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DEFININDO ‘CONSCIÊNCIA’
Somos
a consciência do universo,
que se pensa em nós.[1]
Cézanne
Podemos definir “consciência”? Há quase um dogma na
filosofia da mente contemporânea, que consiste em se considerar inevitável uma
resposta negativa para essa pergunta. Com efeito, não faltaram filósofos a nos
dizer que o conceito de consciência é indefinível, que ele é primitivo[2];
que ele é demasiado pobre, tão vazio quanto a palavra ‘coisa’, sendo perda de
tempo tentar defini-lo[3];
que ele é por demais difícil e, portanto, inacessível a poderes cognitivos tão
limitados como os da mente humana[4];
ou mesmo que a consciência simplesmente não existe[5]...
Não obstante, nenhuma dessas afirmações
escapa a objeções mais ou menos definitivas. Quanto à sugestão de que o
conceito de consciência se comporta como um conceito primitivo, podemos
responder que seria assim se a palavra ‘consciência’ fosse como a palavra ‘vermelho’,
definível por ostensão. Pode ser que a noção de consciência nos pareça opaca, não-analisável.
Mas é comum que noções de importância filosófica (ex.: conhecimento, ação,
realidade, arte...) não pareçam à primeira vista analisáveis. Por isso devemos
dar à tese da analisabilidade da consciência ao menos um voto de confiança.
Quanto à sugestão de que a palavra ‘consciência’ seria excessivamente pobre em
termos denotacionais, ela seria justificada se esta fosse mesmo semelhante à
palavra ‘coisa’, tornada vazia em razão de sua extrema generalidade. Mas o
domínio de aplicação da palavra ‘consciência’ é muito mais restrito, limitando-se
a uma pequena subclasse dos seres vivos. Quanto à sugestão de que somos
cognitivamente incapazes de definir consciência, é possível responder que todos
nós de algum modo sabemos muito bem o que queremos dizer com a palavra, o que é
demonstrado pelo fácil acordo a que chegamos ao distinguirmos entre os seus
usos corretos e incorretos. Sob essa perspectiva, definir consciência não seria
tentar ir além de nossos poderes cognitivos, mas simplesmente encontrar um meio
de explicitar satisfatoriamente aquilo que já sabemos, eventualmente
aperfeiçoando e mesmo corrigindo tal explicitação com o auxílio de um rationale
proveniente da informação científica. Devemos, pois, ser capazes de alcançar
uma definição basicamente imanente de consciência. Para chegarmos a tal, o
método mais adequado seria o de tomar como ponto de partida a análise das
informações em primeira pessoa (provenientes da introspecção), tentando então
adequá-la às informações em terceira pessoa (advindas de nossa leitura natural
do comportamento e também de nosso conhecimento atual de ciências como a
psicologia, a neurociência etc.), na tentativa de alcançar um equilíbrio reflexivo.[6] Há,
por fim, a hipótese eliminacionista de que a palavra ‘consciência’ é um termo
vazio que nada denota, tal como a palavra ‘ops’. Mas no tocante a isso, não
parece caber a nós o ônus da prova.
Não são, pois,
assim tão fortes as razões que militam contra o projeto de se definir
consciência. No que se segue quero chegar a uma definição que me parece suficientemente
plausível.
I
Para começar, é providencial fazermos uma distinção
propedêutica abrangente entre consciência global e consciências parciais. Por consciência global podemos
entender algo próximo do que filósofos já chamaram de consciência da criatura
ou do indivíduo ou ambulante.[7]
Trata-se do todo da consciência, incluindo nisso qualquer forma de consciência
que contribua para a constituição desse todo. Trata-se, pois, daquilo que
costumamos ter em mente quando aplicamos a palavra ao dizer que a pessoa x
ou o animal y é ou está consciente (ex.: “Após a concussão craniana a
paciente veio pouco a pouco a recuperar a consciência”, ou “Ao ser sedado com éter
o animal perdeu a consciência”). O conceito de consciência global contrasta com
o de consciência parcial, com o qual restringimos o termo a partes da consciência global, as quais podem
variar muito em natureza e extensão, prosseguindo até chegarmos a divisões
menores, que têm sido chamadas de consciências de estado. Gostaria de entender
a consciência de estado como a propriedade de certos estados mentais de
representarem fatos, entendendo por ‘fato’ a palavra designadora do fazedor de
verdade (truth-maker), seja ele qual for. Referências à consciências parciais
que constituem partes mais extensas da consciência global são feitas por
proferimentos como “Ele estava tão bêbado que perdeu a consciência do que fazia”
ou “Seus sentimentos não lhe eram conscientes”; referências a consciências de
estados aparecem em proferimentos como “Carmen está consciente (do fato) de que
há um mosquito rodeando os seus tornozelos”, que se refere a um estado de
coisas externo, ou “Pedro está consciente (do fato) de que está apaixonado”,
que se refere a um estado de coisas interno.[8]
A distinção
introduzida repousa na assunção intuitivamente plausível de que as várias
formas de consciência parcial estão relacionadas à consciência global como
as partes com o todo, o que explicaria, no final das contas, porque podemos
aplicar a palavra ‘consciência’ a qualquer dos casos. Essa assunção justifica a
nossa estratégia, que será a de começar esclarecendo a consciência global,
passando depois, por extensão, a uma delimitação mais apropriada das
consciências parciais, ao menos em suas modalidades mais fundamentais, buscando
discernir as propriedades comuns a toda e qualquer forma de consciência.
Consideremos em primeiro lugar a extensão do nosso conceito de consciência
global. Ele não é coextensivo ao de mente, pois a mente de quem está dormindo,
por exemplo, não é consciente. Contudo, o conceito de mente é coextensivo ao de
ser capaz de consciência, pois dizemos de todos os
seres que possuem mentes, que eles são ao menos capazes de consciência, além de
dizermos de todos os seres capazes de consciência que eles possuem mentes.
Deixando-nos guiar pela intuição linguística, consideremos a questão sob o seu
aspecto evolucionário. Considere, primeiro, o caso de seres vivos muito
primitivos, como vermes e insetos. Seria ridículo atribuir-lhes mentalidade e consciência
sem simplificar perversamente esses conceitos. Mas nos casos de répteis,
peixes, pássaros e mamíferos, a dúvida começa a emergir. Não estamos certos se
podemos dizer que um lagarto imobilizado pelo frio perdeu a consciência. Contudo,
quando sedamos um mamífero como o cão, ou mesmo um hamster, não hesitamos em
dizer que ele perdeu a consciência. Por isso mesmo estamos certos (pace Descartes) em dizer que um cão
possui mente e alguma consciência do mundo ao redor. A fronteira de aplicação do
conceito de consciência, tanto quanto o de mente, é indistinta e gradual, à
semelhança da fronteira entre o conceito de colina e o de uma simples elevação
de terreno.
Talvez você
tenha dúvidas sobre a credibilidade de nossas intuições linguísticas sobre a extensão
de nosso conceito de consciência. Nesse caso, imagine que os neurocientistas um
dia descubram um mecanismo X responsável pela consciência, e que descubram
então que lombrigas e escaravelhos possuem X, enquanto elefantes e chimpanzés
não o possuem. Seríamos então forçados a concluir que os primeiros são
conscientes e os últimos não? É certo que não! Nós concluiríamos, ao invés, que
o mecanismo X não pode ser o verdadeiro responsável pela consciência, pois ela
é, por princípio, aquilo que todos que compreendem a linguagem admitem ser.[9]
Sob o ponto
de vista da intenção gostaria de distinguir, como constituintes da
consciência global, três modalidades mais importantes de consciência:
Modalidade
(a): Em primeiro lugar, sabemos que animais superiores, como o homem, são ditos
conscientes quando estão em vigília, alertas, respondendo aos estímulos
sensórios. Quando uma pessoa adormece, dizemos que deixou de estar consciente;
quando ela desmaia ou entra em estado de coma, dizemos que perdeu a consciência;
e quando ela aos poucos acorda da anestesia geral, dizemos que está recuperando
gradualmente a consciência. Com base nisso podemos distinguir, apoiados em D. M.
Armstrong, uma modalidade importante e necessária da consciência, que ele chamava
de consciência perceptual, definindo-a como a
experiência imediata que temos do mundo ao redor e de nossos corpos.[10]
Essa é uma forma elementar de consciência que compartilhamos com os vertebrados
em geral (quando um hamster é sedado com éter e dizemos que ele perdeu a consciência,
ele perdeu a consciência perceptual).
Modalidade
(b): Também como possível parte de uma consciência global há uma outra modalidade
de consciência que Armstrong chamou de introspectiva,
definindo-a como a consciência que temos de
nossos próprios estados mentais,
o que prefiro chamar (seguindo Locke) de consciência
reflexiva. Com muita justiça Armstrong
considerava essa a modalidade mais importante, sugerindo que ela teria surgido
da necessidade que organismos possuidores de mentes mais complexas têm de monitorarem
os seus processos mentais de primeira ordem, escaneando-os através de processos
mentais de ordem superior. Normalmente a consciência global inclui tanto a
perceptual quanto a reflexiva. Mas há casos, como o do sonambulismo, nos quais
o sistema da consciência reflexiva se encontra desligado.
Essa
segunda modalidade de consciência foi também investigada por outros pesquisadores,
principalmente por D. M. Rosenthal, embora aqui não mais segundo a analogia da
percepção interna (higher order perception),
como fez Armstrong, mas em termos de pensamentos de ordem superior (higher
order thoughts)[11].
Segundo esse autor, se tenho a consciência de me encontrar em um estado de
espírito melancólico, ou de saber que Schliemann desenterrou Tróia, é porque
tenho o pensamento (cognição, juízo) de ordem superior de que tenho o
sentimento de melancolia ou de que tenho o pensamento de que Schliemann desenterrou
Tróia (forma transitiva ou relacional). Por sua vez, o sentimento e o pensamento
de primeira ordem são chamados de conscientes quando são objetos de pensamentos
de ordem superior (forma intransitiva ou não-relacional).
A admissão de que em seu sentido mais
importante a consciência é reflexiva nos permite responder ao menos três questões
de psicologia cognitiva:
(a) Primeiramente, a noção de
consciência reflexiva permite explicar a assim chamada visão cega (blind-sight).
Trata-se de casos em que uma pessoa, após sofrer lesão na área V1 do córtex
visual, torna-se parcialmente cega. Contudo, embora ela afirme nada ver, ela é
capaz de adivinhar corretamente muito do que acontece na porção do seu campo
visual que perdeu a visão.[12] A
explicação seria a de que ela ainda mantém a consciência perceptual, embora
tenha perdido a consciência reflexiva com relação ao campo visual afetado. Ela
vê sem saber que vê.
(b) A mesma noção nos permite
explicar os curiosos resultados do experimento de Benjamin Libet, os quais
mostraram que a elevação do nível de ativação cerebral no córtex motor (readiness
potential, medido pelo EEG) que corresponde à decisão de agir ocorre cerca
de um terço de segundo (~350 milisegundos) antes da tomada de consciência dessa
decisão.[13] A
explicação seria a de que, embora a tomada de consciência reflexiva do que está
acontecendo ocorra depois da decisão, permitindo apenas o controle ou supressão
da ação, ao nível da consciência perceptual a decisão realmente ocorre simultaneamente
à elevação do nível de ativação.
(c) Além disso, a noção de
consciência reflexiva permite compreender melhor os assim chamados sonhos lúcidos.[14] O
sonho lúcido ocorre quando sonhamos tendo a consciência de que estamos
sonhando. Quando isso acontece o sonho se torna mais claro e intenso; nele
podemos intervir e ele é mais facilmente recordado depois. A explicação seria a
de que o sonho lúcido surge quando o sonho normal se torna objeto de
consciência reflexiva. Por isso ele se torna mais intenso, controlável e recordável.
Uma diferença notável entre a consciência perceptual e
a reflexiva é que a primeira é, por assim dizer, inconsciente. Sabemos que ela
existe apenas com base na consciência reflexiva de nossas percepções. Organismos
sem consciência reflexiva, como o lagarto, não podem saber que são
perceptualmente conscientes. Diversamente da consciência reflexiva, o acesso
primário que temos à consciência perceptual é em terceira pessoa (quando vemos
o hamster ser sedado etc.).
Modalidade
(c): Seria muito bom se as modalidades (a) e (b) dessem conta da consciência em
suas formas mais relevantes. Infelizmente, não parece ser assim. Suponha que
por qualquer razão eu tenha os pensamentos de que Schliemann desencavou Tróia,
de que a Estátua da Liberdade foi presenteada pela França ao governo americano,
de que 13 x 13 = 169... Esses não
são, obviamente, casos de consciência perceptual. Mas não parece necessário que
sejam casos de consciência reflexiva! Pois parece claro que podemos pensar
essas coisas irrefletidamente, sem saber (ou pensar) que as estamos pensando,
apesar de toda uma tradição filosófica ter sugerido o contrário. Trata-se também
aqui de eventos conscientes inconscientes de si mesmos, embora capazes de ser a
cada momento reflexivamente considerados. Na falta de melhor expressão, chamo a
isso de consciência discursiva.
Em qualquer das modalidades de consciência
consideradas é possível que haja um erro completo, caso no qual passamos a
negar a atribuição de consciência. Assim, se me percebo sendo recebido em Tróia
pela própria Helena (~a), quando na verdade estou dormindo no sofá, se creio que
sou feliz quando na verdade vivo em um estado de espírito mais que melancólico
(~b), se penso que a Estátua da Liberdade é um bolo de chocolate e que 13 x 13
= 23 (~c), então não estou
intrinsecamente consciente de nada disso.
A questão
que agora se impõe é: o que há de comum entre as modalidades (a), (b) e (c) de
consciência, que faz de seus estados, estados de consciência? O que os
distingue dos estados mentais falsamente conscientes, como os recém descritos?
Minha sugestão é que isso é possível, pois o que distingue (a), (b) e (c) de (~a),
(~b) e (~c) é que nos primeiros três casos temos experienciações verídicas
das coisas. Por surpreendente que pareça, é possível definir consciência
aristotelicamente, em termos de gênero próximo e diferença específica, posto
que consciência é sempre a forma verídica de experiência. Vejamos como isso
pode ser feito.
Quanto ao
gênero próximo, a resposta não parece difícil. Como notou Owen Flanagan, em um
artigo no qual tentava definir a consciência: “fenomenologicamente, consciência
é experiência”.[15] Suponhamos
que isso seja verdade. Quanto às modalidades (a) e (b), com efeito, pessoas em
vigília, alertas, acordadas, estão experienciando o mundo; a consciência
perceptual de que um mosquito me rodeia os tornozelos demanda experiência, o
mesmo acontecendo com a minha consciência reflexiva de me encontrar em um
estado de espírito melancólico. É mais complicado encontrar as experiências
produtoras da modalidade (c) de consciência, mas a minha consciência de que
Schliemann desencavou Tróia, embora não demande uma experiência presente, à
parte a da recordação, não veio do nada. Ela foi aurida com base na experiência
de leituras dos livros sobre arqueologia e outras mais. Mesmo a minha
consciência de que 13 x 13 = 169 demanda uma experiência matemática, para mim
menos imediata do que 1 + 1 = 2. Por isso o conceito de experiência que se nos
impõe aqui deve ser amplo, não se restringindo à experiência sensório-perceptual,
mas incluindo também experiências puramente cognitivas, como as da matemática.
Contudo, o
que é experiência? Não pretendo definir esse conceito, mas posso
caracterizá-lo, primeiro notando que ele aponta para uma relação causal, sendo
a causa o objeto da experiência (que pode ser tanto externo quanto interno) e o
efeito um produto epistêmico necessariamente interno, o qual poderia ser
chamado de produto experiencial. Parece que o conceito de
experiência possui uma ambiguidade processo-produto. Quando uso a palavra
‘experiência’, posso dizer “Minha experiência de x foi baseada no meu
experienciar de x”, referindo-me primeiro ao produto experiencial,
disposicionalmente presente, e depois ao processo experiencial. Em se tratando
de consciência, a experiência envolvida parece ser no sentido de um produto
experiencial, o que fica claro ao menos nos casos de consciência discursiva.
Por isso não digo “Estou conscientizando x”, tal como “Estou experienciando x”,
mas apenas “Estou tendo a consciência de x”.
Tentemos
agora esclarecer as principais características da experiência. Uma delas é a subjetividade.
Pode parecer que o essencial da subjetividade seja a internalidade, o acontecer
dentro da cabeça, onde pareço ouvir meus pensamentos. Mas não é sempre assim:
se uma pessoa tem alucinações visuais, elas são subjetivas, embora a pessoa as
situe externamente. Por isso a subjetividade é mais propriamente caracterizada
como ausência de intersubjetividade. Uma entidade é
subjetiva quando só o seu portador tem acesso a ela.
Uma outra característica da experiência é
que ela está mais próxima do polo perceptual
da vida mental, voltado para a apreensão da realidade, do que do polo conativo,
voltado para a ação sobre a realidade. Assim como a consciência, a experiência
pertence ao polo perceptual, de abertura para o mundo. Como os dois polos são
interdependentes, é plenamente possível considerar a consciência também como
uma contraparte da ação, posto que é só através da abertura perceptual da
consciência que nossa vontade pode produzir ações adequadas às circunstâncias percebidas.
É razoável, pois, a exigência pragmática feita por alguns filósofos, de que os
conteúdos de consciência sejam em última análise capazes de nos guiar em nossas
ações. O que deixa de ser razoável é tentar explicar a consciência incluindo a atividade mental volicional
e de deliberação racional entre os seus constituintes definitórios, pois isso
nos convidaria a confundir o caráter da experiência consciente, que deve estar
na origem desses processos, com o caráter próprio desses mesmos processos,
assimilando-os então equivocamente à consciência.[16]
A
experiência consciente é também um estado receptivo, por oposição à atividade
mental consciente, que conduz à ação. Isso não significa que ela seja passiva.
O que chamamos de estado também pode ser entendido em um sentido compatível com
o de atividade, como acontece ao dizermos, por exemplo, que a água se encontra
em estado de ebulição; a experiência consciente é um estado receptivo ativo, o
que se demonstra mesmo no fato de podermos alterar tanto o grau quanto o foco
de nossa consciência, de acordo com o interesse e a necessidade.
Contra a
idéia de que a experiência é sempre relacional pode ser objetado que em certos
casos, como os de sonhos e alucinações, temos experiência sem o objeto da
experiência. Contudo, essa objeção advém de um preconceito, que é o de se
pensar que um objeto, para causar a experiência do que parece ser objetivamente
real, precisa ser ele mesmo objetivamente real, ou seja, intersubjetivamente
acessível. Mas não precisa ser assim. O objeto causador da experiência pode ser
apenas subjetivamente acessível, conquanto ele seja independente da vontade. Se
uma pessoa sonha que está sendo perseguida por um dragão, a sua experiência não
está sendo causada por alguma coisa objetivamente real, dado que o dragão não
existe. Mesmo assim, parece correto dizer que a sua experiência está sendo
causada por um objeto suposto (não-intersubjetivamente acessível,
mas independente da vontade), que é a imagem onírica do dragão, falsamente
identificada por quem sonha como sendo um objeto real (intersubjetivamente
acessível e independente da vontade). Do mesmo modo, se alguém vê um dragão na
tela do cinema, a experiência não é causada pelo dragão real, mas pelo dragão
do filme. Considere que nesse caso, como no do sonho, não produzimos o objeto
não-objetivamente-real pela vontade. Esse objeto efetivamente causa a experiência, diversamente do que
acontece, por exemplo, no devaneio, quando intencionalmente produzimos o
objeto. Por essa razão não dizemos que temos experiência em um sentido
igualmente forte da palavra quando “experienciamos” um devaneio, nem que ele
demonstra a consciência de alguma coisa. – Observe-se que ter um devaneio não
deve ser confundido com a consciência de tê-lo, nem com a consciência de seus
conteúdos ficcionais, pois essas coisas dependem de juízos reflexivos de ordem
superior, os quais são verídicos; o mesmo acontece com os sonhos lúcidos, os
sonhos conscientes, que nos parecem mais reais por serem acompanhados de sua
consciência reflexiva.
Finalmente, é preciso notar que o estado de
acesso experiencial à realidade capaz de constituir a consciência deve ser restrito
ao sistema nervoso de organismos suficientemente desenvolvidos e flexíveis,
tomando como paradigma o caso humano. Com isso quero não só reafirmar a
natureza intrinsecamente biológica da consciência – excluindo casos como o de
um suposto robô consciente – mas também eliminar casos de consciência em organismos
muito inferiores na escala biológica. Considere o caso de um inseto como a
abelha. Em algum sentido ela é capaz de perceber, representar, aprender e até
mesmo experienciar. Ela é capaz, por exemplo, de realizar uma complicada “dança”
para comunicar às outras a direção e a distância em que se encontra o alimento.
Contudo, por mais igualitárias que sejam as nossas convicções etológicas, temos
justificada dificuldade em admitir que abelhas sejam seres conscientes ou que
possuam mentes. A inclusão da consciência no gênero dos produtos experienciais
nos ajuda a compreender por que não atribuímos consciência a insetos: é que embora
possamos dizer, por exemplo, que eles percebem
o mundo ao redor, não parece haver muito sentido em se dizer que eles o experienciam,
ao menos não no sentido mais próprio da palavra, tipicamente aplicado ao complexo processo pelo qual a experiência
humana se dá. Não é usual dizermos que a abelha comunicou sua
experiência, nem que ela a adquiriu ou que aprendeu através
dela... (embora digamos usualmente que ela percebeu a presença do
nectar). O conceito de experiência é um que só se aplica qualificadamente a um
acesso objetual suficientemente complexo e sofisticado. Ele se aplica mais
propriamente a seres capazes de apreender a realidade de maneira muito mais
elaborada e flexível, tomando o grau de elaboração da experiência humana como
modelo. Essa é a razão pela qual dizemos de um hamster sedado com éter, que ele
perdeu a consciência. É que o seu acesso sensório-perceptual ao mundo ainda é
suficientemente próximo daquele do ser humano para que possamos admitir que ele
deixou de experienciar a realidade circundante. Mas se fizermos algo semelhante
com uma abelha – se pudermos paralizar o seu sistema ganglionar – não nos sentiremos
tentados a dizer que ela deixou de experienciar o mundo ou que ela perdeu a
consciência. (É fácil estender o conceito falando da experiência de uma abelha,
ou mesmo usá-lo metaforicamente para falar da experiência de um autômato, mas
isso servirá apenas para confundir.)
Uma
vantagem de entendermos a consciência reflexiva como a experiência da realidade
interna é que fica respondida a infame objeção de que a proposta de Armstrong
nos forçaria a admitir que laptops são
conscientes, uma vez que eles também são capazes de auto-escaneamento. Essa
objeção é infundada, uma vez que laptops
só são capazes de experienciar-se a si mesmos em um sentido meramente
metafórico da palavra.
Embora ser
um produto experiencial no sentido amplo possa ser visto como uma condição
necessária à consciência, o seu gênero próximo, não se trata aqui de sua
condição suficiente, pois mesmo sendo toda consciência experiência (ou produto
experiencial), nem toda a experiência é consciente. Quando sonhamos, por exemplo,
temos uma experiência que não é dita consciente, pois realmente não dizemos, no
sentido próprio, que sonhos são conscientes. Há exceções, como é o caso específico
dos sonhos lúcidos, que seriam objeto de consciência reflexiva, ou da experiência
da lembrança de uma experiência onírica, que sendo de algo que se deu e como se
deu realmente, é consciente. Mas essas exceções apenas confirmam a regra. O que
nos falta saber agora é qual seria a condição suficiente para a consciência, ou
a sua diferença específica, admitindo, por suposição, que ela exista.
Tendo em
mente as considerações acima, minha sugestão é a seguinte: em todas as suas
modalidades, aquilo que é distintivo da experiência (produto experiencial)
consciente é que ela é verídica, ou seja, é a da verdade sobre as coisas, ou, em outras palavras, das
coisas tal como estamos dispostos a admitir que elas realmente são.
A experiência consciente é a experiência da realidade. Ela é a das coisas tal como
estamos interpessoalmente dispostos a admitir que realmente são com base em
tudo o que sabemos sobre elas. O contrário da experiência consciente é a experiência deceptiva, enganosa,
ilusória.
As considerações feitas até aqui nos permitem
sugerir uma definição bastante concisa da noção geral de consciência:
(Df.C) Consciência
= experiência verídica.
Essa é a
prometida definição aristotélica de consciência em termos de genus proximum e differentia specifica. O primeiro é a experiência (produto
experiencial), a segunda é a veridicidade. Essa experiência-produto verídica,
vale repetir, pode ser tanto da realidade externa (ex.: a experiência
perceptual verídica de uma mosca na sopa) como também da realidade interna (ex.: a consciência reflexiva
verídica de um estado de espírito melancólico) ou discursiva (ex.: a
experiência não-reflexiva verídica de que 13 x 13 = 169).
Para que
esta seja realmente uma adequada definição de consciência, porém, é preciso que
os seus termos sejam entendidos de modo a não a tornar excessivamente estreita
nem larga, o que tento fazer explicando os conceitos de experiência e de
veridicidade. Sei que pode parecer pífia a tentativa de explicar um fenômeno
tão elusivo de maneira tão suscinta; no que se segue quero fazer algumas
considerações no sentido de mostrar que, longe de ser ilusória, essa definição nos
conduz ao cerne mesmo da questão.
II
Os argumentos que mais claramente evidenciam que a
essência da consciência é a experiência verídica se baseiam na consideração da
natureza da experiência dita não-consciente, como é o caso dos sonhos, além das
alucinações e ilusões produtoras de limitações, distorções, patologias da
consciência. A razão pela qual dizemos que sonhos e alucinações não são
conscientes é que eles são ilusórios. Por que os consideramos assim? Ora,
porque experiências como as do sonho não são verídicas. Elas não são
experiências da realidade no sentido de serem das coisas tal como podemos
justificadamente admitir que elas são.
Muito diversamente,
um sonho que fosse verdadeiramente premonitório, que nos informasse precisamente
algo sobre eventos futuros, poderia ser visto como possuindo a espécie de
lucidez própria de eventos conscientes, pois ele seria uma experiência
premonitória verídica, ainda que mantendo o caráter tipicamente débil e
embaçado do sonho e a circunstância de ter ocorrido em alguém que estava com o
sistema da consciência perceptual desligado. Do mesmo modo, no caso dos sonhos
lúcidos temos outra vez experiências verídicas, pois são experiências
reflexivas da ficção qua ficção. O
acesso consciente parece ser, pois, a forma verídica, não-deceptiva,
não-enganosa, de experiência-produto. Trata-se do acesso às coisas tal como
elas realmente são – ou seja, tal como estamos intersubjetivamente dispostos a
admitir que elas são, uma vez que tenhamos acesso às informações relevantes (o
que também implica que tal experiência-produto seja causada de um modo adequado
pelo seu objeto).
Essa idéia
pode ser tornada plausível tanto para a experiência externa quanto interna.
Quanto à primeira, considere o caso de uma pessoa vítima de psicose alcoólica,
que tem a alucinação perfeita de um cavalo branco. Podemos dizer que ela tem
consciência reflexiva da visão que tem do cavalo branco, pois ela tem a experiência
verídica dessa visão. Mas não podemos dizer que ela tem consciência de que
existe um cavalo branco à sua frente, pois se trata de uma experiência
deceptiva, ou seja, de algo que não é real. Ou então, considere o caso de uma
pessoa que, vítima de delirium tremens, se encontre presa a um
leito, com a mente confusa, sofrendo de alucinações visuais e táteis terrificantes,
que a tornam praticamente incapaz de reagir apropriadamente a estímulos e de
relacionar-se com o mundo e com as pessoas ao redor. Neste caso diremos que a
sua consciência global está obnubilada, que ela praticamente perdeu o contato
perceptual com a realidade. Mas por que tais experiências são insuficientemente
conscientes? A resposta é a mesma: porque elas são insuficientemente verídicas.
Elas não são experiências da realidade, das coisas em sua existência,
identidade e detalhamento.
Quanto a
casos de consciência reflexiva, considere o da paciente histérica, que tem a
experiência do desejo sexual como se fosse a de dor. Ela não está consciente do
que realmente sente, diríamos, mas apenas do que ela pensa que sente, dado que a
única realidade que está experienciando é a do que julga sentir. Considere,
também, o caso da dor hipnoticamente induzida, da pessoa que relata uma experiência
de dor como um estado consciente quando realmente nada sente. Não parece que
possamos dizer que ela é consciente de sua dor. Considere, finalmente, o caso
de um jovem que se engana constantemente acerca de si mesmo, de seu caráter, de
sua personalidade, de suas habilidades... Nós diríamos que ele possui uma
“falsa consciência” de si no sentido de que em certos aspectos, ao menos – embora
obviamente não em todos – lhe falta a experiência verídica de si mesmo.
Contra
essas considerações podem ser opostos casos de experiência não-consciente da
realidade. Sonâmbulos e pessoas em crise de epilepsia temporal precisam ter
certa experiência da realidade para poderem se desviar de objetos ou realizar
ações, mas não dizemos que eles estão conscientes ao realizá-las. Contudo, essa
objeção encontra os seus limites na consideração do fato de que a experiência
verídica que essas pessoas estão tendo é insuficiente, limitada, incompleta. Em
tais casos é comum se falar de um estreitamento do campo da consciência,
pois essas pessoas não estão sendo capazes de avaliar de forma suficiente ou adequada
as circunstâncias reais dentro das quais estão atuando (é um fato que elas
também podem se expor inadvertidamente a grandes riscos). Em tais casos também
é possível sugerir que o sonâmbulo possui consciência perceptual (“consciência
inconsciente”), mas não que possui consciência reflexiva, e que pela falta da
última dizemos que ele não é propriamente consciente. Por outro lado, na medida
em que a pessoa possui experiência perceptual, inclinamo-nos a reconhecer que
ela ainda possui um nível elementar de consciência, não muito superior, digamos,
ao de uma ovelha.
Ainda uma
objeção seria proveniente da consideração de cenários céticos, como é o caso
logicamente concebível (pace Putnam)
de sermos cérebros em cubas, vivendo uma realidade virtual produzida em nós por
um supercomputador. Em tais casos, não teremos experiência do mundo real. Mas
ainda assim, ao que parece, estaremos conscientes. Contudo, também não é
difícil responder a essa objeção. Em certo sentido, digamos, imanente da
palavra ‘realidade’, designamos como pertencente à realidade externa o que é
independente da vontade e intersubjetivamente acessível. Ora, como o cérebro na
cuba tem experiência do mundo como algo intersubjetivo e independente da
vontade, a sua experiência é a de um mundo real nesse sentido da palavra. Nesse
sentido, a experiência do cérebro na cuba será verídica, o que nos permite
dizer que ele é consciente. Ele só não está consciente da maneira que deveria
estar no caso em que soubesse que é um cérebro na cuba e que o seu mundo é
meramente ficcional. Essa consciência última, de uma atribuição não-imanente da
realidade, ele de fato não possui e com isso todos concordarão.
Uma outra
objeção diz respeito a percepções subliminares que, embora verídicas,
permanecem inconscientes. É possível responder a isso dizendo que há um sentido
em que essas percepções são conscientes. Em inglês podemos usar a palavra
‘awareness’, dizendo que embora sejamos inconscientes (non-conscious) delas, temos
certa consciência (awareness) delas.
Temos aqui também a razão pela qual a consciência perceptual também pode ser
chamada de consciência, apesar de a pessoa que a tem não precisar saber dela ou
ser consciente dela. Ela é chamada de consciente enquanto puder ser considerada
em termos de experiência verídica. E isso ela costuma sê-lo.
Suponhamos
agora que uma pessoa tenha a seguinte experiência de sonambulismo. Ela sonha
que ouviu o despertador tocar, que se levantou e que agora está escovando os
dentes. Nesse momento ela se olha no espelho e acorda, surpresa ao perceber que
estava dormindo enquanto fazia tudo isso. Ela conclui, pois, que teve todas
essas experiências, as quais eram verídicas e causadas por eventos reais, muito
embora não estivesse realmente consciente de tê-las. Como explicar? Quero
considerar duas respostas. A primeira é a de que, mesmo sendo verídicas, as experiências
que a pessoa estava tendo eram mais tênues, embaçadas e incompletas, apenas por
não virem acompanhadas de experiência reflexiva, de cognições de ordem
superior. A pessoa estava perceptualmente consciente, mas a sua consciência reflexiva
era insuficiente. A outra resposta (comum em psicopatologia) é a que se vale da
noção de integração: a pessoa percebe que acordou porque as experiências
que ela estava tendo eram mais tênues, embaçadas, incompletas, não integradas
com o todo; a consciência que se encontrava “estreitada” agora amplia-se. Uma
vez que acontece essa integração (o que Kant chamava de unidade sintética), ganhamos
consciência.
As duas respostas divergem, mas é até mesmo possível
que sejam complementares. Pode bem ser que a própria ocorrência de cognições de
ordem superior seja aquilo que possibilita a integração dos estados mentais por
ela objetivados ao todo da nossa vida mental! A própria consciência reflexiva,
como autoconsciência, poderia ter uma função unificadora e integradora dos
estados mentais. Creio que esse tenha sido um ponto vagamente antevisto por
Kant, quando observou que para existir a unidade da consciência é preciso que o
“eu penso” possa acompanhar toda a experiência.[17]
A
definição proposta também ajuda a esclarecer um ponto muito notado desde Kant,
o de que o estado subjetivo de acesso experiencial em que consiste a consciência
deve ser sempre unificado, ou, melhor dizendo, integrado, no
sentido de se tratar de uma unificação possuidora de uma complexa organização
interna. Por isso a fragmentação da consciência em grandes blocos, que ocorre
na comissurotomia, na esquizofrenia e nos discutíveis casos de múltipla personalidade,
é capaz de conduzir a uma debilitação da consciência global. Ora, a nossa
definição de consciência é capaz de explicar a razão dessa perda, valendo-se do
argumento de sabor kantiano que apresentarei a seguir.
Suponhamos
que a consciência seja de fato, como eu acredito, o mesmo que a experiência
verídica. Nesse caso a experiência precisa ser unificada, integrada, pois não parece
ser possível termos uma experiência verídica de algo sem que ela venha
conectada a muitas outras. Por exemplo: faz parte da experiência verídica que
tenho do laptop que está diante de mim, que eu o situe no domínio da
realidade externa. Para fazê-lo, contudo, preciso integrar sincronicamente
experiências co-sensoriais que estou tendo, não só as experiências visuais do
aparelho, da mesa, da sala, mas também as auditivas do martelar dos dedos no
teclado, as tácteis etc. Além disso, para identificar veridicamente esse objeto
como o meu laptop,
preciso integrar diacronicamente a minha experiência desse objeto aos dados
mnêmicos que me informam sobre as suas propriedades, os seus programas etc.
Preciso inclusive ser capaz de assumir que outros observadores teriam experiências
similares nas mesmas circunstâncias que eu, o que faço com base na repetição
passada de experiências semelhantes que foram intersubjetivamente compartilhadas.
Assim sendo, parece que podemos concluir duas coisas que importam: (i) sem
integração parece ficar impossível entender qualquer experiência como sendo verídica,
ou seja, de coisas por nós identificadas como pertencentes a certo domínio da
realidade; (ii) é possível que tal integração acabe por depender de pensamentos
(juízos) de ordem superior, em sua associação com outros juízos não-atualizados,
na formação de alguma superestrutura integradora da consciência.
Admitindo
essas considerações, a consciência global pode ser definida como:
(Df.2)
consciência global = totalidade das experiências verídicas
presentemente dadas a um organismo.
Essa definição pode ser facilmente adaptada às consciências
parciais se levarmos em conta que elas são componentes constitutivos da
consciência global. Mas há ao menos uma diferença. No caso da consciência global,
a integração é interna: ela deve se dar entre os estados subjetivos que a
constituem. Já no caso das consciências parciais, a integração deveria ser tanto
interna quanto externa, ou seja, entre os estados mentais que as constituem e
os que lhes são externos.
Podemos, por fim, redefinir as três
modalidades de consciência consideradas com base na definição de consciência
global: (a) a consciência perceptual se redefine como a experiência
resultante do acesso verídico à realidade externa, (b) a consciência reflexiva
se redefine como a experiência resultante do acesso verídico à realidade
interna, e (c) a consciência discursiva poderia ser redefinida como o
produto experiencial verídico resultante do acesso a estados de coisas que,
embora não estejam sendo presentemente experienciados, têm a sua origem na
experiência, sendo passível de rastreamento pelo pensamento e pela memória.
[1] Parafraseado por Arnaldo
Jabor em seu livro Amor é Prosa, Sexo é Poesia: Crônicas Afetivas
(Objetiva: Rio de Janeiro 2004), p. 181.
[2] J. R. Searle sugere algo próximo disso em The
Rediscovery of Mind (Cambridge University Press: Cambridge 1992), p. 83.
[3] Keith
Wilkes: “Is Consciousness Important?” British Journal of Philosophy of
Science, 35, 1984, 223-243, p. 241.
[4] Collin McGinn:
“Can we Solve the Mind-Body Problem?”, Mind 98, 1989, 349-366.
[5] Paul Churchland,
“Consciousness: The Transmutation of a Concept”, Pacific Philosophical
Quarterly, 64, 1983, pp. 80-95, p. 80.
[6] Owen Flanagan chama isso de
“método natural”. Ver seu Consciousness Reconsidered (MIT-Press:
Cambridge Mass. 1992), p. 11 e ss.
[7] A distinção propedêutica entre
consciência global e parcial é muito próxima da existente entre consciência da criatura (Rosenthal)
ou do indivíduo (Güzeldere) ou ambulante
(O’Shaughnessy), de um lado, e consciência
de estado (Rosenthal), de outro. Ver D. M. Rosenthal: “A Theory
of Consciousness”,
[8] Fatos são para alguns
filósofos entidades abstratas, não podendo ser confundidos com eventos.
Apresentei uma refutação dessa idéia no artigo “Fatos Empíricos”, sugerindo que
a palavra ‘fato’ é um termo-valise, aplicável tanto a situações ou estados de
coisas (que são entidades cuja estrutura perdura no tempo em que elas existem)
quanto a eventos ou processos (que são entidades que se modificam no tempo, as
modificações pertencendo a sua própria constituição). Devido a esse sentido
dual da palavra ‘fato’, filósofos como P. M. Strawson usaram as características
linguísticas que ela compartilha com palavras como ‘situações’ e ‘estados de
coisas’ para equivocadamente demonstrar que fatos não podem ser eventos. Ver Costa,
“Fatos empíricos”, in Textos Esparsos
(Belo Horizonte: Dialética 2021).
[9] Estou apenas virando pelo avesso um argumento
apresentado por J. R. Searle in Susan Blackmore (ed.): Conversations on Consciousness (Oxford University Press: Oxford 2006),
pp. 211-12.
[10] Ver o artigo
clássico de D. M. Armstrong: “What is Consciousness?”, in The Nature of Mind
(Cornell University Press: Ithaca 1981), pp. 55-67. Ver também o seu livro Mind
and Body: An Opinionated Introduction (Westview Press: Boulder 1999), cap.
10. Além da
consciência perceptual e (como veremos) introspectiva, Armstrong também tem o
conceito de consciência mínima, que é simplesmente a ocorrência de estados mentais,
como nos sonhos. Mas esse parece-me um sentido artificial da palavra, introduzido
por ele para distinguir elementos mínimos formadores da consciência, enquanto o
que estou tentando fazer é distinguir o que é comum às nossas variadas
aplicações ordinárias da palavra.
[11] Ver D. M. Armstrong: “What is Consciousness?”,
in The Nature of Mind (Cornell University Press: Ithaca 1981), pp.
55-67. Uma
excelente seleção dos ensaios de David Rosenthal encontra-se em seu recente
livro Consciousness and Mind (Oxford
University Press: Oxford 1965). Sobre a origem da noção de consciência reflexiva,
ver John Locke: An Essay Concerning Human Understanding (Clarendon
Press: Oxford 1975), livro II, cap. 1, § 19.
[12] Ver Jason Holt: Blindsight and the Nature of Consciousness (Broadview Press:
Ontario 2003).
[13] Benjamin Libet: “Unconscious Cerebral Initiative
and the Role of Conscious Will in Voluntary Action”, The Behavior and Brain
Sciences 8, 1985, 529-39.
[14] Stephen LaBerge: Lucid Dreaming (Ballantine Books: New York 1985).
[15] Owen Flanagan:
“Consciousness”, in W. Bechtel & G. Graham: A Companion to Cognitive
Science (Blackwell: Oxford 1998), p. 184.
[16] Ned Block define como consciência
de acesso um estado
mental cuja representação é capaz de entrar como premissa em raciocínios e ser
adequada ao controle racional da ação e do discurso. De um lado ele parece aqui
próximo de cometer a falácia de definir a consciência pelo polo conativo do
mental, mas de outro lado, a sua intenção de promover uma definição funcional
de consciência aproxima-se do que chamei de consciência discursiva. Ver Block: “On a
Confusion about a Function of Consciousness”, Behavior and Brain Sciences
18:2, 1995, pp. 227-287.
[17] Immanuel Kant: Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura), B 131-132.
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