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If you wish to be acquainted with my groundbreaking work in philosophy, take a look at this blogg. It is the biggest, the broadest, the deepest. It is so deep that I guess that the narrowed focus of your mind eyes will prevent you to see its full deepness.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Claudio Ferreira Costa: PHILOSOPHICAL TEXTS - TEXTOS FILOSÓFICOS

       THIS "BLOG" WAS IDEALIZED AS A WAY TO MAKE MY WORK IN PHILOSOPHY MORE ACCESSIBLE. IT CONTAINS MORE THAN 100 WRITINGS, THOUGH USUALLY IN DRAFT FORMS, IN ENGLISH AND/OR PORTUGUESE. THE PAPERS WITH INTEREST FOR THE RESEARCHER WERE MARKED WITH #.

ESSE "BLOG" FOI IDEALIZADO COMO UMA MANEIRA DE TORNAR MEU TRABALHO FACILMENTE ACESSÍVEL. ELE CONTÉM MAIS DE 100 ESCRITOS, MUITOS DELES EM PORTUGUÊS. ALGUNS SÃO DIDÁTICOS, OUTROS NÃO. OS TRABALHOS DE INTERESSE PARA PESQUISADORES FORAM MARCADOS COM #


FROM MY CURRICULUM

I was born in Vila Seropedica, near to Rio de Janeiro, Brazil, 1954. After an intellectually boring medicine undergraduate study, I gained my MS in philosophy at the IFCS (Rio de Janeiro) and a Ph.D. in philosophy at the University of Konstanz (Germany). Since 1992, I work as a researcher and professor at the UFRN (Natal), secluded in the beautiful Northeastern of Brazil, though always in contact with the international philosophical discussion through many grants taken at the universities of Konstanz, Munich, Berkeley, Oxford, Göteborg, and Ecóle Normale Supérieure (INS). Even if dealing with contemporary analytic philosophy, I am at odds with the lack of comprehensiveness of the present mainstream philosophy. I have social dyslexia (a light degree of autism), which explains not only my lack of sociability but also my obsessive interests and intellectual independence. The books I am not ashamed to have written are "The Philosophical Inquiry" (Lanham: UPA, 2002), which develops a thesis on the nature of philosophy, Lines of Thought: Rethinking Philosophical Assumptions" (Cambridge Scholars Publishing, 2014), and "Philosophical Semantics: Reintegrating Theoretical Philosophy" (Cambridge Scholars Publishing, 2018). The book from 2014 is a selection of essays (some of them, in my view, utterly relevant), while the long book from 2018 can be read as a comprehensive analysis of a cluster of concepts regarding the philosophical methodology, the concept of meaning, verificationism and truth. The book I am finishing now is called "How do Proper Names Really Work?" (De Gruyter 2023), and has as its main goal to overthrow the old stalemate between the new and the old orthodoxy in the philosophy of language. Personally, I believe this book is a game-changer. If this will be taken I do not know.


SOME BOOKS (ALGUNS LIVROS):






 
















ADVERTISEMENT FOR MY LAST BOOK: "HOW DO PROPER NAMES REALLY WORK?" (De Gruyter 2023)

 ABOUT THE BOOK “HOW DO PROPER NAMES REALLY WORK?

(Published by De Gruyter, 2023)

One author’s self-judgment is often too biased to be taken seriously.

But since I am a kind of outsider - who will make this judgment for me?

So, in my personal view, this book is the most unexpected and relevant piece of philosophical argument written on theories of reference since Kripke’s Naming and Identity.

This is so because the book contains a theory of reference able to overthrow the new causal-referential externalist theories of reference, as much as the old still simplistic descriptivist cluster theory.

In what follows I will try the impossible task of summarizing 260 pages in few words:

In the first chapter, the story of reference theories from Stuart Mill to John Searle is correctly told. It was the victim of simplified and systematically caricatured interpretations.

From Frege to Searle through Russell, Wittgenstein, and Strawson, it was in fact a single cluster theory differently approached.

The second chapter is a critique of Kripke’s views on reference.

Although there are causal-historical external chains, these chains are in themselves inscrutable and, when scrutable, they are captured by cognitive intentions and, consequently, by descriptions.

This means that causal-historical theories are circularly dependent on cognitively loaded descriptions in order to get any explanatory power. A really consequent referentialism would be condemned to a petitio principii.

The third chapter diagnoses the main problem with the cluster theories, namely, that the bunches of descriptions are disordered.

We need a meta-rule and variants enabling us to order clusters of descriptions in ways that allow us to form singular identification rules.

 These identification rules will decide which under many combinations of descriptions will allow the proper name‘s applications in any possible world where it has a bearer.

The main descriptions are the localizing and characterizing ones.

They can be found by an Austinian method of consulting encyclopedias, helped by many thought experiments.

This is what makes proper names rigid designators. In this way, we arrive at the right distinction between proper names and descriptions:

Descriptions are only accidental when associated with proper names as parts of their clusters. When this association cannot be found, descriptions turn into rigid designators.

More often only a few privileged speakers know the full identification rule.

Most speakers use the proper name by means of mechanisms of reference borrowing or parasitic reference.

In chapter four all relevant counterexamples and objections against descriptivism presented by Kripke, Donnellan, and others are convincingly answered.

In chapter five Frege’s paradox of identity is solved by turning senses into identification rules.

In chapter six the theory is extended to indexicals and general terms turning the views of Perry, Kaplan, Putnam, and Burge on their heads.

My hope with this book is not polemic. I wish to set new bases for theories of reference, fostering innovative research in the search for a comprehensive and consensual cognitivist and neo-descriptivist solution.


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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O IMPIRISMO INGLÊS: BACON E HOBBES (draft)

  DRAFT 1 de livro introdutório

 

7

O EMPIRISMO INGLÊS

 

Assim como no continente os filósofos foram influenciados pelas matemáticas, produzindo sistemas especulativos racionalistas, os filósofos ingleses foram influenciados pelos desenvolvimentos das ciências empíricas como a física newtoniana, desenvolvendo sistemas empiristas de pensamento. O primeiro grande defensor do empirismo foi Sir Francis Bacon (1561-1626) foi um exemplo. Ele pode ser considerado o primeiro especialista em filósofia da ciência. Bacon desdenhava o método dedutivo da silogística aristotélica, pondo em seu lugar o método indutivo próprio das ciências empíricas. Para ele, a ciência empírica deve se desenvolver pela continua adição e seleção de observações em busca de invariantes e suas causas. Ele valorizava não tanto a indução enumerativa, que apenas probabiliza uma generalização científica, mas principalmente a indução excludente, uma vez que esta é capaz de falsear decisivamente uma generalização.

   Essa última ideia foi retomada e desenvolvida no século XX pelo grande filósofo da ciência que foi Karl Popper (1902-1994). Para este último, a característica fundamental da ciência é que ela possa ser sujeita à refutação por meio de testes empíricos. Uma hipótese resultante de indução enumerativa nunca é garantida. Um exemplo é a generalização “Todos os cisnes são brancos”, que era considerada certa pelos europeus antes que eles descobrissem a Austrália. Afinal, todos os cisnes já enumerados eram brancos. Mas na Austrália eles descobriram a existência de cisnes negros, o que refutou uma generalização antes dada como certa.

   Para ganharmos certeza da verdade de uma generalização científica precisaremos verificar todas as suas instâncias, o que costuma ser praticamente impossível. Como Popper notou, mesmo que alcancemos a verdade última e absoluta, não poderemos saber que realmente a alcançamos. Mas o mesmo não acontece quando apelamos para o falseamento, pois basta uma instância contrária ao que foi previsto pela hipótese para que ela seja falseada. O exemplo predileto de Popper foi a prova da teoria da relatividade generalizada realizada em 1919 por Eddington e outros físicos. Segundo a teoria newtoniana, a gravidade seria uma força agindo sobre objetos que possuem massa (a lei é “FG = g(M1 . M2)/d2”, onde M1 e M2 são as massas dos corpos). Como a luz não possui massa (rest mass), ela não seria atraída pela gravidade. Mas segundo a teoria da relatividade, a gravidade não é mais uma força agindo à distância, mas uma curvatura do espaço-tempo próximo aos corpos massivos (muito resumidamente, a lei é “G = (8pg/c2) . T”, sendo G a medida da curvatura). Como consequência, as próprias ondas de luz precisam seguir uma trajetória curva em conformidade com a curvatura espaço-temporal. Daí que, em um eclipse solar, quando as estrelas que se encontram próxima e por detrás do sol podem ser vistas, elas parecerão ao observador situado na terra aparentemente mais distantes do sol pelo fato de seus raios de luz se curvarem para dentro ao passarem próximos do sol. No eclipse solar de 1919 essa assim chamada deflexão da luz foi comprovada por meio de fotografias. Esse foi um teste crucial para a teoria, que a tornou mundialmente famosa. Se nenhuma deflexão fosse encontrada a teoria da relatividade generalizada teria sido demonstrada falsa. Assim, podemos não saber se a teoria de Einstein é absolutamente verdadeira, ou mesmo se ela vale para todo o universo, mas sabemos que ela se demonstrou suficientemente confiável para resistir a um teste de falseamento crucial.

   A ideia de que a possibilidade de falseamento estabelece um limite entre ciência e não-ciência foi explorada por Popper e vale em boa medida para a física. Mas ela não vale para muitas outras ciências, como a teoria da evolução, a história, a linguística, a economia… ciências nas quais a produção de experimentos falseadores pode se demonstrar impossível. Além disso, por toda sua vida Popper defendeu a ideia absurda de que a indução não existe. Para ele as novas teorias científicas devem ser baseadas somente no método hipotético-dedutivo e nossas hipóteses devem se resumir a produtos da imaginação e criatividade humanas. Podemos aceitar algo similar para a ciência avançada de nossa época, mas com isso esquecemos que em suas bases ela só pode ter sido construída sobre o sustentáculo de uma infinidade de inferências indutivas enumerativas. Encontrando-se em um momento inicial do desenvolvimento das ciências empíricas, Bacon era perfeitamente immune ao radicalismo anti-indutivista de Popper.

   Um outro filósofo que ajudou a preparar o caminho para Locke foi Thomas Hobbes (1588-1679). Hobbes viveu em tempos de grande convulsão social. A Europa Continental foi devastada pela Guerra dos Trinta Anos, que durou de 1618 a 1648 e produziu mais de quatro milhões de mortes. Por esse tempo aconteceu na Inglaterra aconteceu uma guerra civil com duração de seis anos, terminando com a decapitação do rei Charles I em 1649. Ela foi seguida da ditadura de Oliver Cromwell, eleito pelo parlamento, que acabou só com o coroamento de um novo rei, Charles II.

   Hobbes não viveu para assistir a revolução gloriosa de 1688, pela qual Mary destronaria o pai, que teve de se exilar na França, tornando-se rainha junto a seu esposo, William of Orange, ambos cedendo o poder ao parlamento e aceitando se tornarem figuras decorativas, uma solução que dura até os dias de hoje. Ter testemunhado tempos tão sombrios foi certamente a maior razão do pessimism de Hobbes. Ele foi livado a pensar que só governo com poderes absolutos seria capaz de manter a ordem em uma sociedade, prevenindo a anarquia. Locke, que viveu a revolução gloriosa, moderou as ideias de Hobbes na forma de um liberalismo político.

   Como filósofo teórico Hobbes não criou um sistema original, mas atualizou o materialismo naturalista com base nas emergência das novas ciências. Ele viajou pela Europa, foi amigo de Bacon, conheceu Galileu e Gassendi, um discípulo de Descartes, tendo sido influenciado pelos escritos desse último. Vou expor algumas ideias

   Para Hobbes quando o conceito do predicado está contido no conceito do sujeito nós temos um enunciado necessário. Por exemplo: “Triângulos tem três lados”. Mas quando o conceito do predicado não está contido no conceito do sujeito, temos um enunciado contingente. Por exemplo: “O carvão tem cor preta”. Como não é parte da definição de carvão que ele seja preto, o conceito do predicado não está contido no sujeito e o enunciado é contingente. Kant tomou de empréstimo essa ideia em sua definição de juízos analíticos e sintéticos.

   Hobbes esposava um mecanicismo materialista e um determinismo universal. Mesmo a substância deveria ser material. Como determinista, ele via o livre arbítrio como mera ausência de limitação ou coerção externa. Assim, o escravo liberto, o rio que rompeu a barragem e agora corre livremente, a pessoa que atingiu a maioridade e agora pode fazer o que quiser, todos são livres porque não tem mais impedimento e não porque deixaram de ser causalmente determinados. Com isso ele rompeu com o libertarismo sustentado por filósofos atomistas como Epicuro e Lucrécio, além dos filósofos católicos da Idade Media, segundo os quais ao decidir livremente precisamos ser capazes de transcender o determinismo causal presente no mundo físico. Para Hobbes, o livre arbítrio é perfeitamente compatível com o determinismo causal, tendo um sentido meramente negativo, que acontece quando o leque de alternativas razoáveis de decisão à nossa disposição é diminuido por limitação ou contrangimento externos.

   Ele entendia as sensações como movimentos no cérebro e a percepção do mundo pelos dados sensíveis como resultado de uma tendência natural da mente de projetar para fora o que lhe é dado na independência da vontade. A imaginação é resultado da combinação de imagens já experienciadas. Assim, imaginamos um centauro combinando a figura de um homem com a de um cavalo. E a memória é uma imagem conjugada à consciência de que ela foi anteriormente percebida. Acusaram Hobbes de ateísta, mas injustamente. Para ele Deus é também material, mas é “o mais puro, simples e invisível espírito corpóreo”.

   Acusaram Hobbes de ateu, mas injustamente. Hobbes foi educado por um pastor calvinista depois da perda dos pais e era uma pessoa de fé religiosa. Ele acreditava ser Deus também constituido de matéria. Ele seria “o mais puro, simples e invisível espírito corpóreo.

   Sobre o problema dos universais, Hobbes defendeu o nominalismo já expresso pelo terceiro nome a originar o empirismo inglês, que foi William Ockam (1285-1347). Segundo o nominalismo, o que existe são apenas indivíduos referidos pelos sujeitos gramaticais que os nomeiam. Entidades abstratas como as platônicas, referidas por termos gerais nominalizados como ‘o bem’, ‘a justiça’, ‘o conhecimento’, não podem existir. Um nominalista radical como Roscelin chegou a dizer que uma predicação, algo como ‘…é bom’, ‘é justo’, nada mais seria do que um sopro de voz (flatus vocis). Ockam defendeu uma posição chamada de terminista. Em um primeiro momento ele defendeu que os termos gerais como ‘oo bem’ expressam conceitos abstrados, logo universais (a que foi retomado por Locke). Mas em um momento posterior ele radicalisou seu terminismo: os termos gerais ou predicados estão na verdade se referindo a uma porção de objetos individuais, nada mais havendo além disso. É essa espécie de nominalismo que é aceita por Hobbes. Para ele o termo geral não passa de um nome individual que se aplica a todo um grupo indiscriminadamente.

   O importante em Hobbes é a sua filosofia social e política. O contraste maior foi com Rousseau, que idealizava o ser humano natural como um “nobre selvagem”: bom por natureza e tornado mau pela sociedade. Para Hobbes era o contrário. Para ele o ser humano é egoísta por natureza. Mesmo quando faz algo de bom, ele o faz por egoísmo. Se faz caridade é para demonstrar seu poder. Se sente Piedade é por temer um desastre similar consigo mesmo. Se busca o poder é para desfrutar da glória de dominar outras pessoas… “A vida”, escreveu ele, “é um perpétuo desejo de poder sobre poder, que só cessa com a morte”. Para Hobbes, só a sociedade pode educar o egoísmo humano, tornando-o um ser civilizado. Não é de se admirar que, com uma concepção tão pessimista da natureza humana, ele tenha sido levado a conclusões um tanto insólitas. (Não parece que Hobbes tenha sido uma pessoa adorável.)

   Nos dias de hoje há boas razões para se rejeitar tanto a tese de Rousseau quanto a de Hobbes. Como já fiz notar, antes de postular a implausível pulsão de morte, Freud distinguiu duas espécies de pulsões ou instintos: os instintos de sobrevivência do indivíduo e os instintos de sobrevivência da espécie. Os primeiros são, de fato, egoístas. Mas os instintos de sobrevivência da espécie não podem ser em si mesmo egoístas. Por exemplo: pais por vezes se sacrificam pelos filhos a ponto de pagarem com isso a própria vida. Isso é altruísmo puro e simples, derivado de instintos que visam, mais do que a sobrevivência deles mesmos, a sobrevivência da espécie. Ambos, egoísmo e altruísmo, são intrínsecos à natureza humana.

   Mais além, a natureza humana é variada e assim também a medida de egoísmo e altruísmo na medida em que dela depende. Psicólogos que estudaram psicopatias desenvolveram o Psychopath Checklist, uma sucessão de testes confiáveis e sofisticados para diagnosticá-la, usado inicialmente em presídios nos Estados Unidos e no Canadá. Embora menos de 1% sejam psicopatas graves, é fácil identificá-los, pois acabam realizando homicídios ou se tornando serial killers, de modo que quando pegos são levados à prisão. Mas há os psicopatas leves, que constituem 3-4% da população. Eles sentem prazer em fazer o mal, conquanto não sejam descobertos. Se o escore de um lado identifica psicopatas é porque deve existir o extremo oposto, digamos, o dos “anjos”, pessoas naturalmente altruístas e inclinadas para o bem. Provavelmente ambos os tipos (com exceção dos extremos) podem ser úteis à sociedade. Os mais próximos do extremo da psicopatia, quando duramente educados, podem se tornar bons líderes (vide o caso do general George Paton, que ajudou as forças aliadas a vencerem a Segunda Grande Guerra). Já os mais próximos do extremo da bondade também podem se demonstrar úteis (vide Martin Luther King).

   Junto aos fatores genéticos temos igualmente os fatores ambientais a modelar o comportamento. O cão preso a uma corrente se torna agressivo, o cão tratado com mimos se torna dócil e confiante. O mesmo com os seres humanos. Os rigores da educação espartana produziam homens desmedidamente propensos à agressão. E os homens das civilizações pré-cristãs eram capazes de feitos de coragem e brutalidade impensáveis para os homens contemporâneos. A educação e a cultura são, pois, fatores tão fundamentais quanto os genéticos no balanço entre o comportamento egoísta e altruísta dos seres humanos. Essas simples considerações desfazem tanto o mito do altruísmo quanto a do egoísmo inato ao ser humano. Considerando a media, as pessoas não nascem nem boas nem más. Mas o meio (educação, sociedade) é capaz de modelá-las tanto para o bem quanto para o mal.

   Voltemos por um momento a Hobbes. Para ele, dada a natureza egoísta do ser humano, e dada a inevitável escassez de recursos, os homens estão sempre competindo entre si. O resultado inevitável é a guerra, a luta de todos contra todos, pois só a morte de uns tornará possível a sobrevivência de outros: “homo homini lupus”. Por isso para |Hobbes, a condição natural da humanidade é a da guerra! E o destino do ser humano em sua condição natural é o de ter uma vida “solitária, pobre, suja, bruta e curta”.

   No que concerne ao egoísmo inato ele estava errado. Mas no que concerne à escassez de recursos, somos forçados a dar-lhe razão, dado que na história da espécie humana a guerra e a violência sempre foram uma constante, e a principal causa parece ser a conjunção do aumento da população com a escassez de recursos.

   Há claras razões sócio-biológicas para isso, amparadas pela teoria darwiniana da evolução natural. As espécies tendem a se reproduzir sempre mais do que seus meios de subsistência o permitem, sendo o limite geralmente imposto pelas outras espécies concorrentes dentro do ecosistema. Considere o caso dos guanacos na Patagônia. Existem ainda muitos milhares desses simpáticos herbívoros, que tendem a se reproduzir como coelhos. Entre seus predadores naturais, o maior deles é o puma. Esses predadores limitam o número de guanacos. Os condores, por sua vez, se alimentam das carcaças dos guanacos mortos. Com a limitação do número de guanacos, o capim dos desertos da Patagônia pode crescer outra vez. Um ecosistema funciona através de limitações mútuas de espécies em evolução.

   Afora isso, os guanacos são territorialistas, reunindo-se em grupos de fêmeas liderados por um macho que é o responsável pela segurança do grupo e por manter o seu território. Nada de muito diferente é o que tem acontecido com os grupamentos humanos em toda sua história

   Não é agradável ver o que se sucede com nossos parentes chimpanzés[1]. Eles vivem em bandos que lutam entre si para conservar ou aumentar seus territórios. Nessas lutas eles se matam e canibalizam uns aos outros. São, como se diria, um tanto hobbesianos. Os machos adultos por vezes matam e comem os filhotes das fêmeas, e há mesmo relatos de chimpanzés que se tornaram serial killers.

   A condição humana por muito tempo não foi diferente, tendo sido explicada pela filosofia do humanitismo de Quincas Borba, personagem do romance homônimo de Machado de Assis, em sua explicação do mote “ao vencido, ódio e compaixão, ao vencedor as batatas”:

 

Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

 

Entre os humanos, historicamente, também foi sempre assim. Os nossos índios guerreavam entre si e, frequentemente, se canibalizavam na competição territorial por alimentos. Foi assim na antiguidade e para se ver a diferença entre os modos educados do homem contemporâneo e a inacreditável violência, coragem e resiliência físicas do homem antigo, basta ler historiadores antigos. Leia-se, por exemplo, a seguinte passage de Plutarco:

 

Ao subir num barco inimigo Acilio teve a mão direita arrancada por um golpe de espada. Ele não largou o escudo que segurava na mão esquerda, acertando os inimigos na cara, pondo todos em fuga e tomando o barco. (…) Cipião havia tomado um barco romano escravizando todos os passageiros, mas ofereceu poupar a vida do feitor Questor. Este declarou que os soldados de César não tinham o costume de receber o perdão, mas de concedê-lo, matando-se com um golpe de espada.[2]

 

Hoje, ao menos nas partes mais civilizadas do globo, o comportamento humano é muito mais brando e cortês. Mas esse verniz de civilização não é mérito nosso. Como notou George Orwell, foi o desenvolvimento da ciência e da técnica que tornou a vida humana muito mais fácil e em muitos casos acabou com a escassez de recursos, principalmente a de alimentos. Contudo, se ocorresse algo como uma guerra atômica nós perderíamos rapidamente nossos valores humanos. No filme The day After, que retrata uma guerra nuclear entre as grandes potências, pessoas aparecem, ao final, na escuridão das cinzas, já existem portado armas, prontas para se defender e apossar-se dos bens das outras.

   É interessante notar que nosso civilização pós-industrial está transformando esse modelo de violência física no interior da espécie. Como começa a existir alimentos e condições suficientes de sobrevivência para uma vida Digna para todos os habitantes de países como a finlândia, o ser humano está cada vez menos interesado em se reproduzir e cada vez mais interessado em viver uma vida mais longa e saudável. A competição intraespecífica deixa de ser por alimentos e bens primários para se tornar uma competição do pensamento, uma competição pelo avanço da ciência e pelo domínio de novas tecnologias entre os países.

   Voltemos mais uma vez a Hobbes. Para ele a única maneira de evitar a guerra de todos contra todos seria cedermos o poder a uma autoridade absoluta. Para ele, um governo precisa ser formado através de um pacto (covenant), que é um contrato pelo qual os indivíduos transferem os seus direitos naturais (de fazerem o que quiserem para sobreviver, inclusive matarem seus semelhantes…) para um poder soberano em troca de paz e segurança.

   Esse pacto é sustentado por certas leis da natureza (divinas, morais): os indivíduos sentem que têm (i) a obrigação de buscarem a paz, sempre que possível, (ii) que devem dispor de seus direitos naturais sempre que os outros também o fazem, (iii) que devem manter o pacto se os outros também o fazem. Essas leis asseguram o mantenimento do pacto. E os direitos naturais de realização dos interesses individuais justificam, em última análise, a existência do pacto.

   O pacto cria uma sociedade civil através da qual são estabelecidas leis que nos dizem quais são as ações humanas justas ou injustas. E através dele são garantidos os direitos individuais dos cidadãos, que se tornam livres, na medida em que tal liberdade não transgride a liberdade alheia.

   Ainda que o soberano esteja acima das leis, e ainda que seus poderes de vida e morte sobre os cidadãos sejam absolutos, uma vez que foi agraciado pela soberania ele tem o dever de não decepcionar aqueles que lhe cederam tais direitos. Fica claro que se o soberano agir de modo a tornar a vida das pessoas insuportável, elas terão pleno direito de destitui-lo do poder. E a razão disso é que se foi o desejo de auto-preservação que fez com que as pessoas realizassem o pacto, se o soberano não souber zelar pela auto-preservação as pessoas terão pleno direito de dissolverem o pacto.

   É para ser notado que geralmente, quando a espécie de pacto sugerida por Hobbes é feita, sem que reste controle algum por parte das pessoas que deram ao soberado poder de vida e morte sobre elas, o resultado fica na dependência das circunstâncias e humores do soberano, que pode facilmente degenerar-se em um tirano que pelo seu poder absolute escraviza seu povo sem que ele possa fazer qualquer  coisa para impedi-lo. (Hoje em dia essa escravização se dá por meio de censura e ideologia: as pessoas perdem sua Liberdade mesmo sem terem consciência disso.) Hobbes não tinha qualquer remédio para esse tipo de problema.

   A favor de Hobbes é para ser notado que embora preferisse que o poder soberano fosse exercido por um monarca com poderes absolutos, ele admitia que esse poder pudesse ser exercido por um corpo ou uma assembléia de pessoas. Ele teria aceito (creio que com alguma relutância) o modelo de parlamentarista resultante da revolução gloriosa, se tivesse vivido o suficiente para vê-lo surgir. Mas como filósofo ele foi refém de seu tempo.

 



[1] Através de uma estimativa errônea se acreditava que eles compartilhavam 98% dos genes humanos. Hoje se acredita que são apenas cerca de 70%.

[2] Plutarco: Vidas Paralelas: Alexandre e Cesar. P. 127. (LPM Pocket, 2005, Porto Alegre.

quinta-feira, 27 de julho de 2023

PRÉ-SOCRÁTICOS: INTRODUÇÃO

 Draft 1


        ENTRE O MITO E A CIÊNCIA:

                OS PRÉ-SOCRÁTICOS

 

A filosofia ocidental nasceu na Grécia antiga, cerca de 500 anos antes de Cristo. Há quem diga que a filosofia é muito mais antiga. Para alguns ela nasceu na China há cerca de 1000 anos antes de Cristo, com o I Ching, o chamado Livro das Mutações, que foi um livro de adivinhação e de sabedoria oracular redigido em muitas camadas por muitos autores durante diversas eras. Para outros ela teria nascido na Índia cerca de 1500 anos antes de Cristo, originando um grupo de tradições filosóficas e religiosas cujo principal objetivo era orientar a vida humana.

   É interessante aqui a opinião de Hegel, para quem a filosofia, tal como hoje a entendemos, se originou realmente na Grécia antiga e não no oriente. A razão aventada por Hegel é que a filosofia oriental nunca se desvinculou suficientemente da religião. Ela não distinguia em si mesma filosofia de sabedoria, de uma forma elevada de autoajuda. Enquanto a filosofia trabalha com argumentos críticos e ideias do mais variado escopo, a sabedoria tem a ver com conselhos sobre o bem viver e com a retidão no comportamento. Veremos que os primeiros filósofos gregos se importavam menos com a sabedoria e tinham um olhar crítico em relação à religião e à tradição cultural mítica que os antecedia. Influenciados pelo pouco que conheciam de ciência, eles queriam substituir a mitologia por uma especulação que pelo menos perseguisse a forma da ciência.

   Essa confusão é muito comum mesmo hoje entre os leigos. Confunde-se filosofia com sabedoria de vida ou com alguma disciplina mística, quase religiosa, enquanto a filosofia acadêmica, como resultado de uma especulação coletiva de uma comunidade de conhecedores, sedimentada sobre uma tradição milenar, pouco teria a ver com a sabedoria de autoajuda, tendo se tornado hoje um assunto esotérico, cada vez mais inacessível ao público leigo.

   Mas então, o que fez com que a filosofia grega, em seus primórdios, se diferenciasse da filosofia oriental como não devendo ser confundida com sabedoria?

   Para responder a essa pergunta precisamos considerar o trabalho dos filósofos pré-socráticos, assim chamados por terem aparecido antes de Sócrates e por terem preocupações filosóficas cosmológicas, muito diversas das preocupações morais de Sócrates. Eles foram os primeiros a terem surgido na Grécia, em um período que vai do século VI ao século V antes de Cristo. O principal objetivo desses filósofos era encontrar um princípio originador e sustentador de tudo o que existe, a assim chamada arché. Esse princípio pertencia à physis, pois os pré-socráticos viam seus princípios como pertencentes à natureza. Eles eram cientistas, conheciam matemática e astronomia. Eles queriam substituir as explicações mitológicas das anomalias da natureza por princípio especulativos que pelo menos tivessem a forma de princípios científicos, uma vez que em tais domínios a ciência como ciência era impossível.

 

Os milesianos

O primeiro desses filósofos, Tales de Mileto, foi também um astrônomo e matemático grego (647-524 a.C.), tendo previsto um eclipse no ano de 585 a.C. Ele acreditava que a água fosse o princípio de todas as coisas, posto que a vida nasce das coisas úmidas. O princípio água coincidia com o divino, donde tudo se encontra pleno de deuses.

    Para Nietzsche, Tales foi a primeira pessoa a ter a ideia de uma unidade na multiplicidade de tudo o que existe, a intuição original de que tudo é um, de que há uma unidade na multiplicidade constitutiva do universo e que nós podemos ter, em princípio, acesso cognitivo a ela. Essa tentativa de obter uma compreensão unificadora do mundo foi caracteristica da filosofia pré-socrática e também dos grandes sistemas da tradição filosófica occidental.

   A ideia da unidade na multiplicidade foi em nossa época desenvolvida através da noção de consiliência. Ela é um pressuposto da pesquisa científica a existência de uma unidade na realidade objetiva. Esse pressuposto faz com que através da investigação nós possamos ter como princípio orientador a ideia de que as diferentes ideias devam poder ser conciliadas umas com as outras, reforçando-se assim em sua plausibilidade. Talvez o melhor exemplo seja o caso da teoria darwiniana da evolução, que foi reforçada pela genética mendeliana e mais ainda pelo surgimento da genética molecular. Consiliência é algo que tem faltado à filosofia contemporânea, tão ávida de tornar-se ciência: mais unidade e menos fragmentação.

   Tales foi sucedido por outros dois filósofos Jônicos mais jovens do que ele, que foram Anaximandro e Anaxímenes. Anaximandro sugeriu que o mundo fosse resultado de um elemento indefinido ou, mais literalmente, o não-limitado, o Ápeiron, que é infinito. Essa é uma ideia interessante por tornar o princípio explicativo das coisas, pela primeira vez na história da filosofia, algo não perceptível aos sentidos.

   Anaximandro foi responsável pela ideia de que a terra é um cilindro suspenso entre os Astros, que não cai nem para um lado nem para outro, pelo equililíbrio das forças. O filósofo da ciência Karl Popper viu nisso uma antecipação do conceito de inércia e mesmo o da gravitação. A filosofia dos pré-socráticos atua entre a mitologia e a ciência e as vezes, visivelmente, como uma antecipação da última.

   Anaxímenes, por sua vez, sugeriu que o princípio originador e constitutivo fosse o ar. Afinal, não podemos permanecer vivos sem respirarmos. E disso ele supôs que o mundo inteiro, tal como um ser vivo, também fosse dependente da existência do ar para subsistir. Como explicou em um dos fragmentos:

 

Com a nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, assim o espírito e o ar, que são a mesma coisa, mantém unido o universo inteiro.

 

Anaxágoras (500 a.C. – 428 a.C.), outro importante filósofo pré-socrático, foi um dos introdutores do conceito de mente (intelecto, inteligência) em filosofia. Ele entendia o princípio como sendo a mente (nous), que ele entendia como sendo uma coisa também material, mas absolutamente pura:

 

A mais fina e pura de todas as coisas, que possui todo o conhecimento de todas as coisas e o maior poder.

 

Para Anaxágoras a mente é uma força infinita que agindo sobre a matéria informe dá origem a tudo o que existe nesse mundo.

 

Princípios múltiplos

Outros filósofos pré-socráticos entenderam a arché como sendo múltipla. Assim, para Pitágoras de Samos, um matemático, tendo percebido que tudo na natureza possuia quantidades e formas, concluiu que os números eram o princípio fundamentador do universo. Eles seriam o fundamento, a partir do número um, que é base da aritmética, e do ponto, que é base da geometria. Com base na matemática os filósofos pitagóricos formaram uma seita que objetivava explicar não só o universo, mas também a vida humana. Os místicos pitagóricos acreditavam na doutrina da transmigração das almas, tendo tido uma influência maior no pensamento de Platão.

   Também acreditavam em princípios múltiplos os assim chamados filósofos atomistas, que foram Leucipo, Demócrito (460-370 a.C.) e, bem mais tarde, Epicuro. Para eles o mundo era constituido por completo do que eles chamaram de átomos, que eram partículas invisíveis, indivisíveis e de infinitas formas, que constituiam todas as coisas. Afora os átomos só existia o vazio. Os átomos seguiam leis deterministas em seus movimentos. Assim, os atomistas foram os primeiros filósofos propriamente materialistas. Mas isso não os impedia de acreditarem no espírito, pois as almas humanas poderiam ser entendidas como constituidas de átomos extremamente sutis. Assim, quando sonhamos com um antepassado morto é porque os átomos constitutivos de suas almas penetraram em nossas cabeças enquanto estávamos dormindo, interagido com os átomos de nossas almas.

   Pode ser dito que os atomistas estavam antecipando descobertas científicas que ocorreram mais de dois mil anos depois, que foram os átomos, a tabela períodica, e após isso as partículas subatômicas como os electrons, os quarks, os gluons e os fótons.

    Mesmo que eles de maneira alguma pudessem antecipar a física moderna, eles já podiam specular com a ideia de que a matéria é constituída de partículas invisíveis e indivisíveis, o que ao menos em sua forma, demonstrou-se uma ideia correta.

   Finalmente, sobre Demócrito é importante notar que a maior parte dos fragmentos por ele deixados eram ditames morais, muitos deles ainda hoje aplicáveis. Por exemplo:

 

É esforçar-se em vão querer trazer entendimento a quem acredita tê-lo.

Os insensatos tornam-se razoáveis pela desgraça.

A beleza do corpo é animalesca se não for dignificada pelo entendimento.

Quem procura o bem atinge-o com dificuldade. O mal, porém, atinge mesmo aquele que não o procura.

Ao homem sábio todas as terras são acessíveis, pois a pátria de uma alma virtuosa é o universo.

Em verdade, porém, nada sabemos, pois no abismo encontra-se a verdade.

 

É curioso e entristecedor notar que eles ditames valem hoje tanto quanto valeram há 2.500 anos atrás. Parece que o ser humano nesse aspecto pouco ou nada aprendeu com os erros de seus antepassados.

   Um outro pré-socrático pluralista que merece ser citado foi Empédocles de Agrigento (florescimento 450 a.C.). Ele foi o autor da ideia de que o universo é constituido de quatro elementos (raízes), que seriam a água, a terra, o ar e o fogo. Esses elementos imutáveis se combinariam uns aos outros formando o universo visível. À parte os elementos existiriam duas forças agindo sobre eles: a da harmonia (o amor) e a da discórdia (o ódio). A força da harmonia atrairia os elementos produzindo os constituintes do universo, que seriam desfeitos pela força da discórdia. O processo pelo qual se desenvolve o mundo seria para Empédocles circular: de tempos em tempos tudo se repetiria. No início os elementos estariam todos perfeitamente misturados, os objetos não existiriam e a força imperante seria a da harmonia em toda a esfera do mundo. Mas a força da discórdia logo penetraria na esfera do mundo e começaria a agir separando os elementos e formando os objetos que conhecemos, até um momento em que terra, água, ar e fogo estivessem completamente separados. Nesse ponto a força da harmonia começaria a agir misturando pouco a pouco outra vez os elementos, até o retorno ao estágio inicial. Em seu tempo ele pensava estarmos em um estágio intermediário em que as forças da discórdia agem de maneira cada vez efetiva.

   Essa doutrina foi sugerida pela observação dos acontecimentos cíclicos no mundo. Os seres vivos são gerados sem forma e crescem e se diferenciam até envelhecer e, na morte, tornarem-se outra vez matéria informe. Também as estações do ano são cíclicas: vemos as árvores florescerem e darem frutos na primavera e no verão, para então perderem as sus folhas no outono e perderem as suas folhas e secarem no inverno, só para florescerem de novo no próximo ano.

   A ideia de um mundo cíclico foi tomada de empréstimo por Nietzsche de Empédocles sob a forma do que ele chamava de o eterno retorno. Nietzsche entendia a ideia do eterno retorno também como um experimento psicológico para testar a veracidade de uma ideia. O pensamento plenamente verás deverá ser aquele que, para o sujeito desse pensamento, fosse capaz de retornar sempre como sendo o mesmo, e ainda assim ser vivido com a mesma mesma intensidade. Isso é certamente impossível de acontecer, mas pode ser admitido como um ideal daquilo que deveria ser o pensamento mais absolutamente autêntico no sentido de que fosse resultado de um querer absolutamente puro e legítimo – um ideal que deveria ser ao menos tentativamenteaproximado.

    Finalmente, a ideia de um mundo cíclico nada tem de absurda e está presente mesmo na cosmologia contemporânea: para alguns astrofísicos o big-bang é para ser seguido pelo big-crunch e assim sucessivamente – a versão contemporânia do mundo cíclico de Empédocles.

 

Heráclito

Quero me deter em Heráclito e Parmênides, que foram os mais impressionantes filósofos pré-socráticos. Em certa medida eles se opõem, pois Heráclito enfatizava a mudança e Parmênides a imobilidade naquilo que ele chamava de ser. Mas veremos que nem por isso eles se opõem por completo, posto que por trás da mudança Heráclito enfatizava a unidade da razão, que pode ser comparada ao ser de Parmênides.

    Heráclito, como Nietzsche, Wittgenstein, e ainda outros, foi um filósofo que se exprimia por meio de aforismos. Muitos dos aforismos seus são profundos e nos dizem algo ainda hoje. Eis alguns deles:

 

A harmonia invisível é mais forte do que a visível.

O que está em cima é idêntico ao que está embaixo.

A natureza ama ocultar-se.

Nunca encontrarás os confins da alma, tão profundo é o seu logos.

 

Heráclito pertencia à nobreza hefésia (florescimento circa 504 a.C.). Foi um pensador de índole aristocrática, misantropo, mas profundo e poético, seus aforismos sendo intencionalmente obscuros, de modo a não ser falsamente compreendido por mentes superficiais. Ele desdenhava o homem comum, para ele prisioneiro da opinião e incapaz de agir racionalmente.

   Heráclito também era um elitista no que tange ao comportamento moral. A razão humana é apenas um momento da razão universal. Embora a razão seja comum a todos, para Heráclito muito poucos fazem uso dela. Assim, diz ele:

 

A despeito do logos ser comum a todos, o vulgo vive como se cada um tivesse um entendimento particular. Não sabe nem escutar nem falar.

As opiniões dos homens são jogos de crianças.

 

Heráclito, ao que parece, era também um filósofo capaz de odiar em medida pouco comum, como demonstram os seus aforismos desmissivos acerca de seus concidadãos. Faço aqui apenas uma breve seleção deles:

 

Os porcos preferem a lama à água limpa.

Tudo o que rasteja merece ser chicoteado.

Um para mim vale mil se for o melhor.

Burros preferem a grama ao ouro.

Os cães ladram para aquilo que desconhecem.

 

Se vocês quiserem ofender alguém gravemente sem precisar lançar mão de palavrões, basta se lembrarem de algum desses aforismos de Heráclito.

   Heráclito foi o filósofo do conflito. Para ele o conflito entre os opostos é necessário, pois é dele que nasce a mais bela harmonia. Ele considerava as guerras como necessárias:

 

A Guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros homens; de uns escravos, de outros homens livres.

 

Tentando dar um exemplo atual: a Guerra da Ucrânia provavelmente porá um fim ao sistema autocrático russo que sobreviveu aos Czares e mesmo à velha União Soviética, tendo cedido poderes ditatoriais a Putin. Esse Sistema, regido pela mão forte dos Czares, foi por muitos séculos necessário para manter unificado o imenso território russo, destituído de fronteiras naturais. “Na Rússia”, dizia-se, “a cor da neve é vermelha.” Mas hoje esse sistema se tornou ultrapassado. A queda de Putin, que se acredita que irá ocorrer, servirá para dividir a Rússia em federações menores e, espera-se, democráticas, dando fim à espécie de visão de mundo que originou o sangrento império russo.

   A Guerra como solução de conflitos era inevitável no mundo antigo. Por exemplo, foi graças à genialidade de um general grego, Temístocles, que a Grécia não foi escravizada pelos persas, permitindo a continuação da produção cultural grega com o aparecimento de Platão e Aristóteles em filosofia. Sem Temístocles esses filósofos não teriam existido. Hegel era um admirador de Heráclito. A ideia hegeliana de um devir dialético na história tem a sua origem nesse último filósofo.

   Mas não seria a necessidade da guerra uma ideia ultrapassada, posto que esperamos que no futuro as guerras deixarão de existir? Essa seria uma maneira superficial de entendermos o que Heráclito quis dizer. Mesmo que as guerras deixem de existir, os conflitos entres grupos humanos continuarão existindo de forma mais sublimada, por exemplo, como conflito de ideias. Se Heráclito estivesse aqui entre nós ele diria que a sua ideia de guerra, agora entendida de forma metafórica como qualquer forma de conflito social em qualquer sociedade, continuará sempre existindo, pois é inerente à vida humana em sociedade.

   Outra ideia iconoclasta de Heráclito é a de que para que exista o bem é necessário que exista o mal, para que exista a justiça é necessário que também exista a injustiça. Essas oposições são interdependentes, o que deve desfazer a ilusão escapista, muitas vezes incorporada ao cristianismo, de que possa haver um mundo inteiramente justo e inteiramente bom, ao menos dentro da perspectiva humana. Essa ideia vale para a sociedade e também para os indivíduos. Para Heráclito o ser humano é constitutivamente aprisionado ao conflito, e é melhor para ele mesmo que o aceite e que tente superá-lo conscientemente, pois a possibilidade de nos elevarmos para além do conflito pela afirmação de sua inexistência é enganosa. Aqui a influência de Heráclito sobre Nietsche.

   Faço uma pausa para lembrar o livro “O visconde partido ao meio” de Ítalo Calvino. Na estória, o visconde Medardo di Terralba é uma pessoa que na Guerra contra os mouros foi Partido em duas metades por uma bala de canhão. Os cirurgiões conseguiram resolver o problema separando as metades de modo a formar duas pessoas, dois viscondes. Mas houve uma falha na tentativa. Um deles herdou a parte má do visconde, enquanto o outro herdou a parte boa. Aquele que herdou a parte má se transformou em um psicopata que se divertia em destruir tudo o que era vivo, belo ou bom. Já o que herdou a parte boa era bom demais. Era ingênuo e esquecia de si mesmo. Sua namorada que logo se cansou dele por considerá-lo demasiado tedioso. A estória termina quando as duas metades se reencontram e tentam duelar entre si. Curiosamente, no duelo eles pareciam querer aproximar-se um do outro. Feridos, eles caem outra vez nas mãos de um cirurgião competente, que reune as partes e faz reviver o visconde original. Esse visconde passa a ser então uma pessoa que age corretamente, na justa medida, ciente outra vez dos extremos volitivos do bem e do mal que deve manter sob o controle de sua consciência.

    Para Heráclito o princípio não era a água, nem o ar nem o Ápeiron, mas o fogo, o que faz todo o sentido. Segundo ele:

 

Este mundo sempre foi, é agora e sempre será o sempre vivente fogo, com medidas certas de seu acender e medidas certas do seu apagar.

 

Para ele sem o conflito o mundo se auto-destruiria. Ele não foi só o filósofo do conflito, mas também o do movimento, da mudança. Como o fogo, tudo se encontra em movimento. Por isso, como ele disse, nunca podemos atravessar o mesmo rio, pois as águas serão sempre outras; um discípulo seu disse que sequer uma vez atravessamos o mesmo rio, pois as águas que passam por nós enquanto o atravessamos também são sempre outras.

   Mas não entende Heráclito quem acredita que ele queria reduzir tudo ao movimento, pois sob o conflito existe a ordem oculta das coisas, imposta pela razão (o logos) e alcançável através do pensamento. Para ele a razão secretamente domina o mundo. Heráclito era um panteista que acreditava que Deus se encontra em todas as coisas, e esse Deus, o Uno, era para ele a razão. A razão, disse ele, é comum a todos, mas o vulgo não faz uso dela, nem os habitantes de sua cidade, que deveriam ser todos enforcados, nem os grandes poetas como Homero e Hesíodo.

    O fundamento último da filosofia de Heráclito não está, portanto, no movimento nem no conflito dos opostos, mas na ideia da unidade do todo, na ideia de que a razão que subjaz ao conflito é capaz de unificar os opostos. Sob a perspectiva de Deus ou razão ou uno todas as tensões são reconciliadas e as diferenças harmonizadas. Como ele disse:

 

Para o Deus todas as coisas são justas e boas, mas os homens sustentam que algumas coisas são erradas e outras certas.

 

Nisso Heráclito lembra Leibniz, para o qual o mundo era constituido de mônadas vivas, sem janelas, mas harmonicamente associadas umas às outras pela mônada divina no instante em que as criou. Leibniz afirmava que as mônadas não humanas, como as que constituem essa mesa, percebem o mundo infinitamente, mas de modo inconsciente. A mônada alma (o homem) percebe o mundo infinitamente e de modo parcialmente consciente, mas sob um só aspecto. Já a mônada divina é capaz de perceber o mundo infinitamente e de modo totalmente consciente e, ainda, sob todos os aspectos. Por isso para ela não pode existir nada que seja desnecessário ou mal ou injusto, se contrastado com a totalidade. Visto sub specie aeternitatis tudo se encontra justificado.

    Heráclito, como Nietzsche, Wittgenstein, e ainda outros, foi um filósofo que se exprimia por meio de aforismos. Muitos dos aforismos seus são profundos e nos dizem algo ainda hoje. Eis alguns deles:

 

A harmonia invisível é mais forte do que a visível.

O que está em cima é idêntico ao que está embaixo.

A natureza ama ocultar-se.

Nunca encontrarás os confins da alma, tão profundo é o seu logos.

 

   Há também em Heráclito o que me parece uma sugestão sobre a natureza da filosofia como um saber antecipador da ciência, que ele apresenta na forma do saber adivinhatório do oráculo. Eis como ele o expõe:

 

A sibila, que com sua boca delirante diz coisas sem alegria, sem ornatos e sem perfumes, mas atinge com sua voz mais de mil anos, graças ao deus que está nela.

 

Esse juízo sobre a sibila pode se aplicar bem ao que foi feito de melhor na história da filosofia e, certamente, ao aforismos do próprio Heráclito. Muito da filosofia antiga metaforicamente antecipa o que será mais tarde tematizado por outros filósofos e o conhecimento futuro da ciência – mesmo que os filósofos não possuíssem, por certo, os conceitos para concretizar seus insights da maneira não-metafórica, precisa e preditivamente forte daquilo que resulta da aplicação das leis científicas. Por isso a filosofia é por vezes chamada de o guardador de lugar da ciência ou, mais ilustrativamente, de o berçário das ciências.

 

Parmênides

Senão o mais importante, ao menos o mais influente dos filósofos pré-socráticos foi Parmênides de Eleia (florescimento: 500 a.C.), o fundador da escola eleática. Para ele o princípio, a arché, era o que ele chamou de o ser. Ele definiu o ser como uma coisa imóvel e imutável. A ideia central é a de que o ser, o uno, é, enquanto o não-ser, a mudança, o vir-a-ser, é uma ilusão. É assim porque se qualquer coisa vem a ser então ou ela vem a ser do ser ou do não-ser. Se vem a ser do ser então ela já é, caso no qual ela não pode não ter sido. Mas se qualquer coisa vem do não-ser, então ela nada é, pois nada vem do não-ser.

   Mas o que é, afinal, o ser? Parmênides apresenta o ser como possuíndo uma lista de atributos. Para ele o ser é incorruptível, nem ele é gerado nem perecível, encontrando-se inteiro em cada instante. Ele é absoluto, contínuo, indivisível, imóvel, mas também finito e até mesmo redondo. Em conformidade com o modo de pensar dos pré-socráticos o ser parmenídico deve, pois, pertencer à physis. E se ele diz que o pensar e o ser são o mesmo, ele está apontando para o pensamento concreto das mentes humanas. O ser parmenídico parece tomar o lugar dos deuses do politeismo, embora perdendo a qualidade de projeção antropomórfica característica dos primeiros.

   Parmênides complementa esse pensamento ontológico, isto é, daquilo que é, que existe de mais geral, com algumas sugestões de teoria do conhecimento, ou seja, epistemológicas, dando início a um domínio de investigação que será desenvolvido mais tarde por Platão e que vem até os dias de hoje. Ele distingue entre o conhecimento e a opinião. O conhecimento diz respeito ao ser, a opinião diz respeito à mera aparência, ao pretenso conhecimento do não-ser. O conhecimento do ser é imutável, diversamente do pretenso conhecimento do não ser, da aparência, que é o conhecimento daquilo que aparece aos sentidos e se apresenta como mutável.

   Vale a pena transcrevermos aqui o fragmento principal do poema de Parmênides:

 

E agora (disse a musa) vou falar: e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos da investigação concebíveis. O primeiro diz que o ser é e que o não-ser não é; esse é o caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo caminho diz que o que não é, é, e que o não-ser é necessário; essa via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é, nem expressá-lo em palavra.

 

Filósofos posteriores, tanto materialistas como idealistas, foram influenciados por Parmênides. Assim, os atomistas, que eram materialistas, acreditavam que os átomos eram o ser, pois eles eram imutáveis e indestrutíveis. Já Platão acreditava que o ser eram as ideias imutáveis e indestrutíveis, existentes em um mundo puramente inteligível e independente do mundo material.

   O discurso de filosófos como Heráclito e Parmênides nos impressiona mesmo hoje, mas o que ele significa possui muito de enigmático, tendo suscitado inúmeras interpretações.

   Quero considerer aqui apenas, como exemplo, a interpretação dos lógicos. Eles perceberam que Parmênides foi o primeiro filósofo a ter vislumbrado o que mais tarde foi desenvolvido sob a forma de as três leis do pensamento, que são o princípio da identidade, o princípio da não-contradição e o princípio do meio excluido.

   O princípio da identidade nos diz que uma coisa é ela mesma. Formalmente, que o enunciado P é o memo que P (P = P ou P -> P). Já o princípio da não contradição nos diz que não é o caso que uma coisa é diferente dela mesma ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto; formalmente: ~(P & ~P). A esses dois princípios se pode adicionar mais um, o princípio do terceiro excluído, que nos diz que ou uma coisa é ela mesma ou ela não é ela mesma, o que formalmente pode ser apresentado como “P v ~P”. Esses princípios são logicamente relacionados, pois se uma coisa é ela mesma (ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva), ou seja, se P -> P, então ela não pode ser que ela seja e não seja ela mesma, ou seja, ~(P & ~P). E se uma coisa é ela mesma então ela não pode não ser ela mesma, ou seja P v ~P. Esses princípios equivalem e, para quem tem o bom senso de acreditar na lógica clássica, essa equivalência é uma verdade lógica (uma tautologia).

   Mas Parmênides parece ter indebitamente misturado a percepção desses princípios lógicos com ideias associadas, não propriamente lógicas, mas de algum conteúdo empírico. A impressão resultante da leitura de seu poema parece resultar dessa condensação de ideias aproximadas.

   Há dois filósofos que nos levariam ao entendimento que acabo de sugerir. O primeiro deles foi Wittgenstein, para quem a filosofia, ou grande parte dela, era resultado de confusões linguístico-conceptuais e grande parte da tarefa última do filósofo é a de desfazer essas confusões do pensamento, disso nada resultando.

   O efeito tão sublime quanto ofuscante do poema de Parmênides seria resultado da condensação de ideias diversas, vagamente expressas em algumas poucas linhas. Há no ser parmenídico um resquício da religião, dado que o ser possui ainda características de um deus, sendo eterno e indestrutível. Mas ele também possui características lógicas, por antecipar as leis do pensamento. Afora isso, ele nos constrange a buscar a verdade no lugar da falsidade. A falsidade, para ele, nem sequer pode realmente ser dita sem revelar a sua natureza.

   O segundo filósofo que nos poderia dizer algo sobre a filosofia em suas origens foi Auguste Comte. Segundo Comte, a metafísica, e com isso ele incluiria o pensamento dos filósofos pré-socráticos, encontrava-se a meio caminho entre a religião e a ciência. Pela religião as anomalias da natureza seriam explicadas pela intervenção dos deuses, no politeismo, ou do Deus no monoteísmo. Cansados das explicações religiosas e tendo uma noção do que era a ciência, os filósofos tentaram recorrer especulativamente a princípios que não eram nem espíritos nem princípios ou leis científicas, mas princípios metafísicos que em geral condensavam um pouco de cada coisa. A metafísica serviria apenas para manter viva a chama da curiosidade humana, motivando-nos à busca intelectual, o que em algum momento posterior resultaria no aparecimento de alguma ciência particular. Só a existência das religiões e da especulação metafísica durante muitos séculos é que permitiu a mente humana se concentrar no esforço inquisitivo até que fossem encontradas as condições para o surgimento de alguma ciência. Mas é típico da ciência particular, uma vez surgida, a desistência de buscar um princípio único determinante de toda a realidade, como tentaram os pré-socráticos. Para Comte o poema de Parmênides seria uma especulação de certo modo sincrética, que antecipa, entre outras coisas, a descoberta dos princípios lógicos do pensamento realizadas mais tarde por Aristóteles, como o princípio da não-contradição.

 

***

 

Os filósofos pré-socráticos se distinguiram por terem substituido as explicações mitológicas por especulações metafísicas que buscavam as forma da ciência. Eles tiveram a ideia de substituirem a explicação do cosmo através dos deuses pela explicação através de princípios que eles mesmos não tinham como precisar, pois eram puramente especulativos e vagos. Isso foi assim porque todos eles foram influenciados pela ciências que iniciavam o seu desenvolvimento na Grecia antiga. Havia a matemática importada do Egito e da Babilônia, como o caso da geometria, tomada de pelos gregos de forma abstrata, sem preocupação com as suas aplicações, e assim axiomatizada no trabalho que culminou com a obra de Euclides intitulada, Os Elementos. Havia o conhecimento de astronomia também tomados dos egípcios. Sabemos, por exemplo, que um filósofo grego chamado Erastótenes (circa 300 a.C,) conseguiu medir o diâmetro da terra com razoável precisão, sabendo que ela era redonda. Ele mandou colocar duas estacas ao meio dia, separadas mais de mil quilômetros uma da outra. Uma delas fazia uma sombra maior do que a outra, devido à circunferência da terra. Com comparação dos triângulos formados pelas estacas e suas sombras, ele conseguiu realizar o cálculo, um feito extraordinário que foi esquecido nos séculos seguintes. Havia um conhecimento de engenharia e de rudimentos de física, por exemplo, através da lei de Alavanca de Arquimedes ou de sua medida da massa específica de diferentes substâncias.

   A filosofia dos pré-socráticos foi no século V substituida pela filosofia madura da Grécia antiga, que foi a de Sócrates, Platão e Aristóteles. Esses, junto com filósofos como Kant e Hegel, constituem o cânone, se assim podemos chamar, da tradição filosófica, pela amplitude, coesão lógica, unidade e força imaginativa de seus sistemas, que foram tentativas de explicar o mundo e o lugar que o homem nele ocupa com base no conhecimento e na cultura de suas épocas.