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If you wish to be acquainted with my groundbreaking work in philosophy, take a look at this blogg. It is the biggest, the broadest, the deepest. It is so deep that I guess that the narrowed focus of your mind eyes will prevent you to see its full deepness.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A METAFILOSOFIA DE SUSAN HAACK

 

NOTA SOBRE A METAFILOSOFIA CRÍTICA DE SUSAN HAACK

 

 

Quero resumir o primeiro artigo sobre a fragmentação da filosofia e o caminho da reintegração que se encontra no livro Susan Haack: Reintegrating Philosophy.

   Trata-se de um artigo crítico sobre a filosofia analítica contemporânea, que segundo a autora se tornou obstrusamente escolástica e ocupada em descobrir quantos filósofos são capazes de dançar sobre a ponta de uma agulha.

   Para ela a filosofia contemporânea está se tornando hiper-especializada e fragmentada, o que no final se deve a nossa cultura científica e à adução do cientificismo na filosofia. A hiper-especialização pode ser boa para a ciência, posto que ela já possui um corpo de verdades bem garantidas para serem aplicadas e estendidas. Mas Para Susan Haack a hiper-especialização filosófica termina sendo um contraprodutivo sinal de carreirismo e mentalidade de clique.

Embora essa não precise ser sempre a regra, uma característica da filosofia sempre foi a ABRANGÊNCIA. A filosofia sempre buscou o entendimento do TODO e sua fragmentação pode ser desastrosa. Isso pode ser bem exemplificado pela República de Platão que revela inter-conecções íntimas entre metafísica, epistemologia, filosofia da mente, filosofia da arte, além de filosofia social e política.

Essa busca de um conhecimento integrado perdeu-se hoje, mas é essencial à filosofia. Cada vez mais a filosofia se torna fragmentada, internamente dividida e hermética, além de desconsiderar campos associados e sua história. Ela se torna acadêmica no sentido pejorativo do termo. Um exemplo é a epistemologia: ela forma sub-domínios como o confiabilismo, o contextualismo, a epistemologia social, a gettiorologia, e ainda sub-grupos e sub-sub-grupos de ideias. O problema é que elas não são relacionadas entre si, cada sub-domínio funcionando à parte.

 As pessoas escrevem sobre o assunto sem terem lido uma palavra escrita há mais de dez anos. Mas filosofia não é ciência, que segue um desenvolvimento mais ou menos linear. Coisas ditas por Platão podem ser de interesse hoje.

   Os membros de uma CLIQUE não discutem com o que é desenvolvido por outra clique e se comportam de forma demasiado COMPLACENTE entre si.

   Para Haack, o comportamento desses filósofos especialistas lembra uma descrição de John Locke, sobre homens estudiosos que não fazem progresso por focarem sempre em uma coisa só. Citando Locke:

 

Eles só conversam com um tipo de pessoa e só lêem um tipo de livro, não se aventurando no OCEANO DO CONHECIMENTO, permanecendo no pequeno espaço que para eles contém tudo o que há de valor no universo.

 

Para Haack, trata-se de uma forma de VISÃO DE TÚNEL, quando a filosofia em grande parte deve seguir a definição de Willfrid Sellars, segundo a qual ela deve

 

entender como as coisas no mais amplo sentido da palavra se relacionam entre si no mais amplo sentido da palavra.

 

   A explicação que Susan Haack oferece para a pobreza da filosofia especializada contemporânea está em seu conceito de CONSILIÊNCIA. O que ela entende pela palavra é que existe apenas um único mundo – não importando o quão complexo e variado ele seja – e que as verdades sobre esse mundo devem de algum modo encontrar-se interconectadas no sentido de serem INTERLIGADAS (interlocked) como, digamos, em um jogo de palavras cruzadas.

Exemplo 1: a teoria da evolução pós-darwiniana é interligada à genética molecular e à genética mendeliana, assim como a questões de geologia, concernentes, por exemplo, à idade da terra.

Exemplo 2:  verdades sobre os limites do conhecimento humano devem se inter-relacionar com verdades sobre as capacidades da mente humana.

Exemplo 3: verdades antropológicas sobre a agressividade humana devem se inter-relacionar com a existência de grupos humanos, estágios civilizatórios, circunstâncias do meio, variações genéticas, desenvolvimento tecnológico e muitas outras coisas.

O mesmo se dá com a filosofia: verdades de um domínio devem se encontrar INTERLIGADAS a verdades de outros domínios. Por exemplo: epistemologia deve estar interligada com filosofia da mente, filosofia da percepção, metafísica. Elas se reforçam e dão plausibilidade ao que é dito.

A autora passa então às CAUSAS da fragmentação, que ela relaciona ao OPORTUNISMO ACADÊMICO. A questão é como as pessoas podem ter maior chance de promoverem as suas carreiras em um mundo extremamente competitivo. O problema começa com a profissionalização da filosofia. Habilidades precisam ser desenvolvidas. Mas, ela sublinha, precisam ser desenvolvidas as HABILIDADES CORRETAS, o que pode muito bem não estar sendo o caso em diferentes domínios.

 Ela cita as palavras perturbadoras de Michael Polainy, segundo o qual:

                                     

É comum o charlatanismo seguro desenvolvido pelo professor universitário, na medida em que não existirem meios de se detectar facilmente o que é feito de errado. Só a lealdade a objetivos honestos impede isso.

 

Ela nota que o filósofo amador está fazendo algo pelo simples prazer, enquanto o profissional busca sucesso. Isso deveria interessar pessoas seriamente comprometidas com seus ideais, ter uma carreira na qual obtivessem ambas as coisas.

   Mas não é isso o que acontece. Em circunstâncias nas quais o oportunismo profissional prevalece o labor filosófico se torna na realidade contra-produtivo.

  Haack acha também que demasiada ênfase é dada à quantidade de bolsas oferecidas, número de citações, prestígio dos jornais onde se publica, coisa que vale para a ciência em boa medida, mas muito menos em filosofia.

 

   Para Haack a filosofia avança através de FISSÃO e FUSÃO. Fissão tem a ver com DIVISÃO EXPONTÂNEA E ANALITICIDADE. Ela admite isso. Mas pensa que no momento presente a fusão tem sido esquecida ou mesmo obstaculizada. A palavra de ordem é DIVIDIR PARA CONQUISTAR, mas a divisão excessiva leva à DESINTEGRAÇÃO.

Quando só há FISSÃO e se rejeita as vantagens da consiliência o resultado são sub-teorias ALTAMENTE ESPECULATIVAS E SELVAGEMENTE IMPLAUSÍVEIS.

A hiper-especialização precoce da filosofia IMPEDE O PROGRESSO ao invés de INCENTIVÁ-LO. Problemas de NICHO não resistem às MAL-COZIDAS (half-backed) teorias que os originaram. Um exemplo é o programa de Davidson de explicar o significado na linguagem natural em termos de condições de verdade tarskianas, do qual, como previa Tarski, nada resultou.

 

Quando a especialização prematura se torna lugar comum o resultado é que as pessoas discutem problemas por anos sem resolvê-los, até que o tédio vença fazendo com que elas procurem outros problemas novos sem ter resolvido os primeiros, assim continuando indefinidamente.

Para ela fragmentação, hermeticismo e a-historicismo se juntam em uma síndrome de decadência intelectual.

Os interesses demasiado humanos são aqui preponderantes e até certo ponto compreensíveis, interesses humanos no sentido VULGAR da palavra: prestígio, status, sucesso de público e principalmente dinheiro. Para ela esses podem ser PODEROSOS INCENTIVOS PERVERSOS NA ORGANIZAÇÃO DA PROFISSÃO.

Já se pensou que só se tem o direito de se publicar quando se tem algo de importante a dizer. Mas em nossos tempos do ETHOS DO PUBLIQUE OU MORRA, muitos logo descobrem que a única maneira de sobreviver na profissão é encontrar ALGUM NICHO, ALGUMA CLIQUE, ALGUM CARTEL onde usando o jargão da moda e citando as pessoas certas se consiga algo como UMA POSIÇÃO SEGURA NO MEIO ACADÊMICO dentro dos interesses artificialmente restringidos de certos círculos. Como aconselhou um professor a uma aluna: “publique tanto quanto for possível e tão rápido quanto possível.”

 

 

 

 

II

 

O CAMINHO DA REINTEGRAÇÃO:

 

Na parte final do artigo Susan Haack procura uma solução para o problema.

Não se trata de sugerir que todos procurem alcançar uma visão de mundo abrangente, o que parece impossível, a não ser na produção de lixo diletante.

O que ela sugere é a aventura de Locke no oceano do conhecimento: adquirir cultura, ler novelas, jornais, biografias, tudo além do escopo estreito da área da filosofia. Aprender história da filosofia. Ouvir pessoas de outras áreas.

Trabalhar com filosofia é como tentar solucionar um enorme jogo de palavras cruzadas no qual uma coisa conduz a outra, um insight pode ser frutífero na produção de outros.

Ser construtivo e não somente engenhoso. Ver a filosofia como um empreendimento construtivo no sentido de se obter APROXIMAÇÕES SUCESSIVAS.

Integridade intelectual e suspeição com relação a autoridades também são coisas importantes.

Esse é um resumo das soluções sugeridas, mesmo que pareçam já de início muito difíceis de serem postas em prática no contexto atual.

 

 

III

 

OBSERVAÇÕES

 

Finalmente quero adicionar algumas observações de vinte centavos ao que Susan Haack escreveu.

Primeiro, o antônimo de REINTEGRAÇÃO é DESINTEGRAÇÃO. Ao menos em boa medida a filosofia contemporânea sofre um processo AUTOFÁGICO DE DESINTEGRAÇÃO ao abandonar tentativas de compreensão do todo. Dia virá no qual a irrelevância de todo esse esforço se tornará evidente a todos.

Resumindo o principal: A filosofia é atualmente tratada na academia como se fosse ciência. Como consequência, ela deve produzir algo sob os mesmos parâmetros de avaliação em um mundo no qual a ciência domina cada vez mais os afazeres humanos. Mas tais parâmetros lhe são inadequados. A única maneira de se conseguir seguir tais parâmetros, ao menos na aparência, é através de um procedimento falso, que a autora chama de fragmentação.

As teorias da filosofia fragmentada partem de pressupostos altamente questionáveis, quase evidentemente falsos, adquiridos através de argumentos falaciosos que passam a ser aceitos dogmaticamente por aqueles que decidem segui-los, pois lhes permite a produção intelectual academicamente requerida, mesmo que com resultados meramente ilusórios. Esse dogmatismo significa na prática colocar entre parênteses as possíveis relações da teoria com os campos subjacentes que a tornam implausível. Ou seja, a teoria filosófica e toda a discussão que a cerca permanecem INTERNAMENTE CONSISTENTES, MAS SÃO EXTERNAMENTE INCONSISTENTES. Elas se demonstram irrelevantes se opostas a ideias constitutivas de outros domínios do saber, sejam pertencentes à própria filosofia, às ciências ou ao senso comum.

 Não se trata apenas de ignorar o princípio da consiliência. Trata-se de CONTRADIZER A CONSILIÊNCIA. Nós sentimos o desacordo entre a teoria e o todo. Sentimos que a filosofia analítica foi corrompida pela ciência, tal como a filosofia francesa foi corrompida pela literatura. Trata-se de uma forma contemporânea de procedimento sofista que infelizmente infecta muito da academia.

Existem alguns poucos pontos nos quais discordo com a autora. A filosofia da consciência, por exemplo, é constituída de múltiplas teorias, mas algumas delas são extremamente interessantes. Essas teorias deverão constituir um todo, mas trata-se de um caso no qual a fissão não foi infrutífera.

A autora rejeita também a teoria dos tropos, sem conhecê-la. Mas essa teoria ontológica uni-categorial ao menos na forma sugerida por seu originador Donald Williams possui um objetivo de FUSÃO, sendo extremamente abrangente, caso possa ser desenvolvida, mas permanece com o seu potencial inaproveitado precisamente pelas razões aduzidas por Susan Haack.

Em terceiro lugar temos a possibilidade da filosofia abrangente ser desenvolvida com um ou dois pés fora da academia. A internet pode tornar isso possível. Na história da filosofia filósofos continentais de Descartes a Leibniz não pertenciam à academia, o mesmo acontecendo com os empiristas ingleses. Nada garante que a filosofia não possa voltar a ser feita de outra forma.