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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A filosofia da mente em John Searle

  

 

 

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JOHN SEARLE SOBRE CONSCIÊNCIA E O PROBLEMA MENTE-CORPO

 

 

 

Há um gênero de pensadores cujas mentes brilham como holofotes. Ao iluminarem os objetos visados, elas o fazem com tamanha intensidade que parecemos vê-los à luz do dia. Essa qualidade, porém, acompanha-se de um inconveniente, que é o de cegar-nos para tudo o que se encontra ao redor. Para o bem e para o mal, Searle é um filósofo desse gênero. Por isso o breve resumo que farei aqui das respostas originais que ele deu aos problemas fundamentais da natureza da consciência e da relação mente-corpo será complementado por uma ainda mais breve crítica, reveladora de algumas coisas importantes que ficaram ofuscadas ou foram distorcidas.

 

Consciência como o estar acordado, atento ao mundo ao redor

Para Searle ser consciente é estar acordado, atento, percebendo o mundo. Segundo ele, a consciência começa quando acordamos, dura o dia inteiro e volta a desaparecer quando caímos em um sono sem sonhos, ou quando somos anestesiados ou morremos...[1] Trata-se, aqui, da consciência no sentido mais amplo possível, aquele no qual até mesmo um camundongo pode ser considerado consciente. Ele distingue esse sentido do sentido de autoconsciência, que se restringe quase que só aos humanos. A estratégia investigativa de Searle no que concerne à consciência é a de selecionar e analisar as características mais próprias da mente consciente.

     A primeira delas é o caráter qualitativo, a presença de qualidades fenomenais chamadas tecnicamente de qualia. Não há definição para os qualia. Mas quando uma pessoa leva um soco no olho e fica vendo estrelas, elas são qualia; e quando ela arde de paixão, essa ardência é feita de qualia. Sensações e emoções conscientes são, pois, qualidades fenomenais. Searle, contudo, vai além e sugere que “sentimentos qualitativos” pervadem toda a consciência, inclusive estados cognitivo-intencionais, como pensamentos e crenças. O pensamento “Dois mais dois é quatro”, diz ele, soa diferente de “Deux et deux fait quatre”, e “Dois mais dois é cento e oitenta e quatro” soa estranho. Por conseguinte, pensamentos também possuem qualia.[2]

     A segunda característica da consciência é a subjetividade ontológica. Searle sugere corretamente que há uma tendência errônea de se pensar que a subjetividade ontológica implica em subjetividade epistemológica, e que por causa disso tudo o que é subjetivo é irresgatável para a ciência. Ora, as duas noções são independentes. Há coisas que são ontologicamente objetivas, mas epistemologicamente subjetivas e vice-versa. Considere, por exemplo, as avaliações acerca do governo do presidente Jucelino Kubitcheck. Embora a qualidade do seu governo seja algo objetivo, a sua avaliação epistêmica é subjetiva e incerta, pois falta consenso. Por outro lado, a avaliação de um estado mental como a intensa dor abdominal em barra relatada por pacientes com pancreatite aguda é epistemicamente objetiva, embora seja um estado ontologicamente subjetivo. O mesmo se dá com a consciência: o fato de ela ser um fenômeno ontologicamente subjetivo não a torna epistemicamente subjetiva. Por isso mesmo ela pode ser objeto de investigação científica. 

     Uma terceira característica da consciência é a unidade, o que Kant chamava de “unidade transcendental da apercepção”: a consciência se apresenta sob a forma de um campo unificado. Todos os meus estados mentais conscientes vêm ligados a uma subjetividade única que os acompanha.

     As características acima apresentadas são as mais importantes, mas ainda há outras. Uma delas é a intencionalidade, mesmo que nem todo o estado consciente seja intencional. Outras características são ainda o humor, a distinção entre centro e periferia, prazer e desprazer, situação, atividade e passividade, estrutura gestáltica e a presença de um eu unificador da experiência.

     Searle também discute as duas principais abordagens da consciência, que são a de blocos de construção – a aproximação da consciência somando as consciências parciais – e a de campo de consciência – a aproximação analítica, a partir da totalidade da consciência. Ele prefere a última. Para mostrar a vantagem dessa abordagem ele constrói a seguinte experiência em pensamento: Uma pessoa acorda em um quarto escuro, sentindo apenas o peso de seu corpo. Mesmo assim, ela tem um completo campo de consciência. Se a porta se abre, a luz se acende, ela ouve sons... então não parece que uma nova consciência foi criada, como a abordagem dos blocos de construção prevê, mas que o campo pré-existente foi modificado, ou seja, que calombos e afundamentos se formaram no campo. A natureza da consciência parece, pois, privilegiar a abordagem de campo de consciência.[3]

 

Relação mente-corpo como confusão conceitual

Quanto ao problema da relação mente-corpo, Searle busca uma solução intermediária entre o materialismo e o dualismo. O materialismo está errado porque pretende uma redução completa da consciência ao comportamento neuronal. Para isso seria necessária uma redução ontológica, ou seja, uma demonstração de que a consciência é constituída pelo comportamento neuronal. Para Searle, porém, a consciência não é constituída pelo comportamento neuronal, pertencendo a uma ordem superior. Nós sabemos disso porque por definição ela é caracterizada pelo acesso em primeira pessoa, enquanto o acesso que temos ao comportamento neuronal é em terceira pessoa. Portanto, o materialismo é falso.

     Mas o dualismo também é falso, posto que a consciência é inteiramente causada pelo comportamento neuronal. Embora não sendo ontologicamente redutível ao material, pensa Searle, ela é causalmente redutível a ele. Como consequência, ela não é algo metafisicamente diverso, como a res cogitans cartesiana.[4]

 

Problemas

Instigantes como o são, as idéias de Searle encontram-se abertas às seguintes objeções:

 

1.       O argumento para demonstrar que os elementos fenomenais-qualitativos chamados de qualia pervadem todo o mental precisa ser mais bem qualificado. Parece que na verdade, os qualia se restringem a sensações e emoções. Claro que “Deux et deux fait quatre” soa diferente de “Dois mais dois é quatro”. Mas a expressão linguística do pensamento não deve ser confundida com o pensamento enquanto tal. É ela e não o pensamento que produz uma reação sensório-emocional diferente quando expressa em línguas diferentes. Frege já havia distinguido entre pensamentos de um lado e iluminações (Beleuchtungen) de outro. Iluminações são acompanhantes psicológicos não-convencionais da expressão linguística dos pensamentos, nada tendo a ver com eles. Estados cognitivo-intencionais são essencialmente representativos e dependentes de articulações conceituais; a sua associação com os qualia, quando ocorre, é contingente.

2.       O conceito de consciência analisado por Searle é o daquilo que D. M. Armstrong chamava de consciência perceptual – o estar acordado, alerta, percebendo o mundo ao redor e o próprio corpo – e não o do que esse mesmo autor chamava de consciência introspectiva – o conhecimento reflexivo dos próprios estados mentais. Essa última constituía para Armstrong (e hoje também para filósofos como D. M. Rosenthal, com a sua defesa da idéia de que a consciência depende da formação de pensamentos de ordem superior) o conceito mais relevante de consciência, distintivo do ser humano e de alguns animais superiores. Estamos, enquanto filósofos, mais interessados na consciência humana (que é admitidamente uma autoconsciência), mas não podemos dar conta de suas peculiaridades investigando um conceito de consciência que é tão vasto a ponto de incluir camundongos e lagartos entre os seres que a possuem.[5]

3.       K. T. Maslin objetou contra Searle que não é rigorosamente correto dizer que estados neuronais causam a consciência.[6] Posso dizer (usando um exemplo do próprio Searle) que certa combinação de moléculas causou a explosão, mas isso é uma maneira a rigor incorreta de dizer que essa combinação constituiu a explosão. Da mesma forma, o mais correto seria dizer que alguma combinação de comportamentos neuronais constitui a consciência, não que a causa. Searle evita esse modo de falar porque ele o comprometeria com o materialismo.

4.       A solução de Searle para o problema mente-corpo parece-me claramente inconsistente. Quando ele afirma que a consciência pertence a uma ordem superior, não se constituindo de comportamento neuronal, embora sendo causada pelo último, ele está inadvertidamente defendendo o que tem sido chamado de dualismo de propriedades, uma conclusão já chegada por Thomas Nagel[7]. Segundo essa doutrina, a propriedade do mental é emergente no sentido de que embora ela dependa de estados neurofisiológicos, não se reduz a eles, pertencendo, pois, a um novo domínio ontológico. Searle, no entanto, rejeita o dualismo. Ele afirma que não existe um reino do mental, metafisicamente diverso do físico. Ora, aqui reside o que me parece ser a grande incoerência de sua “solução”, pois ele também afirma que o mental não é ontologicamente redutível ao físico. Ora, como o metafísico implica no ontológico (se não for a mesma coisa), se o mental não é ontologicamente redutível ao físico então ele deveria pertencer a um reino ontologicamente (ou metafisicamente) diverso e Searle deveria admitir que é um dualista de propriedades.[8]    

 

 

 

 

 



[1] J. R. Searle: The Rediscovery of Mind (MIT-Press: Cambridge Mass. 1993), p. 84.

[2] J. R. Searle: Consciousness and Language (Cambridge University Press: Cambridge 2002), p. 40.

[3] J. R. Searle: Mind: A Brief Introduction (Oxford University Press: Oxford 2004), pp. 154-5.

[4] J. R. Searle: Mind: A Brief Introduction, p. 128. Meu resumo aqui é baseado nesse texto, que é o mais atual. Ver também The Rediscovery of Mind, cap. 5, e Mind, Language and Society: Philosophy in the Real World (Basic Books: New York 1998), cap. 2.

[5] D. M. Armstrong: “What is Consciousness?”, em The Nature of Mind (Cornell University Press: Ithaca 1981), pp. 55-67. Ver também o seu livro Mind and Body: An Opinionated Introduction (Westview Press: Boulder 1999), cap. 10.

[6] K. T. Maslin: An Introduction to Philosophy of Mind (Polity Press: Cambridge 2001), cap. 6.

[7] Ver Thomas Nagel: Other Minds: Critical Essays (Oxford University Press: Oxford 1995) p. 96.

[8] J. R. Searle: Mind: A Brief Introduction, p. 128.

 

 

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