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If you wish to be acquainted with my groundbreaking work in philosophy, take a look at this blogg. It is the biggest, the broadest, the deepest. It is so deep that I guess that the narrowed focus of your mind eyes will prevent you to see its full deepness.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A LITERATURA MALDITA DE OIDUALC ATSOC


Parte dessas tentativas de escrever algo de algum interesse literário foi digitalmente publicada pela Editora Scortecci em 2011.




 

 

 

OS FUNERAIS

DE

APOLO

 

                  ________________________

                         _________________

 

 

OIDUALC ATSOC

 

 

 

 

 

 

 

 

Agora o pranto molha o rosto e o pranto não tem consolo.

Periquitos depenados são cozinhados em frigideiras de aço,

Uma multidão de corvos alça vôo e obscuresce o sol

E os girassóis sofrem de torcicolo – de tanto procurar.

Do mágico encantador de serpentes resta apenas a ventríloqua sombra,

E olhos violentadores rasgam o ventre pálido das mentes.

Agora silêncio culpado borra a noite em perpétua núvem.

 

 

Os sapos mijam na madrugada cinzenta.

Pobres escrementos esquecidos

No amor do pudor do sapo.

Duvidosamente violáceos!

Bem como arborescentes e descrentes.

É assim que o jardim acorda de seus sonhos,

Isto é:

Pelo mijo dos sapos na madrugada cinzenta.

 

 

A revolução não precisa de cientistas, nem a alcova de Mozarts.

 

Dai aos gatos o que é dos ratos e ao gato o que é dos gatos.

 

 

 

 

 

 

Se você se vê como um penetra no banquete da vida, achando literatura um pé-no-saco e sentindo náuseas ao entrar em livrarias... pode ser que esse livro lhe seja indicado.

   Oidualc Atsoc é o alter-ego literário de Claudio Costa, mais conhecido pela produção da inusitada filosofia clássica pós-analítica e anti-contemporânea.

   Os Funerais de Apolo é um trabalho experimental, escrito na juventude e só agora relutantemente dado a público. Trata-se de uma literatura futurista no sentido de que só chegará a ser inteiramente compreendida quanto a humanidade atingir o nível ômega.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONTEÚDO

 

 

 

PRÓLOGO

 

 

LÍRICA

 

Paráfrase

Uma flor

Narciso

Nômades

Devoradora

A sereiazinha do mar de azul profundo

Não quero mais aqui

A voz pela qual fala o poeta

À noite

Metagnoseôntica hipernaturalista

 

 

SATÍRICA

 

Vou

Estase e êxtase

A canção das bestas

Trova de amor

O velho e a cítara

Não era minha

Ode funerária à filosofia perdida

 

 

RIDICULÍSTICA

 

ODES AO ÓPIO

Enunciamento

1.    Evocação

2.    Epístola a Dionísio

3.    Ruvstoff

4.    O mijo dos sapos

5.    Burlupt: o que uma bolha diz

 

CANÇÕES DO LOUCO ALEGRE

1.    Formas hipotéticas

2.    O pato hermenêutico

3.    Suggestion du Chef

4.    Cantata de Vogel

5.    The song of Bong

 

CANTARES DA NINFAS DO RENO

1.    Sacerdocterum Ergospasmus

2.    Sigfried confia seu sonho aos pássaros

 

A MALÍCIA DO ENGENHO

1.    A evolução no planeta dos sapos

2.    O flagelador de si mesmo

3.    Goofy Symphony

 

 

CONTOS

 

Conto infantil

A conquista do Cantabala

Meu amigo Alceu e eu

 

 

POSFÁCIO (2010)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRÓLOGO

 

 

     Oh, idólatras adoradores do sol! Vós que crédulos confiais em uma incerta miragem do além-mundo. A pura beleza, luz decantada de perfeições. Eis aí o cadáver de um deus! Uma divindade imberbe que não gostava de vinho e nem ao menos sabia dançar.

     Que está morto não tenham dúvidas. Não respira. Dentro do peito já não bate o trêmulo coração, e o corpo principia a entrar em rigor mortis. Breve será a vez dos trabalhadores da morte.

     O diagnóstico é duvidoso. Mas desconfio que tenha sido vital à sua psicologia divina, que pela relaxada indolência de seu caráter ele tenha se deixado abandonar em um circo infecto, contentando-se com as acrobacias verbais de um arlequim grotesco a tapear em farsa servil a sua pobre impotência; domando os mesmos ursos, que sempre tomaram o cuidado de vestir novas peles; fingindo voar ao cair do trapézio e depois espatifando-se no solo; enfiando a cabeça na boca babosa de velhos leões desdentados; – os coelhos eternamente os mesmos, retirados sempre da mesma cartola. Tudo para um mesmo e fiel público: abestalhados comedores de pipoca, sempre ávidos de prazeres pueris.

     Mas... what’s done cannot be undone. E que por um breve momento, ao menos, sua principal carpideira, o poeta, seja ouvida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LÍRICA

 

 

 

 

 

                                             The sun is rising

                                             If the sun rises, the flowers rise too.

                                             I like the sun;

                                             The sun is the hot of human bodies.

                                             Because if the sun rises

                                             The man awakes.

                                             Green Leaves   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Paráfrase

 

 

Eu ouço o som do abandono

Onde as trevas desfazem a nítida estrela

E augúrios de morte me chamam.

 

Mas; vem ó cálida estrela

Para desfazer os tristes augúrios do abandono

Com teus ternos lábios.

 

Eu ouço a voz do silêncio.

Não me abandones, silêncio meu,

Pois tu sabes que és minha única voz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma Flor

 

 

Eis

Uma flor

 – Desgastada

 – Perdida

 – Sumida

 – Na insípida, úmida e fria

 – Cidade do adeus.

 

 

Que:

Corre com seus passos leves no curto espaço de seus sons imutáveis

Sem eco

Mudos e rutilantes, bem como anelantes da fala inarticulada

de uma lira inexistente que toca sem cessar ao longe em momentos de adeus.

 

 

Choras então:

O choro indolor que te puseram ao experimentar a cruel e delicada, dolorosa e fóssil, insignificante e séssil, obscena e dourada, bem como pedunculada

– Flor

– Desgastada

– Perdida

– Sumida

– Na insípida, úmida e fria

– Cidade do adeus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Narciso

  

 

TEUS OLHOS

Olho encerrado em ambigüidades;

Encantador e encantado

Sonhas com o paraíso e imerges em teu sonhar.

Lá onde o real e o imaginário idênticos se tornam,

Lá onde os tempos se confluem em um eterno presente

E a luz do crepúsculo já na aurora se vem iluminar,

Lá voltas-te para a indivisa origem de teus sonhos.

Tu encantado imobilizas o gesto em êxtase.

 

 

TEU CORPO

De um corpo pleno de anelos, fala-te o desejo solitário

De imóveis anseios, o puro aroma em que se enlevam.

E que à esquecida fonte primeva seja retornado

Um tênue cristal que a um só tempo espelhe

A pérfida lua e o portentoso sol

Em que todos se refletem

Em que tudo se extingue

E que indistinto na suave transparência

Torne-se o corpo de sua imagem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nômades

 

 

Qual líquidos de matéria sem forma

                      Frias e inertes aparências de infinitude

Rimo-nos da imobilidade do tempo presente

                      E fazêmo-lo escoar para o imaginário.

 

Nada nos toca sem que nosso úmido afago

                      Não profane o recôndito mistério.

E quebrado o cálido cristal, esvaímo-nos silentes

                      Sempre em busca de novas formas.

 

Preenchendo os volumes em moldes inumeráveis

                      Disseminando o nada,

Profanamos a imobilidade natural da matéria

Ao construir um templo para o qual

                      Desconhecemos o deus.

 

Sem vida, morte ou sono reparador,

Variedades de ser em imitações recriamos,

Só para perdê-las no esquecimento.

Moramos em cidades onde ninguém habita.

Qual Sísifos do querer aprisionados

Nosso destino é o eterno amanhã.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Devoradora

 

 

O que queres de mim é com os fios do teu tear

Enlear-me em tudo aquilo em que não me reconheço

A esse e a essa a aquele e a aquela e a aquilo e a tudo e a todos,

 

Até que inteiramente enlaçado por fios invisíveis

Eu me creia como em uma rede leve a balançar

Saboreando doces manjares ao som de suaves melodias...

 

É então que abrirás tuas cruéis mandíbulas

Que cravarás impiedosamente em meu peito,

Para esvaziar-me de toda a seiva vital.

 

E findado o teu repasto te afastarás indiferente

Deixando a carcaça seca a balançar entre os fios

Até que algum vento mais forte venha a rompê-los

Para desfazer esse perverso mal-entendido

Em piedoso esquecimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A SEREIAZINHA DO MAR DE AZUL PROFUNDO

 

 

 

À noite, fui sozinho para fora ver o mar,

Que onde estava era quase sem ondas

Devido à proteção dos arrecifes.

Sentei-me em uma pedra próxima da água e olhei para o fundo,

Era um poço escuro que refletia a luz do luar.

Foi quando ela apareceu, brilhando, luminosa,

A sereiazinha do mar de azul profundo.

Ela veio a mim e seu rosto me lembrava o de um anjo barroco,

O modelo de bondade humana seguidamente escolhido

Pelos mestres italianos junto aos membros do povo.

Esse rosto cuja pureza resplandece

Como o mármore pálido de sua tez.

 

Ela me disse:

– “Venha! Venha banhar-te nas águas.”

– “Venha viver comigo no mundo azul do mar,

Mundo do mar de azul profundo.”

Ela me segurou a mão e me levou para uma região

Que de início me parecia ser como dos sonhos,

Um mundo invertido de luzes e sombras

Povoado de imagens tornadas etéreas

De nosso próprio mundo e de nossas vidas,

Onde tudo é o prazer do ser um em dois,

E onde alma e corpo se consumam.

 

O mar de onde nunca mais voltei,

O mar onde ainda hoje me encontro,

O mar no qual ainda hoje abito,

O mar no qual sempre habitarei.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FRAU LIEBERMAN

 

Liebe Frau Lieberman,

Aqui venho outra vez cantar-vos meus pobres versos de amor.

A vós, cuja sensibilidade ressoa em todos os recantos de minha alma,

Aqui venho outra vez contar-vos minhas dores e os amargores 

que tua ausência me traz!

Bendita sois vós entre as mulheres,

Benditos sejam vossos músculos pélvicos,

Benditas a celulite a marcar um erotismo abrasador.

Bendito o indevassável abismo de tua rósea conchinha,

Bendito vosso beijo leve, molhado, apaixonado,

Bem como a tua alma bondosa de anjo maravilhoso,

Mit shöne Grüssen,

Euer untergegebsten treuer diener.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não quero mais aqui!

 

Vou viver lá onde as macieiras florescem

Todas juntas perfumando o ar,

Ou talvez no mundo inferior do Hades

Se o meu destino for por lá ficar.

Mas não quero mais aqui!

 

Vou viver lá onde alguma candeia de luz

Ainda me ofereça uma réstia de esperança,

Ou terei de me esconder entre as pedras

E ser caçado feito um animal

Até ser atravessado por uma lança.

Mas não quero mais aqui!

 

Vou viver no mar profundo,

Onde as correntes decidirão

O meu destino ao léu,

Ou cairei em um esgoto podre

Onde ratazanas me comerão

Até só restarem os ossos.

Mas não quero mais aqui!

 

Mas não quero mais aqui

Porque não posso mais aqui

E não posso mais aqui

Porque não devo mais aqui!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A voz pela qual fala o poeta

 

 

Breves instantes são os versos de um poeta.

Não captam a duração inefável do devir

Nem a circularidade revolta do tempo;

Deixam-nas passar

Como água que escorre por entre as mãos.

 

 

Pedras frias escondem

O fundo ardor do coração

Que é seu real anseio.

 

 

A verdadeira voz pela qual fala o poeta

Não deveria ser como as passageiras ondas

                                      a morrer na areia

Nem como a voz mutável do dia-a-dia

Nem como o gemido lastimoso do vento

Nem como o trovejar de relâmpagos...

 

 

No tempo perdido do antes e do após

No mudo ecoar do seu silêncio,

É que se oculta e se encerra

A verdadeira voz pela qual fala o poeta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

À noite

 

 

Em silêncio despertáramos no vácuo

Nada sob os pés na escuridão vazia;

Nus em um gélido deserto

Flutuávamos no ignorado leito dos sonhos.

Então a escuridão aconchegou-nos aos braços

E fez-nos ela um suspeitoso ninho

Onde amargura alternava-se ao delírio.

 

(Então sentimento de pequenez e imensidão infinitas

Acercara-me o espírito...

E meu corpo era carente de formas, tempo ou vida;

 – Que imaginário fosse, era necessário vê-la,

Para vendo-a refletir-me em seu olhar.)

 

Ah! Indecifráveis loucuras do imaginário!

Loucuras da memória que se agita entre coisas proibidas.

Pálidas canções com que nos vemos

A tão branda e tão sólida esperança.

 

Ah! Branca voragem de sonhar a quem amássemos

Fim de um vácuo silencioso;

Gélido deserto por onde se agita um delírio inquieto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ode funerária à filosofia perdida

 

 

Antes vivíamos em um mundo de luz e sombra.

Hoje vivemos no sagrado mundo do LUSCO-FUSCO!

Onde todas as vacas são igualmente cinzentas.

E o que restou da grande filosofia?

PORCARIA! PORCARIA!

A filosofia alemã... sabe-se que ela morreu.

A filosofia francesa... essa também morreu.

A filosofia anglo-saxônica... se estrebucha.

Alguns dizem:

A grande filosofia morreu de velha.

Eu digo: foi ENVENENADA!

Envenenada pelo positivismo cientificista

Envenenada pela democracia de fachada

Envenenada pela alienação meta-capitalista

Que sequestra o gênio antes de ele haver nascido,

Que dá poder aos que não podem

E voz a um sem número

De imaturas e deformadas mentes;

E que ao espírito de meleca

Com a sensibilidade de um cavalo

E a profundidade de um pires

Um lugar errado no mundo dá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Metagnoseôntica Hipernaturalista

 

 

1.   Ser = Ente = Algo = tudo o que há.

2.   Todo ente é empírico.

3.   O ente empírico físico, psíquico, abstrato: diversamente a mesma coisa.

4.   Ente psíquico mera superveniência do ente físico: resquício psicofísico.

5.   Da interconexão entre os entes físico e psíquico advém o ente abstrato, que de abstrato só leva mesmo o nome.

6.   O ente empírico é o que se dá no espaço-tempo, como o psíquico.

7.   O ente abstrato possui localização espaço-temporal difusa, atual ou possível; ele se assemelha a uma nuvem.

8.   Entes podem ser simples e complexos.

10. Entes simples abstratos podem ser concebidos enquanto tais.

11. Entes simples concretos são propriedades - físicas ou mentais - que concebemos como tais.

12. Propriedades são entes físicos ou psíquicos ou mesmo abstratos.

11. Convergências de propriedades são entes complexos.

12. Substâncias são convergências localizadas de propriedades.

13. Entes quaisquer podem existir no mundo ou só na imaginação.

14. O ente psíquico pode ser representacional ou não.

15. O ente representacional é um símile de outro, que pode existir ou não.

16. O ente que existe é o que existe fisicamente (podendo ser representacional) ou o que existe mentalmente (como ente psíquico não-representacional).

17. O ente que não existe concretamente é o que só existe como ente cognitivo-representacional.

19. Esse é o abstract de toda a metagnoseôntica hipernaturalista.

20. C’est sufisant.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SATÍRICA

 

 

 

 

                                              Somos unas ervitas; pequeñitas

                                              Masticadas al sabor del viento

                                              Por la grande vaca cosmica.

                                              Mario Gabaldo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vou:

 

Vou para o polo Sul para fazer churrasco de pinguim,

Vou para o polo Norte para um urso me comer a mim.

 

Vou me jogar no vulcão Krakatoa e ficar com a bunda assada,

E depois irei boiar no mar morto para a carne ficar salgada.

 

Vou para a chapada dos Veadeiros para virar veado,

Vou para a Terra do Fogo para virar um bom assado.

 

Vou virar um papagaio pra só falar de mim,

Vou virar um cervo pra no natal usar sinim,

Vou virar uma tartaruga pra poder me esconder em mim,

Vou virar um jegue pra poder comer um bom capim,

Vou virar porco-do-mato que ejacula sem ter fim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estase e êxtase

 

 

Agora o fogo é brando e a chama não queima

Ares, Cronos, Atenas e Apolo

Tomaram o lugar dos deuses brincalhões

Como Dionísio e os Sátiros.

 

Agora o pranto molha o rosto e o pranto

                          não tem consolo.

 

Periquitos depenados são cozinhados

                          em frigideiras de aço,

 

Uma multidão de corvos alça vôo

                          e obscuresce o sol,

 

E os girassóis sofrem de torcicolo

                          – de tanto procurar.

 

Do mágico encantador de serpentes, resta apenas

                          a ventríloqua sombra

 

E olhos violentadores rasgam

                          o ventre pálido das mentes.

 

Agora silêncio culpado borra a noite

                          em perpétua núvem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A árvore foi tombada

E em seu lugar

Construiu-se uma estátua;

Homenagem ao soldado desconhecido,

Também chamado o soldado cagão.

Mentiroso e covarde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Agora

Ainda

Agora

Em cálidos suspiros tudo se põe a revolutear

O ar, a água, a terra, o fogo e o ar,

Sinfonia das almas que vestem-se de ar.

 

Agora

Ainda

Agora

Sob líquidos e folhas dormentes, dança

                                  a dança dos signos

Não em um delírio desconexo, obsceno e louco

Mas no interior de insólitas grades

Jaulas da geometria divina

Bombas aspirante-prementes

Hemisférios de Magdemburg

Câmaras de combustão

Vasos comunicantes

Alcovas que gemem

Shopping-Centers

Prostíbulos

Estábulos

Pocílgas

Cumbucas

Caixões

Caixas

Conas

Cuias

Cuas

Cus

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caixas de Pandora

Conspícuas teias de aranha

Musgosos pântanos de lodo

Leitos imóveis por onde correm os rios.

..............................................................

 

 

O implacável relógio do mundo

A marcar

Transformações obscenas...

A dor lancinante do prisioneiro pensar

A terrível ordem sob a mais absurda loucura

E a tudo submeter sua lei.

DURA LEX,

SED LEX.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A canção das bestas

 

 

I

 

Imóvel sob o infinito azul de cobalto,

A besta dorme em seu leito incauto.

Eu assisti ao desmame das bestas

 

A besta cor de rosa

A besta amarelo limão

A besta verde esmeralda

A besta azul de cobalto

A besta dorme em seu leito incauto.

A besta amarela

A besta ocre

A besta ruiva

A besta loira

A besta negra.

 

Gemendo gemendo numa orgia frenética

Bestas de todas as cores e crenças.

Vejam vejam, bestinha e bestão bostão!

Eu assisti ao desmame das bestas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

II

 

A besta cheira mal

A besta anda gingando

A besta não escova os dentes

A besta almoça arrotando.

Besta que não sabe chorar nem rir.

 

A besta dança a passacáglia de Bach

Dança quando não é para dançar

A besta canta o minueto de Bach

Canta quando não é para cantar.

Besta que não sabe rir nem chorar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III

 

Assim me pareceu

Toda a humanidade

Com exceção

Da minha augusta e nobre pessoa

Também considerada por muitos

– Uma besta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IV

 

Amordaçado erro pelos andares da noite

Aqui a nulidade acavala-se na nulidade.

Um vento frio queima-me a face

Meus olhos vazios procuram

Os sonhos daquela

Que se desfaz na aurora.

 

Açoitado pelos ventos

Alvejado pelas costas

Cego na escuridão...

Eu sou o valente soldado

Que acaba de morrer

Sobre uma fonte de águas cristalinas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trova D’amour

 

 

Cerca-me cândido olhar

Ao tremor do vento vêm-me

A intranquila lembrança

Desesperadamente triste

Como a lágrima de esperma

No olho cego do Cíclope.

 

Agora ao penetrar tateante e intumescido

Em anti-platônicas cavernas do desejo,

Vermelhos labirintos de limbo contráctil,

(Selva selvaggia, áspera e forte)

Onde geme o Minotauro;

Agora o coração fremente

Lembra ainda

No leito mágico dos sonhos

Teu oferecimento de noite molhada.

Manhã congelada de enigmas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O velho e a cítara

 

 

Não pleno é o riso que a tristeza infinda.

No obscuro bosque dos escaravelhos vermelhos,

Entranhas amolecidas, borram em gotas

                             Orvalho sanguinolento

Fetos anencefálicos gemem baixinho

                             Sob escombros

Sombras exalam vapor úmido de cadáveres

                             Putrefeitos

E abrindo serenos à suavidade singela de uma

                             Clareira

Penetram suaves, enverdecidos raios de um sol

                             Crepuscular.

 

 

Imerso em bruma adolescente ancião nu e calvo

Sobre toco oco morto de abeto cinzento acomodado

E de singulares orquídeas arborescentes

                             Em guarnição cercado

Ao odor nauseante que enche o ar

Despreocupadamente entre as feridas

Belas moscas azuis passeiam

(Na natureza há lugar e tempo para todos)

E o sangue escorre rubro à santa sombra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trás no ânus enfiada culposa adaga

Lâmina ponteaguda que o dilacera internamente:

                           – Incicatrizável ferida indissolúvel

                           – Necrose indissolúvel

                           – Fibrose indissolúvel

                           – Adenocarcinoma indissolúvel

                           – Deliciosa neoplasia em couve-flor

Tudo isso acabando por despertar-lhe sutil prazer

Branco e obsoleto

Pois que lenta e ritmadamente

Eterno, eternamente se regenerando,

Na lâmina ponteaguda o ânus

Se abrindo e fechando.

E o sangue escorre rubro à santa sombra.

 

 

 

Nina ternamente

Irônico em sofrimento

Discreto

À sombra,

Pois que ela se ronca pesadamente

Dentro do

Toco

Oco

Morto

Imenso

De abeto

Cinzento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Que se próximo ao nariz cítara marrom ergue

Que se da qual elaborar-se faz

Que se pleno

Que se plenamente se fazendo e desfazendo

                                (andante con sustenuto)

Nas diacronias involuntárias do fantasmático tempo

Entre folhagens e trevas crescendo simbólicas

Sutilmente evanescentes à santa sombra

De uma lira inexistente que toca sem cessar

A lembrar remotamente

Em momentos de adeus

Voz distante

Triste canto

Inexistente

Ao longe

Singelo

BELO

BELO

BELO.

 

 

Que amarelecida pelas pressas da milenia

E desconexões do inalterável

À sua frente

De tépida luz rósea banhada

Bela escultura de mármore iluminada

Tronco de uma mulher nua

Em que se nota

A falta de corpo

A falta de membros

E principalmente

A falta

Absoluta

Da cabeça.

 

 

 

 

 

 

Imóvel olhar sorridente

Atento à dispersa canção

Enigmática estátua muda

Puro reflexo de ser

Em obsequioso estupor.

 

Isso era o que bastava

Para que porco lúbrico

Fiel e libidinoso

Ele se entregasse

À melancólica canção

Cerebral masturbação

Inconseqüente

Incongruente

incoerente

Inquietante

Incessante

Infinda

FINDA

FINDA

FINDA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não era minha

 

 

Encontrei uma florzinha

Muitas cores ela tinha

Era bem pequenininha

Mas não era minha.

 

Almocei uma franguinha

Que virou uma galinha

Dos galos era a rainha

Mas não era minha.

 

Eu catei uma pulguinha

Que sabia dançar sambinha

Que bundinha que ela tinha

Mas não era minha.

 

Ela era cachorrinha

Sua dona uma gatinha

Que tinha uma escrivaninha

Que também não era minha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SONU DI RUÊ

 

Acordei cum vuntadi di fudê

Mas num tinha perereca preu metê

Pensei im mesmu assim mi resulvê

Pelu auto-serviço acabá u meu sufrê.

Mas intão mi deu um sonu di ruê

I eu mi intortei i mi fui mi reculhê.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RIDICULÍSTICA

 

 

 

 

                                           O ideal da arte ridícula seria reinventar,

                                           não aquela que satirize as coisas mesmas,

                                           mas que por elas reconheça e destine

                                           a sátira do próprio meio pelo qual opera.

                                           Alexeno de Óspota

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ODES AO ÓPIO

 

 

 

 

Enunciamento:

 

 

As poesias aqui apresentadas são cinco prelúdios ao nada

Que compõem as odes ao ópio.

Mas que se entenda o mencionado ópio

Não no sentido literal e vulgar do termo

Mas num sentido transcendente, burlesco e metafórico

Como homenagem a Baudelaire, o poeta hiperbólico

Ou então

Como consolo último a neoplásicos estropiados e caquéticos.

 

A seqüência começa como uma mera evocação

Passando por uma homenagem a Dionisius

Deus do prazer e da criação.

E numa abstração crescente

Revelando-se sempre mais e mais mordaz e descrente

Termina enfim numa assaz enigmática

Veneração ao nada, que tenta explicitar

O canto que uma bolha faz ao arrebentar!

Vamos então a elas:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. Evocação

 

 

Ó aurora! Aurora que já tão cedo

                             Me anuncias o teu crepúsculo.

Sim! São teus seios que derramam o leite

                             De meus receptáculos.

Ó estígmas! Frios estigmas de um desastre

                              Obscuro.

Sim! São tuas marcas que me escandem

                              Tua luminosidade.

 

Ó divina e graciosa poesia

Musa opiácea da pressão paradigmática.

Por sobre essa orgia de luminescência

Fala-me de teus mais profundos anseios

Enquanto dura a imensidão do dia

E não se rende à noite

Até que ela o extermine.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. Epístola a Dionisius

 

 

Lírica epístola

Triste canto

Etimbotúlico estribo

INSPIRADO E PIRAMBÓLICO.

 

Dos descrédulos vôos dos loucos

Da loucura dilacerada

Da loucura iluminada

Da loucura infinita

Da loucura bendita de um mercenário deus

INSPIRADO E PIRAMBOBÉLICO

Que

CATASTRÓFILO

CATASTRÓFILICAMENTE

CATASTRÓFILOSIFILITICAMENTE

CATASTRÓFILOSÓFICOSIFILITICAMENTE

(Evidente alusão a Nietzsche)

Anuncia o fim dos humanos sonhos

E o começo dos divinos.

 

Esta é a lírica epístola a Dionisius

Triste canto

Etimbotúlico estribo

INSPIRADO E PIRAMBOBÓLICO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. O mijo dos sapos

 

 

Os sapos mijam

Na madrugada cinzenta

Pobres escrementos esquecidos

No amor do pudor do sapo.

 

Duvidosamente violáceos!

Bem como arborescentes e descrentes.

 

É assim que o jardim

Acorda de seus sonhos,

Isto é:

Pelo mijo dos sapos

Na madrugada cinzenta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Ruvstoff

 

 

RUVSTOFF! Ó pássaro do amanhã!

Tremblor for mon cour.

 

(Iliadilicamente falando:

ARE YOU A THUNDER BIRD?

– No... No...

   Cou... Cou...)

 

RUVSTOFF! Ó pássaro do amanhã!

Fecha as tuas pequeninas asinhas

E repousa silencioso em teu ninho

Para que os outros pássaros não te descubram.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. Burlupt: o que uma bolha diz

 

 

Falando a um lêmure hipo-ortodoxo

Penso na tumba bumba pra penso falando.

 

BURLUPT... BURLUPT...

 

Umba Bumba Tumba Retumba pra penso falando

Assim como

Pra falando penso Retumba Tumba Bumba Umba

 

Porque

 

Se o puro delírio toma os sentidos

Se a carne freme ao impacto colinérgico

 

Então

 

Umba Bumba Tumba Retumba na falando penso

 

Porque

 

BURLUPT... BURLUPT...

 

Pra penso falando Umba Bumba Retumba

Porque pra falando penso Retumba Bumba Umba.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CANÇÕES DO LOUCO ALEGRE

 

 

                     Mental sanity is a form of imperfection.

                                        Charles Bukowski

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. Formas hipotéticas

 

 

                        Formas hipotéticas

                        Da iris dos teus olhos

 

Nada certo, nada seguro

Pois as lápides cinzentas do futuro

 

                        Formas hipotéticas prenunciam

                        Da íris dos teus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. O pato hermenêutico

 

 

“Quá-Quá” tentou grasnar o pato-prato Sadia

Mas mais não fez que grunhir o seu “Huga-Huga”

Pois não era pato nem prato nem paca ou cutia.

 

Não tem Quá-Quá.

Não tem rosto nem personalidade

O pato monárquico!

 

Pato esquálido e pálido

Embrulhado em elástico plástico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. Suggestion du Chef

 

 

Humpt-Dumpt gagejando assim falou

Assim falou gagejando Humpt-Dumpt:

PEPÊ-LELÉ-COCÔ-FEFÊS-NONÔ-GRAMÁ-DODÔ...

A fada então tomou-o ao colo e enleou-o ternamente em seus braços

E num gesto brusco atirou-o ao chão:

– Quebrou-lhe a armadura

– Explodiu-lhe o ventre

– Cegou-lhe os olhos

– Desfigurou-lhe o rosto.

 

E espalhou sobre o seu culposo manto purpúreo

Uma espécie gosmenta de manteiga

Queijo

E bacon.

Pôs ao fogo durante (aproximadamente) três minutos

Preparando para os convivas um nutritivo hommelete.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Cantata de Vogel

 

 

VOGEL

VOGEL

Libelo nascente

Perpétua bruma insurgente

Que em teu repouso de verde relva florescente

Acalentando o vaguear de pássaros

Despede-se insubmissa

Despe-se submissa

Emerge distante

E a eles se abandona...

 

 

VOGEL

VOGEL

 – Teu cérebro mastiga insólitos miriápodos

 – Frias râs coaxam por tua boca

 – Lobos ouvem por teus gélidos ouvidos

Chama que eternal se partira,

Tu me esperas sob a relva adormecida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A um lamento surdo em entrecenas doiradas

Em YAKASSULKA o espetáculo recomeça.

Teatro de insanos

Que alegres enxameiam o paraíso

Ou tristes encerram-se em seus círculos mágicos

Que saltam precipícios

Que correm alucinados

Que morrem grudados

                             – lama doirada

                                de

                                YAKASSULKA

                                YAKASSULKA.

 

 

Lá fora a voejar como mosca

Sobre a carne verde dos mortos

A água que goteja do seu mijo

De seu cérebro sendo decantada,

Lá fora a voejar como mosca

Sobre a carne verde dos mortos

PROSEMBEMBÓLICO E ROTUNDO

o homo sapiens, sapiens, sapiens.

 

 

No branco teatro de YAKASSULKA

Vogel despede-se de mim:

Vogel de Vogel-Vogel despede-se.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. The song of Bong

 

(durchvögel)

 

Culhomba, minha pomba!

Abra a porteira da tua chomba.

 

Arreganha o pom-pom

Arrebita o aprendiz

Ofegalha o impudente!

Ofegalha o impudente!

 

Degusta malaca

Catraca indolente

Engole o pus

Do meu avestruz

Ofegalha o impudente!

Ofegalha o impudente!

 

Gorgoleja hipócrita demente

O lúbrico carvalhão fremente:

 

Glu-glu de peru

Pom-pom de pavão

Glu-glu de peru

Pom-pom de pavão.

 

Nanecunda gundadgagalha

Gagalha nanecundadgunda

Abocalha abóca a bróca

Abocralha abrocanalha!

 

 

 

 

 

 

 

 

E o bobo amor

Bobalha de dor

Bobalha de amor

No louco ardor.

 

(mais rápido)

E o bobo amor

Bobalha de dor

Bobalha de amor

No louco ardor!

 

Lub-dub Lub-dub Lub-dub

 – MÉÉÉÉÉÉÉÉIIIIIIIINNNNNNNN?

Blupt-rlapt Blupt-rlapt Blupt-rlapt

– MÉÉÉÉÉÉÉÉIIIIIIIINNNNNNNN?

Bluóargh!                                  

 

BLUÓARGH!

BLUÓARGH!

BLUÓARGH!

BLUÓARGBLABLOBLUBPLAFTPUF!

 

Culhomba, minha pomba!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTARES DAS NINFAS DO RENO

 

 

 

I.             Sacerdocterum ergospasmus

    (Nibelungengesang)

 

 

Oh! Rubicocefálicos orquídeos.

Pensais que vossas moles mouras moiras mentes mórias

Preambulam prefácios de ascendência sublime?

É... É verdade sim...

Mas deixem-me, deixem-me então...

Deixem-me gemer meu despeito!

 

Oh! Rinocerontobestosauroguanodontos!

Oh majestosos senhores do mundo!

Olhos violentadores de minha impureza

Pensais que os ventos nascem de vosso sopro sublime?

E que o sol

(bola vermelha e nojentinha)

Ascende somente ao vosso chamado?

E que as estrelas

Brilham somente à luz dos vossos sonhos?

E que a miséria amarga deve espojar-se no lodo?

É... é verdade sim...

Mas deixem-me, deixem-me então...

Deixem-me gemer meu despeito!

 

Eu anão.

Eu porco sublime.

Desprezível arlequim do universo.

Verme inchado de ressentimento.

Deixem-me, deixem-me,

Deixem-me gemer meu despeito!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

II. Siegfried confia seu sonho aos pássaros

 

 

VULU-BULU, VULU-BULU, VULU-BULU...

Tirubutilhando pis voa o alegre lepidóptero

Afrontando as franjas frescas do outono em pranto,

Salve selva selvagem!

 

Grilo ordeiro

Sapo ortodôntico

Perereca levada

Iguana assanhada

Sibilam silvo estribilho:

                       – auou auou auou.

                       – uouch uouch uouch.

                       – uouá uouá uouá.

                       – pri-priu pri-priu pri-priu

                       – AUOU UOUCH UOUÁ PRIPRIU!

                          (Episteme neocartesiana

                           Cintilante clara e nua,

                           Verde esperança

                           Que cedo extenua.)

 

Tirubutilhando pis voa o incauto lepidóptero

Tirubutilhando rútilo seu delirante arroubo selvagem,

Salve selva selvagem a roncar seu revoltoso ronco!

        

(Mas Wotan não gosta disso.

Wotan veta o manifesto,

Dinossáurios adormecem no colo de Wotan,

Flores perfumam seu leito.)

 

Tirubutilhando pis voa o pálido lepidóptero

 Grasnando rouco seu arroubo rútilo:

 Salva a selva selvagem de roncar seu revoltoso ronco!

 

 

 

MALÍCIA DO ENGENHO

 

 

 

 

 

1. Evolução no planeta dos sapos

 

 

Ciclo Epidemiológico:

 

1.1  Coaxando coaxando coaxando coaxando

        Um sapo encaçapa a sapa doutro sapo

        Que encaçapada encaçapa o sapo

        Que encaçapava a sapa encaçapando os sapos.

        Assim um sapo encaçapa outro sapo que encaçapa

                             outro sapo que encaçapa outro sapo...

        Até que todos os sapos estejam encaçapados.

 

1.2  Na rútila prisão

       Os sapos coaxam então

       A implorar verde rouxinol

       Que faça amor com o sapo Rei.

 

1.3  Então,

 

1.4   Forte odor acre de suor e semem enlouquece

                                                                  os sapos,

        Que coaxando coaxando coaxando coaxando

        Quebram a caixa que os encaçapava.

 

1.5   Rei e rouxinol são mortos

 

1.6   Então,

 

1.7   Após breve trovejar do mais pomposo êxtase

 

2.1   Coaxando coaxando coaxando coaxando

        Um sapo encaçapa a sapa doutro sapo

        Que encaçapada encaçapa o sapo

        Que encaçapava a sapa encaçapando os sapos.

        Assim um sapo encaçapa outro sapo que encaçapa

                             outro sapo que encaçapa outro sapo...

        Até que todos os sapos estejam encaçapados.

 

2.2   Na rútila prisão

        Os sapos coaxam então... (repetir ad infinitum)        

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. O flagelador de si mesmo

                   

(Canção do covarde que quer vingança)

 

 

Entre bater e ser batido

Entre beber e ser bebido

Entre comer e ser comido

Melhor não ser consumido.

Entre bater e ser batido

Melhor mesmo é bater bem batido.

 

Mas se bater bem batido é bater sentido

Mas se fazer sentido é bater bem batido

Não bater bem batido é ser consumido

Não bater bem batido é ser bem batido.

 

Mas se é difícil bater bem batido

Entre bater e ser batido

Melhor mesmo é ser bem batido

Bater bem batido, bater bem sentido.

 

Entre bater em quem se bate

Entre em si mesmo se bater embate

Entre bater em quem não se bate

Bater sendo batido é bater sentido

Bater bem batido é ser bem batido.

 

Melhor se bater por não poder bater

Que ser batido sem não bater

Melhor se bater bem batido

Melhor se bater com látego sentido

Melhor se bater bem sofrido

Melhor se bater sem sentido

Melhor se bater por não poder bater

Que ser batido sem não bater.

 

(É assim que eu penso...)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. Goofy Symphony

 

 

 

I

 

penso...........não penso...........penso que não penso...........penso no penso

que não penso..........penso no penso no penso que não penso..........penso

no pensar do pensamento de que não penso...........penso deixando es cap

ar o fugidio pensar..........deixar pensar...........deixar escapar..........pensar escapar pensar pensar.............pensar que pensei isso e mesmo pensar em

tudo o que foi desde o início pensado...........pensar o penso...........pensar

o não penso..............pensar o penso que não penso..............pensar deixar escapar o fugidio pensar..........pensar o penso que pensar que pensei isso

..............pensar que pensei isso.............pensar que pensar que pensei isso ..............pensar que pensar que pensar que pensei isso.............pensar que pensar que pensar que pensar que pensei isso................e não mais pensar nisso..........e pensar em não mais pensar nisso.............e pensar que penso

que não penso que pensei isso.............e que pensei mais isso e que penso

que pensei isso e que penso que pensei no  isso e que penso no mais isso ...........pensar que penso que pensei a última coisa que pensei................e

por fim sem deixar de pensar no por fim pensar em por fim...............todo

o pensamento perdido se pensa perdido perdido e eu penso  que  penso o perdido pensar do pensamento que pensa o  pensamento  do  pensamento pensado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

II

 

penso................................penso...............penso........penso...penso..penso

ant antes do penso penso penso penso.........penso o que  penso do penso penso penso penso........penso que penso várias partes daquilo que penso

que  penso que penso penso penso penso............e  refletem-se e multipli-

cam-se infinitos pensares que são os pensares do pensamento que  penso penso penso penso.......... e penso pensar que penso em mil coisas  e  não

penso em nada pensando pensar em nada. Sei lá se penso que pensei isso

que pensei.  Sim, é sim, isso sim é que é pensar!   Alegra-me  pensar que

penso que nada pensei.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III

 

Janela janela janela janela...   parede parede parede parede...   cadeira ca-

deira cadeira cadeira...   pensolito pirolito piropenso pensofangoefungo e

fango e fungo parasita do pensopensar e olho pra cima  e  penso  no  pen-sentido sem sentido........penso no pensamento do pensentido sem sentido

.........mas deixar de pensar o pensamento tem sentido?  Penso que  penso  muito  mais do que penso pensar..................penso que cheiro a coconha e penso coca e penso em cola e bebo  e  bebo  coca-cola  fanta uva e  limão

............e sobretudo penso pensar o pensamento do pensar  o  pensamento

do pensado pensamento que pensa pensa pensa pensa........pensamento da besta que pensa pensa pensa pensa.................... .......sinfonia do pensar do pensamento da besta que pensa pensa pensa pensa ...............sinfonia meio esquisita do pensar do pensamento vazio da besta  que pensa pensa pensa pensa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IV

 

Besta sinfonia do pensar o nada pensar......................nada há a criticar no pensar da besta sinfonia do besto pensar que pensa pensar o pensamento

que pensa pensa pensa pensa...................como é triste pensar o pensar do pensamento  que  pensa  que  pensa  e  repensa   o  desolador   passar   do  pensamento  pensado  no passado................é que penso pesando pesados pedaços  pensados  de  pensares   do   pesado   pensamento   pensado   no passado...................pedaços de pensares ................ pedaços  incolores  de  pensares ......... pedaços vazios e incolores de pensares que vêm ao mundo despejar o peso do pensar..............sinfonia sinfonia besta.............sinfonia louca............. sinfonia besta e louca................sinfonia pateta besta e louca .......................besta sinfonia pateta e louca aquela do tentar pensar o nada pensar.............triste é pensar o pensamento pensado no passado................

sinfonia do pesado pensar do pensamento pensado, que desenvolve sinfo- nicamente  seu  magnífico  pensar  que pensa   pedaços pesados  pedaços  pensados   do  pensamento   repetidamente   pensado  do  pensamento  do destroçado  pensar  do  pensar  de  pensares  do  pensamento  pensado  ao

pensar o pesado pensamento pensado no passado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONTOS

 

 

 

Que a esse caos eles pertençam! E ao seu dionisíaco, telúrico telos! Há nisso um smukizugui, eu sei, mas é do tipo tomorowdown e não do tipo blacksburnian. Explicando-me melhor: não se trata do esforço de um saltimbanco hidrogenado, mas do colecionador do impressivo no viver, tanto em suas profundezas abissais quanto em suas superficialidades frugais. Ou seja, aqui e ali, a vida em seus delineamentos vários. So long! E pong!

     João das Couves

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONTO INFANTIL

 

 

 

                                                           I

 

                                                                              L’amour est un caillou                                                                Riant dans le soleil.

                                                                           Jacques Lacan

 

             

Foi uma vez, há muitos e muitos anos, nas longínquas terras do reino encantado da Gatolândia, mais distante do que a perdida Conchinchina, a fantástica Passárgada e mesmo a incrível e perfeitamente inacreditável Momolândia. Rosmildo chamava-se ele; um pobre e solitário ratinho sofredor, que de há muito vivia refugiado em sua humilde toquinha. Quase não ousava sair, pois lá fora rondava furioso o guardião da gatocracia do castelo; um enorme gato com unhas e dentes afiados chamado Gam-Gão. Terrível, ele era temido por todos os animais pequenos da redondeza.

     Mas nem só de medo vivia o ratinho. Também de respeito e consideração. E presumivelmente de amor, pois no fundo mais recôndito de sua terna alma feminina ardia o fogo de uma paixão que era só febre e delírio. E a mais evidente prova disso era que, por estranho que possa parecer, o único retrato que adornava a sua pobre alcova era uma fotografia em preto e branco que pertencera aos donos da casa, e que Rosmildo havia roubado da cesta de lixo, na calada da noite, enquanto Gamgão roncava. Nela aparecia, levantado sobre as patas traseiras e ostentando um sorriso bossal, nada mais nada menos do que o próprio gatão!

     Para afugentar a sua solidão, Mildinho cantava alto: “Bandeira branca amor, eu peço paz...” e a sua voz se perdia pelos corredores, pelas frestas, pelos esgotos, pelos espaços vazios de sua própria alma. Quando não cantava era possível que estivesse abocanhando torrões de farinha que a muito custo afanava da dispensa, ou então masturbando-se ferozmente em algum oculto cano de esgoto, ou ainda a chorar baixinho a desdita de sua absurda paixão.

     À noite, recolhido em seu leito de insônia, permanecia ele até altas horas mergulhado em suas leituras favoritas, que iam de Emily Brönte a Gustave Flaubert, passando por Baudelaire; ou mesmo a sonhar com aventuras deliciosamente degradantes, cuja inspiração ele hauria do anarquismo dionisíaco-lírico de Rimbaud, cuja Saison ele cognominava “a sonata dos lunáticos que se seviciavam mutuamente ao luar”. E embevecido dizia de si para consigo: “Je suis la Vierge Folle!”, “Je suis le naufragé de L’abisme!” – pois tratava-se de um ratinho erudito e não de uma bicha porca e analfabeta.

     Quanto ao gatão Gamgão pesadão, quando este se aproximava em sua ronda noturna, ocorria-lhe por vezes ouvir aquela cantoria que mais lhe parecia um interminável suceder de grunhidos, gemidos e guinchos, não lhe ocorrendo em nenhum momento que tudo aquilo pudesse ter a mais remota relação com a sua pessoa. É que o seu coração era insensível e vazio, não lhe permitindo desfrutar do sentido profundo, cheio de meiguice, ternura e carinho, oculto sob aquelas dóceis palavras.

     Certa noite afinal, o rato tomou uma decisão que lhe haveria de mudar o curso da existência. Pôs-se diante do espelho, olhou-se furibundo e declarou para si mesmo, alto e de bom som: “Allea jacta est: abravessarei o Rubicão ou meu nome já não é mais Rosmildão! Digam-me, seus lacaios da bu

 

 

rguesia hipócrita, pérfidos anões capitalistas, porcos facistas, míseros proletários, insignificantes servos da Gleba, abomináveis metecos, fariseus e saduceus...  todos, todos, espíritos servis! Digam-me: haverá alguma impropriedade, vergonha, mácula ou perfídia, em uma pobre alminha solitária como a minha trazer no peito, silencioso batendo calado, descompassado de amor, um coraçãozinho apaixonado?” Cumprido esse ritual de encorajamento, Mildinho, de natural um rato tímido e medroso, saiu de seu buraco com cautela, mas firmeza de decisão, correu na ponta dos pés e aproximou-se, passo a passo, sem o menor ruído, até junto a uma velha árvore de Natal próxima à lareira, sob a qual, emplachado em um tapete oriental, ressonava enroscado o gordo gatão. Foi com enorme cuidado que Mildinho levantou a orelha do gato e sussurou-lhe ternamente: “Gatão Gamgão, ó luz da minha vida, suspiro do meu coração; eu, Mimildo, sei que tu és machão!”. Gamgão arregalou o olho malvado, levantou a pata esquerda (ah se fosse a direita!) e deu um pulo em direção a Rosmildo. Teria sido mesmo o fim do rato se o gato não tivesse tropeçado desastradamente no fio do abat-jour, o que apagou a luz e facilitou a fuga de Mildinho que, coitado, só teve mesmo tempo de sumir de volta no mesmo buraquinho de onde saiu, enquanto lá fora enfurecido rosnava e rosnava o imenso gatão. Então, como que para aquietá-lo, Mildinho juntou sofregamente as mãos sobre o peito e cantou na escuridão:

 

Se il mio nome saper voi bramate

Dal mio labbro il mio nome ascoltate

Io son Rosmildo / che fido v’adoro,

Che sposo vi bramo

Che o nome vi chiamo,

Di voi sempre parlando così

Dall’aurora al tramonto de dì.

 

     Gatão Gamgão escutou tudo aquilo meio perplexo, a mente entorpecida diante do inesperado. Mas uma vez recobrado do espanto inicial, arrefeceu um sorrizo diante daquela voz sibilina. “Sopranino”, pensou. “Os antípodas se encontram. Nunca pensei que algum dia pudesse vir a admirar o canto lírico, mas sou testemunha de que mesmo aqui há um certo encanto, diria mesmo, uma certa espiritualidade. Ora: afinal também eu sou um ser gatano! E se o rato porventura fala a verdade, é possível que a partir de agora estejam findados os dias de abstinência desse velho e austero celibatário aqui.” Gamgão aproximou-se do buraco no qual se ocultara Rosmildo e, embora sempre dissesse repudiar a sensualidade impudica, licenciosa e afeminada das óperas italianas, dando preferência aos “poderosos e viris constructos melódicos da pesada orquestração wagneriana”, encheu os peitos e berrou:

 

Celeste Rosmildo, forma divina,

Mistico serto di luce e fior

Del mio pensiero, tu sei regina

Tu di mia vita sei lo splendor

Il tuo bel cieolo vorrei ridarti,

Le dolci brezze del patrio sol,

Un regal serto sul crin possarti,

Erguer-te um trono, vicino al sol.

 

 

 

 

 

                                                    II

 

                                    Oh, how this spring of love resembleth

                                    the uncertain glory of an April day;

                                    Which now shows all the beauthy of

                                                                                  the sun/

                                    And by and by a cloud takes all the

                                                                                    away.

                                                                         Shakespeare

 

 

Era uma bela manhã de sábado. O céu estava límpido e tinha o aspecto promissor de um dia de outono, no país dos gatos. Pouca gente havia na igreja. Para dizer a verdade ela estava mesmo vazia. Pois o resto da gataria decidira não comparecer, em protesto contra uma união que parecia violentar as mais primárias convenções do reino animal. E quanto aos ratos, esses também não vieram, pois temiam que tudo terminasse em um massacre. O sacerdote, um gato velho, alto, magro, de jeito compenetrado, tinha olhos pequeninos escondidos atrás dos óculos de aros grossos, bigodinho retorcido para cima e lábios finos, em cujos cantos pareciam se esboçar alguns traços contidos de sarcasmo felino. Ele justificava a sua presença lendo as escrituras, rezando, arengando cantilenas ininteligíveis, gesticulando e benzendo o casal.  Gamgão, empertigado em um terno azul marinho que ele havia alugado especialmente para a ocasião, olhava para o velho sacerdote com um jeito abstraído. Rosmildo, mais tenso, cobria-se apenas com uma grinalda de flores que sustentava um pequeno véu branco que lhe caia sobre os ombros e levava à boca um sorriso medroso, ingênuo e puro.

     Terminada a cerimônia, os dois saíram lentamente de mãos dadas, ambos ainda com um certo acanhamento, parcialmente desfeito quando, já na rua, Gamgão beijou ternamente a fronte do esposo. E assim foram os dois pelos jardins do castelo, em direção à alcova de Gamgão. Tudo eram flores. Riam sem motivo e acarinhavam-se já próximo aos pudendos. Ao subirem as escadas, Gamgão cantava alto, acompanhado por Rosmildo:

 

    – Lá ci darem la mano, / lá mi dirai di si.

       vedi, non è lontano: / partiam, ben mio, da qui.

    – Vorrei, e non vorrei... /  mi trema un poco il cor...

       Felice, è ver, sarei; ma può burlarmi ancor.

    – Vieni, mio bel diletto.

    – Io Cangerò tua sorte.

    – Presto non son piú forte, non son piú forte.

    – Andiam, andiam!

    – Andiam.

 

     “Já chega”, interrompeu Gamgão ao entrarem no quarto: “Luzes, câmeras, ação. Há coisas mais importantes a fazer. A revolução não precisa de cientistas, nem a alcova de Mozarts. E vós, meu querido amigo. Vós que me olhais com tamanho embevecimento, tamanha ternura, tamanha compreensão sempre disposta a perdoar; vós, abençoada criatura, sois mais belo e digno do meu amor do que todas as Zerlinas que possais imaginar; mais puro do que a limpidez rarefeita do céu outonal; mais suave que os outeiros selvagens, quando deslizam o fru-fru de suas folhas esbeltas acariciando levemente os rotundo plátamos”. Dito isso, ordenou ao outro que se enfiasse na cama enquanto ele iria tomar um banho, aliás, somente banho de asseio, pois afinal tratava-se de um gato.

     Mildinho desfez-se do véu que o cobria, acomodou-se desnudo sob os lençóis frios, fechou os olhos e pôs-se a sonhar com a felicidade mútua que o futuro parecia prometer. Mas mal havia começado esse devaneio e lá estava de volta o gatão, agora completamente nu, com o grosso pênis ereto pingando água, vindo com um sorrizo meio abobalhado em direção a Rosmildo. Mildinho estremeceu-se todo. Sim, mil vezes sim, era isso o que ele queria! Gamgão contemplou-o sério, retirou o lençol e mandou-o virar-se. Obediente, Mildinho ajoelhou-se de bunda pro alto, abrindo um pouco as perninhas e levantando o trêmulo rabinho. Gamgão passou levemente a pata naquela bundinha pentelhuda, abriu as nádegas molhadas, e examinou tudo por um breve momento, com um olhar circunspecto. Ao encostar o pênis naquele pequeno ânus pensou que era estreito demais. Tanto melhor: gostava de orifícios apertados. E enfiou-o todo de uma só vez.

     Mildinho gemia mais de dor do que de prazer, mesmo assim abrindo-lhe sempre mais a bunda, enquanto o outro trabalhava violentamente com a sua caralha enorme naquele pequeno cagador. Gamgão esporrou com força, miando e ganindo que nem cachorro, enquanto um pequeno filete de sangue escorria por entre as pernas de Mimildo, chegando a manchar os lençóis. Satisfeito, o gato desenrijeceu o corpo e fechou os olhos para melhor saborear aquele odor acre de sangue mesclado a fezes que se dissipava no ar. Havia algo de perversamente delicioso naquilo, que lhe lembrava chouriço e lhe enchia o estômago de cócegas. Não havia almoçado. Em silêncio, retirou cuidadosamente o pênis amolecido, lambeu aquele líquido precioso, mordiscou levemente e, para completar, cravou profundamente os dentes naquela coxinha carnuda. Mildinho lançou um grito de dor, olhando aterrorizado para o esposo. Gamgão fixou-o também, mas seus olhos estavam turvos e seu focinho inexpressivo. Lançando uma gargalhada estúpida, ele deu-lhe uma violentíssima patada na fuça, que a deixou uma posta de sangue. Não tinha mais sobre si o menor domínio. Segurou a cabeça do outro contra a cabeceira da cama, impedindo-a de se soltar, enquanto com a outra garra e os dentes dilacerava a carne do pobre animal, que a princípio se debatia inutilmente, mas logo, já condenado, estertorava.

     Gamgão comeu a maior parte, deixando apenas a carcaça, os ossos e a cabeça que, movido por um impulso atávico, levou para enterrar lá fora, como prevenção contra uma improvável necessidade futura.

     Era, como já foi dito, uma fria manhã outonal, e uma brisa purificadora parecia vir do norte. Gamgão escolheu enterrar os restos do seu esposo na colina de um bosque próximo, ao lado de uma grande pedra. Não havia em sua alma qualquer resquício de temor ou arrependimento pelo que fizera, assim como não houvera antes premeditação. Sabia que aquelas testemunhas mudas, a pedra fria, o sol que já ia alto, as plantas úmidas que ainda não se haviam de todo despojado do orvalho matinal – aquela natureza imobilizada e eterna que parecia sorrir-lhe sem memória – eram seus cúmplices. Refletiu sobre a inexorabilidade trágica do destino, por vezes irônico, por vezes cruel. Compreendeu então como era estúpido e arrogante ambicionar mais do que aquele pequenino quinhão de existência que a cada espécie animal a natureza tão sábia e gentilmente houvera doado.

     E concluiu afinal, recordando-se de um velho provérbio de sua própria autoria: “Dai aos gatos o que é dos ratos e ao gato o que é dos gatos”. Sua lua-de-mel houvera sido deveras satisfatória. Verdadeiramente completa.

 

             

                                               ‘Wie ein Hund’ sagte er, es war, als

                                                 sollte die Scham ihn überleben.

                                                                              Franz Kafka          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A CONQUISTA DO CANTABALA

 

 

I

 

   

                                                               O que não tenho e desejo                          

                                                               É o que melhor me enriquece.

                                                               Tive uns dinheiros – perdi-os...

                                                               Tive amores – esqueci-os.

                                                               Mas no maior desespero

                                                               Rezei: ganhei essa prece.

                                                               Manuel Bandeira

 

No morro do Cantabala o que vale é a lei do mais forte. Lá só quem manda é quem é bom de briga. É briga entre polícia e bandido, entre bandido e bandido. Bandido às vezes vira polícia e polícia bandido e bandido homem de bem e vice-versa. Entre os bandidos há os chefões e os seus capangas. Fora desse entrevero estão os homens de bem, os moradores da favela, que sobrevivem de algum trabalho honesto e que geralmente preferem ficar calados e colaborar para não acabarem virando comida de urubu.

     Nesse ambiente selvagem Mangarape sempre foi o bandido mais ladino, aproveitando todas as oportunidades para se assenhorar de novos territórios. As violências e temores do mundo dos celerados haviam lhe imbuido de uma mentalidade absolutista, que tornava a conquista do poder a qualquer preço e por qualquer meio o ideal inelutável de toda a sua existência.

     Bonobo era diferente. Era um bandidão, sim. Mas o seu negócio não era o poder, mas a sacanagem. O prazer de sua vida era sacanear. Por isso ninguém o suportava. Assim, quando Bonobo chegou a ser chefe de gangue ele aproveitou para sacanear Mangarape de todas as maneiras. Era só o Mangarape levantar a cabeça e lá vinha pedrada. O problema era que Bonobo não tinha limites. No final ele resolveu sacanear todo mundo, até mesmo os seus mais íntimos cupinchas, o que fez com que fosse tirado do poder na marra, sob a pecha de se tratar de um sociopata incapaz de contribuir positivamente nem mesmo para o mundo do crime. Bonobo resolveu então fazer de conta que era bonzinho...

 

 

 

 

II

 

                                        Only the gods and the geniuses have the right to lie.

                                                                                                Orson Welles

 

                                                 Só o mérito legitima a ambição.

                                João das Couves

 

Mas as coisas não ficaram assim por muito tempo. Pressionado por suas ambições perversas Mangarape conseguiu enfronhar-se nas tramas íntimas da mais porca escória dos altiplanos, chegando à conclusão de que toneladas de cocaína poderiam ser compradas das máfias boliviana e equatoriana, caso ele se tornasse o comandante-em-chefe do tráfego do Cantabala. Mas não tinha jeito. Havia policiais demais querendo reprimir o tráfego. E o pior é que o Bonobo estava ajudando os policiais. Apesar de seu desprezo por Bonobo, Mangarape percebeu que a única estratégia exequível seria mesmo a de tentar seduzi-lo. Mangarape era um bom psicólogo e um manipulador de primeira. Conhecia o ponto fraco de Bonobo: carência afetiva. Bonobo sempre achou que ninguém gostava dele, o que era verdade. Mangarape resolveu explorar essa fraqueza. Convidou Bonobo a visitá-lo. Mostrou-lhe a sua coleção de armas. Deu-lhe de presente uma bazuca alemã que pertencera ao seu avô, que havia sido oficial da SS. Juntou a isso um saco de cocaína da boa e colocou Ray Conniff pra tocar. Era a combinação perfeita. Ao ver-se tão bem tratado Bonobo decidiu retornar mais vezes. E a cada vez que retornava ele ficava mais relaxado e as conversas iam se tornando mais íntimas e aos poucos ele foi afrouxando até se tornar dócil feito uma menina, pensando ter encontrado, enfim, alguém que gostava dele, alguém que era como ele! E foi então que Mangarape aproveitou para segurar firme o Bonobo pelas costas...

     Machos são machos, ao menos em público. A obsessão pelo poder nasce de um desvio da sexualidade – da libido dominandi – como Freud percebeu. Mangarape tinha agora um capanga forte, com ajuda do qual conseguiu aliar-se aos chefes do tráfego da Bolívia e do Equador, o que lhe trouxe armas e munição, catapultando-o para a função de comandante geral do tráfego no morro do Cantabala e pondo para correr até mesmo os mais zelosos policiais.

     A morte de Caraminguelas, um policial particularmente teimoso, que não percebeu que estava mais do que na hora de se escafeder, ficou registrada nos anais do Cantabala como tendo sido particularmente atroz. Junto a dois capangas, Bonobo o pegou quando ele estava almoçando com a família. Bonobo caiu em cima dele e o matou com dezenas de punhaladas, obsessivamente desfechadas em todo o corpo, enquanto seus familiares eram obrigados a assistir. Dizem que no final Bonobo estava exausto e tão ensanguentado quanto a vítima, mesmo assim tendo sido necessário retirá-lo à força de cima dela.

     Bonobo gostou do novo papel. Ele poderia ter, enfim, a importância que ninguém lhe havia dado antes, sendo tratado de igual para igual pelos mais poderosos traficantes da Bolívia e do Equador. E o mais importante é que a favela ficou ao seu dispor para ele poder sacanear todo mundo, o quanto quisesse.

     Claro que tudo isso se tornou um problema para Mangarape. Como controlar Bonobo? Como suportar Bonobo? Como saciar Bonobo?! Como, dentro da anarquia instituída, reprimir possíveis rebeliões dos oponentes e mesmo dos correligionários, que passaram a se sentir logrados pela pérfida aliança com Bonobo? Como subornar os novos policiais, que serão inevitavelmente enviados para substituir os que foram expulsos? A vida não é fácil para Mangarape e nem mesmo para Bonobo. Ser bandido dá trabalho.

 

 

                                        It is not madness, but consciousness,

                   which changes the world.

                                                    The Fixer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                           MEU AMIGO ALCEU E EU

 

 

 

                                        Para saber qual é a do rato você tem de

                                        transar com ele.

                                        Alceu Valença

 

 

Já era noite. Eu estava na cozinha fritando um ovo quando bateu à porta o meu amigo Alceu. Ao entrar ele me olhou com um olhar preocupado e foi logo dizendo que precisava da minha ajuda para matar um rato que lhe andava perturbando o juízo e não lhe deixava mais dormir sossegado.

    Disse-lhe para não se preocupar, pois tenho medo de animais maiores, mas não de um simples roedor qualquer. Subi a escada até o oitavo andar do velho edifício onde morava, entrando no apartamento do Alceu, que é logo acima do meu. Alceu pegou uma vassoura para si e deu um pequeno rodo para mim, dizendo que era para dar com ele na cabeça do rato, caso o avistasse. Fomos até a dispensa, pois ele me disse que o rato deveria estar ali e que ali mesmo é que seria posto um fim na vida do desgraçado. Buscamos lá e em todos os cantos e nada de encontrar o infeliz.

     Fomos então para a varanda. Quando me recostei na murada, ele apontou para fora, um pouco acima do peitoril, e disse nervoso: “Olha, olha que rato, olha!” Eu olhei para fora e, é claro, não vi nada. Foi então que levei uma vassourada na cabeça seguida de um violento pontapé no traseiro, o que me fez perder o equilíbrio e despencar lá de cima. Foi ao cair, um segundo antes de espatifar-me no solo, que eu entendi tudo. Era eu o rato que perturbava a vida do meu amigo Alceu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SONHOS:

 

 

1. O príncipe Bernhard tinha um castelo onde habitava só. O castelo era cercado por uma floresta de pinheiros que tinha a forma de um triângulo obtuso. Bernhard tinha hábitos estranhos. Só comia peixe defumado. Mas depois decidiu mudar o cardápio para frango assado podre. Ele mandava enterrar os frangos a dois metros de profundidade, onde eram deixados por muitos meses até apodrecerem ou mumificarem. Depois eram desenterrados e assados no fogo. O príncipe adorava essa receita exótica e não parava de engordar. Era masoquista. Decidiu então comer-se a si mesmo. Começou comendo as pernas. Ele mesmo as cortava com uma serra coletando o sangue dentro de um balde para poder beber cada gota que escorria. Os servos tratavam de fechar as feridas com pontos. Depois de cada operação trancava-se por um mês em seu dormitório. Mandou fazerem o mesmo com os braços. Tendo comido as pernas e os braços faltou comer o resto. A grande barriga de Bernhard foi fatiada pelos servos, que com a gordura lhe preparavam torresmos que ele considerou divinamente apetitosos. Era-lhe impossível comer seu aparelho digestivo, sua boca, seus órgãos vitais. Mas ainda pôde comer as suas orelhas e seus olhos, os últimos cuidadosamente retirados pelos servos. Quis então cometer um ato que lhe seria fatal. Decidiu comer o seu próprio cérebro. Os obedientes servos lhe serraram o crâneo. Ficou exposta a massa branca e gelatinosa do córtex. Os servos tiraram uma primeira colherada. O sangue escorreu. Enfiaram-lhe na boca. Os dentes trincaram sobre a colher. Não conseguiram mais retirá-la. O príncipe estava morto.

 

 

2. O já velho doutor Rosemberg chamou aos prantos o hospital. Sua esposa acabara de se suicidar. Veio a ambulância, veio a polícia. Estranho suicídio esse, com um tiro na nuca. Mais tarde o Sr. Rosemberg foi visitado por um famoso detetive chamado Sherlock Holmes, que estava certo de lhe poder arrancar a verdade. Sr. Rosemberg sempre driblava as perguntas de Holmes. A esposa era muito orgulhosa para dar um tiro na testa ou na boca, admitindo suicídio. Preferiu na nuca, sentada em sua poltrona. Estava farta da vida e não queria admitir; tentava despistar o fato dando festas a noite inteira. De tanto discutirem, Rosemberg e Holmes ficaram amigos. Longas conversas aos pés da lareira. Um dia Rosemberg convidou Holmes para jantar aspargos ao molho holandês, prato demasiado intenso para um inglês de hábitos sóbrios como Holmes, acostumado a comer torradas com chá. Na saída Rosemberg acompanhou-o junto ao portão. Foi aí que começaram a se desentender. Consciente de que nada conseguia de seu anfitrião, Holmes apelou para a sinceridade secreta: “Confesse que você a matou, ao menos em nome de nossa amizade”, gemeu ele quase em desespero. “Sim”, respondeu Rosemberg. “Eu poderia tê-la matado; mas não o faria, pois isso poderia me forçar a confessar esse ato iníquo a um detetive idiota como você!” Holmes perdeu a compostura e deu o primeiro soco. Os dois começaram a brigar fisicamente junto à amurada. Pareciam dois arbustos verdes que se moviam de um lado para outro como que levados por um vento forte. Depois passaram de verdes a arroxeados, parecendo criar tendões como se fossem dois grandes polvos que se entrelaçavam em uma luta inglória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Posfácio (2011)

 

 

Estes experimentos juvenis de mérito discutível foram compostos no final da década de 1970. Eles pertencem a assim chamada literatura noir, cujos expoentes máximos foram escritores como François Villon, Baudelaire, Rimbaud, Céline, Henry Miller e Bukowski. Ela foi parte significativa da literatura e também da pintura e da música de vanguarda do século XX.

     Como arte do feio e do grotesco, a literatura noir se faz possível porque, pela tematização estética da negatividade, é capaz de promover contrastivamente a eventual abertura para um melhor entendimento da condição humana na incomensurável amplitude e multiplicidade de suas dimensões. Ela ambiciona realizar esse intento de um modo essencialmente crítico, o que a distancia do ideal de equilíbrio dos grandes clássicos, exemplificado talvez de forma insuperável pela obra de um dramaturgo como Shakespeare. Mas essa arte, que refletia uma visão ainda equilibrada do homem em sua integridade, só foi possível do interior da cosmovisão organizada que o renascimento herdou da cultura cristã, em uma Londres cosmopolita que florescia no epicentro de um império emergente.

     Nós, que vivemos nossas vidas em um mundo humano fragmentado por arregimentações e compartimentações, um mundo que há muito deixou de existir como um todo único, não tivemos tal sorte. Talvez por isso a literatura noir, que está muito longe de ser a mais comum, se tenha tornado tão significativa. Falta-lhe tanto a moldura para as respostas prontas como oráculos a recorrer. Assim, ao invés de propor direções que rapidamente se desgastam em truísmos, ao invés de retrair-se à condição de arte menor, ela coloca-nos frente a frente com as degradações denunciadoras dos embustes ocultos no mundo apolíneo fabricador da consciência feliz.

 

 


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