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domingo, 30 de junho de 2024

OS PRÉ-SOCRÁTICOS E A NATUREZA DA FILOSOFIA (Draft para um livro)

Retirado de um DRAFT para o livro “Introdução histórica à filosofia”

 

 

 

 

 

I

OS PRÉ-SOCRÁTICOS E A NATUREZA DA FILOSOFIA

 

A filosofia ocidental nasceu na Grécia antiga, cerca de 500 anos antes de Cristo. Mas a filosofia enquanto tal é muito mais antiga. Para alguns ela nasceu na China há cerca de 1000 anos antes de Cristo, com o I Ching, o chamado Livro das Mutações, que foi um livro de adivinhação e de sabedoria oracular redigido em muitas camadas por muitos autores durante diversas eras. Para outros ela teria nascido na Índia há cerca de 1500 anos antes de Cristo, originando um grupo de tradições filosóficas e religiosas cujo principal objetivo era orientar a vida humana.

   A filosofia, tanto ocidental quanto a oriental, teve origens religiosas. Como resultado disso temos uma incômoda confusão, ainda hoje comum entre os leigos, entre filosofia e sabedoria de vida. A filosofia acadêmica, contudo, como resultado de uma especulação coletiva de comunidades de conhecedores, sedimentada sobre uma tradição milenar, pouco tem a ver com uma simples sabedoria de vida, tendo se tornado hoje uma investigação aparentemente esotérica e inacessível ao público leigo.

   É interessante lembrar nesse contexto a opinião de Hegel, para quem a filosofia, tal como hoje a concebemos, se originou realmente na Grécia antiga e não no oriente. A razão por ele aventada é que a filosofia oriental não se diferenciava suficientemente da religião. Com efeito, essa filosofia se encontrava mais próxima de uma forma de sabedoria mística, de um aconselhamento sobre a arte do bem-viver, de uma forma mais elevada e reflexiva de autoajuda. Em contraste com isso, a filosofia nascida com os filósofos pré-socráticos se ocupava de argumentos críticos desenvolvidos por pessoas que conheciam bem a ciência da época. Essas pessoas buscavam substituir o legado do pensamento mitológico por um questionamento especulativo que prefigurava o pensamento científico. A opinião de Hegel pode ser exagerada, mas há nela algo de verdadeiro.

   Para entender o nascimento da filosofia ocidental precisamos considerar o pensamento dos filósofos pré-socráticos, assim chamados por terem aparecido antes de Sócrates e por terem preocupações filosóficas cosmológicas em geral diferentes das preocupações essencialmente morais do último. Eles foram os primeiros a terem surgido na Grécia, em um período que foi do século VI ao século V antes de Cristo. O principal objetivo desses filósofos era encontrar um princípio originador e sustentador de tudo o que existe, a assim chamada arché. Esse princípio pertencia à natureza (physis), daí o naturalismo dos pré-socráticos. Na época a Grécia importava a ciência nascente do Egito e da Babilônia e os filósofos pré-socráticos eram bons cientistas, conhecendo matemática, geometria, engenharia, astronomia. Em razão dessa base científica, o pensamento deles caracterizava-se pelo rompimento com o pensamento mitológico que os antecedeu. Seu projeto comum era o de substituir as explicações mitológicas da natureza e de suas anomalias por princípios especulativos que pelo menos tivessem a forma de princípios científicos, uma vez que em tais domínios a ciência como ciência era impossível.

 

1

 

Os milesianos. O primeiro pré-socrático foi o filósofo jônico Tales de Mileto (647-524 a.C.). Ele também foi um astrônomo e matemático, tendo previsto um eclipse solar no ano de 585 a.C. Ele acreditava que a água fosse a arché, o princípio de todas as coisas, posto que a vida nasce das coisas úmidas. O princípio água coincidia com o divino, donde tudo se encontra pleno de deuses.

   Tales foi a primeira pessoa a ter a ideia de uma unidade na multiplicidade de tudo o que existe, a intuição original de que tudo é um,[1] o que significa dizer que o universo possui uma unidade constitutiva à qual nós podemos, em princípio, ter acesso cognitivo. O esforço no sentido de obter uma compreensão unificadora de todas as coisas foi uma característica da filosofia pré-socrática e também dos grandes sistemas da tradição filosófica ocidental.

   A busca da unidade na multiplicidade tem ultimamente reforçada através da noção de consiliência. Ela consiste, no entender de Susan Haack, na assunção da existência de uma unidade na realidade.[2] Essa assunção é essencial à toda investigação. Ela faz com que através da investigação nós possamos admitir que diferentes ideias, caso verdadeiras, sejam capazes de se complementar umas às outras, reforçando-se assim em sua plausibilidade. A noção vale para as ciências, mas pode valer também para a filosofia.

   Tales foi sucedido por outros dois filósofos Jônicos mais jovens do que ele: Anaximandro e Anaxímenes. Anaximandro sugeriu que o mundo fosse resultado de um elemento indefinido ou, mais literalmente, do ápeiron, que se traduz como o ilimitado. Essa é uma ideia importante por tornar o princípio explicativo das coisas, pela primeira vez na história da filosofia, algo não perceptível aos sentidos.

   Anaximandro (610-546 a.C.) foi responsável pela ideia de que a terra é um cilindro suspenso entre os Astros, que não cai nem para um lado nem para o outro, graças ao equilíbrio das forças. O filósofo da ciência Karl Popper viu nisso uma antecipação do conceito de inércia e até mesmo o da gravitação.[3] A filosofia dos pré-socráticos atuava entre a mitologia e a ciência e, às vezes, como uma clara antecipação da última.

   Anaxímenes (599-524 a.C.), por sua vez, sugeriu que o princípio originador e constitutivo fosse o ar. Afinal, não podemos permanecer vivos sem respirarmos. E disso ele supôs que o mundo inteiro, tal como um ser vivo, também fosse dependente da existência do ar para subsistir. Como explicou em um dos fragmentos:

 

Como nossa alma, que é ar, nos governa e mantem unidos, assim também o vento e o ar, que são o mesmo, mantêm unido o universo inteiro.[4]

 

Anaxágoras (500-428 a.C.), nascido na Jônia, foi outro importante filósofo pré-socrático. Ele é visto como o introdutor do conceito de mente em filosofia. Ele entendia a arché como sendo o nous, ou seja, a mente ou pensamento. Para ele a mente deve ser algo que embora sendo material é absolutamente puro:

 

A mais fina e pura de todas as coisas, que possui todo o conhecimento de todas as coisas e o maior poder.

 

A mente seria uma força infinita que, agindo sobre a matéria informe, dá origem a tudo o que existe nesse mundo.

   Anaxágoras foi também o defensor da versão pré-socrática da teoria do Big-Bang.[5] Segundo ele, no começo o universo inteiro se encontrava comprimido em um átomo primordial:

 

Todas as coisas estavam juntas, infinitamente pequenas em número e pequenez, pois o pequeno era infinitamente pequeno. E como estava tudo unido nada era reconhecível devido à pequenez.

 

Para Anaxágoras esse ínfimo átomo era como que um plasma indiviso, posto que misturava tudo no infinitamente pequeno, fazendo com que nada mais fosse distinguível. Esse átomo primordial começou a girar com força cada vez maior, jogando para fora de si o éter e o ar e formando as estrelas, o sol e a lua. Essa rotação fez com que os elementos se separassem, mas isso nunca aconteceu por completo, de modo que cada coisa preserva em si algo de todas as demais (atualmente dizemos que em nossos corpos também possuímos átomos das estrelas). Essa expansão do universo existe hoje e continuará existindo sempre. E com isso também outros mundos semelhantes ao nosso podem ter sido gerados, com sol e lua próprios e mesmo habitados por criaturas tão inteligentes quanto nós!

   Em meio a tudo isso a única coisa que continua a mesma e que a tudo move é a mente. Nesse último ponto seu Big-Bang difere do nosso, uma vez que preferimos substituir seu conceito animista de mente pelo de leis fundamentais da natureza.

 

2

 

Princípios múltiplos. Vários filósofos pré-socráticos entenderam a arché como sendo múltipla. Esse foi o caso dos seguidores de Pitágoras, que tendo percebido que tudo na natureza possuía quantidades e formas, concluíram que os números eram o princípio fundamentador do universo. Eles seriam o fundamento, começando do número um, que é base da aritmética, e do ponto, que é base da geometria. Baseados na matemática os filósofos pitagóricos formaram uma seita que objetivava explicar não só o universo, mas também a vida humana. Eles acreditavam na doutrina da transmigração das almas, que acabou por influenciar o pensamento de Platão.

   Também acreditavam em princípios múltiplos os filósofos atomistas Leucipo e seu discípulo Demócrito (460-370 a.C.), do qual restaram muitos fragmentos, além de Epicuro (341-270 a.C.), um atomista tardio da época helenista. Para Demócrito o mundo é constituído do que ele chamou de átomos (não-divisíveis), que são partículas invisíveis, indivisíveis, com solidez e impenetrabilidade, tamanhos e formas as mais diversas e infinitos em número. Eles são os elementos constitutivos de todas as coisas visíveis. Afora os átomos, só o que existe é o espaço ou vazio. Os átomos se movem e se chocam uns contra os outros segundo leis causais deterministas. Como consequência, os atomistas foram os primeiros filósofos distintamente materialistas. Mas isso não os impedia de acreditarem no espírito, pois as almas humanas poderiam ser entendidas como constituídas de átomos extremamente sutis. Assim, quando sonhamos com um antepassado morto pode ser porque os átomos constitutivos de suas almas penetraram em nossas cabeças enquanto estávamos dormindo, interagido com os átomos de nossas almas...

   É importante notar que os atomistas estavam antecipando a possibilidade de descobertas científicas que ocorreram mais de dois mil anos depois. Elas foram o que em sua memória decidimos chamar de átomos, que compõem a tabela periódica, mais tarde substituídos por partículas subatômicas indivisíveis chamadas de elétrons, quarks, gluons e fótons. Mesmo que eles de maneira alguma pudessem antecipar a física das partículas tal como ela é hoje estabelecida, eles anteciparam a ideia de que o universo poderia ser formado por partículas invisíveis discretas, móveis e possuidoras de massa. Não deixa de ser impressionante que após mais de dois mil anos a ciência tenha demonstrado que as especulações dos atomistas gregos são capazes de receber fundamentação científica.

   Além das especulações cosmológicas, a maior parte dos fragmentos deixados por Demócrito foram instrutivos ditames morais, muitos deles ainda hoje aplicáveis. Por exemplo:

 

É esforçar-se em vão querer trazer entendimento a quem acredita tê-lo.

Os insensatos tornam-se razoáveis pela desgraça.

Quem procura o bem atinge-o com dificuldade. O mal, porém, atinge mesmo aquele que não o procura.

A beleza do corpo é animalesca se não for dignificada pelo entendimento.

Ao homem sábio todas as terras são acessíveis, pois a pátria de uma alma virtuosa é o universo.

 

É curioso notar que esses dísticos se aplicam hoje tanto quanto se aplicaram há 2.500 anos. Parece que o ser humano em alguns aspectos pouco ou nada aprendeu com os erros de seus antepassados.

   Um outro pré-socrático pluralista que merece ser citado foi Empédocles de Agrigento (florescido em 450 a.C.), um filósofo bastante vaidoso que se considerava um deus e que segundo a lenda deu fim a sua vida atirando-se na cratera do Etna. Ele foi um precursor de Darwin ao sugerir especulativamente que as espécies se desenvolvem através de uma luta entre seres vivos que casualmente nascem com as mais diversas características, o que faz com que só os mais aptos sobrevivam. Para ele os seres vivos se originaram do mar e o ser humano, em tempos primevos, deveria ser muito diferente, considerando que hoje ele precisa de anos de completa dependência dos pais para poder sobreviver por si mesmo, diversamente dos animais.

   Empédocles foi o inventor da ideia de que o universo é constituído por quatro elementos (raízes) que ele encontrou em filósofos anteriores. Esses elementos originários são a água (Tales), o ar (Anaxímenes), o fogo (Heráclito) e a terra (Xenófanes). Eles são imutáveis e combinam-se uns aos outros de modo a formar o universo visível. Essa teoria foi aceita até o século XVII, quando químicos como Robert Boyle fizeram-na cair por terra.

   Para Empédocles atuam sobre os quatro elementos duas forças físicas, que ele chamou de harmonia (o amor) e discórdia (o ódio). A ação alternada dessas duas forças faz com que o universo sofra um processo cíclico de mudança através do qual de tempos em tempos tudo se repete. Assim, no início de um ciclo os elementos se encontram todos perfeitamente misturados, os objetos não existem e a força imperante é a da harmonia em toda a esfera do mundo, que forma um todo homogêneo. Mas a força da discórdia logo penetra na esfera do mundo e começa a agir separando os elementos e formando os objetos hoje conhecidos, até quando terra, ar, água e fogo se tornam completamente separados. Nesse ponto a força da harmonia começa a agir novamente, misturando pouco a pouco outra vez os elementos, até o retorno ao estágio inicial de perfeição, quando inicia-se um novo ciclo pela força da discórdia... Em seu tempo Empédocles acreditava que o mundo se encontrava em um estágio intermediário, em que as forças da discórdia agiam de maneira cada vez efetiva.

   A doutrina cíclica de Empédocles foi sugerida pela observação dos acontecimentos cíclicos no mundo. As estações do ano são cíclicas: vemos as árvores florescerem e darem frutos na primavera e no verão, para então perderem as suas folhas no outono secando no inverno, só para florescerem de novo no próximo ano. Os seres vivos são gerados sem forma, crescendo e se diferenciando até envelhecer e, na morte, tornam-se outra vez matéria informe.

   A ideia de um mundo cíclico foi famosamente reapresentada por Nietzsche sob a forma do que ele chamou de o eterno retorno. Mas ele o entendia como um experimento psicológico para testar a autenticidade de nossas atitudes perante a vida.[6] Para tal ele imaginou que as nossas vidas devessem se repetir identicamente nos mais ínfimos detalhes um número infinito de vezes. Se alguém aprovasse o eterno retorno, querendo que cada experiência de sua vida, cada prazer e desprazer, cada pensamento e decisão, retornasse outra vez e assim infinitamente, essa seria a prova de uma atitude absolutamente afirmativa diante de sua existência.

    Finalmente, a ideia de um mundo cíclico nada tem assim de tão absurda. Ela tem sido presente na cosmologia contemporânea: para alguns astrofísicos o Big-Bang deverá ser seguido pelo Big-Crunch e assim sucessivamente. Existe, pois, até mesmo uma versão atual daquilo que Empédocles propôs de forma puramente especulativa.

 

3

 

Heráclito. Quero me deter em Heráclito e Parmênides, uma vez que eles foram os mais impressionantes filósofos pré-socráticos. Na antiguidade eles eram considerados opostos, pois Heráclito enfatizava a mudança e Parmênides a imobilidade do Ser. Mas veremos que nem por isso eles se opõem tão completamente, posto que por detrás da mudança Heráclito enfatiza a unidade da razão, que pode ser comparada ao Ser de Parmênides.

    Heráclito de Éfeso (florescimento 500 a.C.), como Nietzsche e Wittgenstein, foi um filósofo que se exprimia por meio de aforismos oraculares. Muitos desses aforismos são profundos e nos dizem algo ainda hoje. Eis alguns deles:

 

Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia (como a do arco e da lira).

A harmonia invisível é mais forte do que a visível.

O que está em cima é idêntico ao que está embaixo.

A natureza ama ocultar-se.

Jamais encontrarás os confins da alma, tão profundo é o seu logos.

 

Heráclito pertencia à nobreza efésia. Foi um pensador de índole aristocrática, misantropo, melancólico, mas profundo e poético. Expressava-se por meio de aforismos de tom profético. Seus dísticos eram intencionalmente obscuros de modo a não ser falsamente compreendido por mentes superficiais. Ele desdenhava o homem comum, para ele prisioneiro da opinião e incapaz de agir racionalmente.

   Heráclito era um elitista no que concerne aos seres humanos. Embora a razão seja um bem comum a todos, para ele muito poucos são os que fazem uso dela:

 

A despeito do logos ser comum a todos, o vulgo vive como se cada um tivesse um entendimento particular; não sabe nem escutar nem falar.

As opiniões dos homens são jogos de crianças.

 

Heráclito, ao que parece, era também um filósofo capaz de odiar em medida pouco comum, como demonstram seus aforismos desdenhosos acerca de seus concidadãos. Faço aqui apenas uma breve seleção deles:

 

Os porcos preferem a lama à água limpa.

Os cães ladram para o que desconhecem.

Tudo o que rasteja merece ser chicoteado.

Um para mim vale mil se for o melhor.

Asnos preferem a grama ao ouro.

 

Se você quiser ofender alguém gravemente sem precisar lançar mão de palavrões, basta se lembrar de algum desses aforismos.

   Heráclito foi o filósofo do conflito. Para ele o conflito entre os opostos é necessário, pois é dele que nasce a mais bela harmonia. Ele considerava as guerras necessárias:

 

A Guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros homens; de uns escravos, de outros homens livres.

 

A Guerra como solução de conflitos era parte essencial do mundo antigo. Por exemplo, foi graças à genialidade e astúcia de um general grego, Temístocles, que a Grécia não foi escravizada pelos persas, permitindo a continuação da produção cultural grega com o aparecimento de Platão e Aristóteles. Hegel era um admirador de Heráclito. A ideia hegeliana de que a razão humana é apenas um momento da razão universal parece ter sua origem em Heráclito.

   Mas não seria a necessidade da guerra uma ideia a ser ultrapassada, posto que esperamos que no futuro ela deixe de existir? Essa seria uma maneira bastante superficial de entendermos o que Heráclito quis dizer. Mesmo que as guerras deixem de existir, os conflitos entres sociedades humanas continuarão existindo de forma mais elevada, por exemplo, entre influências, valores, ideias e ideais. Se Heráclito estivesse aqui entre nós ele diria que a guerra continuará sempre existindo, dado que é inerente à vida humana em sociedade.

   Outra ideia iconoclasta de Heráclito é a de que para que exista o bem é necessário que exista o mal, para que exista a justiça é necessário que também exista a injustiça. Essas oposições são interdependentes, o que deve desfazer a ilusão escapista de que possa haver um mundo inteiramente bom e justo, ao menos dentro da perspectiva humana. Essa ideia vale para a sociedade e também para os indivíduos. Para Heráclito o ser humano é pela sua própria condição aprisionado ao conflito, de modo que a possibilidade de que ele se eleve à afirmação de uma existência para além de qualquer conflito é enganosa. De onde se pode concluir que seria melhor para o ser humano aceitar o conflito e tentar superá-lo conscientemente pela ação ou pela reflexão – aqui um ponto de contato entre Heráclito e Nietzsche.

   Faço uma pausa para lembrar um livro: O visconde partido ao meio de Ítalo Calvino. Na estória, o visconde Medardo di Terralba é uma pessoa que na Guerra contra os mouros foi partido em duas metades por uma bala de canhão. Os cirurgiões conseguiram resolver o problema separando as metades de modo a formar duas pessoas, dois viscondes. Mas eles incorreram em um erro, pois um deles herdou a parte má do visconde, enquanto o outro herdou a parte boa. Aquele que herdou a parte má se transformou em um psicopata que se divertia em destruir tudo o que fosse vivo, belo ou bom. Já o que herdou a parte boa era bom demais. Era ingênuo e esquecia de si mesmo. Sua namorada logo se cansou dele por considerá-lo tedioso. A estória termina quando as duas metades se reencontram e entram em duelo. Curiosamente, durante a luta elas pareciam querer aproximar-se uma da outra. Feridos, eles caem outra vez nas mãos de um cirurgião competente, que reúne as duas partes e faz reviver o visconde original. Sem grande surpresa esse novo visconde passa a ser uma pessoa que age corretamente, na justa medida, ciente outra vez dos extremos volitivos do bem e do mal que deve manter sob a vigilância e o controle de sua consciência.

    Para Heráclito a arché não era a água, nem o ar, nem a terra, mas o fogo, no qual outros elementos se desfazem. Segundo ele:

 

Este mundo sempre foi, é agora e sempre será o sempre vivente fogo, com medidas certas de seu acender e medidas certas do seu apagar.

 

Para ele sem o conflito o mundo se desfaria em nada. Ele foi não só o filósofo do conflito, mas também do movimento, da mudança. Como o fogo, tudo se encontra em movimento, embora preso a medidas determinadas por leis. Também a vida é tensão, conflito, movimento incessante:

 

Tu não podes atravessar duas vezes o mesmo rio, pois novas águas correm sempre por ele.

 

Mas não entende Heráclito quem acredita que ele queria reduzir tudo ao movimento e ao conflito desordenado, pois sob o conflito de opostos ele acreditava em uma ordem oculta da natureza imposta pelas leis da razão (o logos) e alcançável através do pensamento. Para ele é a razão que secretamente domina o mundo. Heráclito era um panteísta que acreditava que Deus se encontra em todas as coisas. Mas esse Deus, o Uno, era para ele a própria razão que revela a identidade na diferença, a unidade no todo e a medida de cada coisa. A razão, escreveu ele, é comum a todos, mas o vulgo não faz uso dela, nem os habitantes de sua cidade, que deveriam ser todos enforcados, nem mesmo os grandes poetas como Homero e Hesíodo.

    O fundamento último da filosofia de Heráclito não se encontra, portanto, no movimento, nem no conflito dos opostos, mas na ideia da unidade do todo, na ideia de que a razão, o logos que subjaz ao conflito, é capaz de unificar os opostos e dar lhes proporção e medida. Sob a perspectiva do Deus que para ele é a razão ou o Uno, todas as tensões são reconciliadas e as diferenças harmonizadas. Como ele escreveu:

 

Para o Deus todas as coisas são justas e boas, mas os homens sustentam que algumas coisas são erradas e outras certas.

 

Há também em Heráclito o que me parece uma sugestão acerca da natureza da filosofia como um saber antecipador de uma forma mais consensualizável de conhecimento, um saber que ele apresenta na forma do saber adivinhatório do oráculo. Eis como ele o expõe:

 

A sibila, que com sua boca delirante diz coisas sem alegria, sem ornatos e sem perfumes, mas atinge com sua voz mais de mil anos, graças ao deus que está nela.

 

Esse juízo de Heráclito sobre a sibila é na verdade sobre sua própria filosofia. Ele também se aplica ao que de melhor foi feito na história da filosofia. Muito da filosofia pré-socrática metaforicamente antecipa o que será futuramente tematizado em maior rigor e detalhe por outros filósofos ou mesmo descoberto de forma científica. Por isso a filosofia também tem sido chamada de o berçário das ciências, ou ainda, de o guardador de lugar da ciência.

 

4

 

Parmênides. Talvez o mais influente dentre os filósofos pré-socráticos tenha sido Parmênides de Eleia (530-460 a.C.), o fundador da escola eleática. Ele escreveu um poema intitulado “Sobre a natureza” no qual introduz um enigma tão sugestivo quanto indecifrável. Para ele o princípio, a arché, era o que ele chamou de o ser. Ele definiu o ser como algo imóvel e imutável. A ideia central é a de que o ser, o uno, é, enquanto o não-ser, a mudança, o devir, é apenas ilusão. É preciso que seja assim porque se qualquer coisa vem a ser então ou ela vem a ser do ser ou do não-ser. Se ela vem a ser do ser então ela já é, caso no qual ela não pode não ter sido. Mas se qualquer coisa vem do não-ser, então ela nada é, pois nada vem do não-ser...

   Mas o que é, afinal, o ser? Ele tenta esclarecer atribuindo ao ser uma lista de propriedades pouco compatíveis entre si. O ser é: incorruptível, nem gerado nem perecível, encontra-se inteira em cada instante, é absoluto, contínuo, indivisível, imóvel e também finito e redondo, pois a esfera finita era para os gregos o símbolo da perfeição. Em conformidade com o modo de pensar dos pré-socráticos o ser parmenideano deve, além disso, pertencer à physis, à natureza.

   Minha hipótese interpretativa, incapaz de cobrir adequadamente tudo o que ele diz, é a de que uma vez que à afirmação de que o ser não pode não ser ele adiciona que o mesmo que é pensado é ser[7]... ele está apontando para o objeto do pensar verdadeiro.

   Parmênides complementa esse pensamento metafísico-ontológico (i.e., daquilo que é, que existe de maneira mais geral) com algumas sugestões epistemológicas que dão início a um domínio de investigação que será desenvolvido mais tarde por Platão e que chegou até os dias de hoje. Ele distingue explicitamente a via do conhecimento da via erro. O conhecimento diz respeito ao ser, enquanto o erro diz respeito ao pretenso conhecimento do não-ser. O conhecimento do ser é imutável, diversamente do pretenso conhecimento do não-ser, que advém da aparência, que é o conhecimento daquilo que aparece aos sentidos e se apresenta como mutável.

   Vale a pena transcrevermos aqui o fragmento principal do poema de Parmênides:

 

E agora (disse a musa) vou falar: e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos da investigação concebíveis. O primeiro diz que o ser é e que não pode ser que ele não seja; esse é o caminho da persuasão, pois segue a verdade. O segundo caminho diz que o que não é, é, e que o não-ser é necessário; essa via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é, nem o expressar em palavra.[8]

 

Filósofos posteriores, tanto materialistas como idealistas, foram influenciados por Parmênides. Assim, os atomistas, sendo materialistas, acreditavam que os átomos eram o ser, pois estes eram imutáveis e indestrutíveis. Já Platão acreditava que o Ser eram as ideias imutáveis e indestrutíveis, existentes em um mundo puramente inteligível e de ordem superior ao mundo material.

   Os dizeres de filósofos como Heráclito e Parmênides nos impressionam tanto hoje quanto na época em que foram escritos e o que eles significam possui muito de originário e enigmático, tendo suscitado inúmeras interpretações. O efeito tão sublime quanto ofuscante do poema de Parmênides parece ser o resultado da incompatível condensação de ideias diversas, mas sugestivas e relacionadas, vagamente expressas em algumas poucas linhas. Nesse caso ele pode ser interpretado como uma antecipação metafórica e sincrética do que será mais tarde detalhado por outros. Considere, por exemplo, o que os lógicos depreenderam do poema de Parmênides. Eles perceberam que ao afirmar que o ser é e que não pode não ser ele estava vislumbrando os princípios da identidade e da não-contradição, mais tarde detalhadamente tematizados por Aristóteles. Há também um aceno epistemológico na ideia de que não podemos conhecer o que é falso. Além disso, ele nos faz pensar no Deus monoteísta e nas leis últimas da natureza. Parmênides inventou a substantivação do verbo ser como uma espécie de metáfora universal que lhe permite insinuar muito mais do que aquilo que o discurso literal é capaz de dizer.

   Certamente, o ser de Parmênides toma o lugar dos deuses do politeísmo, embora perdendo a qualidade de projeção antropomórfica característica dos últimos. Mas há para ele alguma paráfrase possível? O mais próximo que eu posso chegar disso é sugerir que ao sugerir que o ser é o objeto do pensar verdadeiro ele esteja apontando para as leis e princípios que regem a natureza, mais tarde só aproximativamente apreendidas pela mente humana... Nesse caso seria possível encontrar uma proximidade última entre o ser de Parmênides e a razão de Heráclito.

 

5

 

 

Os filósofos pré-socráticos se distinguiram por terem substituído as explicações mitológicas por especulações metafísicas que possuíssem o que poderíamos chamar de a forma das teorias científicas, entendendo-se por isso ideações especulativas que detém suficiente analogia com as últimas e cuja criação é motivada por um conhecimento prévio da natureza da investigação científica. É esse mesmo insight formal o que há em comum entre o atomismo especulativo de Demócrito e a teoria atômica da microfísica contemporânea, entre a especulação de Anaxágoras e a presente teoria cosmológica do Big-Bang, ou ainda, entre Empédocles e Darwin. Eles tiveram a ideia de substituir a antiga explicação do cosmo por meio de deuses pela explicação através de princípios especulativos que eles mesmos não tinham como avaliar, dado a insuficiência de meios e informações que lhes permitissem resultados precisos em um domínio de investigação ainda completamente inexistente.

   Tais especulações só foram possíveis porque esses filósofos foram profundamente influenciados pelas ciências que eles conheciam e cujo desenvolvimento já se iniciava na Grécia antiga. Havia a matemática importada do Egito e da Babilônia, como o caso da geometria, considerada pela primeira vez pelos gregos em abstração de suas aplicações, o que permitiu que ela fosse axiomatizada no trabalho que culminou com a obra de Euclides intitulada Os Elementos. Havia o conhecimento de astronomia tomados dos egípcios. Platão já acreditava que a terra se movia. Sabemos, por exemplo, do notável feito de Erastótenes (circa 300 a.C.). Ele conseguiu medir o diâmetro da terra com razoável precisão, já sabendo que ela era redonda. Ele mandou colocar duas estacas ao meio dia, separadas mais de mil quilômetros uma da outra. Uma delas fazia uma sombra maior do que a outra, devido à circunferência da terra. Tomando como comparação as medidas dos triângulos formados pelas estacas e suas sombras, ele conseguiu calcular com certa precisão a circunferência da terra, um feito extraordinário que foi esquecido nos séculos seguintes. Havia também um conhecimento de engenharia e de rudimentos de física, como pode ser ilustrado pela lei de Alavanca de Arquimedes (287-222 a.C.) ou por sua medição da massa específica de diferentes substâncias, estabelecida pela relação entre o volume de água por elas deslocado e o peso. É evidente que os gregos já estavam cientes da incomparável vantagem teórica e prática que o conhecimento científico é capaz de trazer.

 

6

 

Auguste Comte. O estudo dos filósofos pré-socráticos nos oferece uma excelente oportunidade para investigarmos a natureza da filosofia. Quando nos perguntamos sobre o que eles estavam fazendo e sobre a natureza da filosofia em sua relação com a ciência, alguma luz pode ser trazida pela consideração da assim chamada “lei dos três estados” desenvolvida por Auguste Comte (1798-1857), o mais importante filósofo francês do século XIX.

   A chamada lei dos três estados da evolução da civilização, embora já antevista por outros, foi mais sistematicamente desenvolvida por Comte em seu Curso de filosofia positiva.[9] Esses estados são o teológico, o metafísico e o positivo. Quero no que se segue interpretar lei de tal forma que ela ainda possa ser reconhecida como plausível. Uma primeira observação é que não se trata obviamente de uma lei no sentido mais estrito das leis físicas, mas de uma lei no sentido de uma regularidade tendencial. Trata-se da identificação de uma vaga sucessão de três estágios, que na verdade se sobrepõem de modo parcial e irregular no desenvolvimento da civilização. Eis como Comte a apresenta:

 

A lei consiste em que cada uma de nossas principais concepções, cada ramo de nosso conhecimento, passa sucessivamente por três diferentes estados teóricos: o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; o estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas pesquisas, três métodos de filosofar (...)[10]

 

O estado teológico é aquele no qual as anomalias da natureza (seus imprevistos) são explicadas pela intervenção de projeções antropomórficas chamadas “deuses”. Tendencialmente ele começa com o subestado do fetichismo, caracterizado pelo animismo: a ideia de que objetos como plantas e animais também incorporam deidades. O estado teológico passa então ao politeísmo, no qual um grande número de deuses concorre na explicação das anomalias da natureza. Nesses dois subestados, cada anomalia pode ser explicada por um deus diferente, não se impondo a questão de unificar suas causas. Essa unificação só é realizada no terceiro subestado, o do monoteísmo, que se caracteriza pela crença na existência de um único Deus. O monoteísmo tem a vantagem de permitir uma explicação unificada do mundo, ainda que antropomórfica. Para Comte, o estado teológico corresponde à infância da humanidade. Em suas fases iniciais ele é repetição do que ocorre no crescimento cognitivo do indivíduo humano, correspondendo à sua infância, ou seja, ao estado no qual a criança acredita na existência de fadas, bruxas e gnomos.

   O estado metafísico é o que faz a transição entre os estados teológico e positivo. Nele os seres humanos buscam substituir os seres sobrenaturais por entidades abstratas em uma passagem do imaginativo para racional. O Deus sobrenatural deve ser substituído por “abstrações personificadas” que sirvam de princípio explicativos para todo o universo, de preferência reduzindo-se tudo a um único princípio. Exemplos de tais princípios explicativos são as archai dos pré-socráticos. Esse estado é uma passagem intermediária entre os estados religioso e científico.

   Os estados religioso e metafísico são importantes para Comte por motivarem os seres humanos a continuarem buscando o conhecimento científico quando ele ainda não é possível. Foi assim que o ser humano persistiu observando os movimentos dos astros por milhares de anos, quando buscava através disso meios de prever o futuro. Essa persistência foi indispensável, pois foi só por meio da insistência em dar suporte a essas crenças supersticiosas que o ser humano se permitiu chegar a descobertas astronômicas reais, desde a medição, distinção e previsão dos movimentos das estrelas e planetas, que levou ao geocentrismo de Ptolomeu, até mais tarde a ruptura que consistiu no heliocentrismo de Copérnico, nas leis de Kepler e nas descobertas de Galileu e Newton. Sem um longo estado de especulação pré-científica nada disso poderia ter ocorrido.

   Para Comte esse foi o momento da adolescência da humanidade. Em termos de desenvolvimento cognitivo do indivíduo trata-se realmente da adolescência, na qual os jovens se comportam como aprendizes de feiticeiros, crendo tudo poder saber sem terem aprendido o suficiente. (Piaget identificou a tendência “metafísica” do adolescente de raciocinar sobre bases incertas com o domínio intuitivo da lógica proposicional surgido no estágio operatório-formal depois dos 12 anos de idade.)

   Fazendo abstração de qualquer tentativa de datar os estados[11] e desconsiderando por completo o radicalismo positivista e inevitavelmente reducionista de Comte, a consideração do estado metafísico nos auxilia na compreensão do que os filósofos pré-socráticos estavam fazendo, pois os princípios ou archai por eles buscados encontravam-se de algum modo entre os deuses da mitologia e as leis naturais. Podemos aqui distinguir duas espécies teóricas de archai: as excessivas e as escassas. As excessivas são as que adicionam a entidades naturais propostas como princípios ou formas de leis, entidades com vida e consciência própria semelhantes aos deuses. As escassas são as que se restringem a entidades naturais propostas e formas de leis, sem a adição de entidades supernaturais. Assim, a água de Tales era um princípio exuberante: ela funciona como se fosse possuidora de uma lei natural a possibilitar a vida, encontrando-se ao mesmo tempo repleta de deuses. O ar de Anaximandro era necessário à respiração e, portanto, à vida. Para os pitagóricos esses princípios eram números e formas tornadas exuberantes, posto que não só satisfazem relações matemáticas e geométricas, mas que devem exercer papel determinante no destino dos seres viventes. O ar de Anaximandro é uma arché que permite, pela sua respiração, fazer o homem e o universo viverem, sendo também espírito. O mesmo acontece com a mente de Anaxágoras. Aqui o papel do psicológico é menor, posto que essa mente deve pertencer à physis; ainda assim trata-se de um princípio espiritual capaz de comandar o curso do universo. Em Empédocles os quatro elementos regidos pelas forças do Amor e do Ódio, que apesar de receberem nomes de afetos são melhor interpretadas como forças físicas, regulando nomologicamente o curso cíclico do universo, o que os torna archai escassas. Exemplos de archai escassas, elementos ou formas não-espirituais, são ainda os átomos de Demócrito, o Ápeiron de Anaxímenes, o fogo de Heráclito e o ser de Parmênides. Neles o aspecto espiritual tende a desaparecer, permanecendo alguma coisa vaga e obscura, uma forma que toma o lugar da inalcançável compreensão do todo.

   Os pré-socráticos são os melhores exemplos de filósofos metafísicos no sentido proposto por Comte, uma vez que suas archai apresentam o inteiro espectro, já que eles estavam enfadados da mitologia e aspiravam a ciência sem ter condições de alcançá-la, disso resultando suas especulações. Mas princípios metafísicos fundamentadores da realidade como um todo continuaram sendo propostos ao longo de toda a história da filosofia. Assim, Platão tinha as ideias, Aristóteles a substância, os medievais o Deus dos filósofos, Leibniz as mônadas, Kant o noumenon, Hegel o absoluto, Heidegger o Ser, Wittgenstein o indizível... Sob essa perspectiva o período metafísico foi mantido até pelo menos a primeira metade do século XX, em rematada discrepância com a perspectiva positivista e reducionista do próprio Comte.

   O último estado é o científico ou positivo. Aqui o ser humano substitui a pergunta pelo “porquê” pela pergunta pelo “como”. Ele desistiu de buscar princípios últimos explicativos de todo o universo, contentando-se em buscar relações fixas entre os fenômenos observados, ou seja: leis da natureza. Ao invés de buscar por uma verdade absoluta o ser humano passou a buscar verdades por meio de aproximações sucessivas, consciente de poder sempre estar errado. Essa seria a fase adulta do desenvolvimento da humanidade, correspondendo, na psicologia do crescimento individual, ao homem adulto.

   O ponto importante é que se no fim de contas Comte estiver certo então a filosofia, compreendida pelo que ele chama de metafísica, deverá ser toda ela em algum ponto substituída por alguma espécie de ciência.

 

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A lei dos três estados precisa ser complementada pela classificação das ciências particulares feita por Comte. Ele percebeu que os estados religioso e metafísico antecedem o nascimento de cada uma das ciências particulares e que elas nascem sucessivamente da mais simples para a mais complexa, em dependência uma da outra. Isso introduz um elemento de complicação no processo.

   Para Comte as ciências empíricas particulares podem ser classificadas segundo a sua generalidade e segundo a sua complexidade. A generalidade opõe-se à complexidade e vice-versa. Quanto mais geral é uma ciência, mais simples ela é em seus princípios. Quanto mais complexa é uma ciência, menos geral ela é. Alterando um pouco a lista de Comte das ciências particulares nós chegamos ao seguinte quadro:

 

Maior complexidade              SOCIOLOGIA

                                               PSICOLOGIA

                                               BIOLOGIA

                                               QUÍMICA

                                                FÍSICA                          Maior simplicidade                 

 

A física é a ciência de maior simplicidade quanto aos princípios. Em compensação, suas leis devem se aplicar ao universo inteiro. A química diz respeito a combinações entre os átomos. Ela se aplica ao fenômeno emergente que são os compostos químicos que existem na terra, mas não se aplica a maior parte do universo, que não permite a composição química mais complexa. A biologia se aplica à vida, um fenômeno emergente relativo aos reinos animal e vegetal, que cobrem parte da terra. A psicologia (ignorada por Comte) diz respeito apenas aos seres vivos conscientes, capazes de vida mental, o que é mais um fenômeno emergente, não se aplicando, por exemplo, aos vegetais. E a sociologia só se aplica aos seres vivos conscientes capazes de se reunir na formação de sociedades complexas, o que nos permite perguntar se essas sociedades não são também um fenômeno emergente.

   Há um grande número de outras ciências, mas elas são derivadas, por exemplo, a geologia, que usa conhecimentos da física, da química, da biologia, etc. com o objetivo de estudar rochas. A astronomia (que Comte erroneamente considerava uma ciência particular) aplica conhecimentos de física, química, etc. para estudar o cosmo. A neurociência intenta aplicar nosso conhecimento de biologia, bioquímica, biofísica, etc. para estudar o funcionamento do cérebro...

   Importante é notar que a passagem do estado metafísico para o estado científico se deu no emergir de cada ciência particular em tempos diferentes. As ciências mais gerais surgiram primeiro, uma vez que seu conhecimento era geralmente pressuposto para o surgimento das outras. A “física” aristotélica (enquanto física) era puramente especulativa e completamente errônea, tendo prevalecido até o fim da Idade Média, tornando-se realmente ciência só após Galileu, no século XVI. Entre as ciências empíricas a física surgiu primeiro, uma vez que ela é pressuposta pelas outras ciências particulares, mas não as pressupõe. A química só passou de seu estado metafísico para o estado científico no final do século XVIII, pressupondo em muito a física. A biologia só começou a se libertar das especulações durante o século XIX com Pasteur, pressupondo para seu desenvolvimento o conhecimento de ciências mais básicas, incluindo as tecnologias por elas possibilitadas, como a invenção do microscópio. E a psicologia e a sociologia se encontram ainda hoje em um estado parcialmente conjectural (metafísico), a despeito do otimismo de Comte quanto à última. Ciências derivadas como a neurociência, por sua vez, dependem para o seu aparecimento de toda espécie de desenvolvimentos anteriores de outras ciências, o que inclui a produção dos meios de pesquisa. Quando consideramos o que se deu realmente vemos que a lei dos três estados diz respeito apenas a uma tendência geral de sucessão, não existindo um tempo histórico definido para cada estado, visto que eles se sobrepõem de tal maneira que ainda hoje somos capazes de encontrar resíduos do estado metafísico e até mesmo do estado teológico em muito do que fazemos.

   Um ponto a ser adicionado é que a ruptura epistemológica abrupta que aconteceu com o surgimento de uma ciência como a física no renascimento não precisa se repetir da mesma forma no surgimento de outras ciências. A passagem da psicologia para a ciência tem sido gradual, com dimensões resistentes na assim chamada psicologia profunda. Se domínios da filosofia como a epistemologia e a ética passarem ao nível de ciência, isso não significa que deverá haver uma ruptura com a epistemologia e ética tradicionais, que em meu juízo conserva algumas verdades já descobertas por Platão. Além disso, como veremos, se domínios centrais da filosofia forem capazes de passar ao nível de “ciência” precisaremos considerar melhor que conceito de ciência estaremos usando. 

   Filósofos em geral sempre torceram o nariz para as ideias de Comte. Eles se sentiam feridos pelo seu positivismo reducionista, por sua maneira antifilosófica e apressada de substituir a conjectura filosófica pela ciência. Sartre chegou a dizer que Comte está na origem do fascismo... Mas isso é bastante injusto. Sensatamente consideradas, certas ideias de Comte parecem-nos hoje, em suas linhas gerais, capazes de serem absorvidas de maneira proveitosa, especialmente quando revisadas sob a perspectiva que veremos a seguir.

 

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J. L. Austin. A consideração da lei dos três estados nos leva diretamente a uma outra ideia, que é a de que a filosofia é uma protociência. Segundo ela a filosofia é aquilo que é possível fazer antes do surgimento da ciência. Quando ainda não sabemos o suficiente sobre os métodos a serem empregados, quando não sabemos sequer quais são os dados que devem ser considerados mais fundamentais, não temos critério para saber que teoria devemos escolher. O que temos são conjecturas filosóficas, ou seja: diversos conjuntos plausíveis de pressupostos seguidos de sequências argumentativas advindas de cada conjunto – as diversas filosofias – não nos sendo possível compará-las de forma decisiva umas com as outras.

   Essa situação também permite um uso relativamente livre da imaginação na busca de soluções meramente especulativas. E isso é aquilo que mais caracteriza a filosofia. Esse sentir-se bem no pensamento conjectural é o que motivou Bertrand Russell a comparar os filósofos a certos Pais Peregrinos, que iam viver sempre mais para o Oeste, de modo a fugir da civilização que deles se aproximava.

   Como observou J. L. Austin em uma famosa metáfora que não me canso de repetir, na qual prepara o terreno para seu plano de retirar do domínio conjectural da filosofia uma ciência da interação comunicativa:

 

Na história da investigação humana, a filosofia ocupa o lugar do sol inicial central, seminal e tumultuoso: de tempos em tempos ele lança fora uma porção de si mesmo para formar estação como ciência, um planeta, frio e bem regulado, progredindo continuamente em direção a um final distante. Isso aconteceu há muito tempo atrás com o nascimento da matemática, e ainda com o nascimento da física... Não é possível que o próximo século possa ver o nascimento, através do trabalho conjunto de filósofos, gramáticos e numerosos outros estudantes da linguagem, de uma verdadeira e abrangente ciência da linguagem? Então nós teremos nos livrado de mais uma parte da filosofia (haverá ainda muitas deixadas para trás) da única maneira pela qual podemos nos livrar da filosofia, que é chutando-a para o andar de cima.[12]

 

Austin demonstrou isso na prática. Ele passou os últimos dezesseis anos de sua vida trabalhando no desenvolvimento de uma gramática dos diferentes atos de interação linguística, como afirmar, perguntar, prometer, pedir, ordenar, batizar... disso resultando o que ele chamou de uma “teoria dos atos de fala,” que hoje é estudada mais nos cursos de linguística do que nos de filosofia.[13] Esse é o conceito de filosofia como protociência, complementar à visão de Comte. E o sol inicial central e tumultuoso não pode ser melhor descrito do que na exposição da filosofia originária dos pré-socráticos.

   Há nesse ponto uma objeção à ideia de filosofia como protociência que é sintomática e que resulta de simples confusão. Ela foi feita por Anthony Kenny, que observou que pelo menos os domínios centrais da filosofia, como a metafisica, as teorias do significado e a ética, continuarão para sempre filosóficos.[14] Essa conclusão se deve sem dúvida à concepção positivista da natureza da ciência que Kenny e muitos outros tem em mente. Essa concepção ainda é muito difundida por influência do positivismo lógico e do fato de que os primeiros filósofos da ciência empírica eram filósofos da física. Trata-se da definição da ciência pelo emprego de experimentos verificacionais (Carnap) ou falseadores (Popper), notadamente aqueles passíveis de controle preciso e de repetição. Tais concepções se aplicam quando muito à física, mas não se aplicam a um domínio obviamente científico como a teoria da evolução, que não é passível de experimentos repetíveis. Ademais, o que dizer de muitas outras atividades consideradas científicas, como a linguística, a história, a antropologia física? Concepções positivistas da ciência costumam ser reducionistas, por isso mesmo deixando de corresponder ao que cientistas e pessoas com educação científica costumam chamar de ciência, que é algo muito mais amplo. Se quisermos entender a ideia de filosofia como protociência tendo uma concepção positivista da natureza da ciência a conclusão de Kenny é correta e inevitável. O sol seminal filosófico, naquilo que ele tem de mais central, jamais poderá dar lugar à ciência, a menos que isso seja feito caricaturalmente através de alguma forma brutal de reducionismo.

   Há, porém, uma definição de não reducionista de ciência que se complementa perfeitamente com a ideia de filosofia como protociência e que corresponde exatamente ao que cientistas e pessoas com educação científica costumam chamar de ciência. Trata-se do que John Ziman, um físico e sociólogo da ciência sugeriu. Segundo Ziman, o traço mais fundamental da investigação científica é que ela é um conhecimento público consensualizável (public consensualizable knowledge). A ideia é intuitiva: o conhecimento dito científico é aquele apto à obtenção de um consenso possível quanto aos seus resultados da parte de uma apropriada comunidade de ideias, que é a comunidade dos cientistas. Se adicionarmos a exigência de que essa comunidade seja semelhante àquilo que Jürgen Habermas chamou de “comunidade ideal de fala” (ideale Sprachgemeinschaft), ou seja, uma comunidade crítica com participantes igualmente competentes, com idêntico acesso à informação, iguais direitos de crítica, efetivo compromisso heurístico, etc. e capazes de estabelecerem o que possa ser identificado como razoáveis condições públicas de avalição, parece que a ideia de Ziman além de intuitiva pode ser bem fundamentada.[15]

   Alguém poderá objetar que nada disso resolve o problema, pois, diversamente da ciência, a especulação filosófica é demasiado abstrata, de sorte que a aquisição de consenso a respeito dela restará sempre impossível, a menos que se proceda de maneira reducionista e falsa. A resposta é que em seus resultados as ciências empíricas e mesmo formais se reforçam mutuamente, de modo a possibilitar desenvolvimentos mais abstratos, capazes também eles de se reforçar uns aos outros... Se é assim, então com o desenvolvimento e acúmulo do saber o dia chegará no qual se tornará possível que esse reforço passe a se dar em níveis tão abstratos quanto os da própria especulação filosófica, aproximando seus resultados, enfim, de matéria de consenso.

   A definição de ciência como conhecimento público consensualizável resgata perfeitamente o que os cientistas admitem chamar de ciência. A teoria da evolução é científica porque há bastante consenso entre os cientistas quanto aos seus resultados. A antropologia física é científica porque a comunidade científica é capaz de concordar plenamente com os seus resultados. A teoria das cordas da microfísica será ciência se for ao menos fisicamente (mesmo que não praticamente) possível que ela venha a obter alguma comprovação experimental com a qual os físicos estejam de acordo... Mas o mesmo não acontece com a astrologia, visto que os astrólogos jamais conseguiram chegar a um acordo sobre seus resultados. E o mesmo também não acontece com a filosofia. Restringindo-nos aos pré-socráticos, não temos como dizer quem estava certo, se Heráclito ou Parmênides, se Empédocles ou Demócrito. Assim colocada a pergunta sequer faz sentido.

   Se admitirmos uma concepção suficientemente liberal de ciência como a proposta por Ziman, a possibilidade de que toda a filosofia venha a se tornar ciência se torna factível. Quando teorias pertencentes a domínios centrais da filosofia, como a epistemologia e a ética, se tornarem objeto de consenso entre os filósofos, elas deixarão de ser filosóficas para se tornarem científicas. E não precisaremos nos tornar positivistas ou reducionistas para concordarmos com isso.

 

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O triângulo filosófico. Há, por fim, ainda outra maneira conhecida de se entender a natureza da filosofia que considero complementar ao que sugerimos até aqui e que nos proporciona um quadro mais amplo. Trata-se da ideia de que a filosofia seja uma prática cultural derivada. Um exemplo de prática cultural derivada é a ópera. Ela é basicamente um resultado derivado de três práticas artístico-culturais que são: a poesia, o enredo e a música (a melodia instrumental junto ao canto lírico). Tendo em vista a filosofia, parece que podemos considerá-la como uma prática cultural derivada das três práticas culturais mais fundamentais, que são as práticas religiosa, artística e científica. A filosofia não é propriamente nenhuma dessas três práticas, mas retira material, métodos e motivações de cada uma delas. Da prática religiosa ela retira a motivação mística, visível na fé obstinada que os filósofos detém em suas conjecturas, na perspectiva abrangente, no impossível esforço em explicar o universo como um todo e o lugar do homem nele. Da prática artística ela retira o caráter inevitavelmente metafórico do que faz, como é visto em seus conceitos fundamentadores (como os do ser, da ideia, da coisa em si, do absoluto), em suas imagens retóricas. Finalmente, da prática científica ela retira seu objetivo heurístico, sua prática argumentativa, além de seus recursos metodológicos formais ou empíricos muitas vezes tomados de empréstimo das ciências. Com isso podemos construir um triângulo em cujos vértices se encontram a religião, a arte e a ciência, encontrando-se a filosofia no espaço interior do triângulo, como é sugerido abaixo:

 

 

                                                    CIÊNCIA

 

                                                  FILOSOFIA

 

                RELIGIÃO                                                     ARTE

 

Quando consideramos a filosofia dos pré-socráticos encontramos todos esses elementos presentes. É evidente o elemento estético nos aforismos de Heráclito ou no poema de Parmênides. Mas Heráclito escreve em tom oracular e o poema de Parmênides é apresentado por uma deusa, o que revela o elemento místico. Além disso, Heráclito busca a sabedoria no logos que governa o mundo, enquanto Parmênides tem por objeto o conhecimento do que é verdadeiro, coisas que poderiam ser buscadas pela ciência. A mesma combinação podemos encontrar em outros filósofos pré-socráticos.

   Podemos intuitivamente situar os diferentes filósofos em diferentes locais internamente ao triângulo. Filósofos que possuem em medida similar elementos místicos, estéticos e heurísticos podem ser postados no meio do triângulo, a exemplo de Platão, por vezes considerado o filósofo par excellence. Filósofos cujo trabalho possui predominância de elementos místicos podem ser postados próximos ao vértice religioso do triângulo, a exemplo de Hegel. Filósofos com predominância de elementos estéticos, poetas-filósofos como Nietzsche, podem ser postados próximos do vértice artístico do triângulo. Filósofos com predominância conjunta dos elementos estético e místico, como Kierkegaard e Heidegger, podem ser postados próximos à linha de baixo do triângulo. E ainda, Filósofos com interesses particularmente heurísticos, como Locke, Russell, Rudolph Carnap e Saul Kripke, podem ser postados próximos ao vértice científico do triângulo.

   O triângulo filosófico nos ajuda até mesmo a classificar as filosofias de diferentes culturas. Filósofos alemães, desde místicos como Meister Eckhart até filósofos de grande estatura como Kant, Husserl e Heidegger, geralmente demonstravam proximidade do vértice religioso, a qual foi grandiosamente exemplificada pelo idealismo absoluto de Hegel. A filosofia francesa desde Descartes, mas em um nível extremo no movimento pós-modernista de pensadores como Foucault, Deleuze e Derrida, possui ênfase estética, tendendo ao extremo artístico. Finalmente, a filosofia anglo-americano-australiana põe ênfase no aspecto heurístico próprio do vértice científico. Basta considerar exemplos de filósofos como Locke, Stuart Mill, Russell, W. V-O. Quine, Saul Kripke, e mesmo, se bem considerados, J. L. Austin e John Searle.  

 

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A filosofia dos pré-socráticos foi no século V substituída pela filosofia madura da Grécia antiga, que foi a de Sócrates, Platão e Aristóteles. Os dois últimos, junto a filósofos como Kant, Hume e Hegel, constituem o cânone, se assim podemos dizer, da tradição filosófica, pela amplitude, coesão lógica e força imaginativa de seus sistemas. Eles foram tentativas de unificar especulativamente nosso entendimento do mundo e do lugar que o homem nele ocupa com base no conhecimento e na cultura de suas épocas.

 

 

 

 



[1] Friedrich Nietzsche: “Os filósofos Trágicos”, in Os Pré-Socráticos: Fragmentos, doxografia e comentários, col. Os pensadores, ed. Victor Civita (São Paulo: Abril Cultural 1978), pp. 10-12.

[2] Ver Susan Haack (2014). “The Fragmentation of Philosophy, The Road to Reintegration”, in Reintegrating Philosophy. Ed. J. F. Göhner, Eva-Maria Junger, Springer Verlag 2016, p. 15 ss.

[3]  Karl Popper: “Back to the Pre-Socratics.” In Conjectures and Refutations (London: Routledge 1989), p. 138.

[4]  Nas citações dos pré-socráticos faço livre uso de G. S. Kirk, J. E. Raven e M. Schofield: The Presocratic Philosophers (Cambridge: Cambridge University Press 1995), além das traduções que se encontram em Os Pré-Socráticos: Fragmentos, doxografia e comentários, Col. Os Pensadores (São Paulo: Abril Cultural 1973).

[5] Ver Anthony Kenny: A New History of Western Philosophy, (Oxford: Oxford University Press 2004) vol. I, p 25.

[6] Friedrich Nietzsche: A gaia ciência (1882, 1887) sec. 285, 341.

[7] No poema a sentença é: “To gar auto noein estin te kai einain”. As traduções variam muito. Por exemplo: “Das seiende Denken und das Sein is dasselbe” (Diels/Kranz), “The same thing is there to be thought and is there to be” (Edward Hussey), “Being thought and being are one” (Anthony Kenny)…

[8] G. S. Kirk, J. E, Haven, M Schofield: The Presocratic Philosophers (Cambridge: Cambridge University Press 1995), 244-245.

[9] Comte: Cours de philosophie positive (Paris: Rouen Fréres 2830), p 3 e ss.

[10] Course se Phisosophie Positive, Prèmier Lesson, p. 2.

[11] Tendo em vista a perspectiva de sua época Comte datou o estágio teológico como anterior à revolução francesa, o estágio metafísico com estando entre aquela revolução e a queda de Napoleão, depois disso vindo o estágio positivo. Essa é, porém, uma maneira insustentavelmente ideológica de se resolver a questão, que contribuiu apenas para o descrédito da teoria. Correto é admitir uma lenta sobreposição dos três estados subsequentes, diversa para cada ciência e da qual mesmo hoje ainda não saímos, o que serve de admoestação contra o ilusório positivismo de Comte.

[12]  J. L. Austin: Philosophical Papers (Oxford: Oxford University Press 1979), p. 232.

[13] O livro foi publicado depois de sua morte sob o título de How to Do Things with Words (Oxford: Clarendon Press 1962)

[14]  Anthony Kenny: Aquinas on Mind (London: Routledge 1993) cap. 1, p. 4.

[15] Ver C. F. Costa: The Philosophical Inquiry: Towards a Global Theory (Langam: UPA 2002), cap. III


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