draft para o livro Introd. hist. fil.
III
ARISTÓTELES E A METAFÍSICA
Em seu melhor o
homem é o mais nobre dos animais. Fora da lei e da justiça ele é o pior de
todos.
Aristóteles
Aristóteles
(384-322 a.C.) teve uma vida mais difícil que a de Platão. Ele nasceu em
Estagira, na Macedônia, filho do médico da corte de Amintas III, que foi avô de
Alexandre o Grande. Aos 18 anos foi para Atenas e passou os próximos vinte anos
estudando junto a Platão. Após a morte do último não lhe herdou o lugar na
academia, o que o fez deixar Atenas. Foi então para Assos, onde se converteu em
conselheiro e amigo do Tirano Hermias, casando-se com sua sobrinha Pítias. Três
anos depois ele passou algum tempo na ilha de Mitilene, onde fez observações
sobre a vida de animais e plantas acompanhado de seu amigo Teofrasto, um
botânico. Só para dar um exemplo de suas pesquisas: foi ele quem primeiro teve
a ideia de fazer um furo no ovo fertilizado de uma galinha para observar o
coração do embrião batendo, descrevendo pela primeira vez a origem de uma
criatura viva. Seu conhecimento de história natural teve influência direta nos
conceitos que desenvolveu em sua metafísica, como os de potencialidade e
atualidade, matéria e forma. Depois disso foi chamado à Pela, onde viveu por
oito anos, tendo sido, pelo que sabemos, preceptor de Alexandre.
Depois vieram os anos de sorte. Com a Conquista de toda a Grécia por Alexandre
ele pôde voltar para Atenas e fundar o Liceu, que se tornou o primeiro
instituto científico da história, recebendo consideráveis fundos do governo.
Chegou até a construir um zoológico. Nos treze anos seguintes ele trabalhou
como duramente, desenvolvendo a sua filosofia na forma madura pela qual hoje a
conhecemos. Mesmo assim as coisas não parecem ter sido sempre tão fáceis.
Conta-se que uma vez ele escreveu a Alexandre reclamando por este ter condenado
à morte um filósofo inocente. A resposta teria sido “Eu também mato filósofos”.
Aristóteles deve ter engolido em seco.
Com a inesperada morte de Alexandre, vitimado pela febre aos 32 anos, o
céu veio abaixo. Livres do domínio macedônio, os atenienses decidiram vingar-se
de estrangeiros como Aristóteles. Como a Sócrates, acusaram-no de impiedade
(desconsideração para com os deuses), o que significava pena de morte. Para
salvar sua vida ele teve de exilar-se em Assos, adoecendo e vindo a morrer
meses depois aos 62 anos de idade. Platão morreu dormindo aos 80 anos.
Aristóteles escreveu uma obra vasta opinando, certo ou errado, sobre quase tudo
o que era investigado na época. Ele fez surgir a lógica entre os gregos com a
teoria do silogismo, contribuiu para a filosofia da ciência, para a filosofia
da mente, para a teoria política e para a ética. E sua contribuição para a
metafísica foi imensamente influente.
No Diálogo Sofista Platão dividiu as pessoas entre os “amigos das
ideias” e os “gigantes da terra”. Os amigos das ideias eram pessoas razoáveis
como ele mesmo, que buscavam um mundo de coisas perfeitas e imutáveis: as
ideias. Eram idealistas geralmente versados nas matemáticas. Já os gigantes da
terra eram barulhentos e só acreditavam naquilo que podiam ver e tocar com as
próprias mãos e até mesmo espremer...[1] Não creio que Platão
tivesse em mente Aristóteles ao escrever isso, mas o fato é que este último se
distinguia do mestre pelo naturalismo e por uma forte tendência empirista, ainda
que com eventuais recaídas platônicas.[2]
1
Metafísica. A Metafísica é uma coleção de
quatorze livros que costumam tratar do que Aristóteles chamava de filosofia
primeira ou ciência buscada. Somente dois séculos e meio
mais tarde Andrônico de Rhodes, que pela primeira vez publicou as obras de
Aristóteles em Roma, teve a ideia de chamar o conjunto dos escritos
relacionados à filosofia primeira de metafísica, o que significa “depois da
física” ou “para além da física”. A razão foi talvez casual: na ordem dos
escritos, os manuscritos de filosofia primeira vinham depois da física, que
Aristóteles chamava de filosofia segunda. Mas em sendo fortuito foi um acaso
feliz, uma vez que “meta” também pode significar “além de”, “acima de”, e o
objeto da filosofia primeira era para Aristóteles superior ao de todas as
outras ciências.
O que foi chamado de Metafísica são na verdade anotações de
aula, uma barafunda confusa, textos especulativos, aporéticos, desconexos e
incoerentes, que não cessaram de quebrar as cabeças dos intérpretes nos últimos
dois mil anos, de sorte que não é possível fazer uma exposição não-controversa
desses escritos. É possível, porém, encontrar um fio condutor nas
caracterizações que ele fez de sua filosofia primeira. Eis as quatro mais
conhecidas:
1. A investigação do ser enquanto
ser,
2. A investigação da substância,
3. A investigação da causas e
princípios primeiros,
4. A investigação de Deus e da substância
suprassensível.
Essas
caracterizações se encontram interrelacionadas: A investigação do ser enquanto
ser é primariamente a da substância (a arché aristotélica).
Substâncias suprassensíveis – como é o caso do Deus aristotélico – são investigadas pela teologia, as quais são
também causas primeiras.
A substância, as causas e princípios primeiros, além de Deus como
substância suprassensível, são tópicos pertencentes ao estudo da metafísica, de
modo que dizer que a metafísica os investiga não serve como definição do que
ela seja. O que mais se aproxima de uma definição é somente (1): “A
investigação do ser enquanto ser.” Mas o que Aristóteles queria dizer com isso?
Eis sua resposta:
Há uma ciência que investiga o ser enquanto ser e os
atributos que convém a ele em virtude de sua própria natureza. Isso não é o
mesmo que qualquer uma das assim chamadas ciências especiais, pois nenhuma
delas lida de maneira geral com o ser enquanto ser – antes, cada uma recorta
uma parte do ser e investiga os atributos dessa parte. Isso, por exemplo, é o
que as matemáticas fazem.[3]
Ser
é aqui qualquer indivíduo, qualquer particular objetivamente dado, de modo que
ao investigar o ser enquanto ser Aristótelesestava querendo dizer que pretendia
investigar as coisas enquanto elas mesmas – o que ele chamou de substâncias
primeiras – além de tudo aquilo que o envolve, ou seja, daqueles atributos gerais
que lhe são mais peculiares.
Ciências especiais, diversamente da
metafísica, investigam classes de substâncias e aquelas propriedades que lhe
são específicas. Hoje diríamos que a física estuda a matéria e suas
propriedades específicas, a biologia estuda os seres vivos e suas propriedades
específicas, a matemática investiga os números e suas propriedades relacionais
específicas. Mas a metafísica investiga a natureza dos indivíduos (substâncias)
em geral, quaisquer que eles sejam, além de tudo aquilo que os envolve, como
suas mais peculiares propriedades ou atributos. Em resumo: a metafísica
investiga tudo o que envolve indivíduos em geral, por ele chamados de
substâncias, as quais são entidades que percorrem domínios os mais diversos, o
que a torna, digamos assim, “tópico-neutra.”
O ponto fica mais claro quanto comparamos as sugestões de Aristóteles com as
investigações feitas pela metafísica contemporânea. Essa última trata daquilo
que não é investigado por nenhuma das ciências particulares, mas que é sempre
pressuposto em suas investigações, aparecendo em suas terminologias sem ser
questionado. São questões que atravessam as variadas ciências particulares, daí
podermos dizer que também concernem à moldura através da qual pensamos o
universo. Como bem definiu A. E. Taylor há mais de um século, a metafísica deve
expor os “princípios estruturantes universais sem os quais não poderia existir
nenhum sistema ordenado de objetos conhecíveis”.[4]
Essas caracterizações ficam mais claras quando consideramos alguns exemplos de
conceitos investigados pela metafísica contemporânea:
Propriedade, causalidade, espaço e tempo, objetos
materiais, número, existência, necessidade, possibilidade, o todo e a parte,
princípios lógicos universais...
No
interior das ciências particulares falamos o tempo todo de propriedades,
existências, relações causais, números, etc. Considere o caso das propriedades:
tudo o que existe possui propriedades. Existem propriedades matemáticas, físicas,
químicas, biológicas, psicológicas e sociais, embora nenhuma ciência particular
objetive explicar o que é uma propriedade. Considere o caso das relações
causais: todas as ciências particulares empíricas consideram em seu vocabulário
relações causais entre os fenômenos por elas estudados, sem nunca tematizar o
que seja a causalidade. Os fenômenos por elas estudados ocorrem sempre no
espaço e no tempo, mas só a metafísica investiga os últimos. Finalmente, todas as
ciências consideram números de entidades, sejam elas matemáticas, físicas,
químicas, biológicas ou sociais… e também consideram a existência ou
inexistências das entidades pertencentes aos seus domínios... Fica claro que
embora todas essas ciências apliquem conceitos como indivíduo, propriedade,
causalidade, número e existência – conceitos investigados pela metafísica –
nenhuma delas se ocupa da investigação da natureza e função desses conceitos ou
das relações que eles possam ter entre si. Mais ainda, esses conceitos são hoje
geralmente considerados como sendo empíricos, embora não pareçam ser tais pelo
fato de que seu campo de aplicação ser tão amplo que eles dizem respeito, senão
a tudo o que existe, ao menos a grande parte do que existe.
Aristóteles merece o crédito de ter sido a primeira pessoa a perceber que
conceitos pertencentes a âmbitos de aplicação os mais diversos demandam uma
investigação própria: a de sua filosofia primeira. Como e o quão
justificadamente ele à desenvolveu é outra questão.
2
Substância. Comecemos, pois, considerando o conceito aristotélico mais
fundamental, que foi o de substância (ousia). Como
Aristóteles chegou até ele? A resposta é que ele foi particularmente movido
pelo exame da estrutura da linguagem. Ele pressupôs que a estrutura da
linguagem representativa fosse capaz de refletir a estrutura última da
realidade.
Ora, a mais fundamental unidade
do dizer em nossa linguagem é a frase predicativa singular. Por exemplo:
“Sócrates é calvo”, “Veneza é uma bela cidade”, “Este cão é um caramelo”. Tais
frases tem a forma Fa, onde F é um predicado com
respeito a uma propriedade e a é um sujeito com respeito a um
indivíduo. Para Aristóteles o predicado se refere a um atributo ou propriedade,
como veremos mais tarde. Mas o sujeito se refere ao que ele chamou de ousia,
que significa ‘o ser’, o que é ou existe no sentido mais forte da
palavra. Por vezes Aristóteles usou também a palavra ‘hypokeímenon’,
que significa “o que está sob,” o que deu origem à enganosa tradução latina
de ousia como ‘substância’ (sub-stare = ‘estar sob’). Para
Aristóteles a substância (ousia) é o que há de mais fundamental porque
é o que existe sem precisar de outras coisas para existir. Essa
independência se demonstra gramaticalmente no fato de que a substância pode
ser repositório de muitos predicados, mas não pode ser predicada de nada.
Em um exemplo: Se digo que Sócrates é sábio, a sapiência de Sócrates precisa de
Sócrates para existir. Mas Sócrates não precisa ser sábio para existir. Mais
além, posso predicar de Sócrates muitas propriedades (é filósofo, baixinho,
barbudo, calvo, tagarela...), mas não posso usar o nome próprio Sócrates para
predicar coisa alguma. Mesmo uma frase como “Aquele é Sócrates”, onde Sócrates é
o predicado aparente, se analisada com os recursos da lógica contemporânea, fica
sendo “Aquele homem = (é o mesmo que) Sócrates”, formalmente “a = b”, onde ‘=’
(é o mesmo que) é um predicado relacional. Logo, parece que o indivíduo
Sócrates é a substância, a ousia, o existente primário.
O fato de a substância ser aquilo que é referido pelo termo singular não é
suficiente para que possamos identificá-la de forma precisa. Uma frase como “O
ócio é o humus do espírito” tem como sujeito ‘o ócio’, mas ele não se refere a
uma substância. Aristóteles precisava, pois, descobrir critérios de
identificação mais adequados para o que ele queria entender como sendo aquilo
que existe sem precisar de outra coisa para existir. Podemos distinguir pelo
menos dois momentos no desenvolvimento desses critérios: os de sua exposição nas Categorias e,
posteriormente, em sua Metafísica.
No texto inicial, que é o das Categorias, Aristóteles distinguiu
dois sentidos da palavra ‘substância’. O sentido próprio é o que ele chamou de
(i) substância primeira. Trata-se aqui do indivíduo espaço-temporalmente
localizável, do particular concreto, como Sócrates ou Bucéfalo. Quando digo
“Sócrates é sábio” estou me referindo ao indivíduo de nome Sócrates que em um
certo momento se encontra em um lugar específico. Mas há também um sentido
complementar do termo substância, que Aristóteles chamou de (ii) substância
segunda. Trata-se da espécie de coisa à qual o indivíduo
referido essencialmente pertence. No caso de Sócrates trata-se do fato de que
ele é um ser humano. Assim, se digo “Sócrates é um homem” estou por meio do
predicado ‘...é um homem’ me referindo à substância segunda.
No texto da Metafísica Aristóteles revelou-se insatisfeito com a
definição de substância apresentada nas Categorias. A razão é que já
em sua Física ele passara a contrastar a identificação da
substância primeira com o indivíduo particular por meio da distinção por ele
introduzida entre forma e matéria do indivíduo, com o objetivo de
explicar a mudança. Sem entrar em detalhes podemos definir provisoriamente a
forma como a estrutura que faz um indivíduo ser o que ele é, enquanto a matéria
é aquilo de que ele é composto, dado que essas são noções intuitivas,
certamente anteriores a Aristóteles. Com base nisso a pergunta que Aristóteles
se fez é se a substância é primariamente (a) a matéria do indivíduo, (b) a sua
forma (como espécie ou como gênero), ou (c) o composto da
forma e da matéria desse indivíduo.
Contra (a) deve ser feita uma importante consideração. A substância não pode
ser a matéria tomada isoladamente, pois sempre que falamos da matéria temos de
nos referir a uma forma. Assim, uma esfera de cobre possui a forma esférica e
sua matéria, o cobre, é aquilo de que a esfera é feita... Um ser humano possui
uma matéria de ossos, músculos, gordura, etc.
Contudo, ao explicitarmos a matéria dessas formas vemos que elas só são capazes
de serem apreendidas como formas: o cobre é um metal cuja matéria é o elemento
de número atômico 29, que é enquanto tal uma forma, enquanto a matéria do
músculo, por exemplo, é a forma de miofibrilas proteicas.
No
livro VI Aristóteles fez uma interessante experiência em pensamento, retirando
uma a uma as propriedades de um indivíduo particular de modo a tentar fazer
restar só a matéria.[5] O resultado é que
simplesmente nada de dizível ou cognoscível restou! Como ele mesmo concluiu: “A
pura matéria destituída de qualquer forma é incognoscível”.[6] Se a substância fosse
apenas a pura matéria (chamada pela tradição de ‘matéria prima’) ela seria
incognoscível. O resultado é que a alternativa (a) deixa de ser aceitável. O
problema de se definir a substância passa a ser então o de escolher entre (b)
a forma (ou formas), ou (c) o composto de
forma e matéria.
Podemos chegar a uma resposta analisando uma muito citada passagem da Metafísica,
na qual ele sugere dois sentidos fundamentais no entendimento do que é a
substância:
Segue-se que substância tem dois sentidos: (i) um
substrato último que não é mais predicado de coisa alguma. Uma substância é
(ii) um esse tal-e-tal (tode ti) separável – que por natureza é a feição
ou forma de qualquer coisa.[7]
Comecemos
analisando a primeira frase da citação: “uma substância é um substrato último
que já não é mais predicado de coisa alguma”. Essa frase parece indicar
sobretudo matéria como substrato último. Com efeito, da matéria como substrato
último nada pode ser predicado, uma vez que ela não se deixa sequer explicitar
pela linguagem.
Fazendo um aparte, podemos aqui nos
perguntar sobre a referência de um nome próprio como ‘Sócrates’. Imagine que
Platão queira apresentar Sócrates a alguém e diga: “Esse é Sócrates”. Esse
proferimento pode ser explicitado como: “Isso tem as múltiplas propriedades com
base nas quais aplicamos-lhe o nome ‘Sócrates’.” Esse parece ser um equivalente
ao que o filósofo W. V-O. Quine parafrasearia como “Isso socratiza”, onde o
nome ‘Sócrates’ aparece como um predicado que representa as múltiplas
propriedades que o individuam. Mas nesse caso parece que sequer o nome
‘Sócrates’ serve para fazer referência à substância como o indivíduo que é
“sujeito último e que já não é dito de qualquer outra coisa”. Parece, pois, que
a única maneira de nos referirmos à substância primeira não predicável é usando
o pronome demonstrativo ‘esse’ que, com ajuda de um gesto, apenas indica uma
certa região espaço-temporal. Com efeito, enquanto tal, o ‘esse’ não pode ser
predicado de coisa alguma. Se aponto para algo e digo “Esse é esse”, só posso
estar dizendo “Esse = (é o mesmo que) esse”, o que não transforma o ‘é esse’ em
um predicado.
Se estou certo então essas constatações facilitam a interpretação da segunda
frase da citação de Aristóteles: “Uma substância é aquilo que é um esse
tal-e-tal e que também é separável”. Essa segunda caracterização é a mais
completa e abrange também a primeira, resolvendo para Aristóteles o problema da
definição da substância. Isso é possível porque a expressão demonstrativa “esse
tal-e-tal” aponta para o que pode ser capturado pela linguagem. Como? Ora,
primeiro através da localização espaço-temporal obtida pelo uso do
demonstrativo ‘esse’. Depois através do ‘tal-e-tal’, que está no lugar de alguma
atribuição a ser acrescentada à referência do demonstrativo. Em outras
palavras: com o demonstrativo ‘esse’ nós nos referimos a um algo, a um
indivíduo espaço-temporalmente localizado, sem determiná-lo através de
propriedades – algo sobre o que a única coisa que sabemos é que se trata de pura
matéria espaço-temporalmente localizada. Mas se nós nos limitássemos a
definir a substância como qualquer coisa que seja espaço-temporalmente
localizável apenas pelo demonstrativo ‘esse’, estaríamos condenados a deixá-la
fora da linguagem. Contudo, isso não acontece, pois podemos acrescentar ao
local indicado pelo demonstrativo ‘esse’ o tal-e-tal através do qual predicamos
uma propriedade. Mas que propriedade, afinal, deve ser esse tal-e-tal? Trata-se,
para Aristóteles, da essência definível do sujeito indicado, ou seja, de
sua forma substancial, que para ele (como um bom biólogo) era
primordialmente a predicação de uma espécie (ou gênero) da zoologia ou botânica.
Exemplos: “esse homem”, “aquela rosa.” Essa forma substancial poderia ser
estendida a indivíduos físicos como Marte (um planeta) e o Sol (uma estrela) e
mesmo, talvez, a artefatos como uma certa cama.[8]
Posso tornar o ponto mais claro mediante um exemplo. Suponha agora que
nos encontremos diante de Sócrates dizendo: “Isso é um homem”. Essa é uma frase
do tipo “esse tal-e-tal.” Através dela indicamos um algo que enquanto tal não
pode ser predicado de coisa alguma e a seguir predicamos desse algo a
humanidade. Pois bem: uma substância no sentido mais próprio é uma coisa
qualquer localizada, à qual se atribui uma forma substancial, que
para Aristóteles nada mais é do que a espécie à qual a coisa, o
substrato, pertence. No exemplo dado essa espécie é a humana. A substância é
assim capturada pela linguagem como uma pura matéria localizada, contendo uma
forma que é uma essência (toti ên einai). Aristóteles entende essa
essência como sendo algo susceptível de definição.[9] Afinal, ele definiu o ser
humano como “um animal racional.” Assim, se digo “Isso é um homem”, estou
dizendo o mesmo que “Isso... é um animal racional”, ou seja, estou oferecendo
duma definição real do indivíduo designado pelo demonstrativo ‘isso’ como sendo
um animal racional. Como é bem sabido, para Aristóteles uma definição real
seria aquela na qual distinguimos a diferença específica de um gênero
próximo, a diferença específica sendo um subconjunto pertencente ao próximo
conjunto mais geral, que é o gênero próximo. Aqui o gênero próximo é o da
animalidade e a diferença específica é a da racionalidade. A espécie natural, à
qual pertence o que é indicado pelo ‘isso’, é aqui a dos animais racionais.
Finalmente, faltou ser considerada a segunda condição da frase (ii), segundo a
qual a substância “também é separável”. Ele quer dizer com isso que ela é
ontologicamente fundamental no sentido de que a substância como um todo
apresenta uma unidade e independência intrínsecas. Ela não é um mero agregado
como no caso de um monte de lixo, nem é parte de algo, como uma mão, nem é algo
dependente, como a palidez de Sócrates... Espécies naturais são modelos de
substâncias por serem separáveis.
Podemos agora concluir. A substância aristotélica não pode ser exclusivamente
(a) a matéria do indivíduo, uma vez que a pura matéria é em si mesma
incognoscível e indizível. A substância deve ser (c) o composto da
matéria – indicada pelo demonstrativo ‘esse’ – e da forma – indicada pelo seu
complemento como sendo o ‘o tal-e-tal’ – ou seja, a espécie como forma
substancial ou essência definível. Como a espécie pode ser dita de muitas
coisas (por exemplo, dos muitos homens que são seres humanos, e não apenas de
Sócrates), a substância precisa ser o composto, pois só assim a forma se
individua na matéria. A interpretação (c) é, afinal, a mais razoável.
Aristóteles não parece ter concordado com isso, reservando um lugar
privilegiado para a interpretação (b) da substância simplesmente como forma. A
razão parece ter sido que ele queria reservar um lugar especial para a forma
como espécie substancial porque acreditava existirem substâncias que são formas
sem matéria, como é o caso de seu Deus, das esferas celestes e da própria razão
humana. Trata-se, ao que parece, de uma recaída no platonismo com a qual não
precisamos concordar.
3
Formas
aristotélicas. Como vimos, a
substância (ousia) pode ser analisada como uma combinação de matéria (hylê),
exemplificada como o referente do “isso”, e de forma (eidos ou morphê),
exemplificada pelo referente de o “tal-e-tal”. A forma é aqui o remanescente da
ideia platônica. Assim como para Platão nós só podemos adquirir conhecimento do
mundo visível porque ele contém cópias imperfeitas das formas, Aristóteles irá
dizer que é pela forma que identificamos as coisas do mundo visível, mas sem
pretender que existam formas (ou ideias) separadas da matéria, como fazia o
último. Diversamente de Platão, para Aristóteles a forma só existe no
particular, no indivíduo, mas de modo idêntico a Platão, para Aristóteles é só
a forma que torna o indivíduo inteligível. É a forma que permite caracterizar a
substância como possuindo uma unidade intrínseca, como sendo algo determinado,
algo que subsiste por si e separadamente das outras coisas. Assim, a matéria de
uma esfera de cobre é o conteúdo material do cobre. A matéria de um corpo
humano era para Aristóteles formada de uma composição de elementos como terra,
água e fogo ou, para nós, de moléculas de água e da química do carbono. A
matéria do estado, segundo Aristóteles, é dada por sua população, enquanto a
sua forma é dada por sua constituição... Contudo, como já vimos, a matéria
também pode ser vista como forma, o que a torna cognoscível. O conteúdo
material da bola de cobre é formado por moléculas de cobre. A água do corpo
humano é formada por moléculas. A população de um estado é formada por pessoas.
Tudo isso são formas, mas de modo mais homogêneo. Notamos então que o grau de
similaridade entre os componentes tende a aumentar. Para tornar essa intuição
mais convincente, considere as partículas subatômicas como a matéria, ou ainda,
as microcordas, imaginando que a teoria das cordas seja verdadeira. Nesse
último caso todo o universo poderia ser visto como sendo composto de uma mesma
matéria, que seriam as microcordas. E o resultado seria uma grande
homogeneidade. Por isso podemos dizer que ao final a forma é o responsável pela
heterogeneidade das determinações específicas, ou seja, pela diversidade de
tudo o que existe no mundo.
4
Categorias. Aristóteles adicionou à predicação da forma
substancial mais nove gêneros supremos por ele chamados de categorias (katêgoria =
predicado), que ele teria já encontrado em Platão. As categorias são as classes
fundamentais do que pode ser predicado da substância primeira, refletindo
classes fundamentais de coisas realmente existentes no universo. Por isso, sempre
que predicamos nossa predicação pertence a alguma categoria. Considere, por
exemplo, a categoria aristotélica de qualidade: a cor vermelha
pertence à qualidade de cor; um círculo pertence à qualidade de forma; mas
tanto a cor quanto a forma pertencem à mesma categoria geral de qualidade. Em
conjunto, as categorias podem ser dispostas na seguinte tábua:
Substância Exemplo:
“(esse) ser humano” (Sócrates).
Qualidade é sábio,
Quantidade tem 1,60 m de
altura,
Relação
é Casado com Xantipa,
Onde
está na Ágora,
Quando
pelo meio-dia,
Posição
de pé,
Ter segura
um bastão,
Fazer
está
falando,
Ser afetado está sendo amofinado.
Para
Aristóteles, tudo o que podemos dizer de mais genérico sobre a substância se
deixa designar por esses predicados categoriais. Assim, apontando para Sócrates
(o indivíduo, a substância primeira das Categorias) eu posso
proferir uma frase do tipo “Esse tal-e-tal”, no caso, “Isso é um homem”,
indicando a substância segunda, que é a substância como forma
substancial do indivíduo, a qual é também uma essência definível (homemdf =
animal racional). Mais além, eu posso dizer que esse homem (Sócrates) é sábio
(predicando-lhe uma qualidade), que ele tem 1,60 m de altura ou que pesa 68 Kg.
(quantidade), que é marido de Xantipa (relação), que se encontra na Ágora
(onde) na manhã do dia 23 de julho do ano 398 a.C. (quando), que está de pé
(posição), que segura um bastão (ter), que está falando (fazer) e que está sendo
inquirido (está sendo afetado).[10]
Aqui já podemos considerar uma propriedade da substância que terá grande
importância no sistema de Aristóteles. Trata-se do fato de que a substância
serve de substrato para a mudança. Como suporte para as outras categorias, a
substância deve poder permanecer a mesma no tempo enquanto as outras categorias
se modificam. Por exemplo, esse ser humano, Sócrates, é o mesmo e dele predicamos
a sapiência. Mas não predicamos a sapiência dele quando ele era criança, nem
que enquanto criança ele tinha 1,60 m de altura e era casado com Xantipa. Além
disso, quando bebê ele não ficava de pé; ele andava de gatinho e sequer sabia
falar. Mesmo assim, o Sócrates criança é certamente o mesmo Sócrates foi
condenado a beber cicuta aos 70 anos. Contudo, em todos esses momentos podemos
dizer que ele foi um ser humano, predicando dele uma mesma forma ou
essência substancial.
5
Universais. Um problema que surge aqui é o quanto tem a ver a
forma aristotélica com as ideias de Platão. Seriam as formas substanciais
aristotélicas universais abstratos[11] ou propriedades
individuais de coisas individuais? Há evidências textuais a favor de ambas
alternativas, o que tem dividido os intérpretes. Segundo a primeira alternativa
a forma aristotélica seria algo comum a um número maior ou menor de
indivíduos, ainda que, diversamente da ideia platônica, seja sempre
dependente deles para existir. Como ele escreveu na Metafísica:
O que resulta, enfim, é uma forma de determinada
espécie, realizada nessas carnes e ossos: por exemplo Cálias e Sócrates; e eles
são diferentes pela matéria (ela é diversa nos diversos indivíduos), mas
são idênticos pela forma (a forma é, de fato, indivisível).[12]
Essa
passagem é consistente com a constatação de Aristóteles de que só os universais
são definíveis e nunca o indivíduo; por conseguinte, a forma substancial não
pode ser uma coisa individual. Isso justifica a observação de que a diferença
entre a ideia platônica e a forma aristotélica é que se o mundo deixasse de
existir as ideias platônicas continuariam a existir, enquanto as formas
aristotélicas desapareceriam. A forma aristotélica funciona aqui como se fosse um
único lençol transparente, firmemente colado a todos os objetos que dela
compartilham. O problema é que, caso adotada, essa sugestão conduz Aristóteles
a problemas ainda maiores do que os considerados por Platão em a sua doutrina
das ideias. Como pode, afinal, a forma universal de Aristóteles permanecer a
mesma e ainda assim se dividir entre os muitos objetos aos quais se aplica?
Aristóteles não foi consistente com essa sugestão. Na seção 13 do livro Z da Metafísica ele
ofereceu uma série de argumentos que parecem destrui-la. A alternativa consiste
em se admitir que uma nova e qualitativamente idêntica forma substancial se
repete em cada indivíduo que dela é dito compartilhar, o que a aproximaria
da ontologia dos tropos que discutiremos no final desse livro (Cap. XIX).
Aristotélicos
medievais embarcaram nessa. Eles sugeriram que não existem universais nas
coisas físicas (in rebus). Eles existem somente antes das coisas (ante
rem) na mente divina e depois das coisas (post rem) na mente humana.
Todavia, não parece que as nossas mentes (que a ciência hoje reconhece como
sendo materiais e finitas) tenham lugar para o universal abstrato post
rem.
6
A
mudança. Desde Heráclito
tornou-se aceito que o mundo sensível é caracterizado pela mudança, movimento,
transformação. Para explicar o que é a mudança Aristóteles lançou mão de uma
nova dualidade conceptual: a distinção entre potência (dunamis)
e ato (energeia). A potência é definida como a
capacidade de vir a ser, enquanto o ato é simplesmente a capacidade de ser.
O mais
fácil exemplo explicativo é o de uma semente. Ela pode dar origem a uma
laranjeira. Uma outra semente, quase igual à primeira, pode dar origem a um limoeiro.
Sementes diversas tem o potencial de se transformar em coisas diversas. A
semente da laranjeira é a laranjeira em potência, que posteriormente se
transforma na laranjeira em ato. Para Aristóteles as substâncias são em geral constituídas
não só de matéria e forma, mas ao mesmo tempo de potência e ato. Contudo, há em
toda substância uma correlação entre o que dizemos ser matéria e potência de um
lado e o que dizemos ser forma e atualidade de outro. A substância é ato na
forma que presentemente possui. Mas ela é também potência na capacidade que
possui de atualizar-se em outra forma. Por exemplo: uma semente tem a
potencialidade de se transformar em uma árvore, mas ela não é árvore em ato,
mas apenas em potência. A árvore foi semente em potência, mas agora é árvore em
ato: ela adquiriu essa forma. Para Aristóteles matéria e forma podem ser até
mesmo consideradas uma só coisa em diferentes aspectos. Pois a matéria é
forma em potência, enquanto a forma é a matéria que se atualizou. A matéria
é atualizada pela forma, que por sua vez atualiza a matéria.
A distinção entre ato e potência permitiu a Aristóteles responder à afirmação
de Parmênides de que o ser é imutável, pelo fato de que do não ser não pode
advir o ser, caso contrário o não-ser seria, e do ser não pode advir o não-ser,
a menos que o ser não seja. Aristóteles discordava. Sua resposta foi a
seguinte: O ser pode advir do não-ser porque o não ser já é ser em
potência, enquanto o não-ser pode advir do ser porque o ser já é não-ser
em potência. Por isso, pensava ele, a mudança é no final das contas a
passagem do ser para o ser; ela é a passagem do ser em potência para o ser
em ato.[13]
À sua explicação da mudança Aristóteles adicionou a famosa teoria das quatro
causas, que pode ser facilmente tomada por um arcaísmo filosófico. Mas essa
confusão só acontece quando confundimos seu conceito de causa com nosso
conceito atual de causa eficiente. Na verdade, trata-se de uma teoria dos elementos
envolvidos na explicação da mudança, na medida em que ela tiver caráter
teleológico. Esses elementos são chamados de causa material,
causa formal, causa eficiente e causa final.
Para tornar isso claro, imagine que um artífice pretenda esculpir uma estátua.
Ele precisa primeiro de uma pedra de mármore. Essa é a causa material. Além
disso ele precisa ter uma ideia do que pretende fazer, por exemplo, uma estátua
do deus Apolo. Essa é a causa formal, a forma ainda não atualizada. Além disso ele
precisará trabalhar no bloco de mármore de modo a esculpir a estátua do deus
Apolo. Essa é a causa eficiente. Por fim, a estátua do deus Apolo deverá ser
colocada no templo, de modo a servir como objeto de adoração: essa é a assim
chamada causa final – o propósito de toda a ação.
A teoria das quatro causas não serve apenas para explicar as ações humanas
intencionais. Ela também serve à biologia de Aristóteles. Assim, um pequeno
arbusto para crescer e se transformar em uma árvore precisa de uma matéria, a
madeira da qual é constituído. Mas ele também precisa de uma forma: o arbusto
tem a finalidade inscrita em seu material genético de se transformar em árvore.
Para que isso aconteça também são envolvidos elementos constitutivos da causa
eficiente: é preciso haver luz, água e elementos nutritivos adequados para que
o arbusto se transforme em árvore. Há, finalmente, a causa final: a árvore
servirá para dar frutos de modo permitir a continuação da espécie à qual
pertence.
A teoria das quatro causas não serve, obviamente, para explicar eventos causais
no mundo físico. Se um asteroide por acaso cai sobre o planeta Júpiter, ele não
tem a finalidade de cair no planeta Júpiter, nem é o caso de que dessa maneira
ele realize alguma finalidade, digamos, a de aumentar minimamente a massa desse
planeta gigante. Se restrita aos seus limites próprios a teoria das quatro
causas parece perfeitamente coerente.
7
Teologia. Uma última questão diz respeito ao Deus aristotélico, a
dizer, à definição de metafísica como teologia e investigação das causas
últimas. O argumento se inicia com uma questão acerca do tempo. Teve o tempo um
início? A resposta é que se o tempo tivesse um início então não faria sentido
perguntarmos o que havia antes do tempo. Mas ao usarmos a palavra ‘antes’ já
estamos pressupondo o tempo. O mesmo acontece se nos perguntarmos se o tempo
teria um fim. Nesse caso será possível perguntar o que acontecerá depois do
tempo. Mas ao usar a palavra ‘depois’ nós também pressupomos o tempo. A
conclusão é que o tempo não tem nem início nem fim: o tempo é eterno.
Aristóteles
também percebeu que a passagem do tempo é intrinsecamente ligada à mudança, ao
movimento. Com efeito, nós marcamos o tempo através de relógios que se valem de
mudanças cíclicas com idêntica duração. Era assim nos tempos primevos, quando
os homens contavam os dias através da passagem do Sol e os anos através das
estações. E é assim é também hoje, quando podemos fazer uso de relógios
atômicos. E quando percebemos o passar do tempo é porque a natureza nos dotou
de relógios biológicos internos. Daí segue a conclusão de que a mudança também
é eterna, posto que o tempo, que é eterno, depende dela. E daí também se segue
que em um mundo sem mudança o tempo também não poderia existir.
Tentando conceber um tempo sem mudança, imagine que nosso universo inteiro se
congele por um ano, permanecendo durante todo esse tempo sem qualquer mudança.
À primeira vista isso parece possível. Mas quando imaginamos isso é porque já
nos concebemos postados fora do universo, de uma perspectiva sob a qual somos
plenamente capazes de averiguar a passagem do tempo, por exemplo, por
possuirmos relógios capazes de medir a passagem de um ano. Contudo, nesse caso
não estamos considerando mais o universo como um todo, pois nós e nossos
relógios, que estamos cá fora, também devemos pertencer ao universo como um
todo. A conclusão é que não faz sentido dizer que o universo, agora entendido
como absolutamente tudo o que existe possa ficar congelado por um ano, pois ele
não poderia incluir relógios capazes de marcar esse tempo. Parece, pois, que
Aristóteles tinha razão.
Tendo concluído que o tempo e a mudança são eternos, Aristóteles se perguntou
sobre a causa última de todas as mudanças, de todos os movimentos, que para ele
não é mera causa eficiente, mas causa final, um telos. Ele pensava
que se o tempo-mudança é eterno, então a causa do tempo-mudança precisa ser
também eterna. Contudo, aquilo que origina as sequências causais não pode ser
algo temporal, pois a admissão disso implicaria em uma causa dessa causa e em
uma progressão infinita de causas finais. Ora, para os gregos, a ideia de uma
progressão realmente infinita era absurda. Como conclusão, deve existir uma
causa que seja incausada, um movente imóvel, que Aristóteles chama de Deus (theos).
Se tempo e mudança se encontram intrinsecamente ligados, a causa incausada é
causa do próprio tempo. Essa causa incausada deve possuir três características:
ela precisa ser eterna, imóvel e ato puro. Se não
fosse eterna, o tempo-mudança que ela causa não seria eterno. Se fosse móvel
ela seria causada e não seria mais a causa primeira, o primo motor. Se
contivesse matéria ela teria potência e seria capaz de mudança. Logo, ela deve
ser ato puro. Assim, ela deve ser o motor imóvel do universo, sendo por meio
dela que Aristóteles oferece a razão última do mundo sensível.[14]
Mas então, como é possível que o Deus aristotélico movimente sem se movimentar?
Ora, precisamente porque ele não é causa eficiente, mas causa final. Para
Aristóteles, da mesma forma que somos atraídos pelo bem e pelo belo, somos
atraídos por Deus. O primo motor move o mundo da mesma forma que o
objeto amado atrai o amante. Motivado pelo que ele figurativamente chamou de
“amor” é o mundo que se move em direção a Deus.
Quanto a esse Deus imaterial, direcionador do universo, Aristóteles especula
que ele deva ser puro pensamento. Como esse pensamento deve ser
perfeito, ele não pode pensar em nada que seja inferior a si mesmo, pois
fazê-lo seria degradar-se. Por isso ele só pode ser o pensamento que se pensa a
si mesmo, o pensamento do próprio pensamento.
Estamos aqui muito longe do Deus pessoal da cristandade, que criou o
mundo e responde aos clamores humanos e mesmo das deidades mitológicas, que
intermediavam as ações humanas nos poemas épicos que os gregos tanto prezavam.
O Deus aristotélico não se preocupa com o mundo, não interage com ele. Somos
nós que, em nossa busca de perfeição, movemo-nos em direção a ele.
Como se tudo isso não bastasse. Aristóteles adicionou que se Deus é pensamento
então ele é vivo. Afinal, pensamento e inteligência são inerentes à vida. Como
ele escreveu:
Se nessa feliz condição em que às vezes nos
encontramos Deus se encontra perenemente, isso nos enche de maravilha. E se ele
se encontra numa condição superior é ainda mais maravilhoso. E ele se encontra
efetivamente nessa condição. E ele também é vida porque a atividade da
inteligência é vida. E ele é precisamente essa atividade. E essa atividade
subsistente por si é vida ótima e eterna.[15]
Diversamente
do Deus cristão, o movente último aristotélico não pode ser onisciente nem
onipotente, posto que ele nem pensa o mundo nem opera sobre ele. Mas ele não é
só eterno como também onipresente: para Aristóteles esse último movente imóvel
está em todo o universo e tudo faz mover e, sendo assim, também se encontra também
dentro de nós, induzindo-nos à busca da perfeição. Deus, como o pensamento do
que há de mais excelente (ele mesmo) é pura felicidade e em sua contemplação
também consiste a nossa maior felicidade.
Aristóteles queria saber quantas substâncias imóveis existem na esfera celeste
e foi perguntar a um amigo astrônomo. Como o número de movimentos celestes
rotatórios eternos é 55, o número de substâncias imóveis subjacentes a esses
movimentos deve ser o mesmo. Mas ele acreditava haver além disso uma causa
incausada superior às outras, capaz de ordená-las e que seria o movente último,
o primo motor. O cristianismo transformou o primo motor aristotélico
em Deus e as outras substâncias puras em inteligências angélicas.
Einstein acreditava que as ideias vêm de Deus, que se demonstra nas leis
eternas que regem o universo. Ingmar Bergman notou que Deus está no coração dos
homens. C. S. Peirce postulou uma questionável evolução por amor criativo
operando no cosmo (o agapismo). Teóricos do caos falam de organização
espontânea e de atratores estranhos. Apesar de a terceira lei da termodinâmica
prever a morte do universo pelo constante e inevitável aumento da entropia, há
princípios de organização, como o da criação da vida, que concentram energia, embora
na função de aumentar a entropia (a dissipação de energia) do sistema como um
todo. Ainda assim, não é certo que algo como o conceito aristotélico do Deus
seja pura metáfora poética inteiramente irresgatável. Não é impossível que
existam mais coisas entre o céu e a terra do que nossa vã ciência nos tem
permitido admitir.
8
Leis
da lógica. Para Aristóteles
os princípios lógicos fundamentais também pertencem à metafísica, dada a sua
ubiquidade. Ele defendeu famosamente o princípio da não-contradição como sendo
o mais fundamental no livro IV da Metafísica. Em sua versão
ontológica o princípio diz que não é o caso que uma coisa seja ela mesma e
diferente dela mesma ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva.[16] Quem quiser negar
esse princípio, escreveu ele, deverá ficar mudo feito um tronco de árvore, pois
não poderá dizer coisa alguma, uma vez que afirmar algo será o mesmo que
negá-lo. Essa pessoa não conseguirá sequer negar o princípio, pois ao rejeitá-lo,
assumindo sua falsidade, fará tanto quanto afirmá-lo. O princípio da
não-contradição pode ser também linguisticamente expresso como dizendo que um
enunciado não pode ser verdadeiro e falso no mesmo sentido. Formalmente ele
pode ser expresso como ~(A & ~A).
O princípio da não-contradição é complementado por outros dois: o princípio da
identidade e o do meio excluído. O princípio da identidade nos diz
(ontologicamente) que uma coisa é ela mesma ou (linguisticamente) que o
sentido de um enunciado conserva seu valor-verdade. Formalmente podemos
escrevê-lo como A → A.
O princípio do meio excluído, por sua vez, nos diz (ontologicamente) que ou uma
coisa é ela mesma ou ela não é ela mesma, não havendo uma terceira alternativa;
ou ainda, ele nos diz (linguisticamente) que um enunciado, no mesmo sentido,
é verdadeiro ou falso, não havendo meio termo. Ele pode ser formalmente
apresentado como “A v ~A”. Os três princípios são logicamente
equivalentes, pois se uma coisa é ela mesma (ao mesmo tempo e sob a mesma
perspectiva), ou seja, se A → A, então não é possível que ela seja e
não seja ela mesma; formalmente: ~(A & ~A). E se uma coisa é ela mesma,
então ela não pode ser outra coisa senão ela mesma, ou seja: A v ~A.
Esses princípios são verdades lógicas (tautologias) que servem como os
verdadeiros axiomas da lógica sentencial. Contra a objeção de que
existem, afinal, inúmeras verdades lógicas, é possível responder que eles têm a
prerrogativa de serem os mais simples. Só por meio desses princípios somos
capazes de construir tabelas de verdade que definem os conectivos lógicos, que
por sua vez justificam as regras sobre as quais se baseia todo o cálculo sentencial.
Bem entendidos, esses princípios são irrecusáveis. Quero considerar aqui apenas
o mais disputado dentre eles, que é o princípio do terceiro excluído:
“A v ~A”. Pode-se argumentar que deve haver algo que não é nem A nem
não-A. Por exemplo, considere a frase “Está chovendo”. Pode ser que seja noite
e que exista algo como um sereno, com minúsculas gotículas de água no ar que
parecem estar lentamente descendo... mas não será apenas uma névoa? Simplesmente
não há como decidir! Nesse caso, se alguém disser “Está chovendo”, não haverá
como saber se a frase é verdadeira ou falsa. Estamos diante de uma fronteira
indefinida (blurred boundary). Afinal, nem está chovendo nem
não está chovendo. Não parece então que para esse caso limítrofe o princípio do
terceiro excluído deve ser rejeitado?
Uma consideração mais cuidadosa mostra que essa objeção se apoia em uma
confusão, pois no contexto considerado a afirmação “Está
chovendo” deixa de fazer sentido, o mesmo acontecendo com a afirmação de que
não está chovendo, pois esses são proferimentos inverificáveis, que por isso
mesmo não são capazes de enunciar coisa alguma. O proferimento “Está chovendo”,
feito no contexto em questão, possui um sentido meramente gramatical, pois nada
é capaz de dizer. Se alguém o proferisse diríamos: não faz sentido afirmar! Contudo,
a lógica clássica trabalha com sentenças que possuem valor-verdade abstraído
de enunciados com pretensão de verdade, constituindo asserções que expõem
juízos, o que demanda verificação. Não há lugar para sentenças sem
valor-verdade na lógica clássica. E com razão, posto que tais sentenças nada
nos informam. Isso significa que a lógica deve excluir de consideração sentenças
incapazes de se apoiar em procedimentos de verificação e que por isso mesmo não
possuem sentido cognitivo, mas somente sentido gramatical (ver minha exposição
do argumento de Wittgenstein a favor do verificacionismo semântico no cap.
XVII, sec. 4 do presente livro).[17]
9
Ética. Nos tempos de Aristóteles não existia distinção
entre ciência e filosofia e as ciências existiam em geral de forma embrionária.
Assim, não importa considerar aqui sua detalhada divisão das ciências. De forma
mais geral é hoje usual que nos apropriemos dessa divisão distinguindo entre dois
domínios gerais da filosofia: o da filosofia teórica e o
da filosofia prática. Podemos caracterizar a filosofia teórica como
tendo a ver com o mundo e nosso acesso ao mundo (o input do mundo
sobre nós), enquanto a filosofia prática pode ser caracterizada como
tendo a ver com nossa resposta a esse acesso com os produtos dessa resposta
(o nosso output sobre o mundo). Nesse sentido podemos dizer que a
filosofia teórica tem tradicionalmente, como ramos principais, a metafísica e a
epistemologia, além de outros mais específicos como a filosofia da ciência. A metafísica
investiga os constituintes últimos da realidade, enquanto a epistemologia
investiga nosso acesso cognitivo a esses constituintes e ao mundo em geral. Já
a filosofia prática tem a ver com a investigação da ação humana e de seus
produtos. Tradicionalmente, a ênfase na ação humana tem como objeto central a
ética, mas ela também inclui coisas como a teoria da ação. Já no que diz
respeito aos produtos da ação humana, podemos incluir a filosofia da cultura, da
política, da história, da arte, etc. A mais conhecida contribuição de
Aristóteles depois de sua metafísica foi para a ética.
Antes de dizer algo sobre a ética aristotélica convém fazer um mapeamento geral
das concepções morais. Existem três momentos da ação moral. O primeiro deles é
o da intenção: uma pessoa pode querer fazer o bem ou o mal. O
segundo é o da ação: a pessoa realiza uma boa ou má ação. O
terceiro é o da consequência da ação, que também pode ser boa
ou má. Geralmente, a boa intenção conduz a uma boa ação, a qual conduz a uma
boa consequência. Mas nem sempre é assim.
As éticas que colocam a origem dos valores morais na intenção do agente
são chamadas de éticas da virtude. Esse foi o caso das éticas
gregas em geral, que não eram individualistas e tinham como fim mostrar como o
cidadão poderia melhor servir à polis. As éticas que colocam a
origem do valor moral na própria ação são ditas deontológicas. Elas
procuram estabelecer regras diferenciadoras da boa (ou má) ação, a exemplo dos
dez mandamentos do Antigo Testamento. Finalmente, há as éticas que põem
a origem do valor moral na consequência da ação. Essas são as
éticas consequencialistas. Há também três tipos de consequencialismo: o egoísmo
ético, defendendo que o bem deriva de cada um procurar obter o melhor para si
mesmo (ex.: uma sociedade de celerados); o altruísmo ético, defendendo
que o bem deriva de cada um procurar fazer o melhor para os outros membros da comunidade
(ex.: os Amishes); e o utilitarismo, defendendo que cada um deve
procurar fazer bem a todos, incluindo a si mesmo. Eis o esquema geral:
(intenção)
ÉTICA
DEONTOLOGIA
CONSEQUENCIALISMO Altruismo
ético
(efeitos)
Utilitarismo
(utilitarismo hedonista)
Certamente,
tanto a intenção quanto a ação e a consequência têm importância moral. Além
disso, é claro que quando julgamos uma ação isolada, o que mais nos importa
avaliar é a intenção do agente. Uma pessoa pode, com a melhor das boas
intenções, realizar uma ação que, contra todas as expectativas, se demonstra
funesta! Nesse caso ela não poderá ser considerada culpada. No caso individual,
a direção do valor moral tende a ser da intenção para a ação e da ação para o
efeito.
Não obstante, muito diverso é o que acontece
quando consideramos a fixação dos valores em uma sociedade ao longo do tempo.
Do ponto de vista do que em uma sociedade ao longo do tempo acaba por ser
estabelecido como possuindo maior valor moral, aquilo que realmente importa são
as consequências. Geralmente, quando as consequências de certos tipos de ações
humanas em uma sociedade se demonstram geralmente boas, isso acaba por levar à
formação de regras que, uma vez seguidas, trazem boas consequências, tornando
as ações dos que as seguem boas. (Por exemplo: imagine uma sociedade na qual os
porcos estejam infestados de cisticercos causadores de teníase e que os líderes
religiosos, percebendo a relação entre o alimento e a doença, decidem instaurar
a regra de que Deus proibiu o povo de se alimentar de carne de porco... A
atitude resultante torna-se boa pelo seu bom efeito.) É a permanência de
consequências geralmente boas resultantes de um prolongado seguimento das regras
que as produzem aquilo que passamos a chamar de virtude... Isso significa que
as regras que fazem derivar boas ações podem mudar com a realidade social. Alasdair
MacIntyre mostrou que essas regras podem sofrer alterações no curso da história:
nos tempos homéricos a força física era considerada uma virtude, uma vez que
através dela a sociedade era protegida... Nos romances de Jane Austen a
constância torna-se uma virtude maior, uma vez que ela costuma ser um
ingrediente indispensável para assegurar um casamento bem sucedido...[18] Vê-se que na
formação das regras e dos valores morais de uma sociedade a direção é do
efeito para a regra e da regra para a intenção.
A conclusão desse raciocínio é que o centro irradiador último do valor moral é
para ser encontrado nas éticas consequencialistas. Mas qual delas? O egoísmo
ético tem poucas chances. Ele tem a limitação de restringir a felicidade
social: quando cada qual age só pensando em seu próprio bem, resta pouco lugar
para o amor, para a amizade, para o exercício do que há positivamente social na
natureza humana. Uma dificuldade encontrada em algumas sociedades hoje
economicamente muito desenvolvidas é que as pessoas “vivem para si mesmas”,
sendo o bem comum mediado por leis impessoais, restando pouco espaço para o
desenvolvimento de formas naturais de interação altruísta. O altruísmo ético
também possui suas limitações. Ele tem a desvantagem de limitar a liberdade
individual. Esse é o caso de sociedades como a dos Amishes, nas quais
vivencia-se um altruísmo coletivo capaz de fazer bem a todos, mas sob um preço,
que é a imposição de um forte compartilhamento de gostos e valores através do
qual a liberdade de individuação de seus membros fica comprometida.
Isso
nos leva a pensar que o melhor dos consequencialismos deva ser aquele que
propõe um equilíbrio entre o egoísmo e o altruísmo: o utilitarismo.
Segundo o utilitarismo, a boa ação é aquela da qual resulta um bem maior para
todos, incluindo o próprio agente. Uma forma adequada de utilitarismo poderia
ser capaz de determinar as melhores regras e as melhores virtudes na melhor
sociedade.[19] Desenvolver
uma forma adequada de utilitarismo é, contudo, uma tarefa espinhosa, muito mais
complexa do que se possa pensar a primeira vista. (Uma sugestão nesse sentido
encontra-se na seção 6 do capítulo VI.)
Aristóteles, mais interessado na ética da virtude, via a função da moralidade
como a de maximizar a felicidade (eudaimonia) coletiva de modo a
possibilitar a boa vida na sociedade através de valores gerados no interior
da polis. Em vista disso ele inventou a moralidade do justo
meio.[20] A
ação moralmente correta é aquela realizada por um agente que sabe escolher o
justo meio entre o extremo do excesso e o extremo da falta. Assim, uma pessoa
corajosa é aquela que sabe escolher o justo meio entre a temeridade e a
covardia. Uma pessoa generosa é aquela que sabe escolher um meio caminho entre
a avareza e a prodigalidade. Uma pessoa justa é a que é capaz de escolher um
meio caminho entre os ganhos e as perdas... Certamente, essas medidas devem ser
calibradas em concordância com os diferentes agentes e circunstâncias. David
não seria corajoso, mas temerário, se decidisse travar uma luta corpo a corpo
com Golias. O cangaceiro Lampião observava a tática de fugir sempre que se via
em desvantagem. Mas ele não fazia isso por covardia e sim por bom senso.
Também interessante é que para Aristóteles o comportamento virtuoso é algo que
pode ser socialmente aprendido: é como aprender a acertar os dardos no centro
do alvo. É preciso exercício e experiência junto às pessoas certas em uma comunidade
suficientemente bem ordenada para que alguém se torne capaz de escolher melhor
o justo meio. O velho bordão “junta-te aos bons e serás um deles” encontra aqui
uma justificação teórica.
Uma
questão que surge é sobre quem decide qual é o justo meio. Um senhor de
escravos pode pretender se comportar segundo o justo meio da sociedade em que
vive. Ele será considerado virtuoso pelos seus pares e talvez até mesmo pelos seus
escravos, mas nada do que fizer será considerado virtuoso pelos que avaliam de
fora as regras de uma sociedade perversa. A aplicação da ética do justo meio
parece demandar aqui considerações adicionais.
[1] Platão: Sofista 246
a-e.
[2] A. E. Taylor notou que
Aristóteles não conseguiu se desvencilhar por completo do idealismo de seu
mestre. Embora conhecesse história natural, nota ele, para outras ciências empíricas ele era mal preparado. Diversamente de Platão,
ele não acreditava no movimento da terra e rejeitava o atomismo e a posição de
médicos como Hipócrates, segundo a qual o cérebro e não o coração é o centro do
sistema nervoso. Ver A. E. Taylor, Aristotle (New
York: Dover 1955), pp. 61-62.
[3] Aristóteles, Metafísica, livro III, 1003
a20-26. Ver Metaphysics, in The Complete Works of Aristotle, ed. Jonathan
Barnes, vol. II. (Princeton: Princeton University Press 1984). Trad. port. Metafísica
(Petrópolis: Vozes 2024).
[4] A. E.
Taylor, Aristotle. (New York: Dover 1956 (1916)), p. 42.
[5] Metafísica livro VII (Z), 1028b 10-25.
[6] Metafísica livro VII (Z), 1036a 8.
[7] Metafísica livro V (D) 8, 1017b
23-25.
[8] Ver Jonathan Barnes: Aristotle (Oxford: Oxford
University Press 1966), p. 46.
[9] Metafísica, Livro VII (Z) 1029b13.
[10] O número de categorias proposto por Aristóteles
variava, as últimas duas não aparecendo em todas as exposições. Não parece que
ele tenha tido um critério sistemático para sua escolha.
[11] O termo ‘universal’ (katholou) foi cunhado por Aristóteles querendo dizer “aquilo que por natureza é predicado de muitos.” Da
Interpretação, 17a 38.
[12] Metafísica 1034a 5-8.
[13] Aristóteles: Física I,
sec. 8
[14] É preciso
notar que a admissão de que Deus seja ato puro e de que existam substâncias
imateriais (Deus, as inteligências celestes, a razão humana) contém uma
grave inconsistência. Essas substâncias deveriam ser formas sem matéria, em
outras palavras, deveriam ser formas ou ideias universais supostamente
imutáveis, ou seja, ideias platônicas. Mas Aristóteles não prima pela
consistência quando se trata de introduzir elementos platônicos em seu
empirismo.
[15] Aristóteles: Metafísica XII
(L), 7, 1072b 24-28.
[16] Metafísica 1005b 19.
[17] Um proferimento que parece aqui verdadeiro, como “Nem
está chovendo nem não está chovendo”, quando analisado como tendo a forma “Nem
está chovendo nem não está chovendo”, tem a forma “~P & ~ ~P”, que é o
mesmo que a contradição “~P & P”. Por isso ele é melhor analisado como uma
forma elíptica de se dizer “Não sei que P nem que não-P”, que é um
proferimento de atitude proposicional verdadeiro.
[18] Alasdair MacIntyre: Depois da virtude (Bauru: EDUSC 2001).
[19] Ver “Razões para o utilitarismo (uma introdução utilitarista à ética)”, in
Claudio Costa: Arquiteturas Conceituais (Belo Horizonte:
Dialética 2022).
[20] Aristóteles: Ética a Nicômano Livro II, sec. 6.
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