Retirado de um DRAFT para o livro “Introdução histórica à filosofia”
I
OS PRÉ-SOCRÁTICOS E A NATUREZA
DA FILOSOFIA
A filosofia ocidental nasceu na Grécia antiga,
cerca de 500 anos antes de Cristo. Mas a filosofia enquanto tal é muito mais
antiga. Para alguns ela nasceu na China há cerca de 1000 anos antes de Cristo,
com o I Ching, o chamado Livro
das Mutações, que foi um livro de adivinhação e de sabedoria oracular redigido em
muitas camadas por muitos autores durante diversas eras. Para outros ela teria
nascido na Índia há cerca de 1500 anos antes de Cristo, originando um grupo de
tradições filosóficas e religiosas cujo principal objetivo era orientar a vida
humana.
A
filosofia, tanto ocidental quanto a oriental, teve origens religiosas. Como
resultado disso temos uma incômoda confusão, ainda hoje comum entre os leigos,
entre filosofia e sabedoria de vida. A filosofia acadêmica, contudo, como
resultado de uma especulação coletiva de comunidades de conhecedores,
sedimentada sobre uma tradição milenar, pouco tem a ver com uma simples
sabedoria de vida, tendo se tornado hoje uma investigação aparentemente
esotérica e inacessível ao público leigo.
É
interessante lembrar nesse contexto a opinião de Hegel, para quem a filosofia,
tal como hoje a concebemos, se originou realmente na Grécia antiga e não no
oriente. A razão por ele aventada é que a filosofia oriental não se diferenciava
suficientemente da religião. Com efeito, essa filosofia se encontrava mais
próxima de uma forma de sabedoria mística, de um aconselhamento sobre a arte do
bem-viver, de uma forma mais elevada e reflexiva de autoajuda. Em contraste com
isso, a filosofia nascida com os filósofos pré-socráticos se ocupava de
argumentos críticos desenvolvidos por pessoas que conheciam bem a ciência da
época. Essas pessoas buscavam substituir o legado do pensamento mitológico por
um questionamento especulativo que prefigurava o pensamento científico. A
opinião de Hegel pode ser exagerada, mas há nela algo de verdadeiro.
Para
entender o nascimento da filosofia ocidental precisamos considerar o pensamento
dos filósofos pré-socráticos, assim chamados por terem aparecido antes de
Sócrates e por terem preocupações filosóficas cosmológicas em geral diferentes
das preocupações essencialmente morais do último. Eles foram os primeiros a
terem surgido na Grécia, em um período que foi do século VI ao século V antes
de Cristo. O principal objetivo desses filósofos era encontrar um princípio
originador e sustentador de tudo o que existe, a assim chamada arché. Esse princípio pertencia à natureza (physis), daí o naturalismo dos pré-socráticos.
Na época a Grécia importava a ciência nascente do Egito e da Babilônia e os
filósofos pré-socráticos eram bons cientistas, conhecendo matemática,
geometria, engenharia, astronomia. Em razão dessa base científica, o pensamento
deles caracterizava-se pelo rompimento com o pensamento mitológico que os
antecedeu. Seu projeto comum era o de substituir as explicações mitológicas da
natureza e de suas anomalias por princípios especulativos que pelo menos
tivessem a forma de princípios científicos, uma vez que em tais
domínios a ciência como ciência era impossível.
1
Os
milesianos. O primeiro pré-socrático foi o filósofo jônico Tales de Mileto (647-524
a.C.). Ele também foi um astrônomo e matemático, tendo previsto um eclipse
solar no ano de 585 a.C. Ele acreditava que a água fosse a arché, o princípio de todas as coisas, posto que a vida
nasce das coisas úmidas. O princípio água coincidia com o divino, donde tudo se
encontra pleno de deuses.
Tales
foi a primeira pessoa a ter a ideia de uma unidade na multiplicidade de tudo o
que existe, a intuição original de que tudo é
um,[1] o que significa
dizer que o universo possui uma unidade constitutiva à qual nós podemos, em
princípio, ter acesso cognitivo. O esforço no sentido de obter uma compreensão
unificadora de todas as coisas foi uma característica da filosofia
pré-socrática e também dos grandes sistemas da tradição filosófica ocidental.
A
busca da unidade na multiplicidade tem ultimamente reforçada através da noção
de consiliência. Ela consiste, no entender de Susan Haack, na
assunção da existência de uma unidade na realidade.[2] Essa
assunção é essencial à toda investigação. Ela faz com que através da
investigação nós possamos admitir que diferentes ideias, caso verdadeiras,
sejam capazes de se complementar umas às outras, reforçando-se assim em sua
plausibilidade. A noção vale para as ciências, mas pode valer também para a
filosofia.
Tales
foi sucedido por outros dois filósofos Jônicos mais jovens do que ele:
Anaximandro e Anaxímenes. Anaximandro sugeriu que o mundo fosse resultado de um
elemento indefinido ou, mais literalmente, do ápeiron, que se traduz como o ilimitado. Essa é uma ideia importante por tornar o
princípio explicativo das coisas, pela primeira vez na história da filosofia,
algo não perceptível aos sentidos.
Anaximandro (610-546 a.C.) foi responsável pela ideia de que a terra é
um cilindro suspenso entre os Astros, que não cai nem para um lado nem para o
outro, graças ao equilíbrio das forças. O filósofo da ciência Karl Popper viu
nisso uma antecipação do conceito de inércia e até mesmo o da gravitação.[3] A
filosofia dos pré-socráticos atuava entre a mitologia e a ciência e, às vezes,
como uma clara antecipação da última.
Anaxímenes (599-524 a.C.), por sua vez, sugeriu que o princípio
originador e constitutivo fosse o ar. Afinal, não podemos
permanecer vivos sem respirarmos. E disso ele supôs que o mundo inteiro, tal
como um ser vivo, também fosse dependente da existência do ar para subsistir.
Como explicou em um dos fragmentos:
Como nossa alma, que
é ar, nos governa e mantem unidos, assim também o vento e o ar, que são o
mesmo, mantêm unido o universo inteiro.[4]
Anaxágoras (500-428 a.C.), nascido na Jônia,
foi outro importante filósofo pré-socrático. Ele é visto como o introdutor do
conceito de mente em filosofia. Ele entendia a arché como sendo o nous, ou seja, a mente ou pensamento. Para ele a mente
deve ser algo que embora sendo material é absolutamente puro:
A mais fina e pura de
todas as coisas, que possui todo o conhecimento de todas as coisas e o maior
poder.
A mente seria uma força infinita que, agindo
sobre a matéria informe, dá origem a tudo o que existe nesse mundo.
Anaxágoras foi também o defensor da versão pré-socrática da teoria do
Big-Bang.[5]
Segundo ele, no começo o universo inteiro se encontrava comprimido em um átomo
primordial:
Todas as coisas
estavam juntas, infinitamente pequenas em número e pequenez, pois o pequeno era
infinitamente pequeno. E como estava tudo unido nada era reconhecível devido à
pequenez.
Para Anaxágoras esse ínfimo átomo era como que
um plasma indiviso, posto que misturava tudo no infinitamente pequeno, fazendo
com que nada mais fosse distinguível. Esse átomo primordial começou a girar com
força cada vez maior, jogando para fora de si o éter e o ar e formando as
estrelas, o sol e a lua. Essa rotação fez com que os elementos se separassem,
mas isso nunca aconteceu por completo, de modo que cada coisa preserva em si
algo de todas as demais (atualmente dizemos que em nossos corpos também
possuímos átomos das estrelas). Essa expansão do universo existe hoje e
continuará existindo sempre. E com isso também outros mundos semelhantes ao
nosso podem ter sido gerados, com sol e lua próprios e mesmo habitados por
criaturas tão inteligentes quanto nós!
Em
meio a tudo isso a única coisa que continua a mesma e que a tudo move é a
mente. Nesse último ponto seu Big-Bang difere do nosso, uma vez que preferimos
substituir seu conceito animista de mente pelo de leis fundamentais da
natureza.
2
Princípios
múltiplos. Vários filósofos pré-socráticos entenderam a arché como sendo múltipla.
Esse foi o caso dos seguidores de Pitágoras, que tendo percebido que tudo na
natureza possuía quantidades e formas, concluíram que os números eram o
princípio fundamentador do universo. Eles seriam o fundamento, começando do
número um, que é base da aritmética, e do ponto, que é base da geometria.
Baseados na matemática os filósofos pitagóricos formaram uma seita que
objetivava explicar não só o universo, mas também a vida humana. Eles
acreditavam na doutrina da transmigração das almas, que acabou por influenciar
o pensamento de Platão.
Também
acreditavam em princípios múltiplos os filósofos atomistas Leucipo e seu
discípulo Demócrito (460-370 a.C.), do qual restaram muitos fragmentos, além de
Epicuro (341-270 a.C.), um atomista tardio da época helenista. Para Demócrito o
mundo é constituído do que ele chamou de átomos (não-divisíveis), que são
partículas invisíveis, indivisíveis, com solidez e impenetrabilidade, tamanhos
e formas as mais diversas e infinitos em número. Eles são os elementos
constitutivos de todas as coisas visíveis. Afora os átomos, só o que existe é o
espaço ou vazio. Os átomos se movem e se chocam uns contra os outros segundo
leis causais deterministas. Como consequência, os atomistas foram os primeiros
filósofos distintamente materialistas. Mas isso não os impedia de acreditarem
no espírito, pois as almas humanas poderiam ser entendidas como constituídas de
átomos extremamente sutis. Assim, quando sonhamos com um antepassado morto pode
ser porque os átomos constitutivos de suas almas penetraram em nossas cabeças
enquanto estávamos dormindo, interagido com os átomos de nossas almas...
É importante
notar que os atomistas estavam antecipando a possibilidade de descobertas
científicas que ocorreram mais de dois mil anos depois. Elas foram o que em sua
memória decidimos chamar de átomos, que compõem a tabela periódica, mais tarde
substituídos por partículas subatômicas indivisíveis chamadas de elétrons,
quarks, gluons e fótons. Mesmo que eles de maneira alguma pudessem antecipar a
física das partículas tal como ela é hoje estabelecida, eles anteciparam a
ideia de que o universo poderia ser formado por partículas invisíveis
discretas, móveis e possuidoras de massa. Não deixa de ser impressionante que
após mais de dois mil anos a ciência tenha demonstrado que as especulações dos
atomistas gregos são capazes de receber fundamentação científica.
Além
das especulações cosmológicas, a maior parte dos fragmentos deixados por
Demócrito foram instrutivos ditames morais, muitos deles ainda hoje aplicáveis.
Por exemplo:
É esforçar-se em vão
querer trazer entendimento a quem acredita tê-lo.
Os insensatos
tornam-se razoáveis pela desgraça.
Quem procura o bem
atinge-o com dificuldade. O mal, porém, atinge mesmo aquele que não o procura.
A beleza do corpo é
animalesca se não for dignificada pelo entendimento.
Ao homem sábio todas
as terras são acessíveis, pois a pátria de uma alma virtuosa é o universo.
É curioso notar que esses dísticos se aplicam
hoje tanto quanto se aplicaram há 2.500 anos. Parece que o ser humano em alguns
aspectos pouco ou nada aprendeu com os erros de seus antepassados.
Um
outro pré-socrático pluralista que merece ser citado foi Empédocles de
Agrigento (florescido em 450 a.C.), um filósofo bastante vaidoso que se
considerava um deus e que segundo a lenda deu fim a sua vida atirando-se na
cratera do Etna. Ele foi um precursor de Darwin ao sugerir especulativamente
que as espécies se desenvolvem através de uma luta entre seres vivos que
casualmente nascem com as mais diversas características, o que faz com que só
os mais aptos sobrevivam. Para ele os seres vivos se originaram do mar e o ser
humano, em tempos primevos, deveria ser muito diferente, considerando que hoje
ele precisa de anos de completa dependência dos pais para poder sobreviver por
si mesmo, diversamente dos animais.
Empédocles foi o inventor da ideia de que o universo é constituído por
quatro elementos (raízes) que ele encontrou em filósofos anteriores. Esses
elementos originários são a água (Tales), o ar (Anaxímenes), o fogo (Heráclito)
e a terra (Xenófanes). Eles são imutáveis e combinam-se uns aos outros de modo
a formar o universo visível. Essa teoria foi aceita até o século XVII, quando
químicos como Robert Boyle fizeram-na cair por terra.
Para
Empédocles atuam sobre os quatro elementos duas forças físicas, que ele chamou
de harmonia (o amor) e discórdia (o ódio). A ação alternada dessas duas forças
faz com que o universo sofra um processo cíclico de mudança através do qual de
tempos em tempos tudo se repete. Assim, no início de um ciclo os elementos se
encontram todos perfeitamente misturados, os objetos não existem e a força
imperante é a da harmonia em toda a esfera do mundo, que forma um todo
homogêneo. Mas a força da discórdia logo penetra na esfera do mundo e começa a
agir separando os elementos e formando os objetos hoje conhecidos, até quando
terra, ar, água e fogo se tornam completamente separados. Nesse ponto a força
da harmonia começa a agir novamente, misturando pouco a pouco outra vez os
elementos, até o retorno ao estágio inicial de perfeição, quando inicia-se um
novo ciclo pela força da discórdia... Em seu tempo Empédocles acreditava que o
mundo se encontrava em um estágio intermediário, em que as forças da discórdia
agiam de maneira cada vez efetiva.
A
doutrina cíclica de Empédocles foi sugerida pela observação dos acontecimentos
cíclicos no mundo. As estações do ano são cíclicas: vemos as árvores
florescerem e darem frutos na primavera e no verão, para então perderem as suas
folhas no outono secando no inverno, só para florescerem de novo no próximo
ano. Os seres vivos são gerados sem forma, crescendo e se diferenciando até
envelhecer e, na morte, tornam-se outra vez matéria informe.
A
ideia de um mundo cíclico foi famosamente reapresentada por Nietzsche sob a
forma do que ele chamou de o eterno retorno. Mas ele o entendia como um experimento
psicológico para testar a autenticidade de nossas atitudes perante a vida.[6] Para
tal ele imaginou que as nossas vidas devessem se repetir identicamente nos mais
ínfimos detalhes um número infinito de vezes. Se alguém aprovasse o eterno
retorno, querendo que cada experiência de sua vida, cada prazer e desprazer,
cada pensamento e decisão, retornasse outra vez e assim infinitamente, essa
seria a prova de uma atitude absolutamente afirmativa diante de sua existência.
Finalmente, a ideia de um mundo cíclico nada tem assim de tão absurda.
Ela tem sido presente na cosmologia contemporânea: para alguns astrofísicos o Big-Bang deverá ser seguido pelo Big-Crunch e assim sucessivamente. Existe, pois, até
mesmo uma versão atual daquilo que Empédocles propôs de forma puramente
especulativa.
3
Heráclito. Quero me deter em
Heráclito e Parmênides, uma vez que eles foram os mais impressionantes
filósofos pré-socráticos. Na antiguidade eles eram considerados opostos, pois
Heráclito enfatizava a mudança e Parmênides a imobilidade do Ser. Mas veremos
que nem por isso eles se opõem tão completamente, posto que por detrás da
mudança Heráclito enfatiza a unidade da razão, que pode ser comparada ao Ser de
Parmênides.
Heráclito de Éfeso (florescimento 500 a.C.), como Nietzsche e
Wittgenstein, foi um filósofo que se exprimia por meio de aforismos oraculares.
Muitos desses aforismos são profundos e nos dizem algo ainda hoje. Eis alguns
deles:
Tudo se faz por contraste; da luta dos
contrários nasce a mais bela harmonia (como a do arco e da lira).
A harmonia invisível é mais forte do que a
visível.
O que está em cima é idêntico ao que está
embaixo.
A natureza ama ocultar-se.
Jamais encontrarás os
confins da alma, tão profundo é o seu logos.
Heráclito pertencia à nobreza efésia. Foi um
pensador de índole aristocrática, misantropo, melancólico, mas profundo e
poético. Expressava-se por meio de aforismos de tom profético. Seus dísticos
eram intencionalmente obscuros de modo a não ser falsamente compreendido por
mentes superficiais. Ele desdenhava o homem comum, para ele prisioneiro da
opinião e incapaz de agir racionalmente.
Heráclito era um elitista no que concerne aos seres humanos. Embora a
razão seja um bem comum a todos, para ele muito poucos são os que fazem uso
dela:
A despeito do logos
ser comum a todos, o vulgo vive como se cada um tivesse um entendimento
particular; não sabe nem escutar nem falar.
As opiniões dos
homens são jogos de crianças.
Heráclito, ao que parece, era também um
filósofo capaz de odiar em medida pouco comum, como demonstram seus aforismos
desdenhosos acerca de seus concidadãos. Faço aqui apenas uma breve seleção
deles:
Os porcos preferem a lama à água limpa.
Os cães ladram para o que desconhecem.
Tudo o que rasteja merece ser chicoteado.
Um para mim vale mil
se for o melhor.
Asnos preferem a
grama ao ouro.
Se você quiser ofender alguém gravemente sem
precisar lançar mão de palavrões, basta se lembrar de algum desses aforismos.
Heráclito foi o filósofo do conflito. Para ele o conflito entre os
opostos é necessário, pois é dele que nasce a mais bela harmonia. Ele
considerava as guerras necessárias:
A Guerra é o pai de
todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros homens; de uns
escravos, de outros homens livres.
A Guerra como solução de conflitos era parte
essencial do mundo antigo. Por exemplo, foi graças à genialidade e astúcia de
um general grego, Temístocles, que a Grécia não foi escravizada pelos persas,
permitindo a continuação da produção cultural grega com o aparecimento de
Platão e Aristóteles. Hegel era um admirador de Heráclito. A ideia hegeliana de
que a razão humana é apenas um momento da razão universal parece ter sua origem
em Heráclito.
Mas
não seria a necessidade da guerra uma ideia a ser ultrapassada, posto que
esperamos que no futuro ela deixe de existir? Essa seria uma maneira bastante
superficial de entendermos o que Heráclito quis dizer. Mesmo que as guerras
deixem de existir, os conflitos entres sociedades humanas continuarão existindo
de forma mais elevada, por exemplo, entre influências, valores, ideias e
ideais. Se Heráclito estivesse aqui entre nós ele diria que a guerra continuará
sempre existindo, dado que é inerente à vida humana em sociedade.
Outra
ideia iconoclasta de Heráclito é a de que para que exista o bem é necessário
que exista o mal, para que exista a justiça é necessário que também exista a
injustiça. Essas oposições são interdependentes, o que deve desfazer a ilusão
escapista de que possa haver um mundo inteiramente bom e justo, ao menos dentro
da perspectiva humana. Essa ideia vale para a sociedade e também para os
indivíduos. Para Heráclito o ser humano é pela sua própria condição aprisionado
ao conflito, de modo que a possibilidade de que ele se eleve à afirmação de uma
existência para além de qualquer conflito é enganosa. De onde se pode concluir
que seria melhor para o ser humano aceitar o conflito e tentar superá-lo
conscientemente pela ação ou pela reflexão – aqui um ponto de contato entre
Heráclito e Nietzsche.
Faço
uma pausa para lembrar um livro: O visconde partido ao
meio
de Ítalo Calvino. Na estória, o visconde Medardo di Terralba é uma pessoa que
na Guerra contra os mouros foi partido em duas metades por uma bala de canhão.
Os cirurgiões conseguiram resolver o problema separando as metades de modo a
formar duas pessoas, dois viscondes. Mas eles incorreram em um erro, pois um
deles herdou a parte má do visconde, enquanto o outro herdou a parte boa.
Aquele que herdou a parte má se transformou em um psicopata que se divertia em
destruir tudo o que fosse vivo, belo ou bom. Já o que herdou a parte boa era
bom demais. Era ingênuo e esquecia de si mesmo. Sua namorada logo se cansou
dele por considerá-lo tedioso. A estória termina quando as duas metades se reencontram
e entram em duelo. Curiosamente, durante a luta elas pareciam querer
aproximar-se uma da outra. Feridos, eles caem outra vez nas mãos de um
cirurgião competente, que reúne as duas partes e faz reviver o visconde
original. Sem grande surpresa esse novo visconde passa a ser uma pessoa que age
corretamente, na justa medida, ciente outra vez dos extremos volitivos do bem e
do mal que deve manter sob a vigilância e o controle de sua consciência.
Para
Heráclito a arché não era a água, nem
o ar, nem a terra, mas o fogo, no qual outros elementos se desfazem. Segundo
ele:
Este mundo sempre
foi, é agora e sempre será o sempre vivente fogo, com medidas certas de seu
acender e medidas certas do seu apagar.
Para ele sem o conflito o mundo se desfaria em
nada. Ele foi não só o filósofo do conflito, mas também do movimento, da
mudança. Como o fogo, tudo se encontra em movimento, embora preso a medidas
determinadas por leis. Também a vida é tensão, conflito, movimento incessante:
Tu não podes
atravessar duas vezes o mesmo rio, pois novas águas correm sempre por ele.
Mas não entende Heráclito quem acredita que ele
queria reduzir tudo ao movimento e ao conflito desordenado, pois sob o conflito
de opostos ele acreditava em uma ordem oculta da natureza imposta pelas leis da
razão (o logos) e alcançável
através do pensamento. Para ele é a razão que secretamente domina o mundo.
Heráclito era um panteísta que acreditava que Deus se encontra em todas as
coisas. Mas esse Deus, o Uno, era para ele a própria razão que revela a
identidade na diferença, a unidade no todo e a medida de cada coisa. A razão,
escreveu ele, é comum a todos, mas o vulgo não faz uso dela, nem os habitantes
de sua cidade, que deveriam ser todos enforcados, nem mesmo os grandes poetas
como Homero e Hesíodo.
O
fundamento último da filosofia de Heráclito não se encontra, portanto, no
movimento, nem no conflito dos opostos, mas na ideia da unidade do todo, na
ideia de que a razão, o logos que subjaz ao conflito, é capaz de unificar os
opostos e dar lhes proporção e medida. Sob a perspectiva do Deus que para ele é
a razão ou o Uno, todas as tensões são reconciliadas e as diferenças
harmonizadas. Como ele escreveu:
Para o Deus todas as
coisas são justas e boas, mas os homens sustentam que algumas coisas são
erradas e outras certas.
Há também em Heráclito o que me parece uma
sugestão acerca da natureza da filosofia como um saber antecipador de uma forma
mais consensualizável de conhecimento, um saber que ele apresenta na forma do
saber adivinhatório do oráculo. Eis como ele o expõe:
A sibila, que com sua
boca delirante diz coisas sem alegria, sem ornatos e sem perfumes, mas atinge
com sua voz mais de mil anos, graças ao deus que está nela.
Esse juízo de Heráclito sobre a sibila é na
verdade sobre sua própria filosofia. Ele também se aplica ao que de melhor foi
feito na história da filosofia. Muito da filosofia pré-socrática
metaforicamente antecipa o que será futuramente tematizado em maior rigor e
detalhe por outros filósofos ou mesmo descoberto de forma científica. Por isso
a filosofia também tem sido chamada de o berçário das ciências, ou ainda, de o
guardador de lugar da ciência.
4
Parmênides. Talvez o mais
influente dentre os filósofos pré-socráticos tenha sido Parmênides de Eleia
(530-460 a.C.), o fundador da escola eleática. Ele escreveu um poema intitulado
“Sobre a natureza” no qual introduz um enigma tão sugestivo quanto
indecifrável. Para ele o princípio, a arché, era o que ele
chamou de o ser. Ele definiu o ser
como algo imóvel e imutável. A ideia central é a de que o ser, o uno, é,
enquanto o não-ser, a mudança, o devir, é apenas ilusão. É preciso que seja
assim porque se qualquer coisa vem a ser então ou ela vem a ser do ser ou do
não-ser. Se ela vem a ser do ser então ela já é, caso no qual ela não pode não
ter sido. Mas se qualquer coisa vem do não-ser, então ela nada é, pois nada vem
do não-ser...
Mas o
que é, afinal, o ser? Ele tenta esclarecer atribuindo ao ser uma lista de
propriedades pouco compatíveis entre si. O ser é: incorruptível, nem gerado nem
perecível, encontra-se inteira em cada instante, é absoluto, contínuo,
indivisível, imóvel e também finito e redondo, pois a esfera finita era para os
gregos o símbolo da perfeição. Em conformidade com o modo de pensar dos
pré-socráticos o ser parmenideano deve, além disso, pertencer à physis, à natureza.
Minha
hipótese interpretativa, incapaz de cobrir adequadamente tudo o que ele diz, é
a de que uma vez que à afirmação de que o ser não pode não ser ele adiciona que
o mesmo que é pensado é ser[7]... ele está
apontando para o objeto do pensar
verdadeiro.
Parmênides complementa esse pensamento metafísico-ontológico (i.e.,
daquilo que é, que existe de maneira mais geral) com algumas sugestões
epistemológicas que dão início a um domínio de investigação que será desenvolvido
mais tarde por Platão e que chegou até os dias de hoje. Ele distingue
explicitamente a via do conhecimento da via erro. O conhecimento diz respeito
ao ser, enquanto o erro diz respeito ao pretenso conhecimento do não-ser. O
conhecimento do ser é imutável, diversamente do pretenso conhecimento do
não-ser, que advém da aparência, que é o conhecimento daquilo que aparece aos
sentidos e se apresenta como mutável.
Vale a
pena transcrevermos aqui o fragmento principal do poema de Parmênides:
E agora (disse a
musa) vou falar: e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou
dizer-te dos únicos caminhos da investigação concebíveis. O primeiro diz que o
ser é e que não pode ser que ele não seja; esse é o caminho da persuasão, pois
segue a verdade. O segundo caminho diz que o que não é, é, e que o não-ser é
necessário; essa via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo
que não é, nem o expressar em palavra.[8]
Filósofos posteriores, tanto materialistas como
idealistas, foram influenciados por Parmênides. Assim, os atomistas, sendo
materialistas, acreditavam que os átomos eram o ser, pois estes eram imutáveis
e indestrutíveis. Já Platão acreditava que o Ser eram as ideias imutáveis e
indestrutíveis, existentes em um mundo puramente inteligível e de ordem
superior ao mundo material.
Os
dizeres de filósofos como Heráclito e Parmênides nos impressionam tanto hoje
quanto na época em que foram escritos e o que eles significam possui muito de
originário e enigmático, tendo suscitado inúmeras interpretações. O efeito tão
sublime quanto ofuscante do poema de Parmênides parece ser o resultado da
incompatível condensação de ideias diversas, mas sugestivas e relacionadas,
vagamente expressas em algumas poucas linhas. Nesse caso ele pode ser
interpretado como uma antecipação metafórica e sincrética do que será mais
tarde detalhado por outros. Considere, por exemplo, o que os lógicos
depreenderam do poema de Parmênides. Eles perceberam que ao afirmar que o ser é
e que não pode não ser ele estava vislumbrando os princípios da identidade e da
não-contradição, mais tarde detalhadamente tematizados por Aristóteles. Há
também um aceno epistemológico na ideia de que não podemos conhecer o que é
falso. Além disso, ele nos faz pensar no Deus monoteísta e nas leis últimas da
natureza. Parmênides inventou a substantivação do verbo ser como uma espécie de
metáfora universal que lhe permite insinuar muito mais do que aquilo que o
discurso literal é capaz de dizer.
Certamente, o ser de Parmênides toma o lugar dos deuses do politeísmo,
embora perdendo a qualidade de projeção antropomórfica característica dos
últimos. Mas há para ele alguma paráfrase possível? O mais próximo que eu posso
chegar disso é sugerir que ao sugerir que o ser é o objeto do pensar verdadeiro
ele esteja apontando para as leis e princípios que regem a natureza, mais tarde
só aproximativamente apreendidas pela mente humana... Nesse caso seria possível
encontrar uma proximidade última entre o ser de Parmênides e a razão de
Heráclito.
5
Os filósofos pré-socráticos se distinguiram por
terem substituído as explicações mitológicas por especulações metafísicas que
possuíssem o que poderíamos chamar de a forma das teorias
científicas, entendendo-se por isso ideações especulativas que detém suficiente
analogia com as últimas e cuja criação é motivada por um conhecimento prévio da
natureza da investigação científica. É esse mesmo insight formal o que há em
comum entre o atomismo especulativo de Demócrito e a teoria atômica da
microfísica contemporânea, entre a especulação de Anaxágoras e a presente
teoria cosmológica do Big-Bang, ou ainda, entre Empédocles e Darwin. Eles
tiveram a ideia de substituir a antiga explicação do cosmo por meio de deuses
pela explicação através de princípios especulativos que eles mesmos não tinham
como avaliar, dado a insuficiência de meios e informações que lhes permitissem
resultados precisos em um domínio de investigação ainda completamente
inexistente.
Tais
especulações só foram possíveis porque esses filósofos foram profundamente
influenciados pelas ciências que eles conheciam e cujo desenvolvimento já se
iniciava na Grécia antiga. Havia a matemática importada do Egito e da
Babilônia, como o caso da geometria, considerada pela primeira vez pelos gregos
em abstração de suas aplicações, o que permitiu que ela fosse axiomatizada no
trabalho que culminou com a obra de Euclides intitulada Os Elementos. Havia o conhecimento de astronomia tomados
dos egípcios. Platão já acreditava que a terra se movia. Sabemos, por exemplo,
do notável feito de Erastótenes (circa 300 a.C.). Ele
conseguiu medir o diâmetro da terra com razoável precisão, já sabendo que ela
era redonda. Ele mandou colocar duas estacas ao meio dia, separadas mais de mil
quilômetros uma da outra. Uma delas fazia uma sombra maior do que a outra,
devido à circunferência da terra. Tomando como comparação as medidas dos
triângulos formados pelas estacas e suas sombras, ele conseguiu calcular com
certa precisão a circunferência da terra, um feito extraordinário que foi
esquecido nos séculos seguintes. Havia também um conhecimento de engenharia e
de rudimentos de física, como pode ser ilustrado pela lei de Alavanca de
Arquimedes (287-222 a.C.) ou por sua medição da massa específica de diferentes
substâncias, estabelecida pela relação entre o volume de água por elas
deslocado e o peso. É evidente que os gregos já estavam cientes da incomparável
vantagem teórica e prática que o conhecimento científico é capaz de trazer.
6
Auguste
Comte.
O estudo dos filósofos pré-socráticos nos oferece uma excelente oportunidade
para investigarmos a natureza da filosofia. Quando nos perguntamos sobre o que
eles estavam fazendo e sobre a natureza da filosofia em sua relação com a
ciência, alguma luz pode ser trazida pela consideração da assim chamada “lei
dos três estados” desenvolvida por Auguste Comte (1798-1857), o mais importante
filósofo francês do século XIX.
A
chamada lei dos três estados da evolução da civilização, embora já antevista
por outros, foi mais sistematicamente desenvolvida por Comte em seu Curso de filosofia positiva.[9] Esses
estados são o teológico, o metafísico e o positivo. Quero no que se
segue interpretar lei de tal forma que ela ainda possa ser reconhecida como
plausível. Uma primeira observação é que não se trata obviamente de uma lei no
sentido mais estrito das leis físicas, mas de uma lei no sentido de uma regularidade tendencial. Trata-se da
identificação de uma vaga sucessão de três estágios, que na verdade se
sobrepõem de modo parcial e irregular no desenvolvimento da civilização. Eis
como Comte a apresenta:
A lei consiste em que
cada uma de nossas principais concepções, cada ramo de nosso conhecimento,
passa sucessivamente por três diferentes estados teóricos: o estado teológico
ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; o estado científico ou positivo.
Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente,
em cada uma de suas pesquisas, três métodos de filosofar (...)[10]
O estado teológico é aquele no qual as
anomalias da natureza (seus imprevistos) são explicadas pela intervenção de
projeções antropomórficas chamadas “deuses”. Tendencialmente ele começa com o
subestado do fetichismo, caracterizado pelo animismo: a ideia de que objetos
como plantas e animais também incorporam deidades. O estado teológico passa
então ao politeísmo, no qual um grande número de deuses concorre na explicação
das anomalias da natureza. Nesses dois subestados, cada anomalia pode ser
explicada por um deus diferente, não se impondo a questão de unificar suas
causas. Essa unificação só é realizada no terceiro subestado, o do monoteísmo,
que se caracteriza pela crença na existência de um único Deus. O monoteísmo tem
a vantagem de permitir uma explicação unificada do mundo, ainda que
antropomórfica. Para Comte, o estado teológico corresponde à infância da
humanidade. Em suas fases iniciais ele é repetição do que ocorre no crescimento
cognitivo do indivíduo humano, correspondendo à sua infância, ou seja, ao
estado no qual a criança acredita na existência de fadas, bruxas e gnomos.
O estado
metafísico é o que faz a transição entre os estados teológico e positivo. Nele
os seres humanos buscam substituir os seres sobrenaturais por entidades
abstratas em uma passagem do imaginativo para racional. O Deus sobrenatural
deve ser substituído por “abstrações personificadas” que sirvam de princípio
explicativos para todo o universo, de preferência reduzindo-se tudo a um único
princípio. Exemplos de tais princípios explicativos são as archai dos pré-socráticos. Esse estado é uma passagem
intermediária entre os estados religioso e científico.
Os
estados religioso e metafísico são importantes para Comte por motivarem os
seres humanos a continuarem buscando o conhecimento científico quando ele ainda
não é possível. Foi assim que o ser humano persistiu observando os movimentos
dos astros por milhares de anos, quando buscava através disso meios de prever o
futuro. Essa persistência foi indispensável, pois foi só por meio da
insistência em dar suporte a essas crenças supersticiosas que o ser humano se
permitiu chegar a descobertas astronômicas reais, desde a medição, distinção e
previsão dos movimentos das estrelas e planetas, que levou ao geocentrismo de
Ptolomeu, até mais tarde a ruptura que consistiu no heliocentrismo de
Copérnico, nas leis de Kepler e nas descobertas de Galileu e Newton. Sem um
longo estado de especulação pré-científica nada disso poderia ter ocorrido.
Para
Comte esse foi o momento da adolescência da humanidade. Em termos de
desenvolvimento cognitivo do indivíduo trata-se realmente da adolescência, na
qual os jovens se comportam como aprendizes de feiticeiros, crendo tudo poder
saber sem terem aprendido o suficiente. (Piaget identificou a tendência
“metafísica” do adolescente de raciocinar sobre bases incertas com o domínio
intuitivo da lógica proposicional surgido no estágio operatório-formal depois
dos 12 anos de idade.)
Fazendo abstração de qualquer tentativa de datar os estados[11] e
desconsiderando por completo o radicalismo positivista e inevitavelmente
reducionista de Comte, a consideração do estado metafísico nos auxilia na
compreensão do que os filósofos pré-socráticos estavam fazendo, pois os
princípios ou archai por eles buscados
encontravam-se de algum modo entre os deuses da mitologia e as leis naturais.
Podemos aqui distinguir duas espécies teóricas de archai: as excessivas e as escassas. As excessivas são
as que adicionam a entidades naturais propostas como princípios ou formas de
leis, entidades com vida e consciência própria semelhantes aos deuses. As
escassas são as que se restringem a entidades naturais propostas e formas de
leis, sem a adição de entidades supernaturais. Assim, a água de Tales era um
princípio exuberante: ela funciona como se fosse possuidora de uma lei natural
a possibilitar a vida, encontrando-se ao mesmo tempo repleta de deuses. O ar de
Anaximandro era necessário à respiração e, portanto, à vida. Para os
pitagóricos esses princípios eram números e formas tornadas exuberantes, posto
que não só satisfazem relações matemáticas e geométricas, mas que devem exercer
papel determinante no destino dos seres viventes. O ar de Anaximandro é uma arché que permite, pela sua respiração, fazer o homem e o
universo viverem, sendo também espírito. O mesmo acontece com a mente de
Anaxágoras. Aqui o papel do psicológico é menor, posto que essa mente deve
pertencer à physis; ainda assim
trata-se de um princípio espiritual capaz de comandar o curso do universo. Em
Empédocles os quatro elementos regidos pelas forças do Amor e do Ódio, que
apesar de receberem nomes de afetos são melhor interpretadas como forças físicas,
regulando nomologicamente o curso cíclico do universo, o que os torna archai escassas. Exemplos de archai escassas, elementos
ou formas não-espirituais, são ainda os átomos de Demócrito, o Ápeiron de
Anaxímenes, o fogo de Heráclito e o ser de Parmênides. Neles o aspecto
espiritual tende a desaparecer, permanecendo alguma coisa vaga e obscura, uma
forma que toma o lugar da inalcançável compreensão do todo.
Os
pré-socráticos são os melhores exemplos de filósofos metafísicos no sentido
proposto por Comte, uma vez que suas archai apresentam o inteiro
espectro, já que eles estavam enfadados da mitologia e aspiravam a ciência sem
ter condições de alcançá-la, disso resultando suas especulações. Mas princípios
metafísicos fundamentadores da realidade como um todo continuaram sendo
propostos ao longo de toda a história da filosofia. Assim, Platão tinha as
ideias, Aristóteles a substância, os medievais o Deus dos filósofos, Leibniz as
mônadas, Kant o noumenon, Hegel o absoluto,
Heidegger o Ser, Wittgenstein o indizível... Sob essa perspectiva o período
metafísico foi mantido até pelo menos a primeira metade do século XX, em
rematada discrepância com a perspectiva positivista e reducionista do próprio
Comte.
O
último estado é o científico ou positivo. Aqui o ser humano substitui a
pergunta pelo “porquê” pela pergunta pelo “como”. Ele desistiu de buscar
princípios últimos explicativos de todo o universo, contentando-se em buscar
relações fixas entre os fenômenos observados, ou seja: leis da natureza. Ao
invés de buscar por uma verdade absoluta o ser humano passou a buscar verdades
por meio de aproximações sucessivas, consciente de poder sempre estar errado.
Essa seria a fase adulta do desenvolvimento da humanidade, correspondendo, na
psicologia do crescimento individual, ao homem adulto.
O
ponto importante é que se no fim de contas Comte estiver certo então a
filosofia, compreendida pelo que ele chama de metafísica, deverá ser toda ela
em algum ponto substituída por alguma espécie de ciência.
7
A lei dos três estados precisa ser
complementada pela classificação das ciências particulares feita por Comte. Ele
percebeu que os estados religioso e metafísico antecedem o nascimento de cada
uma das ciências particulares e que elas nascem sucessivamente da mais simples
para a mais complexa, em dependência uma da outra. Isso introduz um elemento de
complicação no processo.
Para
Comte as ciências empíricas particulares podem ser classificadas segundo a sua
generalidade e segundo a sua complexidade. A generalidade opõe-se à
complexidade e vice-versa. Quanto mais geral é uma ciência, mais simples ela é
em seus princípios. Quanto mais complexa é uma ciência, menos geral ela é.
Alterando um pouco a lista de Comte das ciências particulares nós chegamos ao
seguinte quadro:
PSICOLOGIA
BIOLOGIA
QUÍMICA
FÍSICA Maior
simplicidade
A física é a ciência de maior simplicidade
quanto aos princípios. Em compensação, suas leis devem se aplicar ao universo
inteiro. A química diz respeito a combinações entre os átomos. Ela se aplica ao
fenômeno emergente que são os compostos químicos que existem na terra, mas não
se aplica a maior parte do universo, que não permite a composição química mais
complexa. A biologia se aplica à vida, um fenômeno emergente relativo aos reinos
animal e vegetal, que cobrem parte da terra. A psicologia (ignorada por Comte)
diz respeito apenas aos seres vivos conscientes, capazes de vida mental, o que
é mais um fenômeno emergente, não se aplicando, por exemplo, aos vegetais. E a
sociologia só se aplica aos seres vivos conscientes capazes de se reunir na
formação de sociedades complexas, o que nos permite perguntar se essas
sociedades não são também um fenômeno emergente.
Há um
grande número de outras ciências, mas elas são derivadas, por exemplo, a
geologia, que usa conhecimentos da física, da química, da biologia, etc. com o
objetivo de estudar rochas. A astronomia (que Comte erroneamente considerava
uma ciência particular) aplica conhecimentos de física, química, etc. para
estudar o cosmo. A neurociência intenta aplicar nosso conhecimento de biologia,
bioquímica, biofísica, etc. para estudar o funcionamento do cérebro...
Importante é notar que a passagem do estado metafísico para o estado
científico se deu no emergir de cada ciência particular em tempos diferentes.
As ciências mais gerais surgiram primeiro, uma vez que seu conhecimento era
geralmente pressuposto para o surgimento das outras. A “física” aristotélica
(enquanto física) era puramente especulativa e completamente errônea, tendo prevalecido
até o fim da Idade Média, tornando-se realmente ciência só após Galileu, no
século XVI. Entre as ciências empíricas a física surgiu primeiro, uma vez que
ela é pressuposta pelas outras ciências particulares, mas não as pressupõe. A
química só passou de seu estado metafísico para o estado científico no final do
século XVIII, pressupondo em muito a física. A biologia só começou a se
libertar das especulações durante o século XIX com Pasteur, pressupondo para
seu desenvolvimento o conhecimento de ciências mais básicas, incluindo as
tecnologias por elas possibilitadas, como a invenção do microscópio. E a
psicologia e a sociologia se encontram ainda hoje em um estado parcialmente
conjectural (metafísico), a despeito do otimismo de Comte quanto à última.
Ciências derivadas como a neurociência, por sua vez, dependem para o seu
aparecimento de toda espécie de desenvolvimentos anteriores de outras ciências,
o que inclui a produção dos meios de pesquisa. Quando consideramos o que se deu
realmente vemos que a lei dos três estados diz respeito apenas a uma tendência
geral de sucessão, não existindo um tempo histórico definido para cada estado,
visto que eles se sobrepõem de tal maneira que ainda hoje somos capazes de
encontrar resíduos do estado metafísico e até mesmo do estado teológico em
muito do que fazemos.
Um
ponto a ser adicionado é que a ruptura epistemológica abrupta que aconteceu com
o surgimento de uma ciência como a física no renascimento não precisa se
repetir da mesma forma no surgimento de outras ciências. A passagem da
psicologia para a ciência tem sido gradual, com dimensões resistentes na assim
chamada psicologia profunda. Se domínios da filosofia como a epistemologia e a
ética passarem ao nível de ciência, isso não significa que deverá haver uma
ruptura com a epistemologia e ética tradicionais, que em meu juízo conserva
algumas verdades já descobertas por Platão. Além disso, como veremos, se
domínios centrais da filosofia forem capazes de passar ao nível de “ciência”
precisaremos considerar melhor que conceito de ciência estaremos usando.
Filósofos em geral sempre torceram o nariz para as ideias de Comte. Eles
se sentiam feridos pelo seu positivismo reducionista, por sua maneira
antifilosófica e apressada de substituir a conjectura filosófica pela ciência.
Sartre chegou a dizer que Comte está na origem do fascismo... Mas isso é
bastante injusto. Sensatamente consideradas, certas ideias de Comte parecem-nos
hoje, em suas linhas gerais, capazes de serem absorvidas de maneira proveitosa,
especialmente quando revisadas sob a perspectiva que veremos a seguir.
7
J. L.
Austin. A consideração da lei dos três estados nos leva diretamente a uma outra
ideia, que é a de que a filosofia é uma protociência. Segundo ela a
filosofia é aquilo que é possível fazer antes do
surgimento da ciência. Quando ainda não sabemos o suficiente sobre os
métodos a serem empregados, quando não sabemos sequer quais são os dados que
devem ser considerados mais fundamentais, não temos critério para saber que
teoria devemos escolher. O que temos são conjecturas filosóficas, ou seja:
diversos conjuntos plausíveis de pressupostos seguidos de sequências
argumentativas advindas de cada conjunto – as diversas filosofias – não nos
sendo possível compará-las de forma decisiva umas com as outras.
Essa
situação também permite um uso relativamente livre da imaginação na busca de
soluções meramente especulativas. E isso é aquilo que mais caracteriza a
filosofia. Esse sentir-se bem no pensamento conjectural é o que motivou
Bertrand Russell a comparar os filósofos a certos Pais Peregrinos, que iam
viver sempre mais para o Oeste, de modo a fugir da civilização que deles se
aproximava.
Como
observou J. L. Austin em uma famosa metáfora que não me canso de repetir, na
qual prepara o terreno para seu plano de retirar do domínio conjectural da
filosofia uma ciência da interação comunicativa:
Na história da
investigação humana, a filosofia ocupa o lugar do sol inicial central, seminal
e tumultuoso: de tempos em tempos ele lança fora uma porção de si mesmo para
formar estação como ciência, um planeta, frio e bem regulado, progredindo
continuamente em direção a um final distante. Isso aconteceu há muito tempo
atrás com o nascimento da matemática, e ainda com o nascimento da física... Não
é possível que o próximo século possa ver o nascimento, através do trabalho conjunto
de filósofos, gramáticos e numerosos outros estudantes da linguagem, de uma
verdadeira e abrangente ciência da linguagem? Então nós teremos nos livrado de
mais uma parte da filosofia (haverá ainda muitas deixadas para trás) da única
maneira pela qual podemos nos livrar da filosofia, que é chutando-a para o
andar de cima.[12]
Austin demonstrou isso na prática. Ele passou
os últimos dezesseis anos de sua vida trabalhando no desenvolvimento de uma
gramática dos diferentes atos de interação linguística, como afirmar,
perguntar, prometer, pedir, ordenar, batizar... disso resultando o que ele
chamou de uma “teoria dos atos de fala,” que hoje é estudada mais nos cursos de
linguística do que nos de filosofia.[13] Esse
é o conceito de filosofia como protociência, complementar à
visão de Comte. E o sol inicial central e tumultuoso não pode ser melhor
descrito do que na exposição da filosofia originária dos pré-socráticos.
Há
nesse ponto uma objeção à ideia de filosofia como protociência que é
sintomática e que resulta de simples confusão. Ela foi feita por Anthony Kenny,
que observou que pelo menos os domínios centrais da filosofia, como a
metafisica, as teorias do significado e a ética, continuarão para sempre
filosóficos.[14] Essa conclusão se deve
sem dúvida à concepção positivista da natureza da ciência que Kenny e muitos
outros tem em mente. Essa concepção ainda é muito difundida por influência do
positivismo lógico e do fato de que os primeiros filósofos da ciência empírica
eram filósofos da física. Trata-se da definição da ciência pelo emprego de
experimentos verificacionais (Carnap) ou falseadores (Popper), notadamente
aqueles passíveis de controle preciso e de repetição. Tais concepções se
aplicam quando muito à física, mas não se aplicam a um domínio obviamente
científico como a teoria da evolução, que não é passível de experimentos
repetíveis. Ademais, o que dizer de muitas outras atividades consideradas
científicas, como a linguística, a história, a antropologia física? Concepções
positivistas da ciência costumam ser reducionistas, por isso mesmo deixando de
corresponder ao que cientistas e pessoas com educação científica costumam
chamar de ciência, que é algo muito mais amplo. Se quisermos entender a ideia
de filosofia como protociência tendo uma concepção positivista da natureza da
ciência a conclusão de Kenny é correta e inevitável. O sol seminal filosófico,
naquilo que ele tem de mais central, jamais poderá dar lugar à ciência, a menos
que isso seja feito caricaturalmente através de alguma forma brutal de
reducionismo.
Há,
porém, uma definição de não reducionista de ciência que se complementa
perfeitamente com a ideia de filosofia como protociência e que corresponde
exatamente ao que cientistas e pessoas com educação científica costumam chamar
de ciência. Trata-se do que John Ziman, um físico e sociólogo da ciência
sugeriu. Segundo Ziman, o traço mais fundamental da investigação científica é
que ela é um conhecimento público
consensualizável (public consensualizable knowledge). A ideia é
intuitiva: o conhecimento dito científico é aquele apto à obtenção de um
consenso possível quanto aos seus resultados da parte de uma apropriada
comunidade de ideias, que é a comunidade dos cientistas. Se adicionarmos a
exigência de que essa comunidade seja semelhante àquilo que Jürgen Habermas
chamou de “comunidade ideal de fala” (ideale
Sprachgemeinschaft), ou seja, uma comunidade crítica com participantes igualmente
competentes, com idêntico acesso à informação, iguais direitos de crítica,
efetivo compromisso heurístico, etc. e capazes de estabelecerem o que possa ser
identificado como razoáveis condições públicas de avalição, parece que a ideia
de Ziman além de intuitiva pode ser bem fundamentada.[15]
Alguém
poderá objetar que nada disso resolve o problema, pois, diversamente da
ciência, a especulação filosófica é demasiado abstrata, de sorte que a
aquisição de consenso a respeito dela restará sempre impossível, a menos que se
proceda de maneira reducionista e falsa. A resposta é que em seus resultados as
ciências empíricas e mesmo formais se reforçam mutuamente, de modo a
possibilitar desenvolvimentos mais abstratos, capazes também eles de se
reforçar uns aos outros... Se é assim, então com o desenvolvimento e acúmulo do
saber o dia chegará no qual se tornará possível que esse reforço passe a se dar
em níveis tão abstratos quanto os da própria especulação filosófica,
aproximando seus resultados, enfim, de matéria de consenso.
A
definição de ciência como conhecimento público consensualizável resgata
perfeitamente o que os cientistas admitem chamar de ciência. A teoria da
evolução é científica porque há bastante consenso entre os cientistas quanto
aos seus resultados. A antropologia física é científica porque a comunidade
científica é capaz de concordar plenamente com os seus resultados. A teoria das
cordas da microfísica será ciência se for ao menos fisicamente (mesmo que não
praticamente) possível que ela venha a obter alguma comprovação experimental
com a qual os físicos estejam de acordo... Mas o mesmo não acontece com a
astrologia, visto que os astrólogos jamais conseguiram chegar a um acordo sobre
seus resultados. E o mesmo também não acontece com a filosofia.
Restringindo-nos aos pré-socráticos, não temos como dizer quem estava certo, se
Heráclito ou Parmênides, se Empédocles ou Demócrito. Assim colocada a pergunta
sequer faz sentido.
Se
admitirmos uma concepção suficientemente liberal de ciência como a proposta por
Ziman, a possibilidade de que toda a filosofia venha a se tornar ciência se
torna factível. Quando teorias pertencentes a domínios centrais da filosofia,
como a epistemologia e a ética, se tornarem objeto de consenso entre os
filósofos, elas deixarão de ser filosóficas para se tornarem científicas. E não
precisaremos nos tornar positivistas ou reducionistas para concordarmos com
isso.
8
O
triângulo filosófico. Há, por fim, ainda outra maneira conhecida de se
entender a natureza da filosofia que considero complementar ao que sugerimos
até aqui e que nos proporciona um quadro mais amplo. Trata-se da ideia de que a
filosofia seja uma prática cultural derivada. Um exemplo de prática cultural
derivada é a ópera. Ela é basicamente um resultado derivado de três práticas
artístico-culturais que são: a poesia, o enredo e a música (a melodia
instrumental junto ao canto lírico). Tendo em vista a filosofia, parece que
podemos considerá-la como uma prática cultural derivada das três práticas
culturais mais fundamentais, que são as práticas religiosa, artística e
científica. A filosofia não é propriamente nenhuma dessas três práticas, mas
retira material, métodos e motivações de cada uma delas. Da prática religiosa
ela retira a motivação mística, visível na fé obstinada que os filósofos detém
em suas conjecturas, na perspectiva abrangente, no impossível esforço em
explicar o universo como um todo e o lugar do homem nele. Da prática artística
ela retira o caráter inevitavelmente metafórico do que faz, como é visto em
seus conceitos fundamentadores (como os do ser, da ideia, da coisa em si, do
absoluto), em suas imagens retóricas. Finalmente, da prática científica ela
retira seu objetivo heurístico, sua prática argumentativa, além de seus
recursos metodológicos formais ou empíricos muitas vezes tomados de empréstimo
das ciências. Com isso podemos construir um triângulo em cujos vértices se
encontram a religião, a arte e a ciência, encontrando-se a filosofia no espaço
interior do triângulo, como é sugerido abaixo:
Quando consideramos a filosofia dos
pré-socráticos encontramos todos esses elementos presentes. É evidente o elemento
estético nos aforismos de Heráclito ou no poema de Parmênides. Mas Heráclito
escreve em tom oracular e o poema de Parmênides é apresentado por uma deusa, o
que revela o elemento místico. Além disso, Heráclito busca a sabedoria no logos que governa o mundo, enquanto Parmênides tem por
objeto o conhecimento do que é verdadeiro, coisas que poderiam ser buscadas
pela ciência. A mesma combinação podemos encontrar em outros filósofos
pré-socráticos.
Podemos intuitivamente situar os diferentes filósofos em diferentes
locais internamente ao triângulo. Filósofos que possuem em medida similar
elementos místicos, estéticos e heurísticos podem ser postados no meio do
triângulo, a exemplo de Platão, por vezes considerado o filósofo par excellence. Filósofos cujo trabalho possui predominância
de elementos místicos podem ser postados próximos ao vértice religioso do
triângulo, a exemplo de Hegel. Filósofos com predominância de elementos
estéticos, poetas-filósofos como Nietzsche, podem ser postados próximos do vértice
artístico do triângulo. Filósofos com predominância conjunta dos elementos
estético e místico, como Kierkegaard e Heidegger, podem ser postados próximos à
linha de baixo do triângulo. E ainda, Filósofos com interesses particularmente
heurísticos, como Locke, Russell, Rudolph Carnap e Saul Kripke, podem ser
postados próximos ao vértice científico do triângulo.
O
triângulo filosófico nos ajuda até mesmo a classificar as filosofias de
diferentes culturas. Filósofos alemães, desde místicos como Meister Eckhart até
filósofos de grande estatura como Kant, Husserl e Heidegger, geralmente
demonstravam proximidade do vértice religioso, a qual foi grandiosamente
exemplificada pelo idealismo absoluto de Hegel. A filosofia francesa desde
Descartes, mas em um nível extremo no movimento pós-modernista de pensadores
como Foucault, Deleuze e Derrida, possui ênfase estética, tendendo ao extremo
artístico. Finalmente, a filosofia anglo-americano-australiana põe ênfase no
aspecto heurístico próprio do vértice científico. Basta considerar exemplos de
filósofos como Locke, Stuart Mill, Russell, W. V-O. Quine, Saul Kripke, e
mesmo, se bem considerados, J. L. Austin e John Searle.
9
A filosofia dos pré-socráticos foi no século V
substituída pela filosofia madura da Grécia antiga, que foi a de Sócrates,
Platão e Aristóteles. Os dois últimos, junto a filósofos como Kant, Hume e
Hegel, constituem o cânone, se assim podemos dizer, da tradição filosófica,
pela amplitude, coesão lógica e força imaginativa de seus sistemas. Eles foram
tentativas de unificar especulativamente nosso entendimento do mundo e do lugar
que o homem nele ocupa com base no conhecimento e na cultura de suas épocas.
[1] Friedrich Nietzsche: “Os
filósofos Trágicos”, in Os Pré-Socráticos: Fragmentos, doxografia e
comentários, col. Os pensadores, ed. Victor Civita (São Paulo: Abril
Cultural 1978), pp. 10-12.
[2] Ver Susan Haack (2014). “The
Fragmentation of Philosophy, The Road to Reintegration”, in Reintegrating
Philosophy. Ed.
J. F. Göhner, Eva-Maria Junger, Springer Verlag 2016, p. 15 ss.
[3] Karl Popper: “Back to the Pre-Socratics.” In Conjectures
and Refutations (London: Routledge 1989), p. 138.
[4] Nas citações dos pré-socráticos faço livre
uso de G. S. Kirk, J. E. Raven e M. Schofield: The Presocratic Philosophers
(Cambridge: Cambridge University Press 1995), além das traduções que se
encontram em Os Pré-Socráticos: Fragmentos, doxografia e comentários, Col.
Os Pensadores (São Paulo: Abril Cultural 1973).
[5] Ver Anthony Kenny:
A New History of Western Philosophy, (Oxford: Oxford University Press
2004) vol. I, p
25.
[6] Friedrich Nietzsche: A
gaia ciência (1882, 1887) sec. 285, 341.
[7] No poema a sentença é: “To
gar auto noein estin te kai einain”. As traduções variam muito. Por
exemplo: “Das seiende Denken und das Sein is dasselbe” (Diels/Kranz),
“The same thing is there to be thought and is there to be” (Edward Hussey),
“Being thought and being are one” (Anthony Kenny)…
[8] G. S. Kirk, J. E,
Haven, M Schofield: The Presocratic Philosophers (Cambridge: Cambridge
University Press 1995), 244-245.
[9] Comte: Cours de
philosophie positive (Paris: Rouen Fréres 2830), p 3 e ss.
[10] Course se Phisosophie
Positive, Prèmier Lesson, p. 2.
[11] Tendo em vista a perspectiva
de sua época Comte datou o estágio teológico como anterior à revolução
francesa, o estágio metafísico com estando entre aquela revolução e a queda de
Napoleão, depois disso vindo o estágio positivo. Essa é, porém, uma maneira
insustentavelmente ideológica de se resolver a questão, que contribuiu apenas
para o descrédito da teoria. Correto é admitir uma lenta sobreposição dos três
estados subsequentes, diversa para cada ciência e da qual mesmo hoje ainda não
saímos, o que serve de admoestação contra o ilusório positivismo de Comte.
[12] J. L. Austin: Philosophical Papers (Oxford:
Oxford University Press 1979), p. 232.
[13] O livro foi publicado depois
de sua morte sob o título de How to Do Things with Words (Oxford:
Clarendon Press 1962)
[14] Anthony Kenny: Aquinas
on Mind (London: Routledge 1993) cap. 1, p. 4.
[15] Ver C. F. Costa: The
Philosophical Inquiry: Towards a Global Theory (Langam: UPA 2002), cap. III