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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O IMPIRISMO INGLÊS: BACON E HOBBES (draft)

  DRAFT 1 de livro introdutório

 

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O EMPIRISMO INGLÊS

 

Assim como no continente os filósofos foram influenciados pelas matemáticas, produzindo sistemas especulativos racionalistas, os filósofos ingleses foram influenciados pelos desenvolvimentos das ciências empíricas como a física newtoniana, desenvolvendo sistemas empiristas de pensamento. O primeiro grande defensor do empirismo foi Sir Francis Bacon (1561-1626) foi um exemplo. Ele pode ser considerado o primeiro especialista em filósofia da ciência. Bacon desdenhava o método dedutivo da silogística aristotélica, pondo em seu lugar o método indutivo próprio das ciências empíricas. Para ele, a ciência empírica deve se desenvolver pela continua adição e seleção de observações em busca de invariantes e suas causas. Ele valorizava não tanto a indução enumerativa, que apenas probabiliza uma generalização científica, mas principalmente a indução excludente, uma vez que esta é capaz de falsear decisivamente uma generalização.

   Essa última ideia foi retomada e desenvolvida no século XX pelo grande filósofo da ciência que foi Karl Popper (1902-1994). Para este último, a característica fundamental da ciência é que ela possa ser sujeita à refutação por meio de testes empíricos. Uma hipótese resultante de indução enumerativa nunca é garantida. Um exemplo é a generalização “Todos os cisnes são brancos”, que era considerada certa pelos europeus antes que eles descobrissem a Austrália. Afinal, todos os cisnes já enumerados eram brancos. Mas na Austrália eles descobriram a existência de cisnes negros, o que refutou uma generalização antes dada como certa.

   Para ganharmos certeza da verdade de uma generalização científica precisaremos verificar todas as suas instâncias, o que costuma ser praticamente impossível. Como Popper notou, mesmo que alcancemos a verdade última e absoluta, não poderemos saber que realmente a alcançamos. Mas o mesmo não acontece quando apelamos para o falseamento, pois basta uma instância contrária ao que foi previsto pela hipótese para que ela seja falseada. O exemplo predileto de Popper foi a prova da teoria da relatividade generalizada realizada em 1919 por Eddington e outros físicos. Segundo a teoria newtoniana, a gravidade seria uma força agindo sobre objetos que possuem massa (a lei é “FG = g(M1 . M2)/d2”, onde M1 e M2 são as massas dos corpos). Como a luz não possui massa (rest mass), ela não seria atraída pela gravidade. Mas segundo a teoria da relatividade, a gravidade não é mais uma força agindo à distância, mas uma curvatura do espaço-tempo próximo aos corpos massivos (muito resumidamente, a lei é “G = (8pg/c2) . T”, sendo G a medida da curvatura). Como consequência, as próprias ondas de luz precisam seguir uma trajetória curva em conformidade com a curvatura espaço-temporal. Daí que, em um eclipse solar, quando as estrelas que se encontram próxima e por detrás do sol podem ser vistas, elas parecerão ao observador situado na terra aparentemente mais distantes do sol pelo fato de seus raios de luz se curvarem para dentro ao passarem próximos do sol. No eclipse solar de 1919 essa assim chamada deflexão da luz foi comprovada por meio de fotografias. Esse foi um teste crucial para a teoria, que a tornou mundialmente famosa. Se nenhuma deflexão fosse encontrada a teoria da relatividade generalizada teria sido demonstrada falsa. Assim, podemos não saber se a teoria de Einstein é absolutamente verdadeira, ou mesmo se ela vale para todo o universo, mas sabemos que ela se demonstrou suficientemente confiável para resistir a um teste de falseamento crucial.

   A ideia de que a possibilidade de falseamento estabelece um limite entre ciência e não-ciência foi explorada por Popper e vale em boa medida para a física. Mas ela não vale para muitas outras ciências, como a teoria da evolução, a história, a linguística, a economia… ciências nas quais a produção de experimentos falseadores pode se demonstrar impossível. Além disso, por toda sua vida Popper defendeu a ideia absurda de que a indução não existe. Para ele as novas teorias científicas devem ser baseadas somente no método hipotético-dedutivo e nossas hipóteses devem se resumir a produtos da imaginação e criatividade humanas. Podemos aceitar algo similar para a ciência avançada de nossa época, mas com isso esquecemos que em suas bases ela só pode ter sido construída sobre o sustentáculo de uma infinidade de inferências indutivas enumerativas. Encontrando-se em um momento inicial do desenvolvimento das ciências empíricas, Bacon era perfeitamente immune ao radicalismo anti-indutivista de Popper.

   Um outro filósofo que ajudou a preparar o caminho para Locke foi Thomas Hobbes (1588-1679). Hobbes viveu em tempos de grande convulsão social. A Europa Continental foi devastada pela Guerra dos Trinta Anos, que durou de 1618 a 1648 e produziu mais de quatro milhões de mortes. Por esse tempo aconteceu na Inglaterra aconteceu uma guerra civil com duração de seis anos, terminando com a decapitação do rei Charles I em 1649. Ela foi seguida da ditadura de Oliver Cromwell, eleito pelo parlamento, que acabou só com o coroamento de um novo rei, Charles II.

   Hobbes não viveu para assistir a revolução gloriosa de 1688, pela qual Mary destronaria o pai, que teve de se exilar na França, tornando-se rainha junto a seu esposo, William of Orange, ambos cedendo o poder ao parlamento e aceitando se tornarem figuras decorativas, uma solução que dura até os dias de hoje. Ter testemunhado tempos tão sombrios foi certamente a maior razão do pessimism de Hobbes. Ele foi livado a pensar que só governo com poderes absolutos seria capaz de manter a ordem em uma sociedade, prevenindo a anarquia. Locke, que viveu a revolução gloriosa, moderou as ideias de Hobbes na forma de um liberalismo político.

   Como filósofo teórico Hobbes não criou um sistema original, mas atualizou o materialismo naturalista com base nas emergência das novas ciências. Ele viajou pela Europa, foi amigo de Bacon, conheceu Galileu e Gassendi, um discípulo de Descartes, tendo sido influenciado pelos escritos desse último. Vou expor algumas ideias

   Para Hobbes quando o conceito do predicado está contido no conceito do sujeito nós temos um enunciado necessário. Por exemplo: “Triângulos tem três lados”. Mas quando o conceito do predicado não está contido no conceito do sujeito, temos um enunciado contingente. Por exemplo: “O carvão tem cor preta”. Como não é parte da definição de carvão que ele seja preto, o conceito do predicado não está contido no sujeito e o enunciado é contingente. Kant tomou de empréstimo essa ideia em sua definição de juízos analíticos e sintéticos.

   Hobbes esposava um mecanicismo materialista e um determinismo universal. Mesmo a substância deveria ser material. Como determinista, ele via o livre arbítrio como mera ausência de limitação ou coerção externa. Assim, o escravo liberto, o rio que rompeu a barragem e agora corre livremente, a pessoa que atingiu a maioridade e agora pode fazer o que quiser, todos são livres porque não tem mais impedimento e não porque deixaram de ser causalmente determinados. Com isso ele rompeu com o libertarismo sustentado por filósofos atomistas como Epicuro e Lucrécio, além dos filósofos católicos da Idade Media, segundo os quais ao decidir livremente precisamos ser capazes de transcender o determinismo causal presente no mundo físico. Para Hobbes, o livre arbítrio é perfeitamente compatível com o determinismo causal, tendo um sentido meramente negativo, que acontece quando o leque de alternativas razoáveis de decisão à nossa disposição é diminuido por limitação ou contrangimento externos.

   Ele entendia as sensações como movimentos no cérebro e a percepção do mundo pelos dados sensíveis como resultado de uma tendência natural da mente de projetar para fora o que lhe é dado na independência da vontade. A imaginação é resultado da combinação de imagens já experienciadas. Assim, imaginamos um centauro combinando a figura de um homem com a de um cavalo. E a memória é uma imagem conjugada à consciência de que ela foi anteriormente percebida. Acusaram Hobbes de ateísta, mas injustamente. Para ele Deus é também material, mas é “o mais puro, simples e invisível espírito corpóreo”.

   Acusaram Hobbes de ateu, mas injustamente. Hobbes foi educado por um pastor calvinista depois da perda dos pais e era uma pessoa de fé religiosa. Ele acreditava ser Deus também constituido de matéria. Ele seria “o mais puro, simples e invisível espírito corpóreo.

   Sobre o problema dos universais, Hobbes defendeu o nominalismo já expresso pelo terceiro nome a originar o empirismo inglês, que foi William Ockam (1285-1347). Segundo o nominalismo, o que existe são apenas indivíduos referidos pelos sujeitos gramaticais que os nomeiam. Entidades abstratas como as platônicas, referidas por termos gerais nominalizados como ‘o bem’, ‘a justiça’, ‘o conhecimento’, não podem existir. Um nominalista radical como Roscelin chegou a dizer que uma predicação, algo como ‘…é bom’, ‘é justo’, nada mais seria do que um sopro de voz (flatus vocis). Ockam defendeu uma posição chamada de terminista. Em um primeiro momento ele defendeu que os termos gerais como ‘oo bem’ expressam conceitos abstrados, logo universais (a que foi retomado por Locke). Mas em um momento posterior ele radicalisou seu terminismo: os termos gerais ou predicados estão na verdade se referindo a uma porção de objetos individuais, nada mais havendo além disso. É essa espécie de nominalismo que é aceita por Hobbes. Para ele o termo geral não passa de um nome individual que se aplica a todo um grupo indiscriminadamente.

   O importante em Hobbes é a sua filosofia social e política. O contraste maior foi com Rousseau, que idealizava o ser humano natural como um “nobre selvagem”: bom por natureza e tornado mau pela sociedade. Para Hobbes era o contrário. Para ele o ser humano é egoísta por natureza. Mesmo quando faz algo de bom, ele o faz por egoísmo. Se faz caridade é para demonstrar seu poder. Se sente Piedade é por temer um desastre similar consigo mesmo. Se busca o poder é para desfrutar da glória de dominar outras pessoas… “A vida”, escreveu ele, “é um perpétuo desejo de poder sobre poder, que só cessa com a morte”. Para Hobbes, só a sociedade pode educar o egoísmo humano, tornando-o um ser civilizado. Não é de se admirar que, com uma concepção tão pessimista da natureza humana, ele tenha sido levado a conclusões um tanto insólitas. (Não parece que Hobbes tenha sido uma pessoa adorável.)

   Nos dias de hoje há boas razões para se rejeitar tanto a tese de Rousseau quanto a de Hobbes. Como já fiz notar, antes de postular a implausível pulsão de morte, Freud distinguiu duas espécies de pulsões ou instintos: os instintos de sobrevivência do indivíduo e os instintos de sobrevivência da espécie. Os primeiros são, de fato, egoístas. Mas os instintos de sobrevivência da espécie não podem ser em si mesmo egoístas. Por exemplo: pais por vezes se sacrificam pelos filhos a ponto de pagarem com isso a própria vida. Isso é altruísmo puro e simples, derivado de instintos que visam, mais do que a sobrevivência deles mesmos, a sobrevivência da espécie. Ambos, egoísmo e altruísmo, são intrínsecos à natureza humana.

   Mais além, a natureza humana é variada e assim também a medida de egoísmo e altruísmo na medida em que dela depende. Psicólogos que estudaram psicopatias desenvolveram o Psychopath Checklist, uma sucessão de testes confiáveis e sofisticados para diagnosticá-la, usado inicialmente em presídios nos Estados Unidos e no Canadá. Embora menos de 1% sejam psicopatas graves, é fácil identificá-los, pois acabam realizando homicídios ou se tornando serial killers, de modo que quando pegos são levados à prisão. Mas há os psicopatas leves, que constituem 3-4% da população. Eles sentem prazer em fazer o mal, conquanto não sejam descobertos. Se o escore de um lado identifica psicopatas é porque deve existir o extremo oposto, digamos, o dos “anjos”, pessoas naturalmente altruístas e inclinadas para o bem. Provavelmente ambos os tipos (com exceção dos extremos) podem ser úteis à sociedade. Os mais próximos do extremo da psicopatia, quando duramente educados, podem se tornar bons líderes (vide o caso do general George Paton, que ajudou as forças aliadas a vencerem a Segunda Grande Guerra). Já os mais próximos do extremo da bondade também podem se demonstrar úteis (vide Martin Luther King).

   Junto aos fatores genéticos temos igualmente os fatores ambientais a modelar o comportamento. O cão preso a uma corrente se torna agressivo, o cão tratado com mimos se torna dócil e confiante. O mesmo com os seres humanos. Os rigores da educação espartana produziam homens desmedidamente propensos à agressão. E os homens das civilizações pré-cristãs eram capazes de feitos de coragem e brutalidade impensáveis para os homens contemporâneos. A educação e a cultura são, pois, fatores tão fundamentais quanto os genéticos no balanço entre o comportamento egoísta e altruísta dos seres humanos. Essas simples considerações desfazem tanto o mito do altruísmo quanto a do egoísmo inato ao ser humano. Considerando a media, as pessoas não nascem nem boas nem más. Mas o meio (educação, sociedade) é capaz de modelá-las tanto para o bem quanto para o mal.

   Voltemos por um momento a Hobbes. Para ele, dada a natureza egoísta do ser humano, e dada a inevitável escassez de recursos, os homens estão sempre competindo entre si. O resultado inevitável é a guerra, a luta de todos contra todos, pois só a morte de uns tornará possível a sobrevivência de outros: “homo homini lupus”. Por isso para |Hobbes, a condição natural da humanidade é a da guerra! E o destino do ser humano em sua condição natural é o de ter uma vida “solitária, pobre, suja, bruta e curta”.

   No que concerne ao egoísmo inato ele estava errado. Mas no que concerne à escassez de recursos, somos forçados a dar-lhe razão, dado que na história da espécie humana a guerra e a violência sempre foram uma constante, e a principal causa parece ser a conjunção do aumento da população com a escassez de recursos.

   Há claras razões sócio-biológicas para isso, amparadas pela teoria darwiniana da evolução natural. As espécies tendem a se reproduzir sempre mais do que seus meios de subsistência o permitem, sendo o limite geralmente imposto pelas outras espécies concorrentes dentro do ecosistema. Considere o caso dos guanacos na Patagônia. Existem ainda muitos milhares desses simpáticos herbívoros, que tendem a se reproduzir como coelhos. Entre seus predadores naturais, o maior deles é o puma. Esses predadores limitam o número de guanacos. Os condores, por sua vez, se alimentam das carcaças dos guanacos mortos. Com a limitação do número de guanacos, o capim dos desertos da Patagônia pode crescer outra vez. Um ecosistema funciona através de limitações mútuas de espécies em evolução.

   Afora isso, os guanacos são territorialistas, reunindo-se em grupos de fêmeas liderados por um macho que é o responsável pela segurança do grupo e por manter o seu território. Nada de muito diferente é o que tem acontecido com os grupamentos humanos em toda sua história

   Não é agradável ver o que se sucede com nossos parentes chimpanzés[1]. Eles vivem em bandos que lutam entre si para conservar ou aumentar seus territórios. Nessas lutas eles se matam e canibalizam uns aos outros. São, como se diria, um tanto hobbesianos. Os machos adultos por vezes matam e comem os filhotes das fêmeas, e há mesmo relatos de chimpanzés que se tornaram serial killers.

   A condição humana por muito tempo não foi diferente, tendo sido explicada pela filosofia do humanitismo de Quincas Borba, personagem do romance homônimo de Machado de Assis, em sua explicação do mote “ao vencido, ódio e compaixão, ao vencedor as batatas”:

 

Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

 

Entre os humanos, historicamente, também foi sempre assim. Os nossos índios guerreavam entre si e, frequentemente, se canibalizavam na competição territorial por alimentos. Foi assim na antiguidade e para se ver a diferença entre os modos educados do homem contemporâneo e a inacreditável violência, coragem e resiliência físicas do homem antigo, basta ler historiadores antigos. Leia-se, por exemplo, a seguinte passage de Plutarco:

 

Ao subir num barco inimigo Acilio teve a mão direita arrancada por um golpe de espada. Ele não largou o escudo que segurava na mão esquerda, acertando os inimigos na cara, pondo todos em fuga e tomando o barco. (…) Cipião havia tomado um barco romano escravizando todos os passageiros, mas ofereceu poupar a vida do feitor Questor. Este declarou que os soldados de César não tinham o costume de receber o perdão, mas de concedê-lo, matando-se com um golpe de espada.[2]

 

Hoje, ao menos nas partes mais civilizadas do globo, o comportamento humano é muito mais brando e cortês. Mas esse verniz de civilização não é mérito nosso. Como notou George Orwell, foi o desenvolvimento da ciência e da técnica que tornou a vida humana muito mais fácil e em muitos casos acabou com a escassez de recursos, principalmente a de alimentos. Contudo, se ocorresse algo como uma guerra atômica nós perderíamos rapidamente nossos valores humanos. No filme The day After, que retrata uma guerra nuclear entre as grandes potências, pessoas aparecem, ao final, na escuridão das cinzas, já existem portado armas, prontas para se defender e apossar-se dos bens das outras.

   É interessante notar que nosso civilização pós-industrial está transformando esse modelo de violência física no interior da espécie. Como começa a existir alimentos e condições suficientes de sobrevivência para uma vida Digna para todos os habitantes de países como a finlândia, o ser humano está cada vez menos interesado em se reproduzir e cada vez mais interessado em viver uma vida mais longa e saudável. A competição intraespecífica deixa de ser por alimentos e bens primários para se tornar uma competição do pensamento, uma competição pelo avanço da ciência e pelo domínio de novas tecnologias entre os países.

   Voltemos mais uma vez a Hobbes. Para ele a única maneira de evitar a guerra de todos contra todos seria cedermos o poder a uma autoridade absoluta. Para ele, um governo precisa ser formado através de um pacto (covenant), que é um contrato pelo qual os indivíduos transferem os seus direitos naturais (de fazerem o que quiserem para sobreviver, inclusive matarem seus semelhantes…) para um poder soberano em troca de paz e segurança.

   Esse pacto é sustentado por certas leis da natureza (divinas, morais): os indivíduos sentem que têm (i) a obrigação de buscarem a paz, sempre que possível, (ii) que devem dispor de seus direitos naturais sempre que os outros também o fazem, (iii) que devem manter o pacto se os outros também o fazem. Essas leis asseguram o mantenimento do pacto. E os direitos naturais de realização dos interesses individuais justificam, em última análise, a existência do pacto.

   O pacto cria uma sociedade civil através da qual são estabelecidas leis que nos dizem quais são as ações humanas justas ou injustas. E através dele são garantidos os direitos individuais dos cidadãos, que se tornam livres, na medida em que tal liberdade não transgride a liberdade alheia.

   Ainda que o soberano esteja acima das leis, e ainda que seus poderes de vida e morte sobre os cidadãos sejam absolutos, uma vez que foi agraciado pela soberania ele tem o dever de não decepcionar aqueles que lhe cederam tais direitos. Fica claro que se o soberano agir de modo a tornar a vida das pessoas insuportável, elas terão pleno direito de destitui-lo do poder. E a razão disso é que se foi o desejo de auto-preservação que fez com que as pessoas realizassem o pacto, se o soberano não souber zelar pela auto-preservação as pessoas terão pleno direito de dissolverem o pacto.

   É para ser notado que geralmente, quando a espécie de pacto sugerida por Hobbes é feita, sem que reste controle algum por parte das pessoas que deram ao soberado poder de vida e morte sobre elas, o resultado fica na dependência das circunstâncias e humores do soberano, que pode facilmente degenerar-se em um tirano que pelo seu poder absolute escraviza seu povo sem que ele possa fazer qualquer  coisa para impedi-lo. (Hoje em dia essa escravização se dá por meio de censura e ideologia: as pessoas perdem sua Liberdade mesmo sem terem consciência disso.) Hobbes não tinha qualquer remédio para esse tipo de problema.

   A favor de Hobbes é para ser notado que embora preferisse que o poder soberano fosse exercido por um monarca com poderes absolutos, ele admitia que esse poder pudesse ser exercido por um corpo ou uma assembléia de pessoas. Ele teria aceito (creio que com alguma relutância) o modelo de parlamentarista resultante da revolução gloriosa, se tivesse vivido o suficiente para vê-lo surgir. Mas como filósofo ele foi refém de seu tempo.

 



[1] Através de uma estimativa errônea se acreditava que eles compartilhavam 98% dos genes humanos. Hoje se acredita que são apenas cerca de 70%.

[2] Plutarco: Vidas Paralelas: Alexandre e Cesar. P. 127. (LPM Pocket, 2005, Porto Alegre.