RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES FEITAS A "UMA NOVA TEORIA DA REFERÊNCIA", EXPOSIÇÃO FEITA PARA A SBFA PUBLICADA NO YOUTUBE
Sou muito grato à crítica do Professor Guido Imaguire e de todos os que participaram. Mas graças ao palerma que as respondeu há muitas perguntas que ficaram sem resposta.
Se a regra de identificação de um nome próprio é analítica? Vejamos: um enunciado analítico é aquele cuja verdade depende da combinação de seus componentes semânticos e cuja negação é inconsistente. Dizem que regras não possuem valor-verdade. Mas desconsiderando esse ponto se poderia dizer que a regra de identificação que propus é analítica no sentido de que sua aplicação não pode falhar, ou seja, ela "pega" o portador em qualquer mundo possível no qual ele exista de modo definido. O mesmo vale para as regras de atribuição dos predicados.
Outra questão mal respondida: "Deus". Tomás de Aquino achava que não somos capazes de ter uma ideia suficientemente clara do que ele seja para justificar o argumento ontológico. Em termos de regra de identificação isso significa que não temos uma regra satisfatória para identificá-lo em qualquer de seus mundos possíveis. Daí a posição dos positivistas lógicos, segundo os quais "Deus existe", por ser inverificável, não faz sentido. Mas se tivermos uma regra, digamos, para o Deus pessoal, "O ser que criou Adão, que abriu o mar vermelho para que o povo judeu pudesse passar, que enviou o redentor para nos salvar..." parece que há muitas evidências de que nada disso realmente aconteceu, de modo que a regra de identificação nesse caso pode existir, mas não tem se demonstrado aplicável: o nome é vazio.
Também não creio que a admissão da referência direta seja um bom argumento para o realismo. Afinal, nenhum descritivista clássico percebeu que por causa disso deveria ser um idealista e todos eles eram realistas. O "tag" do objeto destituído de qualquer descrição, como um rótulo a ele pregado parece mais irracionalismo do que realismo. A menos que o rótulo seja identificável através de descrições, por exemplo: "Veneno" ("o líquido contido nessa garrafa é ácido clorídrico"). Um rótulo em branco não nos diz nada. Vinte garrafas iguais com rótulos em branco não nos ajudarão a identificar aquela com ácido clorídrico. E se uma delas tem um rótulo branco já tenho uma descrição: "a garrafa com um rótulo branco pregado nela".
Outro problema bem colocado pelo Guido seria que "o significado das palavras é o que os dicionários dizem delas", razão porque nomes próprios neles não constam, já que para o referencialismo eles não possuem significado. Mas a palavra significado tem um sentido bem mais amplo, camaleônico. enunciados tem significado, textos também. Como está no meu Webster Dictionary: "meaning denote the idea conveyed to the mind by word, sign or symbol". Ou ainda: "O significado é aquilo que a explicação do significado explica" (Wittgenstein). Assim, dizemos que uma sentença tem significado, mas não há dicionários de sentenças. No presente caso as enciclopédias nos dão significados, uma vez que explicam o que os nomes querem dizer e trazem as ideias que associamos ao nome. Ex: alguém quer saber o que é a torre Eiffel. Busca em uma enciclopédia. Agora ela já sabe o que se pode "querer dizer" com esse nome, seu significado, seu conteúdo semântico ou a palavra que você achar melhor.
Para mim significados tem o status de regras, são regras especiais (Cf. Wittgenstein em Sobre a Certeza). Se estou em uma floresta e encontro uma seta de madeira indicando um caminha e nela está escrito "A cachoeira se encontra 1,2 Km daqui" eu apresso o passo seguindo a seta. A seta é o símbolo, o significado é a regra que ele trás, indicando onde ir. Já as coisas externas não tem significado, excepto em sentido derivado. Se digo que a Guerra do Ópio foi um episódio significativo como demonstração do poder colonial no oriente o que estou querendo dizer é que foi importante: 'significado' aqui significa 'importância' e isso é tudo.
Russell tentou o referencialismo: o nome próprio lógico "isso" tem como significado o objeto "nos 30 segundos enquanto está sendo pensado" (disse ele!), o que impede concordância interpessoal e o conduz direto ao solipsismo - uma crítica bem conhecida. Uma maneira de salvar seria entender o 'isso' como "o apontar para algo próximo do falante no momento em que ele fala", o que já é uma regra semântica, que só irá realmente ser posta em prática quando o falante associar o 'isso' a um sortal que lhe permita dizer o que que é esse 'isso', produzindo uma outra regra capaz de ser compartilhada interpessoalmente. Ex: "Isso é uma cadeira." Temos então uma regra de significação cognitiva criterial compartilhável, mas obviamente interna, pois só regras e combinações de regras constituem significados, não objetos.
Sobre a crítica de Searle no capítulo 9 do livro "Intentionality"(e aqui mais a minha), trata-se de algo mais matizado do que lhes fiz pensar. Se identifico um copo já tenho em mente implicitamente a descrição "o objeto transparente de vidro que seguro em minha mão direita há uns 30 cm de meus olhos" Nenhum rótulo é vazio. Dez garrafas iguais com rótulos brancos não nos permitem identificar qual está cheia de ácido clorídrico. Mas se em um rótulo está escrito "veneno" já tenho uma descrição. Kripke se compromete ainda mais com descrições implícitas. Como ele notou, quando ocorre o batismo, o ouvinte deve ter a intenção de se referir ao mesmo objeto do falante, e o próximo ouvinte deve ter ainda a intenção de se referir ao mesmo objeto e assim por diante em toda a cadeia causal-histórica. O problema surge quando decidimos analisar essa intenção, pois uma intenção nunca é vazia. Digamos que seja algo como "Tenho a intenção de me referir ao bebê de nome Aristóteles filho do médico da corte de Amintas III, nascido em 384 a.C." Essa já é uma maneira suficientemente forte de passar a mesma intenção de se referir ao baby Aristóteles de falante para ouvinte ao longo da cadeia causal-histórica. Só que ela já é totalmente comprometida com o descritivismo! Agora, imagine que você retire a intenção. Então você irá produzir essas criaturas descerebradas que chamei de "autômatos kripkianos" (2023, p. 60 ss.)
No capítulo sobre cadeia causal-histórica tentei mostrar que ela é bem mais complicada do que Kripke acreditava. Acontecimentos importantes ligados a descrições definidas, como a travessia do Rubicão, o assassinato realizado por Gravilo Princep... também produzem cadeias causais-históricas importantes que podem até mesmo sobrepujar o batismo em alguns casos (Cf. cap. II). O único problema é que em si mesmas essas cadeias causais externas, que sem dúvida existem, não possuem - diversamente do que chamei de "história causal", que são pontos nodais da cadeia cognitivamente explicitáveis, nenhum poder explicativo.
Quanto a objeções relativistas (não prestei muita atenção e pouco entendi) tudo o que posso dizer é que gosto da frase de Popper contra a tese da incomensurabilidade de Thomas Kuhn: "ele exagera uma dificuldade em uma impossibilidade"
Pessoalmente acho que só é possível avaliar a plausibilidade da teoria que resumi lendo pelo menos o livro de 2023, pois meu resumo não é de modo algum suficiente para fazer especialistas que por muitos anos estudaram a discussão perceberem todas as implicações do funcionamento das regras que propus. Isso dificilmente irá acontecer, nordeste do Brasil, autor disléxico, um país com filosofia analítica é culturalmente colonizada pela academia anglo-americana.
A mim não importa muito. Sinto-me um pouco como Gregory Mendel, achando que mais cedo ou mais tarde o mesmo caminho precisará ser trilhado, redescoberto, simplesmente porque não há outra maneira de superar o "stalemate" de 40 anos existente entre um descritivismo de feixe ainda tosco, mas corretamente direcionado, e um referencialismo imaginativo, mas equivocado, que funcionou como uma excelente "intuition pump", mas que comete a falácia genética de confundir a causa (a referência) com um efeito seu interno (a significação).