmente queremos dizer é: “Tudo o que é sábio é virtuoso”, ou ainda, “Para todo x, se x é sábio, então x é virtuoso”, ou, por fim, chamando ‘...é sábio’ de ‘S’ e ‘...é virtuoso’ de ‘V’, e ‘para todo x’ de ‘(x)’, a forma lógica da frase pode ser simbolizada como:

 

(x) (Sx → Vx)

 

Mas isso nada mais tem a ver com a forma lógica Fa instanciada por “Sócrates é sábio”. Aqui o sujeito ‘A sabedoria’ deixa de existir. Ao falarmos da sabedoria estávamos na verdade apenas nos reportando de maneira elíptica a todas as pessoas sábias, gente de carne e osso como Sócrates, Platão, etc. que existe no mundo visível. E a propriedade de “ser sábio” pode muito bem ser a propriedade experiencial do comportamento e das palavras dessas pessoas, o que não parece nada misterioso. É assim que Platão foi confundido pela gramática de superfície da linguagem. Essa análise tem a virtude de satisfazer o princípio da parcimônia conhecido como a navalha de Ockham, segundo o qual as entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade (Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem).

   Um outro erro lógico elementar consistiu em não distinguir predicados relacionais como ‘ser grande’ e ‘ser igual’. Para Platão um objeto sensível pode ser grande e também pequeno enquanto só a ideia do grande é sempre grande, dado que ideias são autopredicativas. Mas ‘...é grande’ é um predicado que só faz sentido quando aplicado na relação entre objetos: um filhote de elefante é pequeno em relação a um elefante, mas é grande em relação a um rato... Trata-se aqui do mesmo predicado relacional ‘é grande’ aplicado a duplas diferentes de objetos visíveis e não mais a um único objeto, daí resultando que o que é grande não pode ser pequeno na mesma asserção. Se a ideia do grande é grande em relação a tudo, como a doutrina das ideias parece sugerir, então ela deve ser infinitamente grande. Nem a metáfora da cópia nem a da participação parecem capazes de resgatar essa dificuldade.

   Uma objeção muito diversa veio de Nietzsche, que foi um crítico mordaz da cultura cristã que ele via como negadora do mundo. Para Nietzsche Sócrates foi o primeiro cristão e o cristianismo é o platonismo do povo. Como notei, no início do século V a.C. Atenas havia caído sob o jugo de Esparta, seguindo um caminho de decadência do qual nunca mais se recuperou. Platão pertencia à antiga nobreza prejudicada. Para Nietzsche ele se tornou um prisioneiro do que ele chamou de ideal ascético, um escapista incapaz de suportar as duras vicissitudes de uma realidade que se encontrava além de seu controle. Ele criou então, para si e seus discípulos, a ilusão de que esse amargo mundo sensível que tão pouco nos traz é pouco mais do que aparência, deslocando a realidade para um mundo puramente intelectual, seu fantasioso mundo das ideias. Esse mundo das ideias passaria a possuir a pura realidade – a plenitude do ser – com a qual ele não desejava ter de se deparar no mundo empírico. (ver cap. XVI)

   Freud pode ser aqui chamado para reforçar Nietzsche. Platão nunca se casou e chegou a afirmar que o intercurso sexual só deveria ser mantido com vistas à reprodução... Aristóteles, que negava a existência de um mundo separado de ideias, teve duas esposas consecutivas e um casal de filhos. A psicanálise freudiana veria na negação do mundo sensível uma justificação inconsciente para a rejeição dos impulsos eróticos. 

   A Terceira objeção poderia vir da filosofia terapêutica de Wittgenstein, para quem muito de nossa filosofia consiste na produção de “nós do pensamento”, de “castelos de carta” com palavras, e que a função crítica do filósofo é desatar os nós do pensamento ao desfazer os castelos de carta da linguagem, trazendo as palavras de suas férias metafísicas de volta para o seu labor cotidiano (cap. XVII, sec. 3)

   Para um filósofo como Wittgenstein, o conceito platônico de ideia seria irresgatável. Platão inventa um novo sentido para a palavra ‘idéa’, atribuindo-lhe objetividade e máxima realidade fora do mundo visível. Como não há suporte intuitivo nem justificação suficiente para essa inversão de valores semânticos, a ideia platônica corre então o risco de não passar de uma fata morgana intelectual. Se a introdução da noção de ideia for teoreticamente produtiva, ela poderá ser útil e aceitável. Caso contrário ela estará apenas roubando seu sentido da linguagem comum, reduzindo-se, se considerada propriamente, a um conceito ininteligível e destituído de sentido. Veremos no capítulo sobre Donald Williams que pode haver uma alternativa mais razoável sobre a mesa (cap. XIX)

   Para testar esse ponto sugiro invertermos as sílabas dos termos: ideia passa a ser aiedi, forma passa a ser amrof, o uno passa a ser onu, o ser passa a ser res, a realidade passa a ser edadilaer. Em seguida substituímos as palavras no texto platônico. Assim, ao invés de uma frase como “as ideias são a causa da realidade de todas as coisas e o uno é a causa da realidade de todas as ideias”, já bastante obscura, temos agora a frase “as saiedis (ou samrofs) são a causa da edadilaer de todas as coisas e o onu é a causa e a essência de todas as saiedis (ou samorfs),” que não faz sentido algum.

 

6

 

Conhecimento. Além da contribuição para a ontologia através da doutrina das ideias, Platão contribuiu para a epistemologia através de sua teoria dos graus de conhecimento e de sua análise das ideias de conhecimento e crença. A primeira é apresentada nas bem conhecidas analogias da linha dividida e na alegoria da caverna. Contudo, quero me restringir aqui a algumas observações sobre sua análise da ideia de conhecimento e de suas consequências epistemológicas, principalmente pelo fato de que ela demonstra o quanto a filosofia tradicional ainda é capaz de alcançar problemas contemporâneos.

   No diálogo Teeteto Platão analisa a ideia de conhecimento. A conclusão de sua análise é que a ideia de conhecimento se define como sendo a de uma crença verdadeira à qual se adiciona um logos. Mas logos é uma palavra grega bastante ambígua, o que termina fazendo o diálogo terminar inconcluso. Mais tarde a palavra ‘logos’ foi substituída pelas palavras ‘justificação’ ou ‘evidência’, mais precisas, definindo o conhecimento como crença verdadeira justificada. Essa definição foi aceita por Kant e atravessou intacta mais de dois mil anos de filosofia. Desde a década de 1960, porém, essa definição tradicional tem sido objeto de críticas devido à invenção de contraexemplos que parecem demonstrá-la insuficiente. No que se segue quero abrir parênteses para expor as críticas, analisar melhor a definição já sugerida por Platão e, por fim, mostrar que após um aprofundamento ela é capaz de sobreviver incólume aos contraexemplos.

   Comecemos com a exigência de que a crença seja verdadeira. Se uma pessoa sabe que p (sendo p uma proposição qualquer), é preciso que p seja verdadeira. Uma pessoa pode saber que a Lua tem pedras, pois isso é verdadeiro, mas ninguém pode saber que a Lua é feita de queijo suíço, pois isso é falso. Também não é possível que uma pessoa saiba que p e não acredite que p verdadeira. É contraditório dizer: “Sei que ensino filosofia, mas não acredito nisso”. Se não acredito é porque não sei, ao menos em circunstâncias normais. Finalmente, se uma pessoa sabe que p então ela é tipicamente capaz de justificar, ou seja, supostamente capaz de apresentar evidência justificadora razoável para sua afirmação.[5] Por exemplo: se digo que sei que Villa Lobos compôs as Bachianas Brasileiras é porque sou capaz de justificar isso dizendo que assisti uma apresentação das Bachianas no Youtube. Mesmo que em muitos casos eu tenha esquecido a justificação de algo que sei, se eu sei é porque de alguma forma eu alguma vez apreendi a justificação. Por exemplo, Maria diz saber que Fernando Pessoa escreveu a frase “Deus ao mar o abismo e o perigo deu, mas foi nele que espelhou o céu”, mas não se recorda de que maneira chegou a saber disso. Mas basta que alguém abra um livro de poemas de Pessoa para se certificar de que Maria se encontra bem justificada em dizer que sabe. Afinal, não pode ter sido por mera coincidência! O que não parece possível é que uma pessoa prescinda por completo de qualquer experiência justificacional aceitável ou se valha de uma justificação que não seja reconhecível por outros como sendo razoável. Não posso dizer, por exemplo: “Estive na Lua enquanto dormia porque me recordo claramente disso”, pois essa justificação não é em nossa comunidade epistêmica considerada razoável.

   Até aqui as objeções são contornáveis. Contudo, a definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada foi desafiada através de alguns exemplos sugeridos por Edmund Gettier, que em um pequeno artigo publicado em 1963 apresentou casos nos quais parecia haver crença verdadeira justificada, mas sem conhecimento. Desde então uma enorme quantidade de artigos foi escrita na tentativa de remendar, substituir ou eliminar de vez o insight platônico.

   Eis um contraexemplo do tipo Gettier: Suponhamos que ontem Maria ouviu da boca do professor Pedro que hoje ele estaria pela manhã na universidade para avaliar uma defesa de tese. Como Pedro é petreamente sério, Maria pensa que sabe que ele se encontra agora na universidade. E de fato, ele se encontra na universidade. Maria tem, assim, uma crença verdadeira justificada. Mas na verdade ela não sabe! E a razão é que durante a madrugada os três filhos adolescentes de Pedro sofreram um sério acidente de carro e se encontram agora hospitalizados. Pedro suspendeu todos os seus compromissos para hoje e foi para o hospital. Contudo, por mero acaso ele realmente se encontra na universidade, pois veio rapidamente à sua sala pegar alguns documentos.

   Embora existam dezenas de soluções inteligentes para o problema, elas parecem todas insatisfatórias. De minha parte não tenho dúvidas de que a solução existe, é bastante intuitiva e preserva o essencial da definição tradicional. Ela foi vagamente aventada desde o início, mas só foi suficientemente desenvolvida por Robert Fogelin.[6] Para chegar a ela basta se notar que em nenhum contraexemplo do tipo Gettier a justificação é suficiente para tornar a proposição verdadeira. Assim, dizer que o confiável Pedro havia afirmado ontem que viria hoje à universidade... quando adicionado ao conhecimento do fato de que seus três filhos foram acidentados e que por causa disso ele suspendeu todos os seus compromissos... deixou de ser uma justificação suficiente para tornar verdadeiro que ele se encontra agora na universidade. Mas dizer que ele se encontra na universidade por tê-lo visto passar no corredor há alguns minutos é suficiente, pois realmente torna a proposição verdadeira. A solução consiste, pois, em exigir que a terceira condição, a condição de justificação, seja suficiente para tornar a proposição verdadeira da perspectiva de um sujeito avaliador e no momento de sua avaliação. O sujeito avaliador é sempre alguém que tem tanta ou mais informação sobre o fato do que a pessoa que apresenta sua pretensão de conhecimento, o que inclui as razões para considerar a justificação por ela dada insuficiente para a verdade. No caso acima, o sujeito avaliador é uma pessoa que sabe que os filhos de Pedro foram acidentados e que ele suspendeu seus compromissos para hoje na universidade... Esse sujeito dirá que Maria não sabe, posto que a justificação por ela dada não é para ele suficiente para tornar sua afirmação verdadeira. Se ela tivesse dito, por exemplo, que viu Pedro entrando em sua sala alguns minutos antes, sua justificação seria plenamente aceita pelo sujeito avaliador. Concluímos, pois, que:

 

Uma pessoa S sabe que p se e somente se:

(i)             é verdade que p,

(ii)           a pessoa S acredita que é verdade que p,

(iii)         a justificação que a pessoa S oferece para p é considerada por um sujeito avaliador A (que pode ser até mesmo o próprio S em um momento posterior) como suficiente para tornar a proposição p verdadeira.

 

Há muito mais a se dizer sobre isso, mas bem aplicada essa formulação resolve qualquer problema do tipo Gettier. Em suma: a definição de conhecimento aventada por Platão sempre foi essencialmente correta, não demandando revisão, mas aprimoramento.

 

7

 

Quero agora resumir a psicologia de Platão. Ele tomou dos pitagóricos a sugestão de que a alma (psiqué) possui três partes: uma parte apetitiva outra volitiva e outra racional. A parte apetitiva concerne ao desejo, ao apetite, ao impulso instintivo. A parte volitiva concerne à emoção, ao espírito, à coragem, à energia. E a parte racional concerne ao pensamento, ao entendimento, ao intelecto, à razão. As primeiras duas são compartilhadas com os animais, sendo a última propriamente humana. (Daí a definição grega do homem como um animal racional.)

   Para elucidar a interação entre essas três partes Platão sugeriu a imagem de uma biga celeste com um condutor, que seria a razão, e dois cavalos, um bom (a alma volitiva) que quer alçar-se aos céus e outro mau (a alma apetitiva) que lhe dá muito trabalho ao seu condutor e precisa ser chicoteado.

   Platão associa essas partes da alma ao que os gregos tinham como sendo as quatro virtudes cardinais. A virtude da parte racional é a sabedoria. A virtude da alma volitiva é a coragem. Da união da parte apetitiva com a parte volicional surge a virtude da temperança. Finalmente, da harmonia de cada uma dessas partes da alma de modo a formar um todo temos a virtude da justiça.

   A teoria da tripartição da alma tem equivalentes contemporâneos. Um primeiro deles se encontra na divisão freudiana do psiquismo em três instâncias: a do Id (Es), das pulsões instintivas, a do Ego (Ich), que possui a vontade, sendo o responsável pelo controle motor, e a do Super-Ego (Über-Ich) responsável pela repressão e controle das pulsões. Parece claro que a parte apetitiva da alma corresponde ao Id, a parte volitiva corresponde ao Ego e a parte racional corresponde, aproximadamente, ao Super-Ego.

   Mas há diferenças. Uma delas é o grande papel que Freud atribui ao inconsciente. Outra é que em Freud o Ego é o condutor, parcialmente racional, mediando entre a razão e as pulsões instintivas, enquanto para Platão o condutor deve ser a razão, ou seja, algo que corresponde em grande parte ao Super-Ego.

  Há, por fim, uma possível fundamentação científica para a tripartição platônica da alma. Trata-se da distinção proposta pelo grande neurofisiologista norte-americano Paul McLean em sua teoria do cérebro triúno.[7] Segundo essa teoria, nosso cérebro é constituído por três computadores inter-relacionados e evolucionariamente originados. O arquiencéfalo, correspondente ao bulbo raquidiano e ao cerebelo, responsável pelas disposições instintivas do organismo, como a fome e o desejo sexual... o mesencéfalo, constituído pelo sistema límbico e responsável pelas emoções e motivações. Já o neoencéfalo, que constitui o córtex, e que no ser humano ocupa cerca de 78% da massa encefálica, é responsável pelo pensamento, pela racionalidade e pela consciência. A teoria do cérebro triúno não deixa, pois, de demonstrar a existência de divisões neurofisiológicas suficientemente próximas daquilo que Platão havia sugerido como as partes apetitiva, volitiva e racional correspondentemente. Vemos que existem bases na psicologia e na neurofisiologia contemporâneas que confirmam a teoria da tripartição da alma, o que por sua vez confirma a tese de que a filosofia antecipa a ciência.

   Platão acreditava na imortalidade da alma, o que em uma época pré-científica era uma ideia menos implausível do que na nossa. Ele acreditava que a alma vive no corpo como em uma prisão: O corpo é como a casa de um caramujo, a alma, devendo ser por ela carregado até a libertação final. O corpo é a origem dos males. Ele é a sede de preocupações, doenças, paixões e fantasias, que conduzem aos conflitos que na sociedade conduzem às guerras. Para ele se a alma é boa nesse mundo, ela irá viver após a morte em alguma maravilhosa ilha bem aventurada, mas se ela é má ela será castigada no Tártaro, que era o nome que os gregos tinham para o inferno, pois só o sofrimento purifica a alma. Tudo isso é platonismo.

 

8

 

Filosofia política. Na antiguidade e durante o período medieval os diálogos políticos que receberam maior atenção foram O Timeu e As Leis, escritos na velhice de Platão. Foi só depois do renascimento que a importância da República foi descoberta. Nesse diálogo colossal, pela primeira vez na história um estado utópico é experimentalmente construído; um estado que deveria ser capaz de realizar plenamente a sua função própria de prover a felicidade de seus cidadãos.

   A questão fundamental que percorre a República é sobre como devemos definir a justiça. Em uma das definições iniciais, a justiça acontece quando cada um recebe o que merece. Mas isso nos diz pouco demais. Após serem testadas várias sugestões implausíveis, Sócrates sugere que a justiça seja investigada em grande escala. Como a justiça se dá dentro de uma sociedade, nós devemos procurar saber qual será a forma de um estado ideal, pois o estado ideal será aquele no qual reina a justiça. Sendo assim, uma vez conhecido o estado ideal, dele poderemos mais facilmente depreender o que é a justiça.

   Ao considerar como é uma cidade-estado Platão observa que ela tem como princípio operante a divisão do trabalho. Ninguém pode fazer bem todas as coisas. Assim, cada segmento da sociedade se especializa em fazer uma coisa e troca as coisas que faz pelas coisas de que precisa.

   A divisão de trabalho resulta de uma divisão de classes. Ele teve a ideia de fazer uso da teoria da tripartição da alma para dividir os cidadãos do estado ideal em três classes, segundo o predomínio das partes apetitiva, volitiva e racional da alma. As pessoas com predomínio da parte apetitiva da alma devem formar a classe trabalhadora dos agricultores e artesões, o que inclui mercadores e qualquer coisa que envolva alguma atividade física laboral. (Em nosso mundo atual isso incluiria a classe dos comerciantes e mesmo dos trabalhadores da indústria.) As pessoas com predomínio da parte volitiva da alma formam a segunda classe, a dos auxiliares, ou seja, a dos militares encarregados da defesa da cidade-estado, indispensável no mundo antigo. E as pessoas com predomínio da parte racional da alma formam a terceira classe, a dos governantes-filósofos. No pensamento de Platão, assim como a parte racional da alma deve ter domínio sobre as partes apetitiva e volitiva, a classe que representa a parte racional do estado, representando a virtude da sabedoria, deve ter domínio sobre as classes que representam a busca de honras e de lucros.

   Para que as pessoas não se sentissem ressentidas ao serem escolhidas como pertencentes a classes inferiores, mesmo que isso fosse feito para seu próprio bem, Platão recorre a uma “nobre mentira”, que é a de que por decisão dos deuses, os trabalhadores tem uma alma de bronze, os militares tem alma de prata, e os filósofos (naturalmente) possuem almas de ouro.

   A favor de Platão pode ser notado que em seu sistema há tanto igualdade de oportunidades quanto mobilidade social, coisas que geralmente nos faltam hoje. Até os vinte anos todos deverão estudar educação física e artes no sentido amplo (os gregos aprendiam a ler através da poesia). E o aprendizado não deverá ser forçado, pois nesse caso as pessoas esquecem. Ele deverá ser baseado no puro prazer de aprender. Quanto à mobilidade social, ele lembra que os pais não podem por antecipação saber a predominância da parte da alma que terão os filhos. Pode ocorrer que o filho de um guardião tenha a alma de bronze, ou que o filho de um agricultor tenha uma alma de ouro. Por isso, após um período inicial de educação universal haverá um primeiro exame, quando os jovens completarem vinte anos. Quem for reprovado ficará pertencendo à classe trabalhadora, tornando-se agricultor, artesão, comerciante ou coisa do gênero. Quem for aprovado continuará aprendendo ciências como matemática e astronomia por mais dez anos, até um segundo exame, quando completarem trinta anos. Só quem for aprovado nesse segundo exame terá o direito de aprender filosofia. Para Platão a filosofia não pertence ao início, mas ao final do processo de aprendizado. Com efeito, mesmo hoje é desejável que o filósofo, enquanto filósofo, seja possuidor de uma ampla gama de pressupostos para ser capaz de desempenhar adequadamente seu oficio.

 

   É interessante o que Platão tinha a dizer sobre os prazeres e bens materiais. Os cidadãos pertencentes à classe dos guardiões e auxiliares não podem ter posses. Eles devem receber o suficiente para viverem confortavelmente e de maneira igualitária. Não beberão em copos de ouro, pois o ouro eles deverão trazer em suas almas. Isso é essencial para que não haja corrupção, nem ambição demeritória. Quem poderá adquirir posses serão as pessoas da classe dos agricultores, artesãos, comerciantes... Elas poderão acumular riquezas em medida suficiente, pois pela inclinação de suas naturezas não buscam integridade nem honras, mas principalmente os prazeres físicos. O estado zelosamente administrado pelos guardiões será benéfico para a classe apetitiva. A ideia aqui implícita, de que a riqueza não deve ser usada para corromper a política, é perfeitamente atual.

   Mulheres terão os mesmos direitos dos homens na escala social; elas poderão ir para a guerra e se tornarem guardiãs. Entre os auxiliares e guardiões não haverá casamento, o sexo será controlado com objetivos principalmente eugênicos, filhos não desejados sendo postos à parte. As crianças serão educadas em creches, sem saberem quem são os seus pais. Ele acreditava que isso implementaria maior senso comunitário de união entre os membros da classe... Entre os quarenta e os cinquenta anos, além de estudarem ciências, os guardiões deveriam ganhar experiência do mundo juntando-se à classe trabalhadora. Só depois dos cinquenta anos os guardiões poderiam concorrer para que um deles se tornasse o rei, que seria então um rei-filósofo, capaz de saber o que pode proporcionar a boa vida aos seus concidadãos.

   Platão acreditava que só quando os governantes forem sábios e o rei for filósofo uma república terá cidadãos felizes. Ele terminou concluindo, com muito bom senso, que seu estado ideal é apenas um experimento imaginativo. Mas esse experimento pode ser uma maneira de orientar pessoas com relação à ideia de justiça.

   O estado idealizado por Platão como produzindo o máximo de felicidade para os seus cidadãos seria um estado justo. Mas o que caracteriza a justiça que ele encerra? Ora, ela se caracteriza pela comunhão do indivíduo com a comunidade, pela harmonia entre as classes, uma harmonia que resulta de cada um fazer aquilo que é capaz de fazer melhor, recebendo como recompensa aquilo que prefere. Assim, a justiça consiste em cada um poder fazer e ter o que melhor lhe compete, recebendo em troca o que por natureza mais deseja.[8] O estado ideal proposto por Platão é projetado para permitir que seus membros floresçam naquilo que eles possuem de melhor de modo a maximizar a cooperação social. E um homem justo é aquele que ocupa o lugar que lhe é próprio na sociedade. A resultante harmonia entre as partes de sua alma fará dele uma pessoa justa, refletindo assim a justiça social como a harmonia entre as classes do estado. Por ser a justiça um conceito social, não faz sentido as pessoas se perguntarem se são justas em uma sociedade injusta. O grande exercício de pensamento que que foi a construção de um estado supostamente perfeito possibilita ao seu autor uma explicação plausível da natureza da justiça.

   Mas essa não é a única conclusão importante do diálogo. Já vimos que a virtude da parte racional da alma é a sabedoria, a virtude da alma volitiva é a coragem, a virtude da alma apetitiva unida à parte volitiva é a temperança, e que a harmonia das partes da alma dá lugar à virtude da justiça. Como consequência, cada classe do estado ideal incorpora em si uma das virtudes consideradas cardinais: os guardiões incorporam a sabedoria; os auxiliares incorporam a fortaleza ou coragem; a classe trabalhadora incorpora a temperança. E a justiça consiste, como dissemos, na harmonia entre as classes, no fato de que cada classe perfaz a tarefa que lhe é apropriada.

   Finalmente, com base nessas ideias Platão distinguiu cinco tipos de constituição política que tendem a se seguir uma à outra, decrescendo em virtude: monarquia (ou aristocracia), timocracia, oligarquia, democracia e tirania. A melhor forma de constituição era para ele a monarquia ou aristocracia, que preserva todas as virtudes sob o timão a sabedoria. O estado ideal concebido por Platão pertence a esse primeiro tipo, sob o suposto de que o monarca ou os aristocratas sejam sábios. Quando os governantes deixam de ser sábios, o que temos é a timocracia: aqui o governo é feito por militares, pelos que mantém a virtude da fortaleza ou coragem. A timocracia tende a degenerar, dando lugar a uma forma de governo ainda inferior, qual seja, a oligarquia. Esta ainda conserva alguma virtude de temperança, mas perdeu a virtude da coragem. A oligarquia degenera-se em democracia, que se caracteriza pela rejeição da temperança, ainda mantendo a ideia de justiça. Na democracia as pessoas agem por amor ao lucro, pois o dinheiro é o que permite a satisfação dos desejos materiais. Por fim, como as pessoas na democracia perderam a temperança, elas são facilmente enganadas por um líder demagogo que se alça ao poder e acaba por aprisionar os cidadãos em um meio totalitário. É assim que a democracia se degenera em tirania, que é o governo de déspotas que perderam até mesmo a ideia de justiça.

 

9

 

Objeções. Karl Popper responsabilizou Platão, Hegel e Marx por rejeitarem a democracia, influenciando as pessoas no sentido de fazê-las crer em estados totalitários. Popper nos lembrou que Platão e Heráclito pertenciam à velha aristocracia grega que havia perdido o poder para a democracia. Dois de seus tios foram mortos nessa disputa ao defenderem o governo dos trinta tiranos. A herança aristocrática de Platão o fazia sentir-se ressentido com a democracia.

   A favor de Platão é preciso lembrar que a República foi um trabalho especulativo que tinha como fio condutor a tentativa de aclarar o que deve ser entendido como justiça em uma sociedade. Ele via a especulação filosófica como aquilo que ela é capaz de ser: a busca da verdade como uma forma de “entretenimento” intelectual. Diversamente de Marx, ele já havia por experiência própria perdido a ambição de mudar o mundo através da filosofia.

   Afora isso, a democracia grega que condenou Sócrates à morte e que mais tarde forçou Aristóteles a se exilar de Atenas de maneira a salvar a sua vida, pouco tinha a seu favor. E a crítica feita por Platão à democracia ateniense como o governo de uma multidão de pessoas cujo objetivo é a satisfação de desejos materiais, sem as virtudes de temperança, fortaleza e sabedoria, justifica-se ainda hoje como uma crítica às formas atuais de democracia. Philip Kitcher, um filósofo contemporâneo, defende que as pessoas precisam ser educadas para a democracia, e que ela precisa ser cientificamente refinada de modo a possibilitar aos eleitores escolherem como governantes aqueles cujas ações realmente correspondam aos seus interesses, o que muitas vezes não acontece.[9]

   O maior clássico da filosofia política do século XX foi o livro de John Rawls intitulado Uma teoria da justiça.[10] Para que possamos conceber uma sociedade verdadeiramente justa Rawls idealizou uma famosa experiência em pensamento. Imagine que você tenha várias alternativas de sociedade para escolher e que você deva escolher entrar em uma delas. Você conhece a natureza humana e sabe como as diversas sociedades funcionam. Mas você não sabe como irá entrar em uma dessas sociedades: se rico ou pobre, se jovem ou velho, se inteligente ou tolo, se branco ou negro... Você deverá escolher entrar na sociedade coberto pelo que Rawls chamou de “véu da ignorância”. Nesse caso, que sociedade você escolheria? A resposta é que você preferiria entrar em uma sociedade social-democrática no sentido da em que a expressão é usada com respeito ao sistema dos países nórdicos... Pois essa será a sociedade onde, em qualquer situação, você estará mais seguro. Você não escolherá entrar em uma sociedade sem mobilidade como a da Roma antiga, onde terá boas chances de entrar como escravo, não lhe sendo jamais possível mudar seu destino.

   Uma questão é saber quantos de nós, sob o véu da ignorância, escolheriam entrar na sociedade ideal proposta por Platão. Desconfio que não seriam muitos. Apenas para começar, suponha que você tenha nascido com as partes racional e apetitiva da alma desenvolvidas, mas que a parte volitiva seja bastante fraca. Nesse caso você não terá lugar na sociedade ideal de Platão, pois não estará bem nem entre os agricultores nem entre os guardiões. Não há lugar na sociedade platônica para a combinação de ouro com ferro.

 

10

 

Arte. No incômodo capítulo X da República Platão condena a arte. De acordo com ele a arte é mímesis, que significa ‘cópia’. Mas como as coisas visíveis já são cópias das ideias e a arte é cópia dessas cópias, trata-se de algo demasiado imperfeito e enganador. Platão aceitava em sua república apenas poesias e hinos patrióticos. É muito difícil concordar com ele nesse ponto, pois foi exatamente essa a forma de arte que as mais lamentáveis ditaduras do último século apoiavam.

   Uma razão externa para discordarmos de Platão consiste no fato de que os artistas se encontram em geral voltados para o mundo sensível: seu material de trabalho é a vida como ela é, sem anestesias ou consolações filosóficas. Voltados como estavam para experiências emocionais e sensórias, eles eram os maiores críticos da ascese platônica. Se o estudo das matemáticas a facilitava, a experiência estética a dificultava.

   Mas existem razões internas para discordarmos de Platão, concernentes a limitações em seu argumento. Para esclarecer o que há de mais falso na concepção de arte de Platão quero fazer uma comparação com o que o filósofo R. G. Collingwood distinguia como sendo três formas de arte: a arte como entretenimento, a arte sacra e o que ele chamou de arte própria, a mais elevada forma de arte, que pode ter aqui como modelo a tragédia grega ou Shakespeare. Para ele a única forma de arte verdadeiramente merecedora do nome seria a arte própria, cujo objetivo era o de despertar a consciência: reavivar nas pessoas aquilo que elas procuram esconder de si mesmas e que por isso adoece a sociedade. Como ele mesmo escreveu:

 

Conhecer a nós mesmos é a fundação de toda a vida que se desenvolve além do nível de experiência meramente físico. Uma consciência verdadeira dá ao intelecto uma fundação firme; uma consciência corrompida força o intelecto a construir sobre areia movediça.[11]

 

 

Por isso o artista deve ser um profeta:

 

 

...não no sentido de prever coisas que virão, mas no sentido de que ele conta à sua audiência, sob o risco de desagradá-la, os segredos de seus próprios corações. (...) Como porta-voz de sua comunidade, os segredos que ele precisa pronunciar são os dela mesma. A razão pela qual ela precisa dele é que nenhuma comunidade conhece o seu próprio coração; e por falhar em conhecê-lo, uma comunidade engana-se a si mesma sobre uma matéria em relação a qual a ignorância significa morte... A arte é a medicina comunitária para a pior doença da mente, que é a corrupção da consciência.[12]

 

Quero exemplificar essa função terapêutica da arte lembrando de uma música cantada por Billie Holiday, intitulada “Estranho Fruto” (Strange Fruit). Traduzo livremente[13]:

 

Árvores do sul dão um estranho fruto

Sangue nas folhas, sangue nas raízes

Corpos negros balançando à brisa do sul

Estranho fruto pendurado sob os álamos.

Cena pastoral do galante sul

Olhos abaulados, bocas retorcidas

Perfume de magnólia, doce e fresco

E o repentino odor de carne queimada.

Um fruto para os corvos arrancarem

Para a chuva lavar e o vento sugar

Para o sol apodrecer e da árvore tombar

Aqui se dá uma estranha e amarga colheita.

 

O estranho fruto são dois negros que foram linchados e enforcados sob uma árvore na Carolina do Sul, em meio a uma multidão festiva que se orgulhava do feito. Não havia leis proibindo o linchamento. A cantora foi perseguida e até mesmo presa por ter tido a ousadia de continuar cantando a música. Mas a sua letra amplia o sentimento de injustiça ao denunciar metaforicamente, com irônica elevação de alma, um cenário cruel e desumano.

   Aqui não encontramos nada que possa ser identificado a uma cópia da realidade, diversamente, digamos, de um artigo de jornal noticiando o acontecimento. O que percebemos é uma maneira de se denunciar uma injustiça concreta colocada em contraposição flagrante ao ideal de justiça – algo cuja força é ampliada pela polissemia da metáfora.

   Quero oferecer apenas mais dois outros exemplos de arte própria. A primeiro diz respeito a Machado de Assis, tal como ele é interpretado pelo crítico literário Roberto Schwarz. Segundo Schwarz, a segunda fase da obra machadiana é uma sofisticada crítica social, tão sutil que passou quase despercebida. Isso acontece com o personagem Brás Cubas, o defunto autor da peça literária incomparável que se chama As memórias póstumas de Brás Cubas. Ele é um homem rico, inteligente, perspicaz e crítico, orgulhando-se de ter aurido seus valores no mais progressista pensamento europeu da época. Mas ao mesmo tempo ele se gaba de nunca ter ganhado a vida com o suor do próprio corpo, arranja como amante uma senhora casada e dá importância a toda espécie de superficialidade, como quando rejeita uma pretendente ao saber que ela é manca ou mesmo quando inventa um emplastro supostamente capaz de curar qualquer tipo de doença com o objetivo único de obter notoriedade. Algo semelhante é o caso do mimado Bentinho, o personagem moralizador do romance Dom Casmurro, cuja mãe era por ele considerada um exemplo ímpar de doçura e bondade, mas que vivia do aluguel de escravos. Para Schwarz Machado de Assis está ironizando as contradições de nossa classe abastada, que em suas convicções se pretende progressista, mas que em suas ações está disposta a ceder a toda espécie de baixeza.

   Meu último exemplo são os filmes fortes de Cláudio Assis, acima de todos O baixio das bestas, em que ele denuncia a desumanidade nos canaviais pobres de Pernambuco. Como ele mesmo comentou a respeito: “As piores coisas acontecem diante dos olhos de todos e ninguém faz nada para impedir”.

   Em todos os casos acima não há qualquer intenção de copiar a realidade, a menos que seja para denunciá-la, opondo a ela a ideia mesma de justiça que tanta importância tinha para Platão.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Ver Fedon 74-78. República V, 476, 479.

[2]  Menon, 81 c-d.

[3] Parmênides 131b.

[4] Aristoteles, Metafísica A 9, 990b.

[5] Digo “tipicamente” porque no caso do conhecimento dos assim chamados enunciados básicos a justificação é desnecessária. Assim, se digo “Estou com dor de cabeça” não preciso nem tenho como justificar, pois sei disso por experiência imediata.

[6] Ver Robert Fogelin: Pyrronian Reflexions on Knowledge and Justification (Oxford: Oxford University Press 1994). Minha versão da mesma solução, formalmente mais rigorosa, foi publicada sob o título de “A Perspectival Definition of Knowledge”, in Ratio 23 (2): 2010, pp. 151-167.

[7] Paul D. McLean: The History of Neuroscience in Autobiography, ed. L. R. Squire (London: Academic Press 1988), vol. II, cap. 20.

[8]  República IV, 433, 443 d-e.

[9]  Philip Kitcher: Science, Truth, and Democracy (Oxford: Oxford University Press 2003).

[10] John Rawls: A Theory of Justice (Cambridge MA: Harvard University Press 1971).

[11] R. G. Collingwood:  The Principles of Art (Oxford: Oxford University Press) p. 284.

[12] R. G. Collingwood: Ibid., p. 336.

[13] Eis o poema original de Abel Meerpool:

 

“Southern trees bearing a strange fruit
Blood on the leaves and blood at the root
Black bodies swinging in the Southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees.


Pastoral scene of the gallant South
The bulging eyes and the twisted mouth
Scent of magnolia sweet and fresh
Then the sudden smell of burning flesh.


Here is a fruit for the crow to pluck
For the rain to wither, for the wind to suck
For the sun to rot, for the trees to drop
Here is a strange and bitter crop.”