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segunda-feira, 25 de março de 2024

CNPq, AUTISMO, DEMERITOCRACIA

Publicado na ANPOF


 

AUTISMO, CNPq, E A DEMERITOCRACIA

 

Enquanto é fácil identificar uma pessoa com alguma deficiência física, não é assim tão fácil identificar uma pessoa que possui autismo leve ou síndrome de Asperger. Uma razão é que o autista é uma pessoa que geralmente faz o possível para mimetizar um comportamento normal. Mas, como percebeu Hans Asperger, uma gota de autismo é até mesmo necessária ao pesquisador: para que a pessoa se concentre por muitos anos no estudo de um assunto específico e para que ela faça seu trabalho com independência intelectual, alguns traços autistas são exigidos. No meu caso o autismo facilita o trabalho: passo quase todo meu tempo disponível envolvido em minha pesquisa. Mas ele dificulta imensamente a divulgação do que faço devido à ansiedade social que produz. Não conheço pessoas influentes, não participo de grupos, não tenho vida social, não sou capaz de promover verbalmente meu trabalho; meu único contato humano é com minha esposa, além do contato formal com estudantes ao ministrar cursos. 

   Os avaliadores do CNPq parecem pensar que as pessoas foram fabricadas em série. Há pouco tempo fiz um pedido de bolsa PQ. Como tenho limitação ergonômica na UFRN por autismo diagnosticado eu não oriento, concentro-me full time na pesquisa e no ensino. Junto ao meu pedido estava o de que a exigência de que o candidato à bolsa tivesse orientandos fosse suspensa no meu caso, por não conseguir conciliar pesquisa com o trabalho de orientação. Além disso observei que a exigência é na verdade apenas um estímulo suplementar, pois orientação não tem nada a ver com pesquisa, ao menos em filosofia. Bons filósofos como Searle e Kripke preferem usar seu precioso tempo pesquisando e não orientando; outros como Lewis e Carnap tiveram alguns (excelentes) orientandos. As duas coisas geralmente não se somam e frequentemente se opõem.

   O avaliador deu um parecer positivo, sugerindo que se releve os efeitos do autismo. Eis a sua conclusão final:

 

O proponente tem uma produção consistente nos últimos anos, certamente acima da média nacional na área, demonstrando completa dedicação à atividade cientifica de pesquisa. Sua atividade do ponto de vista de formação e participação, pelos motivos expostos, é bastante restrita. Tendo em vista a longa atividades de pesquisa consistente e levando em consideração a seriedade da proposta e relevância dos temas tratados, considero que o CNPq deveria seriamente considerar reconhecer o valor da proposta conceder o mérito de uma bolsa PQ.

 

Com efeito, tendo publicado um número de artigos revistas internacionais (4 artigos só em Ratio), tendo publicado 4 livros em inglês, o último pela De Gruyter (considerado “excelent and outstanding” pelo editor e, certamente, também na review anônima[1]), tendo realizado 6 pós-doutorados em centros de excelência no exterior junto a grandes pesquisadores (Konstanz, junto a Spohn, Munique, junto a Ricken, Berkeley junto a Searle, Oxford junto a Swinburne, Göteborg junto a Maurin, INS junto a Recanati), saindo todos os anos para congressos na Europa, torna-se claro que poucos devem ter mais direito a uma bolsa de pesquisa individual em filosofia do que eu!

   O parecer final da CA, contudo, foi negativo, aferrando-se ao item da exigência de orientação. Ei-lo:

 

Proponente e parecerista ad hoc sugerem que o CA leve em conta dificuldade de docência em função da informação de diagnóstico médico. No entanto, extrapola a competência do CA determinar em que condições e sob quais comprovações o CA poderia legalmente não aplicar as exigências mínimas do edital tal como publicado, sendo uma delas a de orientação (exigência que pode de resto ter levado outros candidatos que não satisfazem essa condição a sequer se candidatarem). Independente desse pertinente ponto que caberia discutir em outras instâncias, observa-se que a limitação em questão não explica a dificuldade de publicação dos resultados da pesquisa em revistas referência na área e causa estranhamento a informação do Lattes de publicações como artigos em periódicos.[2] Por essas razões, inobstante o reconhecimento da trajetória do pesquisador, levando em conta ausência de orientação e a análise comparativa das publicações, não é possível recomendar a proposta.

 

O parecer final não só demonstra desconhecimento do que seja autismo, mas faz observações não-pertinentes que denunciam má vontade. Eu nunca disse que tenho dificuldades para dar aulas (são excelentes quando bem preparadas) ou que não consigo publicar artigos no exterior. Apenas que desde 2012 me concentro em escrever livros, pouco me importando com artigos. Como minha dedicação à pesquisa é full time e a orientação interfere negativamente com o trabalho de pesquisa, muito devido ao meu autismo, prefiro não orientar. Afora isso é estranho que eu deva perder para alguém na análise comparativa de publicações: só o feito de publicar um livro em 2023 pela De Gruyter (uma editora acadêmica extremamente exigente) me põe à frente de quase todos os pesquisadores brasileiros, sem falar no livro de 2022 intitulado Cognitivismo semântico (Appris 350 págs.), que para variar passou em branco.

   Não adiantou oferecer essas últimas justificativas, nem ir à Ouvidoria reclamar que estou sendo discriminado. Estou certo de que não devo ser o único caso de autista prejudicado nessa profissão.

  Finalmente, devo notar que não recebo bolsas do CNPq desde 2016, quando declinei de minha PQ para pedir uma bolsa para a Suécia que por razões inexplicáveis não me foi concedida. Passei o primeiro semestre de 2016 em Göteborg (Junto a Anna-Sofia Maurin) e o segundo na École Normale Supérieure (junto a François Recanati) por conta própria. Me pergunto quantos bolsistas tiveram o mesmo rendimento.

   Uma causa de problemas profissionais que na verdade não deveriam existir consiste em minha insistência em trabalhar e viver em isolamento. Assim, apesar de ter passado em um concurso para professor de epistemologia no IFCS em 2012, acabei desistindo de ir para o Rio, uma vez que me sinto intelectualmente e pessoalmente mais livre na UFRN. Obviamente, devido ao autismo eu não transito em nenhum grupo de poder e influência. Será que essas coisas tem algo a ver com o fato de eu não mais receber bolsas de pesquisa?

   Parece que por causa do autismo, embora faça o pão, não tenho como vendê-lo. Sem fazer apresentações orais, sem contatos, sem ter qualquer influência, trabalhando longe dos grandes centros, tornei-me uma espécie de pesquisador invisível. Poderia inventar a teoria da relatividade e ninguém se daria conta.

  (A Finlândia é um país que teve a sorte de ter uns dois ou três bons filósofos. Com seus trabalhos eles promoveram a imagem desse pequeno país nórdico na comunidade filosófica internacional. Em compensação, eles foram tratados como heróis nacionais! Aqui tudo o que esperava receber seria um tratamento justo. Mas parece que nem isso é possível.)

 

 



[1]  Há uma espécie de monopólios de mercado por parte das grandes editoras anglo-americanas, como a OUP, a CUP, a MIT-Press e mesmo Routledge. O problema é que essas editoras não aceitam sequer avaliar manuscritos enviados por verdadeiros outsiders como é o meu caso. Livros publicados por editoras menos estabelecidas na área (como a De Gruyter ou a UPA) ou que não fazem review (como a CSP) são rejeitados por bibliotecas universitárias e mesmo por especialistas, uma vez que a quantidade de publicações é imensa e há um imenso número de trabalhos sem importância real sendo publicados. O resultado é a quase invisibilidade de meus textos, ao menos no que interessa, que é na questão de seu impacto na comunidade especializada.

[2] Eles se referem aos 4 breves artigos que publiquei nos Arquivos do International Wittgenstein Symposium, que é um anuário; mas isso não é um periódico? Que dizer das Atas da Aristotelian Society? 

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