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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

AS TRÊS LEIS DO PENSAMENTO (texto introdutório)

Esse esboço está MUITO RUIM! Por isso sugiro que ao invés de lê-lo você assista o meu vídeo sobre as três leis do pensamento no Youtube, cujo conteúdo está atualizado. Muito melhor do que essa porcaria!


AS “TRÊS LEIS DO PENSAMENTO”



A lógica já foi definida como o estudo das leis do pensamento. Há tradicionalmente três assim chamadas leis ou princípios fundamentais de todo o ser ou pensamento.
     O primeiro é o princípio da identidade. Em sua versão ontológica ele diz que uma coisa é sempre igual a ela mesma e em sua versão epistêmica diz que uma coisa é sempre pensada como igual a ela mesma. Ele pode ser formulado como “Se algo é A é A” ou “A = A”.
    O segundo princípio é o da não-contradição (ou contradição). A sua formulação ontológica é: “Nada pode ser A e não A ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva”. Ele também pode receber a seguinte formulação epistêmica: “Não se pode pensar A de algo (predicar) e negá-lo (negar a predicação) ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva. Ele também pode receber uma formulação lingüística: um enunciado não pode ser verdadeiro e falso. Formalmente: ~(A & ~A). Exemplo: uma flor não pode ser e não ser vermelha ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva. Aristóteles foi quem primeiramente formulou e discutiu esse princípio em sua Metafísica. Segundo esse autor, “o mesmo ao mesmo e na mesma relação não se pode aplicar e não aplicar”. Não se pode provar esse princípio, pois ele é pressuposto por qualquer prova. Mas ele mostra que podemos prová-lo indiretamente, reduzindo ao absurdo a sua negação. Negar tal princípio é realizar uma asserção meramente verbal, não acompanhada de pensamento, pois basta pensar alguma coisa para pressupor o princípio. Quem nega tal princípio, diz Aristóteles, deve ficar mudo como um tronco de árvore, pois se abrir a boca irá se contradizer. É importante a adição “...ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva (ou aspecto ou ponto de vista)”. Digamos que alguém afirme que Teeteto está sentado e, logo a seguir, Teeteto se levanta e alguém afirme que Teeteto não está sentado. Isso não contradiz o princípio, pois Teeteto está sentado e de pé em tempos diferentes. Da mesma forma um objeto pode parecer amarelo e não parecer amarelo, mas, digamos, branco, quando visto sob perspectivas diferentes, o que também não contradiz o princípio.
    Finalmente, há o princípio do terceiro excluído, que em sua formulação ontológica afirma que tudo ou é A ou não é A, não podendo haver uma terceira possibilidade. Linguisticamente, este princípio pode ser expresso dizendo-se que um enunciado ou é verdadeiro ou é falso, não havendo uma terceira possibilidade. A versão formal do princípio do terceiro excluído: “A v ~A”. Exemplos: “Uma coisa ou é uma flor ou não é uma flor, não podendo ser uma terceira”.
     Parece haver aqui um problema com respeito a vaguidade. O que dizer de casos intermediários como o de uma coisa que não é amarela nem chega a ser laranja, deixando, pois, de ser amarela, mas que é de um amarelo algo alaranjado... Ao que parece o enunciado “Essa coisa é amarela” não chega a ser verdadeiro nem falso. Uma resposta é dizer que um pensamento que não é nem verdadeiro nem falso não chega a formar um juízo, um enunciado, uma asserção, e que nossa lógica pode muito bem excluir enunciados desse tipo por serem inúteis, incapazes de dizer alguma coisa sobre o mundo.
     Há certa ordem de pressuposição entre os três princípios: o princípio da identidade ou “A = A” afirma que uma coisa é ela mesma. O princípio da não-contradição ou “~(A & ~A)” afirma que – sendo uma coisa ela mesma – ela não pode não ser ela mesma (ou seja: quando a pensamos como ela mesma, não podemos pensá-la como outra coisa). Já “A v ~A” afirma que, sendo uma coisa ela mesma e não podendo não ser ela mesma, ela não pode ser uma terceira coisa que esteja entre ser e não ser ela mesma. A implicação material “~(A & ~A) → A v ~A” é tautológica.
   As leis do pensamento eram consideradas por Aristóteles princípios metafísicos pelo fato de se aplicarem à totalidade do real. A metafísica é a ciência que estuda o “ser enquanto ser”, ou seja, as propriedades concernentes a tudo o que é – a tudo o que existe, tanto no âmbito do físico quanto do mental. O universo, na medida em que é compreensível, é compreensível porque tudo nele segue as leis do pensamento como o princípio da contradição. Sendo assim então a lógica, ao menos em seus fundamentos, pertence à metafísica, pois é um pressuposto tanto de todos os objetos das ciências particulares quanto de todo o pensamento sobre esses objetos. Além disso, se considerarmos que a lógica é omniabrangente, desaparece a razão para pensarmos que ela deva transcender o mundo empírico e pertencer a alguma espécie de universo platônico. A razão usual para dizermos que um conhecimento não é empírico é que ele pode ser falseado por matérias de fato empíricas. Mas o conhecimento de algo empiricamente omniabrangente, aplicando-se a tudo, não pode ser falseado por nada que seja empírico, mesmo sendo empírico. O próprio fato do mundo existir demonstra a sua validade.




JOHN RAWLS E O ESTADO JUSTO (exposição introdutória)


Observação: este é um rascunho rudimentar
 feito para discussão em sala de aula e com intenções introdutórias (Aulas, curso de graduação, Depto. Filosofia/UFRN)



JOHN RAWLS E O ESTADO JUSTO

                         Assim como em sua perfeição o homem é a  melhor
                         das criaturas vivas, sem lei e sem justiça ele é a pior
                         de todas.
                         Aristóteles


     Na competição entre as múltiplas formas de estado, os candidatos mais bem colocados têm sido o libertarismo (o estado mínimo, por alguns depreciativamente chamado de capitalismo selvagem) e o liberalismo igualitarista (o estado social-democrático, o estado do bem estar social).
     O estado libertarista é o do laissez faire, laissez passê. O seu princípio é o de que o estado deve respeitar ao máximo a liberdade dos cidadãos, entendida como o direito de fazerem o que quiserem, conquanto não infrinjam os direitos uns dos outros. Esse é o chamado estado mínimo, que deve intervir minimamente nas vidas de seus cidadãos, de modo a preservar as suas liberdades. Isso faz com que a função do estado não exceda a de garantir os direitos básicos dos cidadãos, como o direito à vida, à propriedade, à livre expressão, ou de garantir o cumprimento de contratos. O exemplo modelar do estado liberal é o do velho oeste norte-americano. Tudo é permitido, com exceção daquilo que infringe os direitos das outras pessoas, sendo a principal função a do xerife, que é a de impedir a violência, garantindo que as leis sejam cumpridas e evitando que bandidos violem os direitos das pessoas ao tomarem as suas propriedades ou as suas vidas.
     O estado libertarista, maximizando a liberdade dos cidadãos, pode ser excepcionalmente eficaz. Sendo ele um estado de livre concorrência, nele as pessoas mais hábeis têm a oportunidade de ascender, enriquecer e produzir riqueza. Como o estado tem muito poucas obrigações, não precisando gastar para auxiliar os cidadãos menos favorecidos, ele pode taxar menos, o que facilita ainda mais a produção. Contudo, o estado libertarista também tem o seu lado obscuro, pois o preço de sua eficácia é a desigualdade social. Junto aos poucos que conseguem vencer na competição, surge uma massa de perdedores que caem na pobreza, quer seja por alguma inabilidade ou simplesmente pela má-sorte. (Os Estados Unidos, como o país que mais bens produz, mas que ainda assim tem mais de 20 milhões de pessoas vivendo na pobreza, serve um pouco como um exemplo das vantagens e desvantagens do estado libertarista.)
     A alternativa razoável para o estado libertarista é o estado liberal-igualitário ou liberal, que na Europa foi chamado de estado social-democrata, voltado para o bem-estar dos seus cidadãos. No estado liberal preza-se a liberdade dos cidadãos, mas não a ponto da indiferença à injustiça social supostamente resultante da falta de superestrutura reguladora do estado libertarista. Se a livre competição produz um injusto desnivelamento de riquezas, o estado liberal-igualitário deve prover uma compensação para isso, na medida em que protege os mais desfavorecidos, provendo-lhes de auxílio desemprego, estudo gratuito, assistência de saúde etc. Afora isso, o estado deve prover igualdade de oportunidade dos mais pobres com os mais ricos, permitindo aos primeiros, em princípio, ascender socialmente, o que na prática significa subsidiar as possibilidades de ascensão. Exemplos de estados que se aproximaram desses ideais liberal-igualitários têm sido os países nórdicos, e o exemplo modelar – para fazer contraste com a sociedade do velho oeste – é o de uma comunidade alternativa como a dos Amishes, dentro da qual cada pessoa divide livremente com outras uma parte dos frutos do seu trabalho.
     Obviamente, tal estado não é tão eficaz em termos de produção quanto o estado liberal. As taxações são altas, o que encarece a produção. Mas isso não significa que ele não seja idealmente superior.

     O estado justo
     Qual é o estado justo? Como legitimá-lo? Em seu livro intitulado Uma Teoria da Justiça, provavelmente o maior clássico da filosofia política do século XX, comparável ao Leviatã de Hobbes, John Rawls idealizou uma experiência em pensamento que parece demonstrar a maior racionalidade da forma liberal-igualitarista de estado. Ele pensa que quando avaliamos a sociedade a que gostaríamos de pertencer, nossa preferência se torna pessoal, pois é influenciada por nossa profissão, nosso status social, nossos preconceitos, o que nos torna incapazes de escolher uma sociedade justa. Mas há uma maneira de avaliarmos a sociedade na qual gostaríamos de entrar que ao mesmo tempo a identifica como sendo justa. Para chegar a isso, Rawls começa pedindo para nos imaginarmos no que ele chama de uma posição original, que no caso é aquela em que nos encontramos prestes a entrar em uma sociedade cobertos pelo que ele chama de “véu da ignorância”. Sob esse véu não sabemos nem em que situação entraremos na sociedade, nem como seremos quando isso acontecer. Não sabemos, pois, se nela entraremos ricos ou pobres, homens ou mulheres, jovens ou velhos, brancos ou negros, inteligentes ou tolos... Nesse caso – assumindo que preservamos nosso conhecimento da natureza humana e do mundo social – em que sociedade preferiríamos entrar? A resposta, para Rawls, é que nesse caso preferiríamos entrar em uma sociedade justa, na qual nossos ganhos só são maximizados sob o pressuposto de um mínimo de perdas, segundo o princípio maximin da teoria da escolha[1].
     A experiência em pensamento de uma escolha feita a partir da posição original demonstra a sua força quando consideramos os princípios que Rawls consegue dela deduzir[2]. O primeiro é o princípio da liberdade:

(1): Cada pessoa deve ter igual direito ao mais extenso sistema total de liberdades básicas iguais, compatível com um sistema similar de liberdades para todos.

      Em suma: a liberdade de cada indivíduo deve ser a mais extensa possível, conquanto não haja interferência entre as suas liberdades, pois, como se costuma dizer, nossa liberdade termina onde começa a do próximo. Esse princípio garante a liberdade até mesmo de intolerantes como nazistas e racistas, conquanto eles não comecem a interagir com as outras pessoas de maneira a diminuir-lhes a liberdade. Ora, aplicando a experiência em pensamento proposta por Rawls, vemos que o princípio da liberdade é bem fundado, pois uma pessoa sob o véu da ignorância escolheria sempre entrar em uma sociedade livre, com receio de vir a pertencer a uma facção que tivesse direitos diminuídos, que fosse discriminada, ou perseguida.
     O segundo princípio de Rawls é concernente à regulação das desigualdades sociais e econômicas. Ele consiste, na prática, em dois princípios. O primeiro é o da diferença, que afirma o seguinte:

(2a) Desigualdades sociais e econômicas devem ser toleradas apenas sob a condição de trazerem maiores benefícios aos membros mais desfavorecidos da sociedade.


     Assim, uma sociedade igualitária que produz uma população muito pobre, embora igual, não é mais justa do que uma sociedade desigual, mas que por isso permite que os seus membros mais pobres sejam menos pobres do que os da primeira (pensar diversamente seria demonstração de inveja). Também segundo o princípio da diferença, uma pessoa que possui bens e posição privilegiada só pode ser admitida em uma sociedade justa se a sua situação reverter em vantagens para os desfavorecidos. Também parece que, encontrando-nos sob o véu da ignorância, preferiríamos entrar em uma sociedade na qual esse princípio fosse válido.
     O segundo princípio é o da igualdade de oportunidades, dizendo-nos que:

(2b) Desigualdades sociais e econômicas associadas a cargos ou funções só podem existir se eles estiverem abertos a todas as pessoas em condições de honesta igualdade de oportunidade.

     Isso significa, por exemplo, que o estado deve prover para que alguém que nasceu na favela tenha as mesmas oportunidades para cursar uma universidade do que pessoas economicamente bem situadas. Claro que, sob o véu da ignorância, preferiríamos entrar em uma sociedade em que vigorasse a igualdade de oportunidade, pois poderíamos ter a esperança de mudar a nossa sorte no caso de começarmos de uma situação socialmente desvantajosa.
     Embora a sociedade justa concebida por Rawls possa não existir de fato, ela pode ser aproximada, parecendo claro que a sociedade liberal de estrutura social-democrata, na qual o estado regula a economia no interesse de todos, provê serviços de welfair e tenta alterar a distribuição de renda em nome da justiça social, é mais propensa a satisfazer tais princípios do que a sociedade libertarista: sob o véu da ignorância preferiríamos entrar na sociedade comunitária a entrar na sociedade do velho oeste. Mas será que todos concordariam? Padrões de racionalidade diferem, e com eles os da escolha. Como reagiria um apostador, o tipo de pessoa que não segue o princípio maximin, não se importando em arriscar alto, mesmo que seja para perder tudo? Uma resposta é que a escolha feita a partir da posição original é muito mais decisiva do que as escolhas da vida cotidiana. Ela é única e válida para sempre. Quem a faz compromete toda a sua vida. Por isso, so um apostador bastante irracional estaria disposto a correr riscos tão altos. Como a condição de racionalidade é para ser preservada na posição original, essa possibilidade fica excluída.



Bibliografia:
Brown, C. (1995): “International Political Theory and the Idea of World Community”, in International Relations Theory Today, K. Booth and S. Smith (eds.) Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press.
Einstein, A. (1946): “Toward a World Government””, in Out of My Later Years: The Scientist, Philosopher and Man Portrayed Through His Own Words, New York: Wings Books (1956).
Habermas, J.(1998): “Kant’s Idea of Perpetual Pace: At Two Hundred Years’ Storical Remove”, in The Inclusion of the Others, C. Cronin e P. De Greiff (eds.), Cambridge Mass: MIT Press.
Hobbes, T. (1651): Leviathan, Markham: Penguin (1986).
Kant, I.(1983): Zum Ewigen Frieden: Ein philosophischen Entwurf  Darmstadt WDB, vol. 9, p. 208 ss, (BA 28-36).
Lu, C.(2006): “World Government”, Stanford Encyclopedia of Philosophy (internet).
Nielsen, K. (1988): “World Government, Security and Global Justice”, in Problems of International Justice, Steven Luper-Foy (ed.), Boulder: Westview, 263-282.
Nozick, R.(1974): Anarchy, State and Utopia New York: Basic Books 1974.
Rawls, J.(1971): A Theory of Justice, Harvard University Press: Cambridge Mass.
Rawls, J. (1998): The Law of Peoples (Harvard University Press: Cambridge Mass.
Young, I. M. (2002): Inclusion and Democracy Oxford: Oxford Universiy Press.
Wendt, A. (2003): “Why is a World State Inevitable? Teleology and the Logic of Anarchy”, European Journal of International Relations, 9, 4.




[1] O princípio maximum minimorum nos diz que devemos atentar primeiro para o curso de ação que oferece menor desvantagem e só então, dentro dele, escolher a alternativa mais vantajosa.
[2] Passo por alto a questão de saber em que extensão os princípios são corretos, passando a pressupô-los no argumento que se segue. Devo lembrar, porém, que há toda uma literatura crítica acerca disso, a começar pelo seu contraponto libertarianista, que foi o livro de Robert Nozick Anarchy, State and Utopia.
 [3] Eis porque Kant rejeitava a idéia de um estado mundial, colocando em seu lugar uma federação de estados livres unidos na preservação da paz. Ver Immanuel Kant: Zum Ewigen Frieden: Ein philosophischen Entwurf, p. 208 ss, (BA 28-36).
[4] O próprio Rawls, seguindo Kant, tem reservas sobre a vantagem de um suposto estado mundial, que para ele seria ou despótico ou frágil demais, preferindo a idéia de federação. J. Rawls: The Law of Peoples, p. 36.



PALPITE SOBRE A ONTOLOGIA DAS ENTIDADES MATEMÁTICAS (esboço para discussão)

Rascunho para discussão em sala de aula – C. F. Costa – Aulas, graduação depto. filosofia, UFRN


PALPITE SOBRE A ONTOLOGIA DAS ENTIDADES MATEMÁTICAS
 (Como já dizia o velho Aristóteles, 'tudo começa com um palpite')

All numbers must be numbers of something: there are no such things as numbers in the abstract... All things possess quantity, so propositions concerning numbers are propositions concerning all things whatever.
Stuart Mill
 
     Um importante problema da filosofia da matemática é aquele concernente ao status ontológico de suas entidades, além da questão epistemológica da possibilidade de sua apreensão cognitiva. Ambos se encontram intrinsecamente associados.     Para começar podemos considerar duas posições aproximadas: o instrumentalismo e o convencionalismo. Segundo o instrumentalismo, o conhecimento matemático não é sobre coisas e suas relações. A matemática é um instrumento útil, mas não deveria ser entendida como referente a objetos matemáticos. Já segundo o convencionalismo, as verdades matemáticas são sobre como acordamos falar. Ou seja, estabelecemos convenções que mostram certas asserções matemáticas como verdadeiras e outras como falsas; mas isso não quer dizer que elas se refiram a algum objeto.      Uma alternativa oposta às consideradas acima é o realismo, seja ele platônico ou não. Para o realismo as proposições da matemática são sobre alguma coisa, embora não sejam sobre coisas físicas como cadeiras e mesas. Assim, números, conjuntos, funções, seriam objetos existentes, embora, diversamente dos objetos físicos, eles sejam atemporais e causalmente ineficazes.        
Todas essas posições são problemáticas. O platonismo encontra dificuldades, por exemplo, relativas à dificuldade que temos de compreender como é possível o acesso epistêmico a entidades causalmente ineficazes, que não são espacialmente nem temporalmente localizáveis. Quanto ao instrumentalismo e ao convencionalismo, fica difícil entender, respectivamente, a eficácia do instrumento e a razão da convenção quando se sustenta que a matemática não é sobre coisa alguma.     Para sair desse impasse, uma alternativa seria considerarmos objetos matemáticos entidades empíricas. O mundo inteiro é quantitativo. Quando estamos diante de um tomate, sabemos que se trata de somente um objeto. Quando nos é dado um conjunto de dois, três, quatro, até seis objetos, somos capazes de perceber de um relance quantos objetos temos diante de nós. Essa é uma capacidade que até os animais são capazes de possuir. 
    Todavia, essa é uma visão bastante crua. Embora os dois sapatos que estou usando instanciem o número dois, eles não são o número dois. Pois o número dois não depende da existência do meu par de sapatos para existir.
    Uma solução mais sofisticada, embora de fundo realista, foi proposta por Michael Resnick. Segundo esse autor, as entidades matemáticas são modelos (patterns) que podem ser exemplificados ou instanciados. As instanciações são perceptíveis pelos sentidos. Assim, sei que um cão tem apenas três patas porque as vejo e tenho uma apreensão sensível imediata desse número de patas. Mas os modelos não são apreensíveis dessa maneira. Eles são abstraídos das experiências de suas instanciações.
     A ideia tem seu apelo, pois uma criança aprende a contar e a adicionar números primeiro com base em objetos físicos que vê, para depois aprender a fazê-las na abstração da existência de tais objetos. Sendo uma espécie de adaptação do realismo ao caso dos objetos matemáticos (os modelos estão no lugar das idéias platônicas ou das formas aristotélicas), a sugestão de Resnick parece reconduzir-nos às dificuldades inicialmente mencionadas. Como podemos abstrair da experiência sensível algo que a transcende completamente? Que entidades imutáveis e atemporais são essas chamadas de modelos?
     A melhor alternativa me parece ser a de interpretar os modelos, as entidades matemáticas abstraídas, ainda em termos empiristas. Quais as razões pelas quais tendemos a não admitir que os modelos sejam entidades empíricas? Não há muitas, à exceção do horror mundi dos matemáticos. A principal delas é que as entidades matemáticas não têm a espécie de contingência de suas exemplificações. Se o inseto de oito patas perde uma delas o número oito não irá desaparecer por isso; esse número é independente de quaisquer coisas que o exemplifiquem.
     Mas considere a questão: se o mundo não existisse, existiriam números? Nossa tendência diante dessa impalpável questão é responder que não. Em outras palavras, embora exista uma independência do número em relação à realidade empírica, ela não exige considerarmos o número como algo que vá além dela. Basta para tal considerarmos a entidade matemática em termos de um caso qualquer empiricamente dado ou qualquer outro caso idêntico a ele, mas não como não exigindo coisa alguma empírica, a menos em nossa imaginação. Mesmo que o inseto de oito patas perca uma delas restará ainda um número indeterminado de exemplificações do número oito no universo. Com isso, embora nunca venhamos a sair do mundo empírico, nós ainda assim teremos estabilidade suficiente para não depender de contingências empíricas para que as entidades matemáticas existam. Considere, por exemplo, o número um: parece que se o mundo não existisse esse número não existiria; ele é, portanto, de certo modo permanente, eterno, imutável... sem para isso demandar o recurso a alguma espécie de realismo extra-mundano acerca de entidades abstratas.
    Essa maneira de ver a natureza ontológica das entidades matemáticas é compatível com a teoria dos tropos. Números são tropos modelares, embora não estejam no mesmo nível das qualidades empiricamente dadas como este azul, pois dependem delas para a sua exemplificação, ao menos enquanto não forem números grandes demais...