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terça-feira, 30 de setembro de 2025

FILOSOFIA NA JAULA DE FERRO (artigo)

Draft avançado do capítulo final do livro "Introdução histórica à filosofia". 

 

 

XX

A FILOSOFIA NA JAULA DE FERRO

 

A necessidade da filosofia só pode nascer em épocas de crise, quando o poder de unificação desaparece da vida dos homens, e as oposições, perdendo a sua viva semelhança e reação recíproca, se tornam independentes.

Hegel

 

 

Como vai a filosofia hoje? Será ela um empreendimento saudável, vibrante, que se aproxima gradualmente de resultados consensuais consistentes, como foi sugerido que poderia ocorrer com suas áreas centrais no primeiro capítulo deste livro?

   Infelizmente, minha resposta só pode ser um sonoro “não”. A filosofia no século XXI encontra-se em má forma. Se entendermos por filosofia desenvolvimentos intelectuais disruptivos – como todos os que foram discutidos ao longo desse livro –, é forçoso concluir que a situação atual é crítica, evocando mais a do início da Alta Idade Média que o alvorecer do século XX.

   Não estou sozinho nessa avaliação. Susan Haack foi uma das poucas figuras acadêmicas que ousaram tocar nesse ponto sensível. Segundo ela, a filosofia atual vive um verdadeiro “desastre intelectual”.[1] Essa opinião é corroborada por Jenny Teichman, que ironicamente sugeriu que o escolasticismo acadêmico de nossos tempos acabará por nos levar a discutir quantos filósofos são capazes de dançar sobre a ponta de uma agulha.[2]

   Antes que eu seja mal interpretado, é importante esclarecer o que não se enquadra nessa crítica. Refiro-me exclusivamente aos desenvolvimentos disruptivos, revolucionários, transformadores; aqueles mais propriamente merecedores da venerável palavra ‘Filosofia’. Não estou me referindo a trabalhos especializados como, digamos, a lógica do grounding, junto a suas interessantes aplicações,[3] nem a desenvolvimentos pontuais,[4] nem a estudos interpretativos[5] ou mesmo reconstrutivos, como a releitura do hilomorfismo aristotélico proposta por Kathrin Koslicki.[6]

   A Stanford Encyclopedia of Philosophy é, obviamente, uma fonte indispensável para se compreender o que o sistema acadêmico atual tem podido visualizar como sendo mais relevante nas discussões filosóficas. No entanto, quando voltamos nosso olhar para os desenvolvimentos verdadeiramente disruptivos, os únicos nomes que me ocorrem ainda pertencem à segunda metade do século XX: ‘Jürgen Habermas’, ‘Saul Kripke’ e ‘John Searle’, entre alguns outros.

   Os vícios que afetam a filosofia do século XXI têm sido agrupados sob as rubricas de escolasticismo, cientismo, hiperespecialização e fragmentação. A análise desses traços revela as razões pelas quais a filosofia atual parece estar presa a um impasse que dificulta avanços disruptivos. Para compreender esse cenário, é necessário começar pelas causas imediatas desses fenômenos.

   O primeiro deles, o escolasticismo, foi caracterizado por D. W. Hamlyn como fruto da cultura dos artigos e livros. Em vez de debates presenciais e dinâmicos — como ocorria, por exemplo, na Cambridge do início do século XX — as discussões filosóficas hoje se desenrolam de forma mais lenta, mediadas por textos e réplicas igualmente escritas.[7] Embora esse argumento perca força na era da Internet, onde o diálogo pode ser instantâneo, o escolasticismo permanece como uma realidade incontornável.

    O cientismo é o problema fundamental.[8] . Ele decorre do desenvolvimento exponencial da ciência e da tecnologia que caracteriza nossa época. A cultura atual tende a substituir a reverência aos deuses pela reverência aos átomos. Assim como já se disse que a filosofia francesa foi corrompida pela literatura, pode-se afirmar que a filosofia anglófila — hoje quase hegemônica — foi corrompida pela ciência.

   Essa corrupção, denominada cientismo, manifesta-se tanto externamente quanto internamente. No plano externo, ela se relaciona às universidades, que se tornaram praticamente o único lugar de abrigo para filósofos. Como observou Susan Haack, as universidades modernas são cada vez mais geridas por CEOs, que priorizam produtividade e exigem que todos estejam engajados em pesquisa. O paradoxo é evidente: onde todos devem ser filósofos, ninguém pode realmente sê-lo.

   Para ascender na hierarquia acadêmica, é preciso publicar, de preferência nas revistas mais prestigiadas, sob a supervisão de revisores especializados, atentos às últimas tendências filosóficas, segundo o imperativo do publish or perish. Uma tal competição selvagem pode até ser eficaz em certos campos da ciência aplicada, mas revela-se contraproducente na filosofia. Ela inviabiliza a formação de uma cultura ampla e diversificada, além de sufocar o lento amadurecimento das ideias — condição essencial para um trabalho filosófico relevante. Sob pressão social e diante de uma concorrência crescente, os pesquisadores acadêmicos passaram a encarnar a metáfora de Max Weber de um mundo burocratizado onde indivíduos se tornam pequenas peças de uma imensa engrenagem, possuindo como única ambição se tornarem peças um pouco maiores. Essa lógica foi intensificada pela expansão da Internet no século XXI. O número de artigos acadêmicos cresceu de forma tão vertiginosa que sua avaliação e influência passaram a depender mais da reputação das instituições e periódicos que os publicam do que de seus méritos intrínsecos. Nesse cenário, a “habilidade computacional” do operário acadêmico substitui a amplitude e profundidade do pensamento, já que apenas a primeira admite formas de mensuração cada vez mais técnicas e mecânicas. Vale lembrar que Einstein aprendeu física com uma lentidão exasperante — só comparável à sua inabalável paixão intelectual.[9]

   Afora isso, o autor de um trabalho filosófico deve alinhar seus objetivos às metas visualizadas por editores vez mais inexpressivos, o que desestimula ideias verdadeiramente inovadoras, pois estas terão mais dificuldades para atravessar o cerco dos burocratas de plantão. Haack acrescentou a isso sintomas de corrupção intelectual como o carreirismo e o compadrio, somados a “incentivos perversos” como, em filosofia, a doação de bolsas e premiações dentro de um escopo inevitavelmente restrito e previsível.[10] É fácil entender que desse angu não sairá caroço.

   É nesse ambiente filosoficamente insalubre que o cientismo filosófico revela seu poder de sedução. Do ponto de vista externo, embora tecnicamente exigente, ele não impõe grandes exigências filosóficas — o que contribui para atrair um número significativamente maior de pesquisadores. O especialista precisa apenas dominar um nicho específico de discussão, onde possa respirar com relativa segurança, munido de alguns dispositivos metodológicos emprestados de alguma ciência particular. Em outras palavras, o filósofo-especialista está dispensado de adquirir uma cultura geral, de estudar a história da filosofia e, por vezes, até mesmo de conhecer a história recente do próprio nicho em que atua.

   O cientismo pode ser entendido de um ponto de vista interno, como uma imitação do procedimento da ciência pelo recurso a desenvolvimentos científicos aplicados indebitamente a um domínio de investigação filosófica.[11] Isso se manifesta, por exemplo, no recurso a formalismos problemáticos, como a tentativa de resolver o problema dos universais por meio de sua redução a conjuntos de propriedades localizáveis.[12] Também observamos isso na apropriação de ideias oriundas da ciência empírica, como filósofos que, baseados nos experimentos de Benjamin Libet mostrando que em situações de laboratório o potencial de prontidão ocorre antes da decisão de agir, defenderam que o livre-arbítrio não existe, ignorando reflexões filosóficas muito mais amplas e complexas sobre o tema.[13]

   É compreensível que as reações cientificistas conduzam à fragmentação do domínio investigativo. Acerca disso, Haack divisou um problema mais profundo, subjacente aos demais, que ela chamou de especialização precoce. O mecanismo é o seguinte: partindo de fundamentos não garantidos, embora integrantes de uma sabedoria herdada, teoristas elaboram alguma “hipótese curiosa”, à primeira vista implausível. Qualquer observador externo não especializado dirá que a hipótese curiosa não levará a lugar algum. Mas isso pouco importa. Uma vez abraçada pelos membros da seita, ela possibilita a todos sustentarem discussões, garantir bolsas de pesquisa e gerar publicações por um certo número de anos. Eventualmente, escreve ela, o tédio se instala e os participantes abandonam o problema, procurando outra hipótese curiosa com a qual possam reiniciar o jogo.[14] A situação torna-se ainda mais preocupante quando essas hipóteses curiosas se subdividem indefinidamente, sem qualquer limite à vista.[15] Nesse cenário, o que se vê não é uma evolução conceitual sustentada por fundamentos sólidos, mas uma sucessão de hipóteses curiosas que, embora sofisticadas em aparência, carecem de estabilidade epistemológica.

   Haack contrapõe a esse cenário a especialização genuína, que emerge de um campo científico bem fundamentado. Nesse caso a especialização é produtiva, uma vez que se encontra bem fundamentada, permitindo desenvolvimentos internos seguros. Já a hiperespecialização filosófica, construída sobre bases hipotéticas instáveis e incertas, exige um rigoroso trabalho de questionamento da sabedoria herdada, o que nunca é feito. Haack também observou que quando se trata dos diferentes grupos de teóricos que trabalham na mesma problemática, cada grupo se orientando segundo suas próprias hipóteses curiosas, esses grupos evitam discutir entre si. Isso não deveria surpreender: afinal, não se pode tentar avaliar uma improbabilidade através de outra.

   Tomando como exemplo as teorias da referência na filosofia da linguagem, observamos aqui também uma multiplicação de abordagens: há quem defenda teorias metalinguísticas, outros optam pelo predicativismo, pelas semânticas bidimensionais, pelo referencialismo, pela teoria dos arquivos mentais e mesmo pelos neodescritivismos... Todos esses modismos teóricos fragmentadores dependem da formação do que Haack ironicamente chamou de “panelinhas, nichos, cartéis e feudos”[16]. Tais agrupamentos, no entanto, revelam-se mal orientados se considerarmos a possibilidade da construção de uma teoria da referência realmente abrangente, que revolucione os fundamentos externalistas-causais (capitaneados por Saul Kripke) ou, mais raramente, que revolucione os fundamentos internalistas-descritivistas (capitaneados por John Searle[17]) que cada grupo sustenta de forma dogmática.

   O exemplo que escolhi acima é o das discussões entre os teóricos da referência na filosofia da linguagem contemporânea. Tais disputas poderiam ser resolvidas de forma definitiva caso dispuséssemos de uma teoria da referência abrangente, capaz de solapar os fundamentos que cada grupo aceita de maneira dogmática. No entanto, empreender uma iniciativa com essa amplitude seria embarcar numa aventura difícil, perigosa e prolongada – uma empreitada de caráter potencialmente destrutivo, que inevitavelmente se chocaria com os interesses estabelecidos. Por isso, é improvável que alguém inserido no meio acadêmico se atreva a realizá-la em plena consciência. Paradoxalmente, é justamente esse tipo de aventura que parece capaz de viabilizar um verdadeiro progresso filosófico.[18]

Cientificismo, hiperespecialização e fragmentação estão interligados. São sintomas de uma mesma síndrome reducionista, responsável pela multiplicação de becos sem saída filosóficos. Esses impasses se multiplicam porque seus fundamentos — tênues e vacilantes — jamais são questionados, sendo assumidos dogmaticamente. Como resultado, tornam-se obstáculos à formulação de soluções reais, suficientemente complexas e sistemáticas para os problemas que se propõem a enfrentar.

   Haack não escreveu sobre o que eu chamaria de filosofia popular — isto é, “popular” no interior dos povoados acadêmicos. Filósofos oriundos de fora do sistema anglo-americano resistem à tentação da fragmentação cientificista. É o caso, por exemplo, de Slavoj Žižek, Markus Gabriel e Quentin Meillassoux. Žižek, influenciado por Hegel, Marx e Jacques Lacan, promove uma crítica social imaginativa e importante. No entanto, sua abordagem teórica torna-se “lacaniana” no sentido de permanecer enredada em imbróglios conceituais expressivos, sem conseguir superá-los. Como já se observou, ele é suficientemente inteligente para formular boas críticas, mas não o bastante para construir uma teoria consistente. Markus Gabriel, por sua vez, recorre a uma vasta gama de textos históricos e contemporâneos que remasteriza de modo a produzir “pseudo-thaumas” — efeitos de maravilhamento — em um público juvenil, mais impressionável do que exigente. Meillassoux, por fim, elabora fantasias intelectuais elegantes, que no fundo continuam a tradição pós-modernista. Suas complicadas provocações são tão superficiais quanto um pires, diversamente da originalidade profunda de Hume, filósofo no qual a escora. A originalidade só é verdadeiramente explosiva quando combinada com relevância.

   A única alternativa para salvar a filosofia de sua atual indigência reside na renovação consciente dos pressupostos sobre os quais ela tem se apoiado. Contudo, essa renovação não parece viável a partir de dentro dos mecanismos que a mercantilizam, sobretudo em um ambiente cultural dominado pela racionalidade instrumental.

 

1

 

Existe uma saída para essas atribulações? Também aqui Haack apontou para o caminho certo, tomando como modelo o gênio filosófico de C. S. Peirce. O que está faltando é uma filosofia mais propriamente abrangente, o que também equivale a dizer, mais profunda. Trata-se de seguir o conselho que Wittgenstein deu a si próprio em um de seus diários: “Não se envolva em problemas parciais, mas sempre alce voo para onde há visão livre do todo o grande único problema, mesmo se essa visão ainda não é clara.”[19] Como ele famosamente notou em suas Investigações, precisamos buscar abrangência através de representações panorâmicas ou sinópticas (übersichtliche Darstellungen) de nossa gramática conceitual.[20] Ernst Tugendhat, em sintonia com essa perspectiva, definiu a filosofia como a investigação das estruturas conceituais centrais responsáveis por nossa compreensão do mundo.[21] Nada muito distante das questões do tipo “O que é X?” que já havíamos encontrado nos diálogos socráticos.

  À abrangência, Haack acrescentou um elemento heurístico por ela chamado de “busca por aproximações sucessivas”[22] a partir de uma vaga e abrangente concepção inicial. Podemos comparar esse procedimento com a arte de pintar: começa-se com a concepção como um todo, uma vaga exibição de formas, cores, luzes e sombras... Gradualmente as formas são delineadas com mais precisão, erros são detectados e corrigidos, detalhes e tonalidades são adicionados e aquilo que a princípio parecia borrões incompreensíveis acaba sendo transformado em imagens claras, convincentes e verdadeiramente belas. Podem ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra de Habermas, por exemplo, me parece comparável a uma série de grandes painéis com alguns momentos de grande densidade, como o de sua pragmática universal.

À ideia de abrangência, Haack acrescenta um elemento heurístico que ela denomina “busca por aproximações sucessivas”, partindo de uma concepção inicial vaga e ampla. Esse procedimento pode ser comparado à arte de pintar: começa-se com uma visão geral — uma exibição difusa de formas, cores, luzes e sombras. Aos poucos, as formas vão sendo delineadas com maior precisão, os erros são identificados e corrigidos, detalhes e nuances são adicionados, e aquilo que inicialmente parecia apenas borrões incompreensíveis transforma-se em imagens claras, convincentes e verdadeiramente belas. Podem ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra de Habermas, por exemplo, me parece comparável a uma série de grandes painéis, com momentos de notável densidade — como o de sua teoria da pragmática universal.

   Para justificar esse método, Haack recorreu à noção de consiliência, já apresentada no primeiro capítulo deste livro. A consiliência é um pressuposto heurístico indispensável ao progresso da ciência, segundo o qual o mundo possui unidade e, por isso, as ideias científicas verdadeiras devem se complementar, reforçando-se mutuamente por sua relação com a verdade. A originalidade de Haack reside em aplicar essa noção às teorias filosóficas. Se bem me lembro, foi Wittgenstein quem captou essa interdependência por meio de uma hipérbole: a dificuldade da filosofia consiste no fato de que, para resolver um problema filosófico, é preciso resolver todos os outros. De fato, à medida que diferentes subáreas da filosofia se entrelaçam, as teorias nelas desenvolvidas devem ser capazes de se fortalecer mutuamente em sua pretensão de verdade. Isso implica que o filósofo deve possuir sólida formação científica, humanista e filosófica. A ciência pode ser convocada para auxiliar em certos casos, mas não para dirigir a reflexão filosófica. A adoção da consiliência, nesse contexto, exige um procedimento por aproximações sucessivas, no qual os diversos campos do saber se tornam gradualmente mais coerentes entre si de modo a compor um grande painel.

   É evidente que não podemos abordar as questões hoje da mesma maneira que Kant ou Hegel. Tampouco é possível fazê-lo sem uma reconsideração profunda das contribuições dos filósofos tradicionais e de alguns pensadores contemporâneos. No entanto, parece perfeitamente viável enfrentar esse desafio ainda hoje, desde que nos apoiemos em fundamentos culturais e científicos significativamente mais amplos, dentro dos mais estritos e rigorosos espaços de investigação disponíveis.[23]

 

2

 

Com as observações feitas até aqui, procurei considerar as causas imediatas das dificuldades enfrentadas pela filosofia contemporânea. No entanto, há também fatores mais remotos e complexos que merecem atenção. A seguir, faço uma tentativa de lançar alguma luz sobre essa questão — ainda que, confesso, talvez não consiga mais do que entreter o leitor com um pot-pourri imperfeito de ideias extraídas de fontes bastante diversas. Espero, ao menos, oferecer algo informativo.

   Há, primeiramente, um fenômeno sociocultural profundo e pervasivo no curso do desenvolvimento da civilização, que Max Weber chamou de Entzauberung der Welt: o desencantamento do mundo.[24] Ainda que Weber tenha se concentrado no exame de processos sociais advindos da reforma protestante e do desenvolvimento das economias capitalistas, sua origem foi bem mais remota. No início do processo civilizatório o mundo que nos rodeia era visto como algo vivo, capaz de possuir entendimento e paixão e de responder aos apelos humanos. Como complemento, as práticas culturais que presidiam as comunidades humanas eram elas próprias organicamente construídas com base nas interações sociais do assim chamado mundo da vida (Lebenswelt) – o mundo do agir quotidiano. Mesmo após a emergência do monoteísmo judaico-cristão, quando as comunidades eram administradas em associação com lideranças religiosas, quando ainda existiam santos e milagres, e uma vida humana profundamente regulada pela religião, o mundo era ainda repleto de magia.

Contudo, especialmente com o avanço da economia capitalista no final do século XIX e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que a sustentaram, instaurou-se uma ruptura muito mais profunda com a visão religiosa anteriormente dominante. Ainda que as religiões continuem exercendo influência, hoje elas muito mais acompanham do que presidem a vida humana. O que se observa é uma substituição gradual — e atualmente acelerada — do mundo animista por um mundo cada vez mais secular, cada vez mais “mundanizado”. O progresso científico e técnico contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da magia e da força institucional do universo místico. No plano da organização social, essa transformação foi impulsionada por processos que Max Weber denominou de racionalização (em que tudo deve ser esclarecido, calculado e controlado), burocratização (quando os processos sociais passam a ser regidos por regras, números e critérios de eficiência, em detrimento da tradição) e secularização (que desloca a religião para o âmbito da crença privada).

   Esses processos tornam a produção de bens significativamente mais eficaz, mas frequentemente se estabelecem a custo do que ele chamou de ação valorativa. Sob tais condições, a alienação torna-se inevitável: o indivíduo perde sua autonomia, transformando-se em uma pequena peça de um mecanismo que desconhece, ao mesmo tempo em que se desvincula do enraizamento construído naturalmente no mundo da vida.   

   Hoje, quando a ciência e a técnica conquistam cada vez mais a vida humana, vivemos sob a égide dessa forma intensificada de desencantamento. Como procurou sumarizar Jürgen Habermas: a patologia do mundo contemporâneo consiste na “colonização do mundo da vida pelo sistema”, entendendo-se por sistema as instituições de poder econômico e político.[25] Uma razão para ser assim é que os sistemas são “autopoiéticos” no sentido de que, uma vez estabelecidos, eles se organizam e desenvolvem de modo autônomo, sobretudo quando deixados à revelia de um controle social suficientemente crítico, capaz de garantir que continuem servindo aos interesses da sociedade que os criou. Mas isso não é tudo.

   Weber introduziu o conceito de desencantamento sob a influência de Nietzsche, o que nos remete à questão do niilismo. Uma consequência da perda do papel fundacional da crença religiosa na sociedade pode bem ser o niilismo, entendido como a dissolução dos valores morais e o esvaziamento de sentidos compartilhados. Esse vazio pode ceder lugar a ideologias simplificadoras, como seitas místicas degeneradas ou sistemas totalitários, exemplificados pelo comunismo soviético em sua versão estalinista e pelo nazifascismo. Trata-se nos dois últimos casos de patologias sociais profundamente perturbadoras, que sob outros nomes ainda hoje nos assediam.[26]

   Embora Weber reconhecesse a inestimável importância dos processos de racionalização, burocratização e secularização para o aprimoramento do desempenho social, ele também foi um crítico enérgico de suas limitações e dos riscos de produzirem efeitos colaterais, cultural e socialmente patológicos. É emblemática, nesse sentido, a célebre metáfora da “jaula de ferro”, utilizada por Weber para ilustrar a perda da autenticidade da vida interior em um mundo progressivamente desumanizado pela racionalização, pela burocracia e pela secularização indiscriminadas:.

 

Ninguém sabe quem irá viver nessa jaula no futuro, ou se no final desse tremendo desenvolvimento profetas inteiramente novos surgirão, ou se haverá um grande renascimento de velhas ideias e ideais, ou, se nada disso, apenas petrificação mecanizada, adornada por uma espécie convulsiva de autoimportância. Para o “último homem” desse desenvolvimento cultural poder-se-á dizer com amarga precisão: “Especialista sem espírito, sensualista sem coração; essa nulidade imagina que conquistou um nível de humanidade nunca antes alcançado”.[27]

 

O sistema econômico-institucional orientado para os fins (Zwecksorientiert) dissolve os modos míticos de apreensão e domínio da realidade, organicamente gestados no interior de formas de vida sociais pretéritas. Em seu lugar instauraram-se instituições burocráticas que modelam ideologicamente os interesses dos seres humanos de forma empobrecedora e alienadora.

    Na contemporaneidade, esse sistema revela-se ainda mais proeminente ao ser marcado pelo metacapitalismo, definido como uma configuração em que grandes corporações não apenas suprimem a livre concorrência, mas também exercem influência direta sobre o Estado. Os efeitos são manifestamente alienadores: os indivíduos passam a operar como pequenas peças cuja única ambição é a de se tornarem peças maiores no interior de um imenso maquinismo dentro do qual, sem perceber, trilham um caminho que, segundo Weber, só poderá conduzi-los à “noite polar da mais gélida escuridão”[28]. Esse diagnóstico só não é mais pessimista porque, como notei, ele acreditava que a mesma sociedade que forja as jaulas de ferro também carrega em si o potencial de reabri-las.

   Convém notar que os processos de burocratização, racionalização e secularização engendram um outro elemento ideológico indispensável ao esclarecimento da problemática aqui abordada: o fenômeno de massificação da cultura frequentemente denominado indústria cultural. A alta cultura do passado já não atende aos propósitos ideológicos da sociedade tecnológica na qual vivemos, cada vez mais intoxicada por hedonismo materialista. A cultura de massa suspende o elemento reflexivo e possivelmente conflitante que emerge sempre que se confronta uma vida dominada pela ação voltada à consecução de fins materiais com a ação valorativa. Isso implica no rebaixamento do potencial crítico da arte e da religião, que devem ser tornadas banais o suficiente para paralisar qualquer potencial de formação de conteúdos críticos perturbadores da organização social. Tal dinâmica manifesta-se, por exemplo, na regressão da qualidade do gosto musical, um fenômeno que Theodor Adorno denominou “regressão da audição”, e na simplificação popularizadora dos rituais religiosos. A ideia é que, nos dias atuais, o ser humano encontra-se tão profundamente mergulhado na cultura de massa produzida pela assim chamada indústria cultural, que se tornou inteiramente incapaz de se perceber do grau de sua própria alienação. Mais do que isso, junto com a burocratização, a indústria cultural tem se infiltrado profundamente na própria instituição universitária, um impacto que se manifesta de forma evidente na prática filosófica. A universidade, cada vez mais orientada pelo imperativo do progresso científico-tecnológico, passou a restringir o florescimento da filosofia enquanto expressão de uma cultura superior, reflexiva e crítica.

   A questão que importa é a seguinte. Por que a sociedade, que tem o poder de questionar e neutralizar o processo de burocratização quando ele se revela distorsivo e massificador da cultura, ainda não o fez? Como Jürgen Habermas demonstrou, através do discurso dialógico (Diskurs) é possível instaurar situações ideais de fala nas quais a atividade voltada para os fins é reavaliada sem coerções internas ou externas, com acesso irrestrito à informação e mediante interlocutores heuristicamente e eticamente comprometidos.[29]

   Parte da resposta, creio, pode ser encontrada em Freud.[30] Para ele o ser humano é por natureza inimigo da cultura. A civilização – incluindo-se nela a alta cultura, da qual a filosofia estudada nesse livro é expressão, representa uma arma de dois gumes: se de um lado facilita a vida, de outro demanda repressão pulsional, oprimindo o indivíduo. Na modernidade europeia (de Descartes a Kant) havia espaço para a alta cultura na música, na literatura e na filosofia, justamente em função mesmo das exigências restritivas impostas pela civilização. Tensões semelhantes podem ser observadas no Renascimento e na Grécia Antiga. Note-se, por exemplo, que na época de Bach, uma cidade alemã como Leipzig, com 30 mil habitantes, tinha quatro ou cinco locais de concerto. E a Königsberg de Kant tinha cerca de 65 mil habitantes — número equivalente ao da cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte. A Revolução Industrial parece ter reduzido significativamente a pressão repressiva necessária à sustentação da alta cultura — fenômeno já denunciado por Nietzsche. E o mundo tecnológico contemporâneo permite um alívio dessa pressão, compatível com um modus vivendi que torna as pessoas escravas do trabalho e do prazer material. Essa seria, sob o ponto de vista freudiano, a razão profunda da rejeição que a alta cultura tem hoje sofrido. Bach, Goethe e Leibniz parecem ter se tornado supérfluos. Sob a ótica freudiana, essa seria a razão profunda da rejeição que a alta cultura vem sofrendo: o ser humano não parece precisar mais dela. Bach, Goethe e Leibniz tornaram-se, ao que parece, supérfluos.

   Muitos argumentarão que a explicação freudiana, embora contenha elementos de verdade, é insuficiente, pois o fenômeno em questão reflete as distorções geradas pela superestrutura ideológica do sistema capitalista. Filósofos influenciados por Marx — como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse — atribuíram ao capitalismo pós-industrial a responsabilidade pela alienação cultural do homem contemporâneo, vítima daquilo que denominaram “indústria cultural”.

   Herbert Marcuse, ao tentar combinar Freud com Marx, introduziu o conceito de dessublimação repressiva[31]: necessidades e desejos só podem ser satisfeitos se não forem capazes de ameaçar estruturas sociais e econômicas vigentes. Nesse contexto, a superestrutura ideológica do capitalismo avançado fomenta uma forma de filistinismo cultural que torna os indivíduos mais úteis à produção tecnológica e ao consumo de seus produtos, num ciclo vicioso de trabalho e consumo que, se deixado à revelia, torna-se destrutivo. A negligência em relação à natureza é um exemplo emblemático desse processo. A prática filosófica tampouco escapa às vicissitudes impostas pela dessublimação repressiva. Historicamente ela tem servido – e continua a servir – à superestrutura ideológica, apesar dos esforços críticos de gente como Marx, Nietzsche e Wittgenstein.

   Podemos agora examinar algumas maneiras pelas quais os atuais mecanismos de racionalização burocrática e o sistema socioeconômico são capazes de militar contra o que de melhor pode ser feito em filosofia.

   Considere primeiro, por razões comparativas, o modo como a filosofia foi feita nos tempos de Locke e Hume, na Grã-Bretanha, ou nos tempos de Kant e Hegel, na Alemanha. Ela sempre foi, da parte do filósofo, o resultado de um longo, persistente e imenso “trabalho sobre si mesmo... sobre o próprio modo de ver as coisas”, para usar as palavras de Wittgenstein.[32] Naqueles tempos, a filosofia era honrada por uma nobreza erudita e por uma classe letrada que valorizava a alta cultura em uma sociedade que era (para o bem e para o mal) extremamente estratificada e elitista. Foi assim até a primeira metade do século XX.

   Algum grau de esclarecimento pode ser alcançado quando comparamos a situação atual com momentos de revivescência cultural do passado. A verdadeira inovação — seja cultural ou científica — é, por natureza, subversiva. Ela exige um redimensionamento profundo e inevitável dos valores estabelecidos. Por isso, a alta cultura só floresce em terrenos marcados por grandes conflitos, capazes de catalisar rupturas e forçar o desenvolvimento de novas formas de assimilação. É nesse contexto que se torna pertinente recordar a citação de Hegel mencionada no início deste capítulo.

   Foi um tal cenário o que se desenhou na primeira metade do século XX. Era imenso o sentimento de tensão e insegurança nos relatos de quem viveu essa época. As velhas instituições, como a monarquia, encontravam-se em ruínas, e os conflitos sociais acumulados culminariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Reinava uma profunda incerteza quanto ao rumo a seguir. Desse caos, alimentado por uma desconfiança generalizada em relação aos valores, ideias e instituições tradicionais, emergiu uma renovação cultural de proporções comparáveis às do Renascimento. Nesse período, surgiram artistas de linguagem profundamente disruptiva, como Picasso e Dalí na pintura, James Joyce na literatura, Igor Stravinsky e Béla Bartók na música. Na filosofia, destacaram-se pensadores de originalidade radical como Wittgenstein e Russell (que resgataram Frege) além de Edmund Husserl e Martin Heidegger, além do revolucionário analista da cultura e da psicologia profunda que foi Sigmund Freud. Paralelamente a isso veio a grande revolução da física moderna, com a criação da teoria da relatividade por Einstein e o aparecimento da teoria quântica através do esforço conjunto de alguns físicos excepcionais. Esse ímpeto transformador perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo voltou à normalidade. A filosofia foi então progressivamente absorvida por um cada vez mais amplo sistema universitário. Nesse novo ambiente, o solo fértil para inovações disruptivas foi aos poucos cedendo espaço a uma filosofia institucionalizada, que, embora muito produtiva, operava cada vez mais em ponto menor. Não surpreende que os dois mais significativos filósofos alemães da segunda metade do século XX, Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat, tenham nascido ainda na primeira metade do século XX. Não surpreende, portanto, que os dois mais influentes filósofos alemães da segunda metade do século XX — Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat — tenham nascido ainda na primeira metade do século.

   Uma última questão é saber se a academia ainda é capaz de selecionar pessoas genuinamente vocacionadas. Parece-me cada vez menos. A filosofia, assim como a matemática ou a música, demanda alguma espécie de vocação, além de um ambiente propício ao seu florescimento, onde rigor e liberdade possam coexistir.

   Após ter estudado o pensamento de Tomás de Aquino, Anthony Kenny distinguiu uma característica comum à vocação filosófica:

 

A filosofia é tão abrangente em seu assunto, tão vasta em seu campo de operação, que alcançar uma visão filosófica sistemática do conhecimento humano é uma tarefa tão árdua que só o gênio pode fazê-la. Tão imensa é a filosofia que apenas uma mente totalmente excepcional pode ver as consequências até mesmo do mais simples argumento ou conclusão filosófica. Para todos nós que não somos gênios, a única maneira de lidar com a filosofia é alcançando a mente algum grande filósofo do passado.[33]

 

Embora a expressão como ‘gênio filosófico’ seja facilmente envolvida por uma aura de mistificação, ela pode ser aqui entendida como o uso reflexivo e contínuo de um talento que une rigor lógico a uma sensibilidade quase artística, tendo mais a ver com uma integração das faculdades do que com alguma habilidade isolada. O esforço consiste sobretudo em um trabalho ruminante, mesmo quando inaparente, que é o de selecionar entre muitas ideias ruins aquelas que são boas em suas articulações com o domínio mais amplo do saber. Trata-se de um processo longo, independente e geralmente inconsciente.[34]

   Essa foi uma característica distintiva de todos os filósofos discutidos nesse livro, o que exigia um ambiente minimamente fértil para seu desenvolvimento. Tal ambiente, contudo, parece ausente na atual paisagem acadêmica, dominada por uma hiperespecialização cientificista, reducionista e fragmentadora do domínio especulativo resultante de um ethos perverso imposto por uma sociedade culturalmente decadente.

 



[1] Susan Haack: “The Fragmentation of Philosophy, The Road to Reintegration,” in Reintegrating Philosophy. Ed. J. F. Göhner, Eva-Maria Junger (Springer Verlag, 2016), p. 5.

[2] Jenny Teichmann: “Don’t be Cruel or Reasonable”, in Polemical Papers (Ashgate 1997), p. 134. Cf. também Harry Frankfurt, On Bullshit (Princeton University Press, 2005). Segundo Frankfurt, o "bullshiteiro" difere do mentiroso. Enquanto o mentiroso conhece a verdade e deliberadamente a oculta, o bullshiteiro é alguém que produz construções intelectuais sem qualquer compromisso com a verdade. Esse fenômeno decorre do fato de que, no mundo contemporâneo, há um número crescente de pessoas que possuem cultura, mas que não têm nada de relevante a dizer.

[3] Fabrice Correa, Logic of Grounding (Cambridge University Press, 2025).

[4] Maurin, A-S. “Infinite Regress – Virtue or Vice?” In Philosophical Papers: Hommage à Wlodek, 2007.

[5] Christopher Shields, Aristotle (Routledge, 2013)

[6] Katrin Koslicki, Form, Matter, Substance (Oxford University Press, 2018).

[7] D. W. Hamlyn: Uma história da filosofia ocidental (Zahar, 1990), p. 398. O original foi publicado em 1987.

[8] O cientismo foi denunciado nos artigos de Susan Haack, mas antes dela por P. F. Strawson, e antes dele por Wittgenstein, segundo o qual “Filósofos veem constantemente os métodos da ciência diante dos olhos e são irresistivelmente tentados a perguntar e a responder do modo como a ciência o faz. Essa tendência é a fonte real da metafísica e deixa o filósofo na completa escuridão” The Blue and the Brown Books (Basil Blackwell, 1958), p. 18.

[9] Isso não acontece só na filosofia. Há muitos anos li um sociólogo inglês, D. G. MacRae, queixar-se de que não é mais possível produzir um Max Weber, uma vez que não dispomos mais do tempo e da liberdade quase ilimitada na aquisição de conhecimento que eram dadas aos professores da universidade alemã do início do século XX.

[10] “Scientistic philosophy, No; scientific philosophy, Yes.” In Philosophical Investigations, vol. 15, 2021, pp. 4-35, 26.

[11] Como notaram Kevin Mulligan, Peter Simons e Barry Smith sobre o formalismo excessivo, “Uma tradição filosófica que sofre de horror mundi sob forma endêmica está condenada à futilidade”. “What is Wrong with Contemporary Philosophy?” Topoi 25, 63-67, 2006.

[12] Keith Campbell., Abstract Particulars. Oxford: Blackwell, 1990

[13] Harris, S., Free Will. Free Press, 2012.

 

[14] Susan Haack, “The Fragmentation of Philosophy, The Road to Reintegration,” p. 24.

[15] Cf. Scott Soames. Philosophical Analysis in the Twentieth Century (Princeton University Press 2003) vol. II, Epílogo. Opostamente a Haack, Soames viu essa multiplicação de subespecializações de forma positiva como a marca da filosofia atual.

[16] Susan Haack, “Scientistic philosophy, No; scientific philosophy, Yes”, p. 24.

[17] John Searle, “Proper Names”, Mind 1958.

[18] Digo isso por experiência própria, uma vez que me considero a inesperada exceção como autor do livro How do Proper Names Really Work? (De Gruyter, 2023), que solapa a sabedoria herdada ao propor uma abrangente que confronta diretamente a fragmentação teórica que, tanto quanto sei, continua a alimentar as teorias da referência.

[19] Personal notebooks, 1931.

[20] Wittgenstein, Philosophische Untersuchungen (Blackwell 2009), I, sec. 122.

[21] Ernst Tugendhat, „Die Philosophie unter dem Sprachanalytischen Sicht“, in Philosophische Aufätze 1967-1990 (Suhrkamp 1991).

[22] Susan Haack, “Scientistic Philosophy, No; Scientific Philosophy, Yes”, p. 30.

[23] Na presente introdução procurei demonstrar essa possibilidade ao explorar algumas relações entre as filosofias da tradição e entre elas e a filosofia e ciência contemporâneas. Um exemplo: a ponte lançada entre a ontologia platônico-aristotélica (caps. II e III), a crítica nietzschiana da filosofia cristã (cap. XVI) e a metafísica naturalista de Donald Williams (cap. XIX).

[24] Ver Max Weber: „Wissenschaft als Beruf“. Trad. port. “Ciência como vocação“, in Ensaios de sociologia (Rio de Janeiro: LTC 1982), pp. 97-107.

[25] Jürgen Habermas. „Entgegnung.“ In A. Honnett, Joas H. (1986) Kommunikatives Handeln (Suhrkamp, 1986), pp. 327-417.

[26] Note-se, por exemplo, que não temos sequer uma ciência da moralidade capaz de substituir suficientemente a moral teológica, apesar de mais de dois milênios de reflexão filosófica sobre o tema. Essa lacuna permite o surgimento de seitas como as do reencantamento místico e do pós-modernismo. Ambos oferecem respostas a uma demanda por fundamentos éticos mais sólidos e universalizáveis.que são insuficientes para suprir.

[27] Max Weber: Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (1905). Trad. port. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. in coleção Os Pensadores n. 37 (Abril Cultural, 1974) p. 236.

[28] Max Weber. Political Writings. Ed. Peter Lassman (Cambridge University Press 1994), xvi.

[29] Cf. Jürgen Habermas: “Was heisst Universalpragmatik?” In Karl-Otto Apel, Sprachpragmatik und Philosophie (Suhrkamp 1982).

[30] Sigmund Freud: Das Unbehagen in der Kultur. Trad. port. O mal-estar na civilização (Imago 1997).

[31] One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Societies (Beacon Press 1964), cap, 3.

[32] Wittgenstein, Culture and Value (Oxford: Blackwell 1996), p. 18.

[33] Anthony Kenny, Aquinas on Mind (Routledge 1994), p. 9.

[34]  Friedrich Nietzsche apresentou insights importantes sobre essas questões em Humano, demasiado humano, sec. IV.



Artigo para publicação. Escolhi tornar a exposição mais "soft", o que não creio ser o mais correto.


 

A FILOSOFIA NA JAULA DE FERRO

A necessidade da filosofia só pode nascer em épocas de crise, quando o poder de unificação desaparece da vida dos homens, e as oposições, perdendo a sua viva semelhança e reação recíproca, se tornam independentes.

Hegel

 

Resumo:

Este artigo propõe uma explicação para a falta de inovações disruptivas na filosofia contemporânea como consequência da racionalização e da burocratização dos sistemas acadêmicos responsáveis pela produção e avaliação da reflexão filosófica. Tais sistemas adotam critérios de avaliação oriundos da pesquisa científica, os quais, embora eficazes em seus domínios específicos, costumam revelar-se inadequados à natureza da investigação filosófica, conduzem à fragmentação cientificista e hiperespecialização da pesquisa filosófica, comprometendo sua capacidade de gerar rupturas conceituais significativas e de dialogar com questões fundamentais de forma ampla e integrada.

Summary

This article aims to examine the lack of disruptive innovations in contemporary philosophy as a consequence of the accelerated rationalization and bureaucratization of academic systems governing the production and evaluation of philosophical inquiry. These systems tend to adopt evaluative criteria derived from scientific research paradigms, which, while methodologically rigorous, have limited value if applied to philosophical reflection. As a result, they tend to foster a scientistic, fragmented approach to philosophical research, thereby constraining its potential for conceptual breakthroughs and broader intellectual engagement.

Palavras Chave:

Metafilosofia, filosofia crítica, cientismo, fragmentação, Susan Haack.

Key-Words

Metaphilosophy, critical philosophy, scientism, fragmentation, Susan Haack.

 

Se entendermos filosofia como a produção de desenvolvimentos intelectuais disruptivos, como queremos considerar aqui, parece claro que a filosofia atual se encontra em má forma.

   Essa avaliação não é isolada. Susan Haack figura entre os poucos acadêmicos que ousaram abordar esse ponto sensível. Em sua opinião, a filosofia contemporânea atravessa um verdadeiro “desastre intelectual” (2016: p. 5). Essa perspectiva é reforçada por Jenny Teichman, que, em tom irônico, sugeriu que o escolasticismo acadêmico dos nossos tempos acabará por nos conduzir a debates tão estéreis quanto a questão de saber quantos filósofos seriam capazes de sentar sobre a ponta de uma agulha (1997: p. 134).

   Antes de sermos mal interpretados, é importante esclarecer aquilo que não se enquadra nessa crítica. Referimo-nos aqui apenas aos desenvolvimentos disruptivos, revolucionários, transformadores; aqueles que ainda ocorriam em um passado não muito distante. Não estamos nos referindo a trabalhos especializados paralelos como, para dar exemplos, a lógica do grounding, junto a suas interessantes aplicações (Correa: 2025), nem a desenvolvimentos pontuais (Maurin: 2007), nem a estudos interpretativos (Shields: 2007) ou mesmo reconstrutivos, como a recente releitura do hilomorfismo aristotélico proposta por Kathrin Koslicki (2018).

   A Stanford Encyclopedia of Philosophy é, obviamente, uma fonte indispensável para se compreender o que o sistema acadêmico atual tem podido visualizar como sendo mais relevante nas discussões filosóficas. Não obstante, quando voltamos nosso olhar para os desenvolvimentos verdadeiramente disruptivos, os únicos nomes que nos ocorrem ainda pertencem à segunda metade do século XX: ‘Jürgen Habermas’, ‘Saul Kripke’ e ‘John Searle’, entre outros.

   Os problemas que afetam a inovação disruptiva na filosofia contemporânea têm sido agrupados sob as rubricas de escolasticismo, cientismo, fragmentação e hiperespecialização. A análise desses traços revela as razões pelas quais a filosofia atual parece estar presa a um impasse que dificulta essa espécie de avanço. Para compreender esse cenário, é necessário começar pelas causas imediatas desses fenômenos.

   O primeiro deles, o escolasticismo, foi caracterizado por D. W. Hamlyn como fruto da cultura dos artigos e livros. Em vez de debates presenciais e dinâmicos — como ocorria ainda na Cambridge do início do século XX — as discussões filosóficas hoje se desenrolam de forma mais lenta, mediadas por textos e réplicas igualmente escritas.[1] Embora esse argumento perca força na era da Internet, onde o diálogo pode ser instantâneo, o escolasticismo permanece uma realidade difícil de ser contestada.

    O cientismo é o problema fundamental.[2] Ele decorre do desenvolvimento exponencial da ciência e da tecnologia que caracteriza nossa época. A cultura atual tende a substituir a reverência aos deuses pela reverência aos átomos. Assim como já se disse que a filosofia francesa foi corrompida pela literatura, pode-se afirmar que a filosofia anglófila — hoje quase hegemônica — foi corrompida pela ciência.

   Essa corrupção, denominada cientismo, manifesta-se tanto externamente quanto internamente. No plano externo, ela se relaciona ao sistema acadêmico, que há muito se tornou praticamente o único lugar de abrigo para filósofos. Como observou Susan Haack, as universidades modernas são cada vez mais geridas por CEOs, que priorizam produtividade e exigem que todos estejam engajados em pesquisa. O paradoxo é evidente: onde todos devem ser filósofos, ninguém pode realmente sê-lo.

   Para ascender na hierarquia acadêmica, é preciso publicar, de preferência nas revistas mais prestigiadas, sob a supervisão de revisores especializados, atentos às últimas tendências filosóficas, segundo o imperativo do publish or perish. Semelhante competição selvagem pode até ser eficaz em certos campos da ciência aplicada, mas revela-se contraproducente na filosofia. Ela inviabiliza a formação de uma cultura ampla e diversificada, além de sufocar o lento amadurecimento das ideias — condição essencial para um trabalho filosófico verdadeiramente inovador. Sob pressão social e diante de uma concorrência crescente, os pesquisadores acadêmicos passaram a encarnar a metáfora de Max Weber: um mundo burocratizado onde indivíduos se tornam pequenas peças de uma imensa engrenagem e cuja única ambição é se tornarem peças um pouco maiores.

   Essa lógica foi intensificada pela expansão da Internet no século XXI. O número de artigos acadêmicos cresceu de forma tão vertiginosa que sua avaliação e influência passaram a depender mais da reputação das instituições e periódicos que os publicam do que de seus méritos intrínsecos. Nesse cenário, a “habilidade computacional” do operário acadêmico substitui a amplitude e profundidade do pensamento, já que apenas a primeira admite formas de mensuração que tendem a se tornar cada vez mais técnicas e mecânicas. Vale lembrar que Einstein aprendeu física com uma lentidão exasperante — só comparável à sua persistente paixão intelectual.[3]

   Afora isso, o autor de um trabalho filosófico deve alinhar seus objetivos às metas pré-estabelecidas por editores cada vez menos expressivos, o que desestimula ideias verdadeiramente inovadoras, pois estas enfrentam maiores obstáculos para atravessar o cerco de avaliações cada vez mais burocráticas e pré-definidas em suas expectativas. Haack acrescentou a isso sintomas de corrupção intelectual como o carreirismo e o compadrio, somados a “incentivos perversos” como, em filosofia, a doação de bolsas e premiações dentro de um escopo inevitavelmente restrito e previsível (2021: p. 26).

   É nesse ambiente filosoficamente empobrecido que o cientismo filosófico revela seu poder de sedução. Do ponto de vista externo, embora tecnicamente exigente, ele não impõe grandes exigências culturais — o que contribui para atrair um número significativamente maior de pesquisadores. O especialista precisa apenas dominar um nicho específico de discussão, onde possa respirar com relativa segurança, munido de alguns dispositivos metodológicos tomados em empréstimo de alguma ciência particular. Em outras palavras, o filósofo-especialista está dispensado de adquirir uma cultura geral, de estudar a história da filosofia e, por vezes, até mesmo de conhecer a história recente do próprio domínio específico em que atua.

   O cientismo pode ser entendido de um ponto de vista interno, como uma imitação do procedimento da ciência pelo recurso a desenvolvimentos científicos aplicados indebitamente a um domínio de investigação filosófica.[4] Isso se manifesta, por exemplo, no recurso a formalismos questionáveis, como a tentativa de resolver o problema dos universais por meio de sua redução a conjuntos de propriedades (Campbell,1990). Também se observa na apropriação de ideias oriundas da ciência empírica, como filósofos que, baseados nos experimentos de Benjamin Libet mostrando que em situações específicas o potencial de prontidão ocorre antes da consciência do agir, defenderam que o livre-arbítrio não existe, ignorando reflexões filosóficas mais amplas e complexas sobre o tema (Harris, 2012).

   É compreensível que as reações cientificistas conduzam à fragmentação do domínio investigativo. Acerca disso, Haack divisou um problema mais profundo, subjacente aos demais, que ela chamou de especialização precoce. O mecanismo é o seguinte: partindo de fundamentos não garantidos, embora integrantes de uma sabedoria herdada, teoristas elaboram alguma “hipótese curiosa”, prima facie implausível. Qualquer observador externo não especializado dirá que a hipótese curiosa não levará a lugar algum. Mas isso pouco importa. Uma vez abraçada pelos membros da seita, ela possibilita a todos sustentarem discussões, garantir bolsas de pesquisa e gerar publicações por um certo número de anos. Eventualmente, escreve ela, o tédio se instala e os participantes abandonam o problema, procurando outra hipótese curiosa com a qual possam reiniciar o jogo. (Haack 2016: 24) A situação torna-se ainda mais preocupante quando essas hipóteses curiosas se subdividem indefinidamente, sem qualquer limite à vista.[5] Nesse cenário, o que se vê não é uma evolução conceitual sustentada por fundamentos sólidos, mas uma sucessão de hipóteses curiosas que, embora sofisticadas em aparência, carecem de estabilidade epistemológica.

    Haack contrapôs a esse cenário a especialização genuína, que emerge de um campo científico bem fundamentado. Nesse caso a especialização é produtiva, permitindo desenvolvimentos internos seguros. Já a hiperespecialização filosófica, construída sobre bases hipotéticas instáveis e incertas, carece de um rigoroso trabalho de questionamento da sabedoria herdada, o que nunca é feito. Haack também observou que quando se trata dos diferentes grupos de teóricos que trabalham na mesma problemática, cada grupo se orientando segundo suas próprias hipóteses curiosas, esses grupos evitam discutir entre si. E isso não deveria surpreender: afinal, não se pode tentar avaliar uma improbabilidade através de outra.

   Tomando como exemplo as teorias da referência na filosofia da linguagem, observamos aqui também uma multiplicação de abordagens: há quem defenda teorias metalinguísticas, outros optam pelo predicativismo, pelas semânticas bidimensionais, pelo referencialismo, pela teoria dos arquivos mentais e até mesmo pelos neodescritivismos... Todos esses modismos teóricos fragmentadores dependem da formação do que Haack ironicamente chamou de “panelinhas, nichos, cartéis e feudos” (2021: p. 24). Tais agrupamentos, entretanto, revelam-se mal orientados se considerarmos a possibilidade da construção de uma teoria da referência realmente abrangente, que revolucione os fundamentos externalistas-causais (Saul Kripke...) ou mesmo internalistas-descritivistas (John Searle...) que cada grupo sustenta de forma dogmática.

   O exemplo que escolhi acima é o das discussões entre os teóricos da referência na filosofia da linguagem contemporânea. Tais disputas poderiam ser resolvidas de forma definitiva caso dispuséssemos de uma teoria da referência abrangente, capaz de solapar os fundamentos que cada grupo aceita de maneira dogmática. No entanto, empreender uma iniciativa com essa amplitude seria embarcar numa aventura difícil, perigosa e prolongada – uma empreitada de caráter potencialmente destrutivo, que inevitavelmente se chocaria com os interesses estabelecidos. Por isso, é improvável que alguém inserido no meio acadêmico se atreva a realizá-la em plena consciência. Paradoxalmente, é justamente esse tipo de aventura que parece capaz de viabilizar o verdadeiro progresso filosófico.

   Cientificismo, hiperespecialização e fragmentação estão interligados. São sintomas de uma mesma síndrome reducionista, responsável por gerar becos sem saída filosóficos. Esses impasses se multiplicam porque seus fundamentos — tênues e vacilantes — jamais são questionados, sendo assumidos dogmaticamente. Como resultado, tornam-se obstáculos à formulação de soluções reais, suficientemente complexas e sistemáticas, para os problemas que se propõem a enfrentar.

   A única alternativa para salvar a filosofia dessa espécie de indigência reside na renovação consciente dos pressupostos sobre os quais ela tem se apoiado. Contudo, essa renovação não parece viável a partir de dentro dos mecanismos que a mercantilizam, sobretudo em um ambiente cultural dominado pela racionalidade instrumental.

 

1

 

Existe uma saída para essas atribulações? Também aqui Haack apontou para o caminho certo, tomando como modelo o gênio filosófico de C. S. Peirce. O que está faltando é uma filosofia mais propriamente abrangente, o que também equivale a dizer, mais profunda. Trata-se de seguir o conselho que Wittgenstein deu a si próprio em um de seus diários: “Não se envolva em problemas parciais, mas sempre alce voo para onde há visão livre do todo o grande único problema, mesmo se essa visão ainda não é clara”.[6] Como ele mesmo famosamente notou em suas Investigações filosóficas, precisamos buscar abrangência através de representações panorâmicas ou sinópticas (übersichtliche Darstellungen) de nossa gramática conceitual (2009: I, sec. 122). Ernst Tugendhat, em sintonia com essa perspectiva, definiu a filosofia como a investigação das estruturas conceituais centrais responsáveis por nossa compreensão do mundo (1991: p. 132). Nada muito distante das questões do tipo “O que é X?”, onde X está para um conceito, que já eram encontradas nos diálogos socráticos.

   À ideia de abrangência, Haack acrescenta um elemento heurístico que ela denomina “busca por aproximações sucessivas” (2021: p. 30), partindo de uma concepção inicial vaga e ampla. Esse procedimento pode ser comparado à arte de pintar: começa-se com uma visão geral — uma exibição difusa de formas, cores, luzes e sombras. Aos poucos, as formas vão sendo delineadas com maior precisão, os erros são identificados e corrigidos, detalhes e nuances são adicionados, e aquilo que inicialmente parecia apenas borrões incompreensíveis transforma-se em imagens claras, convincentes e verdadeiramente belas. Podem ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra de Habermas, por exemplo, me parece comparável a uma série de grandes painéis, com momentos de notável densidade — como o de sua teoria da pragmática universal.

   Para justificar esse método, Haack recorreu à noção de consiliência (2016: p. 15). A consiliência é um pressuposto heurístico indispensável ao progresso da ciência. Segundo ela, o mundo possui unidade e, por isso, as ideias científicas verdadeiras devem se complementar, reforçando-se mutuamente por sua relação com a verdade. A originalidade de Haack reside em aplicar essa noção às teorias filosóficas. Foi Wittgenstein quem captou essa interdependência por meio de uma hipérbole: a dificuldade da filosofia consiste no fato de que, para resolver um problema filosófico, é preciso resolver todos os outros. De fato, à medida que diferentes subáreas da filosofia se entrelaçam, as teorias nelas desenvolvidas devem ser capazes de se fortalecer mutuamente, de forma heurística. Isso implica que o filósofo deve possuir sólida formação científica, humanista e filosófica. A ciência pode ser convocada para auxiliar em certos casos, mas não para fundamentar a reflexão filosófica. A adoção da consiliência, nesse contexto, exige um procedimento por aproximações sucessivas, no qual os diversos campos do saber se tornam gradualmente mais coerentes entre si, compondo um grande painel.

   É evidente que não podemos abordar as questões hoje da mesma maneira que Kant ou Hegel. Tampouco é possível fazê-lo sem uma reconsideração profunda das contribuições dos filósofos tradicionais e de alguns pensadores contemporâneos. No entanto, parece perfeitamente viável enfrentar esse desafio ainda hoje, desde que nos apoiemos em fundamentos culturais e científicos significativamente mais amplos, dentro dos mais estritos e rigorosos espaços de investigação disponíveis.

 

2

 

Com as observações feitas até aqui, procuramos considerar as causas imediatas das dificuldades enfrentadas pela filosofia contemporânea. No entanto, há também fatores mais remotos e complexos que merecem atenção. O que se segue será uma tentativa de lançar alguma luz sobre essa questão — ainda que talvez não consigamos mais do que entreter o leitor com um pot-pourri imperfeito de ideias extraídas de fontes bastante diversas.

   Há, primeiramente, um fenômeno sociocultural profundo e pervasivo no curso do desenvolvimento da civilização, que Max Weber chamou de Entzauberung der Welt: o desencantamento do mundo (1982: p. 105) Embora Weber tenha se concentrado no exame de processos sociais advindos da reforma protestante e do desenvolvimento das economias capitalistas, sua origem foi bem mais remota. No início do processo civilizatório o mundo que nos rodeia era visto como algo vivo, capaz de possuir entendimento e paixão e de responder aos apelos humanos. Como complemento, as práticas culturais que presidiam as comunidades humanas eram elas próprias organicamente construídas com base nas interações sociais do assim chamado mundo da vida (Lebenswelt) – o mundo do agir quotidiano. Mesmo após a emergência do monoteísmo judaico-cristão, quando as comunidades eram administradas em associação com lideranças religiosas, quando ainda existiam santos e milagres, e uma vida humana profundamente regulada pela religião, o mundo permanecia repleto de magia.

   Contudo, especialmente com o avanço da economia capitalista no final do século XIX e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que a sustentaram, instaurou-se uma ruptura muito mais profunda com a visão religiosa anteriormente dominante. Ainda que as religiões continuem exercendo influência, hoje elas muito mais acompanham do que presidem a vida humana. O que se observa é uma substituição gradual — e atualmente acelerada — do mundo animista por um mundo cada vez mais secular, cada vez mais “mundanizado”. O progresso científico e técnico contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da magia e da força institucional do universo místico. No plano da organização social, essa transformação foi impulsionada por processos que Max Weber denominou de racionalização (em que tudo deve ser esclarecido, calculado e controlado), burocratização (quando os processos sociais passam a ser regidos por regras, números e critérios de eficiência, em detrimento da tradição) e secularização (que desloca a religião para o âmbito da crença privada).

   Esses processos tornam a produção de bens significativamente mais eficaz, mas frequentemente se estabelecem a custo do que ele chamou de ação valorativa. Sob tais condições, a alienação torna-se inevitável: o indivíduo perde sua autonomia, transformando-se na peça de um mecanismo que desconhece, ao mesmo tempo em que se desvincula do enraizamento construído naturalmente no mundo da vida.  

   Hoje, quando a ciência e a técnica conquistam cada vez mais a vida humana, vivemos sob a égide dessa forma intensificada de desencantamento. Como procurou sumarizar Jürgen Habermas: a patologia do mundo contemporâneo consiste na “colonização do mundo da vida pelo sistema”, entendendo-se por sistema as instituições de poder econômico e político (1986: pp. 327-417). Uma razão para ser assim é que os sistemas são “autopoiéticos” no sentido de que, uma vez estabelecidos, eles se organizam e desenvolvem de modo autônomo, sobretudo quando deixados à revelia de um controle social suficientemente crítico, capaz de garantir que continuem servindo aos interesses da sociedade que os criou. Mas isso não é tudo.

   Weber introduziu o conceito de desencantamento sob a influência de Nietzsche, o que nos faz pensar na questão do niilismo. Como vimos, uma consequência da perda do papel fundacional da crença religiosa na sociedade pode bem ser o niilismo, entendido como a dissolução dos valores morais e o esvaziamento de sentidos compartilhados. Esse vazio pode dar lugar a ideologias simplificadoras, como seitas místicas degeneradas ou sistemas totalitários, exemplificados pelo comunismo soviético em sua versão estalinista e pelo nazifascismo. Trata-se nos dois últimos casos de patologias sociais profundamente perturbadoras, que sob outros nomes ainda hoje nos assediam.[7]

   Embora Weber reconhecesse a inestimável importância social dos processos de racionalização, burocratização e secularização na melhoria do desempenho da sociedade como um todo, ele também foi um crítico enérgico de suas limitações e dos riscos de produzirem efeitos colaterais socialmente e culturalmente patológicos. É emblemática, nesse sentido, a célebre metáfora da “jaula de ferro”, utilizada por Weber para ilustrar a perda da autenticidade da vida interior em um mundo progressivamente desumanizado pela racionalização, pela burocracia e pela secularização indiscriminadas.

 

Ninguém sabe quem irá viver nessa jaula no futuro, ou se no final desse tremendo desenvolvimento profetas inteiramente novos surgirão, ou se haverá um grande renascimento de velhas ideias e ideais, ou, se nada disso, apenas petrificação mecanizada, adornada por uma espécie convulsiva de autoimportância. Para o “último homem” desse desenvolvimento cultural pode-se dizer com amarga precisão: “Especialista sem espírito, sensualista sem coração; essa nulidade imagina que conquistou um nível de humanidade nunca antes alcançado”. (1974: 236)

 

O sistema econômico-institucional orientado para os fins (Zwecksorientiert) desfaz os modos míticos de apreensão e domínio da realidade, originariamente gestados e elaborados de forma orgânica a partir de formas de vida sociais pretéritas. Em seu lugar instaurou-se um sistema empobrecedor e alienador, que se apresenta na forma de instituições burocráticas que modelam ideologicamente os interesses dos seres humanos que lhe pertencem. Esse sistema se torna ainda mais proeminente na contemporaneidade, marcada pelo metacapitalismo – uma configuração em que grandes corporações não apenas suprimem a livre concorrência, mas também exercem influência sobre o próprio Estado. Os efeitos são manifestamente alienadores: os indivíduos passam a operar como pequenas peças cuja única ambição é a de se tornarem peças maiores no interior de um imenso maquinismo dentro do qual, sem perceber, trilham um caminho que tenderá a conduzi-los, segundo Weber, à “noite polar da mais gélida escuridão” (1994: xvi). Esse diagnóstico só não é mais pessimista porque, como notamos, ele acreditava que a mesma sociedade que produz as jaulas de ferro também possui o potencial de reabri-las.

   Também vale notar que os processos de burocratização, de racionalização e de secularização são originadores de um outro elemento ideológico que parece indispensável ao esclarecimento da problemática aqui abordada. Trata-se do fenômeno de massificação da cultura frequentemente denominado indústria cultural. A alta cultura do passado já não serve aos propósitos ideológicos da sociedade tecnológica na qual vivemos, cada vez mais materialista e hedonista. A cultura de massa suspende o elemento reflexivo e possivelmente conflitante que emerge sempre que se confronta uma vida dominada pela ação voltada à consecução de fins materiais com a ação valorativa. Isso significa que a arte deve ser rebaixada de seu potencial crítico e que a religião, ou qualquer sublimação de sentimentos a ela associada, deve ser tornada suficientemente banal para limitar seu potencial de formação de conteúdos críticos paralisadores da ação e perturbadores da organização social. Isso é evidente na atual regressão da qualidade do gosto musical, um fenômeno chamado por Theodor Adorno de “regressão da audição”, assim como na simplificação popularizadora dos rituais religiosos.  

   Isso implica o rebaixamento da arte em relação ao seu potencial crítico, bem como a banalização da religião e de qualquer forma de sublimação afetiva a ela vinculada, de modo a neutralizar sua capacidade de gerar conteúdos críticos que possam paralisar a ação ou perturbar a ordem social estabelecida. Tal dinâmica é evidente na regressão da qualidade do gosto musical (fenômeno que Theodor Adorno denominou “regressão da audição”), assim como na simplificação popularizadora dos rituais religiosos. A ideia central é que, nos dias atuais, o ser humano encontra-se tão profundamente imerso na cultura de massa produzida pela chamada indústria cultural, que se tornou completamente incapaz de perceber sua própria alienação.

   Mais do que isso, a indústria cultural tem penetrado profundamente na própria instituição universitária, impacto que se manifesta de forma evidente na prática filosófica. A universidade, orientada prioritariamente para o progresso científico-tecnológico, passou a restringir o florescimento da filosofia enquanto expressão de uma cultura superior. Essa transformação responde a fenômenos como o desencantamento, a burocratização, a racionalização e a colonização do mundo da vida pelo sistema — aos quais se soma, mais recentemente, a subserviência à indústria cultural.

   A questão que importa é a seguinte. Por que a sociedade, que tem o poder de questionar e neutralizar o processo de burocratização, quando ele se demonstra distorsivo e massificador da cultura, ainda não o fez? Como Jürgen Habermas (1982) demonstrou, através do discurso dialógico (Diskurs) é possível criar situações ideais de fala nas quais a atividade voltada para os fins é reavaliada sem coerções internas ou externas, com acesso irrestrito à informação e através de interlocutores heuristicamente e eticamente comprometidos.

   Parte da resposta, cremos, pode ser encontrada em Freud (1997: p. 48). Para ele o ser humano é por natureza inimigo da cultura. A civilização – incluindo-se nela a alta cultura, idealmente representada pelos grandes filósofos da tradição, representa uma arma de dois gumes: se de um lado facilita a vida, de outro demanda repressão pulsional, oprimindo o indivíduo. Na modernidade europeia (de Descartes a Kant) havia espaço para a alta cultura na música, na literatura e na filosofia, justamente em função mesmo das exigências restritivas impostas pela civilização. Tensões semelhantes podem ser observadas no Renascimento e na Grécia Antiga. Note-se, por exemplo, que na época de Bach, uma cidade alemã com sessenta mil habitantes podia contar com meia dúzia de salas de concerto. A Königsberg de Kant tinha cerca de 65 mil habitantes — número equivalente ao da cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte. A Revolução Industrial parece ter reduzido significativamente a pressão repressiva necessária à sustentação da alta cultura — fenômeno já denunciado por Nietzsche. E o mundo tecnológico contemporâneo permite um alívio dessa pressão, compatível com um modus vivendi que torna as pessoas escravas do trabalho e do prazer insublimado. Essa seria, sob o ponto de vista freudiano, a razão profunda da rejeição que a alta cultura tem hoje sofrido. Sob a ótica freudiana, essa seria a razão profunda da rejeição que a alta cultura vem sofrendo: na sociedade tecnológica o ser humano não parece precisar mais dela. Bach, Goethe e Leibniz tornaram-se, ao que parece, supérfluos.

   Muitos argumentarão que a explicação freudiana, embora contenha elementos de verdade, é unilateral, pois o fenômeno em questão reflete as distorções geradas pela superestrutura ideológica do sistema capitalista. Filósofos influenciados por Marx — como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse — atribuíram ao capitalismo pós-industrial a responsabilidade pela alienação cultural do homem contemporâneo, vítima daquilo que denominaram “indústria cultural”.

   Marcuse, ao tentar articular Freud com Marx, introduziu o conceito de dessublimação repressiva: os impulsos e desejos só podem ser satisfeitos se não forem elevados a ponto de ameaçar as estruturas vigentes de poder e ação (1964: cap. 2). A superestrutura ideológica do capitalismo avançado fomenta uma forma de filistinismo cultural, que torna os indivíduos mais úteis à produção tecnológica e ao consumo de seus produtos — num ciclo vicioso de trabalho e consumo que, se deixado à revelia, tende à autodestruição. A negligência em relação à natureza é um exemplo emblemático desse processo. A prática filosófica, por sua vez, não parece escapar às vicissitudes impostas pela dessublimação repressiva. Ela serviu, e continua a servir, à superestrutura ideológica, apesar dos esforços críticos de Marx, Nietzsche e Wittgenstein.

   Podemos agora examinar algumas maneiras pelas quais os atuais mecanismos de racionalização burocrática e o sistema socioeconômico são capazes de militar contra o que de melhor pode ser feito em filosofia.

   Considere primeiro, por razões comparativas, o modo como a filosofia foi feita nos tempos de Locke e Hume, na Grã-Bretanha, ou nos tempos de Kant e Hegel, na Alemanha. Ela sempre foi, da parte do filósofo, o resultado de um longo, persistente e imenso “trabalho sobre si mesmo... sobre o próprio modo de ver as coisas”, para usar as palavras de Wittgenstein (1996: p. 18). Naqueles tempos, a filosofia era honrada por uma nobreza erudita e por uma classe letrada que valorizava a alta cultura em uma sociedade que era (para o bem e para o mal) extremamente estratificada e elitista. Foi assim até a primeira metade do século XX.

   Algum grau de esclarecimento pode ser alcançado quando comparamos a situação atual com momentos de revivescência cultural do passado. A verdadeira inovação — seja cultural ou científica — é, por natureza, subversiva. Ela exige um redimensionamento profundo e inevitável dos valores estabelecidos. Por isso, a alta cultura só floresce em terrenos marcados por grandes conflitos, capazes de catalisar rupturas e forçar o desenvolvimento de novas formas de assimilação. É nesse contexto que se torna pertinente recordar a citação de Hegel mencionada no início deste capítulo.

   Foi exatamente esse cenário que se desenhou na primeira metade do século XX. Era imenso o sentimento de tensão e insegurança nos relatos de quem viveu essa época. As velhas instituições, como a monarquia, encontravam-se em ruínas, e os conflitos sociais acumulados culminariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Reinava uma profunda incerteza quanto ao rumo a seguir. Desse caos, alimentado por uma desconfiança generalizada em relação aos valores, ideias e instituições tradicionais, emergiu uma renovação cultural de proporções comparáveis às do Renascimento. Nesse período, surgiram artistas de linguagem profundamente disruptiva, como Picasso e Dalí na pintura, James Joyce na literatura, Igor Stravinsky e Béla Bartók na música. Na filosofia, destacaram-se pensadores de originalidade radical como Wittgenstein e Russell (que resgataram Frege) além de Edmund Husserl e Martin Heidegger, além do revolucionário analista da cultura e da psicologia profunda que foi Sigmund Freud. Paralelamente a isso veio a grande revolução da física moderna, com a criação da teoria da relatividade por Einstein e o aparecimento da teoria quântica através do esforço conjunto de alguns físicos excepcionais. Esse ímpeto transformador perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo voltou à normalidade. A filosofia foi então progressivamente absorvida por um cada vez mais amplo sistema universitário. Nesse novo ambiente, o solo fértil para inovações disruptivas foi aos poucos cedendo espaço a uma filosofia institucionalizada, que, embora muito produtiva, operava cada vez mais em ponto menor. Não surpreende que os dois mais significativos filósofos alemães da segunda metade do século XX, Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat, tenham nascido ainda na primeira metade do século XX. Não surpreende, portanto, que os dois mais influentes filósofos alemães da segunda metade do século XX — Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat — tenham nascido ainda na primeira metade do século.

   Uma última questão é saber se a academia ainda é capaz de selecionar pessoas genuinamente vocacionadas. Parece-me cada vez menos. A filosofia, assim como a matemática ou a música, demanda alguma espécie de vocação, além de um ambiente propício ao seu florescimento, onde rigor e liberdade possam coexistir.

   Após ter estudado o pensamento de Tomás de Aquino, Anthony Kenny distinguiu uma característica comum à vocação filosófica:

 

A filosofia é tão abrangente em seu assunto, tão vasta em seu campo de operação, que alcançar uma visão filosófica sistemática do conhecimento humano é uma tarefa tão árdua que só o gênio pode fazê-la. Tão imensa é a filosofia que apenas uma mente totalmente excepcional pode ver as consequências até mesmo do mais simples argumento ou conclusão filosófica. Para todos nós que não somos gênios, a única maneira de lidar com a filosofia é alcançando a mente de algum grande filósofo do passado. (1994: p. 9)

 

Embora a expressão como ‘gênio filosófico’ seja facilmente envolvida por uma aura de mistificação, ela pode ser aqui entendida como o uso reflexivo e contínuo de um talento que une rigor lógico a uma sensibilidade quase artística, tendo mais a ver com uma integração das faculdades do que com alguma habilidade isolada. O esforço consiste sobretudo em um trabalho ruminante, mesmo quando inaparente, que é o de selecionar entre muitas ideias ruins aquelas que são boas em suas articulações com o domínio mais amplo do saber. Trata-se de um processo longo, independente e geralmente inconsciente. (Nietzsche, 2005, sec. IV)

   Essa foi uma característica mais distintiva dos grandes filósofos da tradição, o que sempre exigiu um ambiente fértil para seu desenvolvimento. Tal ambiente, contudo, parece ausente na atual paisagem acadêmica, dominada por um ethos acadêmico estimulador da hiperespecialização cientificista e fragmentador do domínio especulativo.

 

 

 

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[1] D. W. Hamlyn: Uma história da filosofia ocidental, p. 398. O original foi publicado em 1987.

[2] O cientismo foi denunciado nos artigos de Susan Haack, mas antes dela por P. F. Strawson, e antes dele por Wittgenstein, segundo o qual “Filósofos veem constantemente os métodos da ciência diante dos olhos e são irresistivelmente tentados a perguntar e a responder do modo como a ciência o faz. Essa tendência é a fonte real da metafísica e deixa o filósofo na completa escuridão” The Blue and the Brown Books, p. 18.

[3] Isso não acontece só na filosofia. Há muitos um sociólogo inglês, D. G. MacRae, queixou-se de que não é mais possível produzir um Max Weber, uma vez que não dispomos mais do tempo e da liberdade quase ilimitada na aquisição de conhecimento que eram dadas aos professores da universidade alemã do início do século XX.

[4] Como notaram Kevin Mulligan, Peter Simons e Barry Smith sobre o formalismo excessivo, “Uma tradição filosófica que sofre de horror mundi sob forma endêmica está condenada à futilidade”.

[5] Cf. Opostamente a Haack, Scott Soames saudou essa multiplicação de subespecializações como a marca distintiva da filosofia atual. (2023: vol. II, Epílogo)

[6] Personal notebooks, 1931.

[7] Note-se, por exemplo, que não temos sequer uma ciência da moralidade capaz de substituir su(ficientemente a moral teológica, apesar de mais de dois milênios de reflexão filosófica sobre o tema. Essa lacuna permite o surgimento de seitas como as do reencantamento místico e do pós-modernismo. Ambos oferecem respostas a uma demanda por fundamentos éticos mais sólidos e universalizáveis.que são insuficientes para suprir.

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