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sexta-feira, 11 de maio de 2012

* RAZÕES PARA O UTILITARISMO

C.F. Costa - Capítulo 8 do livro Cartografias conceituais: uma abordagem à filosofia conteporânea (Natal: EDUFRN 2008)



                                                      
RAZÕES PARA O UTILITARISMO
 (UMA INTRODUÇÃO UTILITARISTA À ÉTICA)

                                                                            A razão colocou a espécie humana nas mãos
                                                                            de dois mestres soberanos; dor e prazer.
                                                                            Jeremy Bentham

O mais esperado e usual é que da boa intenção se siga a boa ação, e que dessa última se siga uma boa conseqüência, assim como que da má intenção se siga a má ação e a má conseqüência. Paralelamente a isso existem três pontos de vista éticos alternativos, que identificam o locus primário do valor moral (i) com as disposições de caráter do agente, das quais emerge a sua intenção, (ii) com o tipo de ação que essa intenção produz, ou (iii) com a conseqüência resultante da ação. No primeiro caso temos as éticas da virtude, no segundo as éticas deontológicas, e no terceiro as éticas teleológicas ou conseqüencialistas, como mostra o esquema:

             (i)                           (ii)                              (iii)
      disposições            tipos de ação              conseqüências
      de caráter      ►    (envolvendo      ►      da ação
      do agente                  deveres)

     ÉTICA da             ÉTICA DEON-         ÉTICA CONSE-
     VIRTUDE            TOLÓGICA             QÜENCIALISTA

      No que se segue quero expor e discutir brevemente e de forma comparativa cada um dessas concepções, terminando por defender uma forma utilitarista de conseqüencialismo como a teoria que mais plausivelmente identifica a fonte última do valor moral.

Éticas da Virtude
A ética da virtude teve a sua origem em Platão e principalmente em Aristóteles(1), tendo sido redescoberta no século XX por filósofos como G. E. M. Anscombe(2) e Alasdair McIntyre(3). Ela deixa de localizar o centro irradiador do valor moral no agir para localizá-lo no ser daquele que age. Ela poderia ser resumida no dito “O que vale é a intenção”. O que vale não é tanto o que o agente faz, mas as boas disposições de caráter que determinam os bons motivos e intenções de que resultam as ações que possibilitam às pessoas viverem bem em uma sociedade. Essas disposições são chamadas de virtudes, as quais podem ser morais ou não-morais. A coragem, a autodisciplina e a liberalidade, por exemplo, são virtudes não-morais, enquanto a bondade e o senso de justiça, a sinceridade, a honestidade, a lealdade, a constância... são virtudes morais. Há uma forte interdependência entre as virtudes. Considere a relação entre as duas virtudes cardinais que são a bondade (o desejo de fazer bem aos outros) e o senso de justiça. Uma pessoa de bom coração, mas sem entendimento e senso de justiça, não saberá escolher as boas ações. Por outro lado, ninguém deseja o zelo justiceiro, mas sem magnanimidade, do inquisidor. Mesmo as virtudes morais e não-morais podem interdepender: embora uma virtude como a coragem não seja em si mesma moral, ter coragem é importante para o próprio exercício das virtudes morais. Uma pessoa pode sentir-se indignada contra uma injustiça, mas poderá precisar de coragem para clamar publicamente contra ela. Aristóteles via a virtude como um justo meio entre um extremo de excesso e outro de falta, medidos de acordo com a situação; assim, ser corajoso é bom porque é um justo meio entre a temeridade e a covardia. Ele via a adequação da disposição de caráter à situação como resultado de um hábito, podendo, por isso, ser aprendida. Ele comparava a virtude à habilidade de acertar flexas no alvo; não é algo que dependa de teoria, mas da prática.
     Mesmo reconhecendo a importância da virtude, é difícil aceitar a tese assumida por defensores da ética da virtude, segundo a qual as qualidades de caráter têm prioridade moral sobre o agir. No que se segue quero desenvolver um argumento para mostrar que as virtudes são em última análise definidas com base nas ações e seus efeitos(4). Antes disso, porém, é preciso introduzir uma distinção entre o valor da intenção que causa a ação (o qual é diretamente derivado da virtude), o valor da ação e o da conseqüência da ação. Deixando de lado por enquanto a questão do valor da ação (que veremos ser muitas vezes assimilado ao da conseqüência), quero considerar aqui a relação entre o valor da intenção (do querer, da decisão) e o valor da conseqüência da ação, do feito. Embora usualmente o valor da conseqüência concorde com o da intenção, pois à boa intenção costuma se seguir a boa conseqüência, eles não concordam necessariamente. Considere, por exemplo, o caso de um médico que com competência, responsabilidade e a melhor das intenções, ministra ao paciente uma droga que incidentalmente o leva à morte. Ou então, considere o caso oposto, de alguém que tenta envenenar uma pessoa que se encontra doente, mas que, sem querer, através disso a cura. No primeiro caso as conseqüências foram ruins, mas não culparemos o médico, que nem por isso deixa de ter sido virtuoso. Já no segundo caso, embora o feito seja bom, continuaremos a considerar má a intenção. Defensores da ética da virtude, que pretendem priorizar o valor moral da intenção, parecem fixar a sua atenção nesses casos excepcionais onde há uma dissociação entre o valor da intenção e o da sua conseqüência prática, do feito. Afinal, o que tais casos parecem mostrar é que avaliamos a virtude na independência da ação ou conseqüência dela resultante, priorizando a virtude, posto que aquilo que está essencialmente em julgamento é o valor moral do agente e não o da conseqüência da ação.
     Mas não é bem assim, pois embora o valor da intenção e o valor do feito possam divergir em casos isolados, não podemos conceber que eles divirjam em todos os casos, ou seja, que todas as ações de pessoas boas e justas tenham conseqüências más e injustas, ou vice-versa. Não é possível imaginarmos um mundo no qual pessoas virtuosas sempre realizem ações que, a despeito de suas melhores intenções, são más, ou vice-versa. Há uma razão para isso. Se em casos isolados é possível que consideremos a intenção boa, enquanto a ação ou a sua conseqüência é má, isso é porque na maioria dos casos a intenção considerada boa leva a uma ação boa, ou porque isso é inferido com base em outras relações de freqüência entre virtudes e conseqüências de ações associadas ao caso em questão. Pois se não fosse assim, com base em que poderíamos avaliar as pessoas como sendo boas e justas? Quando refletimos sobre isso, torna-se claro que o critério pelo qual identificamos as virtudes morais de pessoas ou grupos de pessoas advém do conjunto de suas ações e de suas conseqüências em um período mais ou menos prolongado de tempo, e não o contrário. Ou seja: é o freqüente bem coletivo resultante das ações dos que possuem certa disposição de caráter que nos leva a identificar essa disposição como sendo uma virtude.
     Gostaria de ilustrar esse ponto recordando-me de um filme que vi certa vez. Nele um veleiro milionário no século XIX é pego por uma tempestade tropical, naufragando junto a uma ilha desabitada. Como resultado os passageiros são forçados a sobreviver por dez anos isolados na ilha, onde conseguem se organizar como uma sociedade. O fato mais surpreendente da história é que a pessoa que se torna o corajoso lider e o organizador dessa sociedade de náufragos é um dos garçons do navio, uma pessoa que antes do naufrágio mal era notada pelos passageiros. Uma das coisas que essa estória sugere é que as novas circunstâncias reclamam com mais força diferentes disposições de caráter, as quais se tornaram virtuosas por produzirem conseqüências coletivamente mais úteis.

Éticas Deontológicas
A idéia de que o centro irradiador do valor moral não se encontra ao nível das intenções, mas ao nível das ações e das suas conseqüências, nos leva a examinar os outros dois pontos de vista éticos. Comecemos com as éticas deontológicas, segundo as quais o locus primário do valor moral se encontra no tipo de ação. Essas éticas enfatizam as regras morais envolvidas nas ações. Elas se tornaram predominantes durante a Idade Média e a modernidade, em razão da influência do monoteísmo judaico-cristão com o seu Deus legislador e normatizador da conduta humana. Para o deontologista, a fonte de todo o bem está nas ações corretas ou boas, que são aquelas que se conformam às regras ou normas de ação moral; já o mal está nas ações incorretas ou más, que são aquelas que violam as regras morais. Um exemplo trivial de moral normativa são os dez mandamentos do antigo testamento.
     Uma moral deontológica como a expressa pelos dez mandamentos é demasiado rígida e simplificadora. Considere a norma: “Não roubar”. Há casos em que roubar é justificado, como aquele em que alguém rouba a arma possuída por um psicótico para impedir que ele produza danos a outras pessoas. Kant fez um bom trabalho no sentido de construir uma ética deontológica mais racional, que não é constituída por uma simples lista de regras de polegar, mas por um princípio que permite inferir se uma dada ação é moralmente correta e se a regra nela envolvida é moral. Esse princípio, que Kant chama de imperativo categórico, é uma regra de segunda ordem, uma regra para avaliar regras. Quando ele se deixa aplicar a uma dada ação é porque ela é moralmente correta; se não, ela deve deixar de sê-lo. Kant apresenta o seu imperativo categórico em duas versões principais, que podem ser chamadas de o princípio da universalização e o princípio dos fins. Chamando de máxima uma regra considerada válida apenas para o agente, o princípio da universalização pode ser assim formulado:
PU: uma ação é moralmente correta quando podemos querer que a máxima que ela envolve se torne uma lei universal, válida para todos os casos(5).
     Segundo esse princípio, cumprir uma promessa é algo moralmente correto, posto que o agente é capaz de universalizar a máxima envolvida, querendo que todos cumpram as suas promessas. Considere, por outro lado, ações como a de roubar ou mentir. Não podemos consistentemente querer que todos roubem e que todos mintam, pois nós mesmos logo estaríamos sendo roubados e enganados.
      A segunda versão do imperativo categórico (que, contrariamente ao que Kant pretende, parece ser um outro princípio independente) é o princípio dos fins, que pode ser assim formulado:
PF: uma ação é moralmente correta quando com ela tratamos as outras pessoas e a nós mesmos também como fins em si mesmos, e não só como meios(6).
     Esse princípio serve para prevenir o uso, a manipulação e a exploração das pessoas. A palavra ‘também’ é importante em sua formulação, pois é perfeitamente correto que outras pessoas sejam também usadas como meios, especialmente quando isso é consentido por elas e serve a interesses mútuos: quando tomo um táxi, por exemplo, uso o taxista como um meio para certos fins; mas não o estou enganando ao fazer isso.
     O problema com o imperativo categórico é que não é difícil encontrar exemplos em que ele não parece funcionar nem em uma, nem em outra versão. No caso de PU, suponha que João peça emprestado uma arma ao seu vizinho. Pouco depois o seu vizinho tem um surto psicótico e vem ao encontro de João dizendo que precisa da arma para dar cabo de alguém. O princípio da universalização nos diz que devemos devolver objetos tomados emprestado e que João deve devolver a arma, mesmo que isso conduza a um assassinato. Mas o bom senso nos diz que João não deve nesse caso devolver o que pediu emprestado, mesmo que isso contrarie o princípio da universalização. Quanto a PF, suponha que durante a Segunda Guerra um judeu apresente ao oficial da alfândega um falso passaporte para poder deixar a Lituânia, invadida pelos alemães. Intuitivamente parece perfeitamente correto que ele engane o oficial da alfândega comprometido com o nazismo. Mas para Kant pode ser que ele esteja errado, pois está usando a boa fé do oficial como um meio para sair do país. Ou então, talvez a maneira certa de seguir PF seja respeitar-se a si mesmo e mentir para o oficial. Mas nesse caso PU será violado. Ao que parece, ou os princípios em questão não são realmente universais, ou então a sua aplicação se torna muitas vezes difusa, subjetiva, o que faz do moralista kantiano uma pessoa tão imbuída de princípios quanto arbitrária ao aplicá-los. Não quero com isso negar que a proposta de Kant seja engenhosa e contenha insights importantes. Mesmo assim, tenho compreensão para a irônica conclusão de John Searle de que o imperativo categórico é um hipopótamo, morto há muito tempo e cercado de pessoas muito inteligentes, que tentam ressuscitá-lo por meio de respiração boca a boca(7).
     Talvez a versão de ética deontológica mais resistente a contra-exemplos seja a de Sir David Ross(8). Ele acha que há certos deveres que são constitutivos da natureza fundamental do universo, adicionando uma estratégia para resolver os casos onde as normas que os prescrevem parecem exigir violação. Ross distingue entre deveres aparentes ou prima facie e deveres reais. Em casos como o do vizinho que procura João para pedir a arma de volta para poder dar cabo de alguém, o que existe é um conflito entre dois deveres, um deles prima facie e o outro real. O primeiro é o de devolver o objeto emprestado. Mas o dever real, que na situação predomina, é o de proteger a vida, o que faz com que a não-devolução da arma se torne moralmente correta. A questão que surge aqui é: o que nos permite distinguir o dever prima facie do dever real? A resposta, para Ross, é que temos uma intuição disso. Mas essa é uma resposta insuficiente, pois uma intuição é algo que pode variar de pessoa para pessoa, o que termina por tornar também essa uma solução demasiado arbitrária.
     Considerando as dificuldades que a deontologia enfrenta em se auto-sustentar de modo não-dogmático, passo agora ao argumento em defesa da prioridade moral da conseqüência da ação sobre a própria ação. Ele é paralelo ao que apresentei em defesa da prioridade moral da conseqüência da ação sobre a disposição de caráter da qual ela se derivou. Assim como antes havíamos distinguido entre o valor da intenção e o valor da conseqüência, agora precisamos distinguir entre o valor da ação e o valor de sua conseqüência. Parto da idéia de que a ação, considerada como simples evento físico, não tem valor moral. Aquilo que chamamos de valor moral da ação deve ser então decorrente (a) do valor moral de sua conseqüência, ou (b) de uma regra deontológica que a ação envolve (o que parece mais próprio), ou (c) do valor moral da intenção do agente. Isso explica porque é possível dizer sem contradição que a ação de um médico de medicar o paciente segundo a sua melhor consciência, mas que acabou por matá-lo, é boa e má. Ela é má, quando considerada do ponto de vista (a), da conseqüência. Mas ela é boa quando considerada do ponto de vista (b), da regra moral segundo a qual o médico deve agir da maneira mais conscienciosa possível. É importante, portanto, termos sempre explícito em que sentido dizemos que uma ação é boa ou má. No argumento que se segue considerarei o valor da ação no sentido (b), da regra deontológica por ela aparentemente envolvida.
     Um primeiro ponto a ser notado é a tendência à concordância dos valores mencionados. Geralmente o valor da ação, quando medido em termos da regra deontológica envolvida, e o da sua conseqüência, concordam: dá-se uma moeda a um mendigo (boa ação fiduciária) e ele compra um pão (boa conseqüência). Mas eles podem eventualmente divergir. Uma boa ação pode ter conseqüências desastrosas e vice-versa. Esse é o caso de José, que presenteia o seu filho com um papagaio sem saber que o animal está contaminado com o vírus da psitacose e que transmitirá a doença para o filho; a conseqüência é má, apesar de haver uma regra dizendo que a ação de presentear é em si mesma boa. Ou então, considere o ato de não devolver o que tomamos de empréstimo. Sob o ponto de vista da regra, é uma má ação. Mas deixa de sê-lo sob o ponto de vista da conseqüência, quando esta é a de impedir que o psicótico que é o dono da arma chegue a usá-la. Nesse caso, a ação pode ser dita deontologicamente má, mas a conseqüência é boa e a ação também poderá ser considerada boa, se quisermos fazê-la herdar o valor da conseqüência.
     No entanto, essa dissociação entre o valor moral da ação (medido em termos deontológicos) e o valor moral do seu resultado, só pode ser constatada em casos excepcionais. Se ela ocorresse sempre, as ações perderiam os seus valores deontológicos usuais. Para evidenciar isso, imagine uma comunidade na qual o ato de presentear se tornasse tabu, trazendo isolamento social e infelicidade para quem recebesse o presente. Nesse caso o ato de presentear se tornaria uma má ação, transgredindo uma regra moral, assim como as intenções e disposições de caráter das pessoas com o sinistro hábito de enviar presentes.
     A conclusão que parece se impor é que só aprendemos a identificar um tipo de ação como sendo boa por envolver uma regra moral quando as conseqüências desse tipo de ação costumam ser boas. Como um tipo de ação pode ser em geral pensado como envolvendo uma regra de ação, podemos dizer que é o fato da grande maioria das conseqüências de um tipo de ação ser bom que nos permite defini-lo como bom ao identificar a regra nele envolvida como moralmente recomendável. E quando as conseqüências de um tipo de ação costumam ser más, reconhece-se que o próprio tipo de ação precisa ser deontologicamente definido como mau, originando-se daí o dever de evitá-lo. Com isso continuamos a admitir como justificada a existência de normas morais, mas passamos a buscar a origem do seu valor nas conseqüências de sua aplicação.
     Conjugando os dois argumentos paralelos aqui apresentados chegamos à conclusão de que o fundamento último do valor moral, a sua fonte originadora, o seu locus primário, só pode ser mesmo a conseqüência da ação: é o valor moral da grande maioria das conseqüências de um tipo de ação que acaba por transmitir valor moral à regra nele envolvida. Mais além, é esse mesmo conjunto de conseqüências, geralmente expresso no seguimento das regras envolvidas, aquilo que em última instância também define o que conta como disposição virtuosa de caráter. Em razão disso passo agora a considerar as éticas conseqüencialistas.

Conseqüencialismos
A tese fundamental do conseqüencialismo é a de que uma ação é a moralmente correta quando os seus resultados forem melhores (mais bons ou menos maus) do que os das alternativas disponíveis, inclusive a do não-agir. Há três espécies de conseqüencialismo: o egoísmo ético, o altruísmo ético e o utilitarismo. Quero argumentar no sentido de mostrar que as duas primeiras são extremos insustentáveis, e que a espécie mais plausível de conseqüencialismo é um meio termo utilitarista.
    Vejamos o caso do egoísmo ético. Seu princípio é:

PE: A ação moralmente mais correta é aquela cuja conseqüência é a melhor para o agente que a realiza, independentemente do que ela possa trazer de bom ou mau para as outras pessoas(9).

     Alguns poucos filósofos defenderam essa doutrina. Exemplos foram Ayn Rand(10), Kultfigur de empresários norte-americanos, e Nietzsche(11), que acreditava que o egoísmo se justificava por permitir a ascensão de pessoas dotadas de “virtudes nobres” como força, coragem e individualismo.
     Há, contudo, dificuldades que parecem fatais para essa doutrina. A principal provém do fato de que os seres humanos são naturalmente dotados de disposições altruístas que se manifestam nas virtudes morais como a benevolência e o sentimento de justiça, além de disposições para o amor, para a amizade, a lealdade, a compaixão etc. Contudo, nada disso poderia ter lugar em uma sociedade de egoístas éticos. Em tal sociedade, cada qual agiria em defesa de seus próprios interesses sem a menor consideração pelos demais, pois isso já implicaria na posse de valores morais altruístas. O resultado disso seria uma sociedade cruel, sem amizade, lealdade, compaixão... uma sociedade onde as pessoas se chocariam umas contra as outras como bolas de bilhar. O egoísmo ético revela-se, pois, uma teoria contraditória, pois ao perseguir o objetivo geralmente aceito de levar as pessoas viverem bem em sociedade, acabaria por produzir uma sociedade profundamente infeliz.
     Mas há outras dificuldades. Considere a preocupação ambiental com o futuro do planeta. Em uma sociedade de egoístas éticos ela não seria justificada, pois seria altruísta quem se preocupasse com um mundo no qual não estará mais vivo. Além disso, uma sociedade de egoístas éticos teria dificuldades para estabelecer níveis eficazes de cooperação social. Considere a crença do eleitor de que o político que ele elege é uma pessoa com boas intenções e imbuída de ideais altruístas, permanecendo por isso fiel às suas promessas de campanha. Em uma sociedade de egoístas éticos não haveria lugar para essas coisas. Na melhor das hipóteses teríamos uma sociedade entupida por leis, que forçariam as pessoas a cumprir com as suas obrigações para com as outras em detrimento da liberdade pessoal. Uma hipótese pior seria a de termos uma autoridade despótica, forçando a colaboração altruísta no objetivo de satisfazer a sua vontade pessoal. E na pior de todas as hipóteses teríamos uma comunidade de celerados, que por natureza possuem um mínimo de vocação altruísta e um máximo de disposições egoístas, como foi o caso da população do presídio de Ilha Grande. Mas quem gostaria de viver em semelhantes sociedades?
     O contraponto do egoísmo é o altruísmo ético, cujo princípio é

PA: A ação moralmente mais correta é a que tem como conseqüência o maior bem para os outros, independentemente do bem ou mal que ela possa trazer para o agente que a realiza.

     A palavra ‘altruísmo’ foi cunhada por Auguste Comte, que em seu Catecismo Positivista tomou como lema moral a frase “Viver para os outros”(12). O cristianismo, com os conselhos de oferecer a outra face e amar os inimigos, possui um forte elemento altruista. Madre Teresa de Calcutá foi um exemplo de indivíduo próximo de satisfazer esse ideal.
     Um problema básico com o altruísmo é que ele só poderia eventualmente dar certo em uma sociedade de pessoas igualmente altruístas. O exemplo concreto mais próximo de sociedade altruísta é o de comunidades religiosas autônomas, como a dos Amish. Mas em uma sociedade mista, que inclua egoístas éticos, os altruístas acabarão sendo usados para satisfazer os interesses dos últimos, o que fará com que eles acabem inferiorizados e eliminados do jogo competitivo. A sociedade dos altruístas só poderá sobreviver se for maioria e reprimir o egoísmo – mas nesse caso eles deixarão de agir de forma puramente altruísta.
     Mesmo que seja possível se constituir uma sociedade de indivíduos puramente altruístas, parece que tal sociedade terá um aspecto distorcivo, pois tenderá a ser estática e cerceadora do desenvolvimento da individualidade humana, não deixando muito espaço para o exercício da liberdade pessoal. A criação do novo, por exemplo, depende muitas vezes de agirmos em causa própria e em detrimento do que outros esperam de nós, até que se estabeleçam novas e melhores formas de agir e pensar. Parece, pois, que a desconsideração da natureza humana é uma deficiência comum, tanto do egoísmo quanto do altruísmo ético.
     Consideremos agora a terceira forma de conseqüencialismo: o utilitarismo, que defende ser a ação moralmente correta aquela que tem como conseqüência um bem maior (ou um mal menor) para todos os envolvidos, inclusive para o agente. Em sua forma mais típica, que foi o utilitarismo hedonista de ação proposto por Jeremy Bentham, bem e mal são derivados de idéias não-morais, como a do prazer e do sofrimento, redundando em uma naturalização da moral. O princípio geral do utilitarismo hedonista de ação pode ser enunciado como:

PGU: A ação moralmente mais correta é a que produz o maior bem (maior prazer) e/ou menor mal (menor sofrimento) para o maior número(13).

     Para mensurar a diferença entre o prazer e o desprazer ou sofrimento (que ele chamava de dor), Bentham sugeriu o assim chamado cálculo hedônico. Para realizá-lo precisamos primeiro somar a intensidade, a duração, a certeza, a proximidade, a fecundidade (a probabilidade de que o prazer seja produtor de outros tipos de prazer) e a pureza (a probabilidade de que ele não seja seguido de desprazeres) do prazer para uma pessoa. Disso subtraímos o sofrimento, usando para medi-lo as mesmas variáveis. Repetimos então o mesmo procedimento para cada uma das pessoas envolvidas, somando os resultados parciais, positivos e negativos, de modo a obter um balanço final. No caso de o balanço final privilegiar o prazer sobre a dor, a ação será moralmente correta, caso contrário ela será incorreta!(14)
     Esse cálculo foi injustamente ridicularizado. Claro que ele só pode ser aceito como uma mera idealização. Mas é uma idealização útil, pois serve de modelo para algo que em certa medida e com alguma freqüência realmente fazemos. Suponhamos, para dar um exemplo, que em uma região montanhosa se planeje construir uma pequena represa. Essa ação produzirá um bem por possibilitar a irrigação de terras da região e por evitar danos provocados pelas enchentes freqüentes. Ela produzirá também algum mal: famílias que há muito tempo vivem na região que será alagada terão de ser deslocadas, haverá um prejuízo ambiental etc. Há um consenso entre os habitantes da região de que a construção da represa é um bem. Contudo, isso só acontece porque uma aplicação intuitiva do cálculo hedônico os fez concluir que os prazeres compensarão em muito os desprazeres.
      Há um grande número de objeções à idéia geral do utilitarismo(15). Meu ponto de vista é que essas objeções se aplicam apenas pelo fato de faltar à teoria utilitarista um desenvolvimento suficientemente adequado e completo, o que facilita a aplicação incorreta de suas intuições básicas. Para defender esse ponto de vista analisarei algumas objeções mais importantes feitas ao utilitarismo tentando, ao respondê-las, sistematizar as intuições utilitaristas em direção a uma teoria mais sofisticada e plausível.

Argumentos em defesa do utilitarismo
Quero agora apresentar algumas objeções geralmente feitas ao utilitarismo, seguidas de suas respostas.

1. Uma primeira objeção é a de que o bem não deve ser entendido em termos de prazer, nem o mal em termos de sofrimento, como pensa o utilitarista hedonista. Se o fizermos, cairemos em uma “ética suína”, segundo a qual o ideal moral seria uma sociedade de porcos satisfeitos.
     Em resposta a essa objeção alguns pensaram em adotar um utilitarismo não-hedonista, em que a oposição bem/mal não fosse redutível à oposição prazer/sofrimento(16). Não creio que essa opção seja necessária ou mesmo coerente, pois só estóicos conseguem vislumbrar a felicidade ou o bem de maneira desvinculada do prazer ou da ausência de sofrimento. Parece-me que a razão pela qual o elemento hedonista é tão questionado provém da herança puritana religiosa, que induz as pessoas a interpretar as idéias de prazer/desprazer em termos excessivamente sensoriais e corporais. Contudo, as palavras ‘prazer’ e ‘sofrimento’ têm um sentido muito mais amplo, sendo nesse sentido amplo que elas deveriam ser aqui comprendidas. Um trabalho social que produz satisfação altruísta e que melhora a qualidade da vida das pessoas, como o de madre Tereza, ou que lhes dá um bem imaterial, como a libertação da Índia por Gandhi, deve ter como conseqüência última a produção de prazer e/ou diminuição do desprazer para a maioria dos envolvidos. Uma atividade de fruição estética como a de assistir A Flauta Mágica, de Mozart, a atividade intelectual de estudar os Principia Mathematica de Russell e Whitehead, são boas por produzirem prazeres de ordem superior, também aqui não havendo nada que recorde a satisfação de necessidades primárias. Com efeito, não importa o quão sublime for a atividade humana, será sempre possível encontrar-lhe um propósito em termos de prazer ou diminuição do desprazer.
     Em conclusão, devemos admitir toda uma hierarquia de prazeres, que vai dos mais sensoriais, como a alimentação e o sexo, aos mais sublimados, como o prazer de auxiliar outras pessoas, da conversação inteligente, da fruição estética, da criação intelectual etc. Esses últimos podem ser menos intensos e mesmo dependentes de maior esforço, mas isso não significa que a sua satisfação deva ser ignorada e que devamos nos juntar aos brutos. Pois embora menos intensos, eles são geralmente mais valiosos, não por alguma qualidade intrínseca que eles possuam, como queria J. S. Mill(17), mas pelo fato de eles muitas vezes terem maior valor em um cálculo utilitário tal como o sugerido pelo próprio Bentham. Considere primeiro o fato de que os prazeres recém-considerados possuem as vantagens de serem mais duradouros (você pode passar o dia ouvindo música, mas não comendo), mais puros (ler demais não lhe causará dor de estômago), e mais fecundos (a leitura de uma obra de ficção pode lhe permitir a descoberta de uma variedade de novos prazeres...). Mais além, os feitos relacionados a esses prazeres freqüentemente produzem prazer também em outras pessoas, como foi o caso da obra de madre Tereza ou da produção do Rei Lear por Shakespeare ou dos Principia por Newton. Concluímos, pois, que os prazeres não-físicos costumam ser preferíveis, simplesmente pelo fato de serem mais férteis e por terem em longo prazo mais valor no cálculo hedônico. A objeção de que o utilitarismo é uma ética suína advém, pois, de uma aplicação superficial e preconceituosa do cálculo hedônico.

     2. Uma outra objeção é a de que o utilitarismo exige a comparação entre prazeres e desprazeres de natureza diferente em uma mesma pessoa, ou entre prazeres supostamente idênticos ou diferentes em pessoas diversas. Contudo, essas coisas são incomensuráveis entre si. Pois como é possível a uma pessoa comparar o prazer gustativo de comer um camarão à baiana com o prazer intelectual de estudar o Begriffschrift? Como pode o desprazer que o trabalho físico representa para uma pessoa franzina ser comparado com a sensação de um estivador ao realizar o mesmo trabalho?
     A resposta mais plausível é que fazemos tais comparações o tempo todo quando precisamos fazer trocas ou tentar distribuir justamente tarefas. É um fato indiscutível que muitas de nossas medidas de prazer e sofrimento são inevitavelmente incertas, disso resultando que o cálculo hedônico é inevitavelmente vago. Mas isso corresponde ao fato inegável de que muitas de nossas decisões morais mais importantes são incertas, hesitantes, envolvendo um risco mais ou menos alto, que acreditamos valer a pena ser corrido para o bem de todos os envolvidos. Só o dogmatismo, a complacência e a fraqueza nos fazem crer em caminhos fáceis para a decisão moral.

     3. Ainda outra objeção é a de que o utilitarismo tolera prazeres sádicos. Considere o caso de uma autoridade sádica, que se delicia imensamente em causar sofrimento a outras pessoas. Como o seu prazer é muito grande, parece que devemos ser compreensivos e deixá-lo satisfazer-se, ao menos na medida em que o seu prazer for maior do que o sofrimento de suas vítimas.
     Uma resposta a essa objeção provém do utilitarismo negativo, que busca apenas a evitação do sofrimento e desconsidera o prazer. O prazer do sádico seria assim desconsiderado(18). Mas o utilitarismo negativo conduz à absurda conseqüência de que a destruição instantânea da humaniade seria desejável por acabar com o sofrimento.
     Melhor pensarmos que o prazer e o desprazer são assimétricos e que o princípio utilitarista é autoregulador em sua aplicação. É possível que aceitemos uma grande porção de prazer à custa de pequenos sofrimentos; mas em geral fazemos o possível para evitar prazeres que se acompanham de sofrimentos, especialmente a dor. Ou seja: o valor negativo do sofrimento costuma ser sentido como maior. Poucos toleram prazer a custo de dor. Assim, uma ação que produz um prazer a custo de um sofrimento costuma resultar no que é sentido como um mal maior para os envolvidos. Sob essa assunção o sadismo do caso considerado parece mais apto a causar um balanço maior do mal sobre o bem.
     Contra esse raciocínio levanta-se a objeção de que o sadismo é de qualquer modo intrinsecamente inaceitável, e que torná-lo, mesmo que em princípio, asceitável como resultado de um cálculo utilitário, é ser complacente. Mas não estejamos tão certos disso! Há atividades culturalmente valiosas que contém um elemento de crueldade reativa, como foi o humor satírico de Karl Kraus ou a literatura perversa de Céline ou Bukowski. Isso também vale socialmente, como no caso da esposa com leve humor sádico. Pequenos prazeres sádicos são, aliás, um condimento social cujos efeitos podem representar um saudável benefício utilitário.

     4. A mais famosa objeção é a de que o utilitarismo tem conseqüências monstruosas, que violam a integridade humana.
     É fácil encontrar exemplos que sugerem isso. Considere o caso do circo romano. Dez mil expectadores sentem imenso prazer ao verem um pobre cristão a ser estraçalhado pelos leões. Se subtrairmos o sofrimento do cristão da soma do prazer dos dez mil sádicos (mesmo sem contar o prazer dos próprios leões) teremos uma enorme vantagem em termos de prazer, o que para o cálculo utilitário parece tornar as atividades do circo romano extremamente saudáveis sob o aspecto moral.
     Um outro exemplo notório é o de uma pessoa em bom estado de saúde que decidiu ir ao hospital para fazer um check-up e que, por infortúnio, cai nas mãos de um cirurgião utilitarista. Como o cirurgião tem dois pacientes que precisam urgentemente de transplante renal, um que precisa de transplante cardíaco e outro de transplante de fígado, e como há uma rara compatibilidade imunitária entre as pessoas que precisam do transplante e o incauto visitante, ele conclui que a ação moralmente correta é a de transplantar os respectivos órgãos do paciente saudável nos outros quatro pacientes, de modo a salvá-los, mesmo ao custo da vida do primeiro. Do ponto de vista do cálculo utilitário isso parece correto, pois quatro vidas serão salvas a troco de uma única. (Há exemplos ainda mais escabrosos e anedóticos, como o do barco de náufragos utilitaristas, no qual, sempre que a fome se torna muito intensa, o mais fraco é abatido e comido pelos demais de modo à probabilizar a sobrevivência do maior número.)
     A solução que alguns utilitaristas encontraram para as dificuldades levantadas por exemplos desse gênero foi o apelo ao assim chamado utilitarismo de regras, que contrasta com o utilitarismo de ação que encontramos em Bentham. O utilitarista de regras quer fazer justiça ao fato de que geralmente agimos seguindo regras (normas, princípios) culturalmente ou socialmente estabelecidas. Levando isso em consideração, ele urge que o cálculo utilitário seja aplicado, não às ações mesmas, mas às regras nelas envolvidas(19). O princípio máximo do utilitarismo de regras pode ser assim colocado:

PUR: A ação moralmente mais correta é a que segue uma regra cuja adoção costuma produzir o bem maior (maior prazer, menor sofrimento) para a sociedade que adota o sistema de regras a qual ela pertence.

     PUR é uma regra de regras. Esse princípio nos diz que se quisermos agir moralmente devemos, quando diante de um leque de alternativas de ação, consultar um complexo sistema de regras morais legadas pela prática social humana (as quais são geralmente aceitas de forma não-cognitiva ou implícita), escolhendo aquela regra que, por satisfazer PUR, comande a ação moralmente mais satisfatória. Através de PUR podemos justificar e hierarquizar regras deontológicas, como as de fidelidade, gratidão, justiça, beneficiência, não-malevolência etc. em termos utilitários. Para tal damos preferência à regra cuja admissão costuma produzir um bem maior (ou um mal menor), o que também aqui pode ser interpretado hedonisticamente, em termos de predomínio do prazer sobre o sofrimento.
     Vejamos agora os dois exemplos expostos sob a perspectiva do utilitarismo de regras. No segundo deles temos a regra “o médico não deve fazer nada que possa prejudicar a saúde de seus pacientes”. O benefício social dessa regra é imenso. É porque acreditamos que os médicos seguem o código de ética que os procuramos com tranquilidade e confiança. Como Louis Pojman notou, imagine com que grau de ansiedade as pessoas entrariam nos hospitais se não confiassem que uma regra como essa está sendo seguida!(20)
     E quanto ao exemplo do circo romano? Ora, em nossa sociedade temos regras como a que proíbe a crueldade física e o atentado contra a vida de pessoas inocentes. Tais regras introduziram um grau de segurança muito maior na sociedade. Elas encontram-se, aliás, tão internalizadas na maioria de nós, que a reação causada por semelhante espetáculo seria de aversão ao invés de prazer. O que é bom e o que é mau, o prazer e o desprazer, muitas vezes dependem do estágio de desenvolvimento da sociedade. Há ainda hoje espetáculos esportivos, como a luta de boxe, que são aceitos como produzindo maior prazer para a maioria, mesmo a custa de dor, mas que em uma civilização mais desenvolvida poderão acabar sendo considerados bárbaros e vistos com aversão.
     Um caso parecido é o da escravidão. Objeta-se que o utilitarismo admite a escravidão, posto que ela pode produzir um bem maior. Ora, na verdade o utilitarismo nos possibilita uma resposta mais matizada e racional à questão. Obviamente, ele se opõe à escravidão em sociedades modernas, não só porque elas alcançaram um estágio de evolução econômica e social que permite a introdução de regras de respeito à dignidade e igualdade humanas, mas porque essas regras, uma vez introduzidas, possibilitam um bem maior para a maioria, que advém do prazer altruísta que sentimos em tratar os outros seres humanos também como fins. Mas não é necessário que seja assim em qualquer circunstância. Podemos perfeitamente imaginar uma sociedade no mundo antigo, na qual uma forma branda e pouco desumana de escravidão se tornou um mal inevitável, pois necessário à sua própria sobrevivência dessa sociedade em constante confronto com outras sociedades, que funcionavam sob um sistema escravista muito mais desumano. Em termos ideais a escravidão é obviamente um mal, mas em termos concretos não é impossível imaginarmos situações nas quais ela se torne moralmente aceitável. Só o utilitarismo é capaz de explicar porque é assim.
     Apesar de tudo isso, o utilitarismo de regras encontra-se aberto a uma objeção que lhe é fatal. É que sempre podemos imaginar situações nas quais as regras precisam ser violadas! Imagine que um astronauta desça à terra trazendo em sua cápsula um microorganismo que pode se espalhar pelo ar e contra o qual os seres humanos não possuem a menor resistência. As pessoas que tiveram contato com o microorganismo na colônia de Marte foram todas rapidamente dizimadas. O astronauta encontra-se fechado em uma cápsula e a única alternativa que resta é deixá-lo morrer, pois abri-la seria arriscado demais... A regra de respeito à vida humana é aqui derrogada por considerações utilitárias.
     Um outro exemplo (que introduzo para contrastar com o caso do cirurgião utilitarista) diz respeito a uma explosão na base espacial em Marte. Lá se encontram cinco astronautas, que têm oxigênio para apenas 16 horas. A nave de resgate só poderá chegar em 18 horas. Contudo, os cálculos dos computadores mostram com precisão que no caso da vida de um deles ser sacrificada restará oxigênio suficiente para que os outros quatro sejam salvos. Considerando isso, o comandante da missão decide tirar a sorte para saber qual deles deverá ingerir um sonífero que o fará morrer rapidamente e sem dor. Essa é uma situação desesperada, mas parece certa a opinião de Kai Nielsen de que não agir em casos como este seria uma atitude de evasão e covardia moral(21).
     Embora o utilitarismo de regras, entendido como alternativa para o utilitarismo de ação, precise ser abandonado, isso não implica que regras morais devam ser rejeitadas, do mesmo modo que o fato de a pessoa decidir viajar até uma cidade desconhecida não implica que ela não dependa das indicações que vão aparecendo pelo caminho. Por isso proponho que PUR seja mantido como um princípio que, embora ainda fundamental, seja subordinado a PGU, no sentido de que quando as regras que ele gera se aplicam é porque PGU também se aplica, enquanto nas ocasiões nas quais PGU se aplica as regras geradas por PUR podem ou não se aplicar. Em outras palavras: as regras geradas por PUR precisam ser subordinadas a PGU.
     Dessa maneira faço minha a proposta de R. M. Hare, segundo a qual o utilitarismo precisa ser de dois níveis: um nível inferior, do pensamento moral do dia-a-dia, e um nível superior, de revisão de regras(22). No nível inferior do dia-a-dia nos comportamos como “proles” e seguimos as normas derivadas do utilitarismo de regras. No nível superior, de resolução de conflitos, somos levados a questionar regras do primeiro nível, comportando-nos como “arcanjos” e seguindo o princípio geral do utilitarismo. Essa dialética entre os níveis é aquilo que permite o gradual aperfeiçoamento de nosso sistema moral.
     Com efeito, PUR é imprescindível, pois é em função das regras por ele geradas que em geral agimos. A aplicação do cálculo hedônico envolvido na aplicação de PGU é mais econômica: ele só é aplicado em circunstâncias onde não há lugar para regras definidas, ou quando surgem conflitos e razões para desconfiarmos da vantagem oriunda do seguimento das regras derivadas de PUR. Eis uma lista das razões pelas quais normalmente devemos seguir PUR:

1. Perda de tempo: muitas vezes não temos tempo para aplicar PGU.
2. Ignorância: freqüentemente sequer temos competência para aplicar PGU, posto que a sociedade em que vivemos é complexa demais para ser compreendida nos detalhes do seu funcionamento, sendo comum não sabermos calcular adequadamente as conseqüências de nossas ações de modo a poder avaliá-las moralmente.
3. Perda de coordenação: se cada um decidisse aplicar um cálculo utilitário próprio cada vez que realizasse uma ação, o resultado seria socialmente desagregador, posto que comprometedor da coordenação e estabilidade das interações sociais, diminuindo assim o bem geral.
4. Perda de confiança: violar regras morais é um ato que pode danificar, não só a imagem que os outros têm de nós, quanto a nossa auto-imagem, ameaçando destruir a confiança que as pessoas têm no sistema de regras e na sociedade que o instituiu e que precisa desse sistema para funcionar. A razão para infringir uma regra precisa ser, pois, muito relevante. Disso resulta que poucas vezes deixamos de agir segundo regras que universalizam tipos de ação que a experiência coletiva mostrou que produzem um bem maior para a sociedade.

A última razão é a mais importante. Como a violação da regra geralmente implica em um mal potencial muito maior que o bem maior que poderia ser localmente produzido, pois põe em risco a própria moralidade, torna-se claro que quando seguimos de modo justificado uma regra gerada pela aplicação de PUR estamos a fortiori seguindo PGU.
     Podemos justificar semelhante procedimento observando que a introdução (muitas vezes implícita) de regras auxiliares geradas pela aplicação de PUR é uma ação que tem como conseqüência a regulação de outras ações, sendo a essa primeira ação que PGU é aplicado. Como PGU é previamente aplicado à ação de instituição da regra, aplicá-lo às ações por ela reguladas se torna redundante até chegarmos aos casos em que a desvantagem utilitária dessa aplicação, dadas as alterações contextuais, seja tão grande que torne inevitável a derrogação da regra auxiliar.
     Um exemplo ajuda a esclarecer essas considerações(23). Imagine que Carlos tenha prometido dar um passeio de bicicleta com a sua filha de quatro anos, mas que ele sabe que o seu filho de seis anos teria um prazer muito maior em dar esse passeio. Mesmo assim, como Carlos fez uma promessa e não quer perder a sua credibilidade, ele leva a filha para o passeio. Ele segue PUR, mas segue também PGU, pois embora o bem produzido pela ação realizada seja menor, o mal que seria indiretamente produzido pela escolha da ação alternativa em termos de abalo na confiança em sua palavra seria muito maior. Contudo, podemos imaginar situações nas quais vantagens utilitárias justificam a violação da regra. Imagine, pois, que o filho de Carlos está de viagem para um lugar muito distante, devendo permanecer anos sem vê-lo... Nesse caso Carlos dará prioridade ao desejo do filho, infringindo a regra e tentando explicar-se à filha. Há muitos outros exemplos. Compare o caso de André, que estaciona em um local proibido apenas para comprar uma aspirina na farmácia, com o de Márcia que, sendo médica, estaciona em um local proibido para atender um passante que acaba de cair vítima de um enfarte... Só no último caso a vantagem utilitária de se violar a regra claramente compensa o mal provocado.
     Podemos substituir PGU por uma versão mais adequada ou explicitada, que dá conta dos problemas recém considerados, mostrando que PUR acaba sempre por pressupor a sua aplicação. Eis o princípio mais complexo que podemos propor:

PGU(R): Considerando o leque de alternativas razoáveis que nos é dado em uma escolha de ação, elas podem ou não envolver regras morais geradas por PUR.
(a) No caso das ações que não envolvem regras, a ação moralmente mais correta é a que segue PGU, o princípio segundo o qual a ação moralmente mais correta é aquela que produz o bem maior para o maior número, considerando o bem como o saldo positivo no balanço entre o prazer e o sofrimento.
(b) No caso das ações que envolvem regras, a ação moralmente mais correta é calculada comparativamente, de acordo com PUR, o princípio segundo o qual a ação mais correta é aquela que segue a regra que costuma produzir maior bem (maior prazer, menor desprazer) para a sociedade que adota o sistema de regras ao qual ela pertence,
a menos que
a circunstância de aplicação da regra seja tal que transgredi-la produz um bem que, tudo considerado, é maior do que o bem que usualmente se seguiria de sua aplicação.
Nesse caso, a ação mais correta é aquela resultante, ou (i) da aplicação de PUR às outras regras menos beneficiais envolvidas na ação ou, caso elas também não compensem o mal resultante de segui-las, ou não existam, é (ii) aquela ação que resulta diretamente da aplicação de PGU.

     Para entender melhor a relação de subordinação de PUR a PGU através de PGU(R), podemos distinguir para uma ação x entre o bem-A, diretamente resultante da ação, e o bem-R (socialmente esperado), resultante de não se infringir a regra envolvida na ação. Se, ao adotarmos como regra máxima um princípio geral da utilidade como PGU, computarmos apenas o bem-A, ele estará aberto a objeções como a do cirurgião utilitarista, do circo romano e outras mais. Mas se na aplicação do princípio geral for computado o bem-R em adição ao bem-A, como é feito por PGU(R), então esse último princípio se revelará como sendo a regra intuitivamente mais fundamental e universal, mesmo nos domínios onde as ações resultam de regras constituídas com base em PUR.
     Com efeito, quando percebemos que PUR deve ser aplicado mesmo em um caso em que uma ação x recomendada pela regra produza menos bem do que uma outra, isso deve ser porque estamos computando apenas o bem-A. Se computarmos também o bem-R, resultante da preservação da confiança nas regras, da manutenção da auto-imagem do agente etc., torna-se usualmente evidente que o bem resultante de se realizar a ação A permanece, apesar de tudo, maior, justificando assim a nossa intuição de que é errado transgredir a regra.
 
     5. Embora haja muito mais a ser considerado, quero responder apenas a um grupo de objeções interligadas, baseadas na idéia de que o utilitarismo exige demais da natureza humana. Com efeito, estamos primariamente interessados em nós mesmos e em algumas pessoas mais próximas. Mas o utilitarismo demanda que estejamos igualmente interessados no bem de todos, sem restrição(24). Além disso, parece que o utilitarismo nos compromete com coisas distantes que não nos parecem dizer respeito, como a vida de tribos indígenas ainda não contactadas ou com os seres que habitam o fundo dos oceanos (os animais, como seres capazes de sofrimento, também são objetos de nossa responsabilidade moral). Finalmente, ainda pode ser objetado que o utilitarismo parece exigir que as pessoas trabalhem sem descanso, só para maximizarem o bem comum...
     Antes de tentar responder, quero notar que as objeções acima tratam o utilitarismo como uma forma de altruísmo, quando ele não deveria ser nem uma forma de altruísmo nem de egoísmo; afinal, nós o introduzimos em uma tentativa de encontrar um meio termo adequado entre esses dois extremos.
     Visando o bem maior para o maior número, incluindo o agente, PGU(R) parece ser a fórmula certa no objetivo de satisfazer o ideal das teorias éticas de maximizar a felicidade social. Parece então que a interpretação mais natural de PGU(R) é a de que a distribuição dos benefícios da ação deve ser idêntica para todos e tão extensa quanto possível. Isso é válido, porém, apenas para sociedades tão simples, pequenas e homogêneas, que os seus membros sejam similares em suas habilidades, funções, importância, ideais morais etc. Contudo, esse não é o caso das sociedades reais, que são complexas, diversificadas e estratificadas, além de não serem inteiramente constituídas por membros utilitaristas. Por isso a teoria utilitarista na prática é outra. Por isso seria tolo, e em última análise contra PGU(R), se o utilitarista auxiliasse com igual desvelo o egoísta ético, por exemplo, pois essa atitude tenderia a ser autodestrutiva, diminuindo a longo prazo o bem geral. Além disso, não faz sentido que ele aplique PGU(R) de modo a beneficiar na mesma proporção quem pouco contribui para o bem maior e quem muito contribui, pois nesse caso PGU(R) deixará de maximizar o bem geral. Dessas reflexões decorre que uma adequada aplicação de PGU(R) demanda atenção à seguinte regra auxiliar de retribuição, que será uma das regras que caem sob PUR:

RAr: A ação moralmente mais correta é aquela que privilegia os beneficiários aptos a retribuir com o maior bem (maior prazer, menor sofrimento) para o maior número em proporção à probabilidade dessa retribuição.

     Claro que um beneficiário de RAr também deverá aplicar essa regra à escolha dos beneficiários de suas ações, o que da lugar a ainda outras questões.
     Outro ponto importante diz respeito à relação de proximidade-distância das ações. Ele concerne, como veremos, à escolha da ação e à sua intensidade. Por proximidade-distância não quero entender uma relação espacial, mas o grau de interação entre os agentes, medido em termos qualitativos e quantitativos. Há aqui uma contingência epistêmica envolvida. Somos capazes de agir mais facilmente e mais eficazmente tendo em vista resultados concernentes a nós mesmos e aos mais próximos, posto que conhecemos muito melhor a nós mesmos e a eles. Por outro lado, é muito difícil sabermos como auxiliar eficazmente o que está distante de nós de modo a promover o bem geral a longo prazo. Além do mais, os que se encontram próximos de nós são os que mais e melhor saberão retribuir, de modo que possamos continuar a agir no sentido de maximizar o bem geral.
     Considerações como essas levaram filósofos utilitaristas à conclusão de que a melhor maneira de aumentar o bem geral é que cada qual comece por tomar conta do seu próprio jardim, ou seja, que todos escolham (quando a escolha é permitida) cuidar primeiro do bem maior para o que lhes está mais próximo e lhes é melhor conhecido e apto à retribuição(25). Com efeito, sob o suposto de que os outros agirão de modo semelhante, colocar o centro de gravidade de nossas ações naquilo que nos está mais próximo torna-se a estratégia mais apta a produzir o bem geral. Isso explica porque parece suficientemente de acordo com o bom senso moral fazermos primeiro o bem para nós mesmos e para os nossos familiares, depois para os amigos e conhecidos, e só depois disso, digamos, fazermos uma doação para a campanha beneficente. A medida da proximidade, como já notamos, depende do grau de interação entre as pessoas.
     Com isso também se torna mais compreensível porque não precisamos nos preocupar com a qualidade de vida dos animais que habitam o fundo dos oceanos, na medida em que não os poluímos, ou com os habitantes da última tribo indígena não contactada, que vivem em uma floresta ainda preservada e intocada. Por razões semelhantes, temos menos compromisso de aplicação do princípio da utilidade aos animais selvagens do que aos nossos animais domésticos. (Que dizer de nosso compromisso com os não-nascidos? Temos o dever de multiplicar os seres humanos tanto quanto possível, ao menos enquanto isso aumentar o bem geral? A resposta é que PGU(R) nos compromete a atuar visando o bem maior para o maior número dos seres vivos já existentes, mas não nos compromete a atuar visando o bem maior para os que ainda não existem, posto que enquanto inexistentes eles não são capazes de prazer ou sofrimento. A importância do nascimento de novos seres vivos só existe na medida em que isso tenha implicação para a felicidade dos já existentes, o que freqüentemente é o caso.)
     Com efeito, quanto mais próximos do agente estiverem as pessoas para as quais ele maximiza o bem, quanto maior for o grau de interação envolvido, maior será a necessidade de ele agir em termos quantitativos, culminando essa necessidade em sua própria pessoa, pois, sob o suposto dos outros também agirem assim, disso deverá resultar um maior bem para todos.
     Isso ajuda a explicar porque não precisamos agir o tempo inteiro em prol do bem geral. Como há muito menos contando a favor de agirmos em prol do que está mais distante, como o centro da escolha e da intensidade costuma culminar em nós mesmos, como o desprazer causado pelo excesso de ação faz com que ele conte mais negativamente no cálculo hedônico, e ainda, como devemos preservar-nos para continuarmos em condições de fazer o bem, nossa quantidade de ação precisa ser limitada.
     Essas operações podem ser geralmente reguladas pela seguinte regra auxiliar de proximidade na rede das relações humanas, a qual também cai sob PUR:

RAp: Age-se de forma moralmente mais correta quando a escolha e a quantidade da ação são reguladas de modo a se dar preferência ao bem trazido para o agente e para os que com ele mais proximamente interagem, sendo essa preferência em condições normais realizada na medida proporcional ao grau dessa interação.

     Essa é uma regra auxiliar que se complementa com PGU(R), quando a última é aplicada a sociedades complexas e heterogêneas, assegurando retribuições locais, que adicionadas umas as outras acabam por maximizar o bem geral.
     É importante notar que, como toda regra auxiliar, RAp será derrogada sempre que, ao deixar de maximizar o bem geral em seu todo, não estiver satisfazendo PGU(R). Um exemplo disso é o caso do esteta ambiental ocioso, que decide não seguir RAp e plantar árvores que só estarão crescidas daqui há cem anos... A regra RAp também pode ser derrogada (e muito freqüentemente o é) por outras regras utilitárias auxiliares locais, às quais demandam altruísmo de modo a satisfazer melhor PGU(R). Eis porque políticos não devem praticar nepotismo, eis porque o funcionário da ONU deve se preocupar com a fome no Haiti etc. Entre PGU(R) e a sua aplicação a casos particulares costuma haver uma lacuna que só é preenchida por considerações utilitárias adicionais, cristalizadas sob a forma de regras auxiliares. E quando essas regras auxiliares conflitam entre si, esse conflito só pode ser resolvido pela consideração das subcondições de PGU(R).

Conclusão
Se não preferimos o ceticismo, a conclusão parece ser a de que a teoria ética mais plausivelmente capaz de identificar o locus fundamentador do valor moral parece ser uma forma hedonista de utilitarismo de ação que aplique PUR, mas que pressuponha como princípio máximo PGU(R), que no fundo não passa de uma forma mediatizada de PGU. Como a sociedade nunca é um meio simples e homogêneo, PGU(R) aplica-se tipicamente a uma estrutura hierárquica de regras auxiliares, instauradas com base em uma aplicação suficientemente refletida de PGU(R) às peculiaridades locais do tear social.
     A forma proposta de utilitarismo permite em princípio acomodar a contribuição de teorias deontológicas como a de Kant, reinterpretando versões de PU e PF como – os kantianos que me perdoem – regras de polegar de segunda ordem; regras auxiliares que também pressupõem a aplicação de PGU(R). Com isso entendemos porque PU não funciona no caso do vizinho psicótico, que pede que a sua arma seja devolvida, posto que nesse caso a aplicação do princípio não produz bem maior para os envolvidos, mas um mal, que seria eventualmente a perda de uma vida. Também por isso entendemos porque PF não se aplica à pessoa do oficial nazista, no caso do judeu que tenta escapar da Lituânia, pois nesse caso seguir o princípio dos fins produziria uma injustiça, um mal maior. O conflito entre princípios, que Ross queria decidir por apelo à intuição, também encontra aqui uma explicação, pois é a aplicação de PGU(R) que em última análise determina a nossa “intuição” de que em uma dada circunstância um princípio (regra) vale como sendo real, enquanto o outro (uma outra regra) é comparativamente mais fraco. O dever de proteger a vida, por exemplo, é “intuitivamente” mais forte do que o dever prima facie de devolver objetos emprestados, simplesmente porque a sua aplicação, em geral e no exemplo considerado, produz um bem maior. E quanto às virtudes, elas são aquelas qualidades de caráter que nas circunstâncias concretas de uma sociedade tendem a fazer resultar um bem maior, sendo também elas dependentes, em última instância, da aplicabilidade geral de PGU(R) para o seu reconhecimento enquanto tais.

Notas:
1 Aristóteles: Ética a Nicômano (Abril Cultural: São Paulo 1976).
2 G. E. Anscombe: “Modern Moral Philosophy”, Philosophy 33, 1958.
3 Alasdair McIntyre: After Virtue (University of Notre Dame Press: South Bent 1981).
4 Para argumentos congêneres ver William Frankena: “A Critique of Virtue Based Ethics”, in Louis Pojman (ed.): Moral Philosophy: A Reader (Hackett Publishing: Indianapolis 1993). Ver também James Rachels, The Elements of Moral Philosophy (McGraw-Hill: New York 1996), p. 175 ss.
5 “Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass sie ein algemeines Gesetz werde“. I. Kant: Die Grundlage der Metaphisik der Sitten (Suhrkamp: Frankfurt 1986), Gesamte Werke, vol. 4, BA p. 52. A terceira versão do imperativo categórico, exigindo que a vontade da pessoa que age se possa se considerar a si mesmo instituidora de uma legislação universal, parece escassamente separável da primeira.
6 “Handle so, dass du die Menschheit, sowohl in deiner Person, als in der Person eines jeden andern, jederzeit zugleich als Zweck, niemals bloss als Mittel brauchest.” Emmnuel Kant, Die Grundlage der Metaphisik der Sitten, vol. 4, BA p. 67.
7 Opinião ouvida em uma das fabulosas aulas de Searle em Berkeley.
8 Ver David Ross: “What Makes Right Actions Right?”, in Pojman (ed.): Moral Philosophy: A Reader.
9 Estou considerando aqui o valor da ação do ponto de vista da conseqüência. Minha distinção semântica entre três modos de avaliar moralmente o valor da ação em meu juízo resolve a questão de se saber se, ao avaliarmos uma ação, devemos considerar a utilidade atual ou a utilidade esperada.
10 Ayn Rand: “A Defense of Ethical Egoism”, in Pojman (eds.): Moral Philosophy: A Reader.
11 Ver a seleção de extratos de Friedrich Nietzsche em “Beyond the Good and the Evil”, in Pojman (ed.): Moral Philosophy: a Reader.
12 Auguste Comte: Catéchisme Positiviste (Temple de L’humanitet: Paris 1957 (1852)). Trad. Port. Catecismo Positivista (Abril: São Paulo 1973). 
13 Defendo ser a conseqüência efetiva da ação o que mais propriamente determina se ela é moralmente certa ou errada. Nisso discordo daqueles que defendem ser a conseqüência esperada por um agente racional, em consonância com as informações disponíveis, aquilo que avalia valorativamente a ação. (Ver Bertrand Russell, “The Elements of Ethics”, in Philosophical Essays, Allen & Unwin: London 1966.) Na verdade, a conseqüência esperada é aquilo que avalia a ação quando a consideramos tendo em mente a intenção do agente, isto é, no sentido (c) do que chamamos de valor moral da ação. É esse último sentido que consideramos quando precisamos decidir como devemos agir em cada caso, ou quando retrospectivamente avaliamos o agente. Mas como conseqüencialistas devemos admitir que o sentido (a), o valor da conseqüência, tem predominância sobre (c), o valor da intenção. Por isso deve ser o sentido (a) aquilo que em última análise avalia a ação. Isso não significa, certamente, que ao considerarmos PGU na tentativa de agir moralmente não sejamos forçados a considerar conseqüências esperadas, posto ainda que não fomos expostos às conseqüências efetivadas.
14 Jeremy Bentham: Introduction to the Principles of Moral and Legislation (Oxford University Press: Oxford 1948), cap. IV. Para uma defesa contemporânea do utilitarismo, ver J. J. C. Smart & B. Williams: Utilitarianism for and Against (Cambridge University Press: Cambridge 1973). Para acesso à discussão contemporânea, ver W. H. Shaw: Contemporary Ethics: Taking Account of Utilitarianism (Blackwell: Oxford 1999). Ver também S. J. Odell, On Consequentialist Ethics (Wadsworth: Toronto 2004). Uma lúcida exposição histórica encontra-se em G. Scarre, Utilitarianism (Routledge: London 1996)
15 Dificuldades com o utilitarismo foram apontadas por muitos filósofos. Ver especialmente Bernard Williams, “A Critique of Utilitarianism”, e Sterling Harwood, “Eleven Objections to Utilitarianism”, ambos publicados em Pojman (ed), Moral Philosophy: A Reader. Ver também Thomas Nagel, “War and Massacre”, em seu livro Mortal Questions (Cambridge University Press: Cambridge 1979).
16 John Mackie:  Ethics (Penguin Books: London 1977), p. 130 ss.
17 J. S. Mill: Utilitarianism (Bobbs Merrill: Indianapolis 1957), cap. 2.
18 Karl Popper: The Open Society and its Enemies (Routledge: London 1945), vol. 1.
19 Ver R. B. Brandt: “Toward a Credible Form of Utilitarianism”, in H-N. Castañeda & George Nakhnikhian, Morality and the Language of Conduct (Wane University Press; Detroit 1965). Ver também John Hospers: “Rule Utilitarianism”, in Pojman (ed.): Moral Philosophy: a Reader.
20 L. P. Pojman: Discovering Right and Wrong (Wadsworth: Belmont 1999), p. 124. Devo minha adesão ao utilitarismo à leitura dessa lúcida e incomparavelmente clara introdução.
21 Ver a análise feita por Kai Nielsen do caso do inocente homem gordo em “Against Moral Conservativism”, in Pojman (ed.), Moral Philosophy: A Reader.
22 Ver R. M. Hare: Moral Thinking: its Levels, Methods and Point (Oxford University Press: Oxford 1981), caps. 2 e 3.
23 Uso aqui para outros fins um exemplo retirado de Richard Norman, The Moral Philosophers (Oxford University Press: Oxford 1998), p. 99, que por sua vez o adapta de W. D. Ross.
24 Ver R. M. Hare: Freedom and Reason (Oxford University Press: Oxford 1963).
25 Henry Sidgwick: The Methods of Ethics (Dover: New York 1966), p. 382 ss.

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