Draft avançado do capítulo final do livro "Introdução histórica à filosofia".
XX
A FILOSOFIA NA JAULA DE FERRO
A necessidade da filosofia só pode
nascer em épocas de crise, quando o poder de unificação desaparece da vida dos
homens, e as oposições, perdendo a sua viva semelhança e reação recíproca, se
tornam independentes.
Hegel
Como vai a filosofia hoje? Será ela um
empreendimento saudável, vibrante, que se aproxima gradualmente de resultados
consensuais consistentes, como foi sugerido que poderia ocorrer com suas áreas
centrais no primeiro capítulo deste livro?
Infelizmente,
minha resposta só pode ser um sonoro “não”. A filosofia no século XXI
encontra-se em má forma. Se entendermos por filosofia desenvolvimentos
intelectuais disruptivos – como todos os que foram discutidos ao longo desse
livro –, é forçoso concluir que a situação atual é crítica, evocando mais a do
início da Alta Idade Média que o alvorecer do século XX.
Não estou sozinho nessa avaliação. Susan Haack
foi uma das poucas figuras acadêmicas que ousaram tocar nesse ponto sensível.
Segundo ela, a filosofia atual vive um verdadeiro “desastre intelectual”.[1] Essa opinião é corroborada
por Jenny Teichman, que ironicamente sugeriu que o escolasticismo acadêmico de
nossos tempos acabará por nos levar a discutir quantos filósofos são capazes de
dançar sobre a ponta de uma agulha.[2]
Antes
que eu seja mal interpretado, é importante esclarecer o que não se enquadra
nessa crítica. Refiro-me exclusivamente aos desenvolvimentos disruptivos,
revolucionários, transformadores; aqueles mais propriamente merecedores da
venerável palavra ‘Filosofia’. Não estou me referindo a trabalhos
especializados como, digamos, a lógica do grounding, junto a suas interessantes
aplicações,[3] nem a desenvolvimentos
pontuais,[4] nem a estudos interpretativos[5] ou mesmo reconstrutivos, como
a releitura do hilomorfismo aristotélico proposta por Kathrin Koslicki.[6]
A Stanford
Encyclopedia of Philosophy é, obviamente, uma fonte indispensável para se
compreender o que o sistema acadêmico atual tem podido visualizar como sendo
mais relevante nas discussões filosóficas. No entanto, quando voltamos nosso
olhar para os desenvolvimentos verdadeiramente disruptivos, os únicos nomes que
me ocorrem ainda pertencem à segunda metade do século XX: ‘Jürgen Habermas’, ‘Saul
Kripke’ e ‘John Searle’, entre alguns outros.
Os
vícios que afetam a filosofia do século XXI têm sido agrupados sob as rubricas
de escolasticismo, cientismo, hiperespecialização e fragmentação.
A análise desses traços revela as razões pelas quais a filosofia atual parece
estar presa a um impasse que dificulta avanços disruptivos. Para compreender
esse cenário, é necessário começar pelas causas imediatas desses fenômenos.
O
primeiro deles, o escolasticismo, foi caracterizado por D. W. Hamlyn como fruto
da cultura dos artigos e livros. Em vez de debates presenciais e dinâmicos —
como ocorria, por exemplo, na Cambridge do início do século XX — as discussões
filosóficas hoje se desenrolam de forma mais lenta, mediadas por textos e
réplicas igualmente escritas.[7] Embora esse argumento perca
força na era da Internet, onde o diálogo pode ser instantâneo, o escolasticismo
permanece como uma realidade incontornável.
O cientismo é o problema fundamental.[8] . Ele decorre do desenvolvimento
exponencial da ciência e da tecnologia que caracteriza nossa época. A cultura
atual tende a substituir a reverência aos deuses pela reverência aos átomos.
Assim como já se disse que a filosofia francesa foi corrompida pela literatura,
pode-se afirmar que a filosofia anglófila — hoje quase hegemônica — foi
corrompida pela ciência.
Essa
corrupção, denominada cientismo, manifesta-se tanto externamente quanto
internamente. No plano externo, ela se relaciona às universidades, que se
tornaram praticamente o único lugar de abrigo para filósofos. Como observou
Susan Haack, as universidades modernas são cada vez mais geridas por CEOs, que
priorizam produtividade e exigem que todos estejam engajados em pesquisa. O
paradoxo é evidente: onde todos devem ser filósofos, ninguém pode
realmente sê-lo.
Para
ascender na hierarquia acadêmica, é preciso publicar, de preferência nas
revistas mais prestigiadas, sob a supervisão de revisores especializados,
atentos às últimas tendências filosóficas, segundo o imperativo do publish
or perish. Uma tal competição selvagem pode até ser eficaz em certos campos
da ciência aplicada, mas revela-se contraproducente na filosofia. Ela
inviabiliza a formação de uma cultura ampla e diversificada, além de sufocar o
lento amadurecimento das ideias — condição essencial para um trabalho
filosófico relevante. Sob pressão social e diante de uma concorrência
crescente, os pesquisadores acadêmicos passaram a encarnar a metáfora de Max
Weber de um mundo burocratizado onde indivíduos se tornam pequenas peças de uma
imensa engrenagem, possuindo como única ambição se tornarem peças um pouco
maiores. Essa lógica foi intensificada pela expansão da Internet no século XXI.
O número de artigos acadêmicos cresceu de forma tão vertiginosa que sua
avaliação e influência passaram a depender mais da reputação das instituições e
periódicos que os publicam do que de seus méritos intrínsecos. Nesse cenário, a
“habilidade computacional” do operário acadêmico substitui a amplitude e
profundidade do pensamento, já que apenas a primeira admite formas de
mensuração cada vez mais técnicas e mecânicas. Vale lembrar que Einstein
aprendeu física com uma lentidão exasperante — só comparável à sua inabalável
paixão intelectual.[9]
Afora
isso, o autor de um trabalho filosófico deve alinhar seus objetivos às metas visualizadas
por editores vez mais inexpressivos, o que desestimula ideias verdadeiramente inovadoras,
pois estas terão mais dificuldades para atravessar o cerco dos burocratas de
plantão. Haack acrescentou a isso sintomas de corrupção intelectual como o carreirismo
e o compadrio, somados a “incentivos perversos” como, em filosofia, a
doação de bolsas e premiações dentro de um escopo inevitavelmente restrito e
previsível.[10] É fácil entender que desse
angu não sairá caroço.
É
nesse ambiente filosoficamente insalubre que o cientismo filosófico revela seu
poder de sedução. Do ponto de vista externo, embora tecnicamente exigente, ele
não impõe grandes exigências filosóficas — o que contribui para atrair um
número significativamente maior de pesquisadores. O especialista precisa apenas
dominar um nicho específico de discussão, onde possa respirar com relativa
segurança, munido de alguns dispositivos metodológicos emprestados de alguma
ciência particular. Em outras palavras, o filósofo-especialista está dispensado
de adquirir uma cultura geral, de estudar a história da filosofia e, por vezes,
até mesmo de conhecer a história recente do próprio nicho em que atua.
O cientismo pode ser entendido de um ponto de vista interno, como uma
imitação do procedimento da ciência pelo recurso a desenvolvimentos científicos
aplicados indebitamente a um domínio de investigação filosófica.[11] Isso se
manifesta, por exemplo, no recurso a formalismos problemáticos, como a
tentativa de resolver o problema dos universais por meio de sua redução a
conjuntos de propriedades localizáveis.[12] Também observamos
isso na apropriação de ideias oriundas da ciência empírica, como filósofos que,
baseados nos experimentos de Benjamin Libet mostrando que em situações de
laboratório o potencial de prontidão ocorre antes da decisão de agir,
defenderam que o livre-arbítrio não existe, ignorando reflexões filosóficas muito
mais amplas e complexas sobre o tema.[13]
É
compreensível que as reações cientificistas conduzam à fragmentação do domínio
investigativo. Acerca disso, Haack divisou um problema mais profundo,
subjacente aos demais, que ela chamou de especialização precoce. O
mecanismo é o seguinte: partindo de fundamentos não garantidos, embora
integrantes de uma sabedoria herdada, teoristas elaboram alguma “hipótese
curiosa”, à primeira vista implausível. Qualquer observador externo não
especializado dirá que a hipótese curiosa não levará a lugar algum. Mas isso
pouco importa. Uma vez abraçada pelos membros da seita, ela possibilita a todos
sustentarem discussões, garantir bolsas de pesquisa e gerar publicações por um certo
número de anos. Eventualmente, escreve ela, o tédio se instala e os
participantes abandonam o problema, procurando outra hipótese curiosa com a
qual possam reiniciar o jogo.[14] A situação torna-se ainda
mais preocupante quando essas hipóteses curiosas se subdividem indefinidamente,
sem qualquer limite à vista.[15] Nesse cenário, o que se
vê não é uma evolução conceitual sustentada por fundamentos sólidos, mas uma
sucessão de hipóteses curiosas que, embora sofisticadas em aparência, carecem
de estabilidade epistemológica.
Haack
contrapõe a esse cenário a especialização genuína, que emerge de um campo
científico bem fundamentado. Nesse caso a especialização é produtiva, uma vez
que se encontra bem fundamentada, permitindo desenvolvimentos internos seguros.
Já a hiperespecialização filosófica, construída sobre bases hipotéticas instáveis
e incertas, exige um rigoroso trabalho de questionamento da sabedoria herdada,
o que nunca é feito. Haack também observou que quando se trata dos diferentes
grupos de teóricos que trabalham na mesma problemática, cada grupo se
orientando segundo suas próprias hipóteses curiosas, esses grupos evitam
discutir entre si. Isso não deveria surpreender: afinal, não se pode tentar
avaliar uma improbabilidade através de outra.
Tomando como
exemplo as teorias da referência na filosofia da linguagem, observamos aqui
também uma multiplicação de abordagens: há quem defenda teorias
metalinguísticas, outros optam pelo predicativismo, pelas semânticas
bidimensionais, pelo referencialismo, pela teoria dos arquivos mentais e mesmo
pelos neodescritivismos... Todos esses modismos teóricos fragmentadores dependem
da formação do que Haack ironicamente chamou de “panelinhas, nichos, cartéis e
feudos”[16]. Tais agrupamentos, no
entanto, revelam-se mal orientados se considerarmos a possibilidade da
construção de uma teoria da referência realmente abrangente, que revolucione os
fundamentos externalistas-causais (capitaneados por Saul Kripke) ou, mais
raramente, que revolucione os fundamentos internalistas-descritivistas
(capitaneados por John Searle[17]) que cada grupo sustenta
de forma dogmática.
O exemplo que escolhi acima é o
das discussões entre os teóricos da referência na filosofia da linguagem
contemporânea. Tais disputas poderiam ser resolvidas de forma definitiva caso
dispuséssemos de uma teoria da referência abrangente, capaz de solapar os
fundamentos que cada grupo aceita de maneira dogmática. No entanto, empreender
uma iniciativa com essa amplitude seria embarcar numa aventura difícil,
perigosa e prolongada – uma empreitada de caráter potencialmente destrutivo,
que inevitavelmente se chocaria com os interesses estabelecidos. Por isso, é
improvável que alguém inserido no meio acadêmico se atreva a realizá-la em
plena consciência. Paradoxalmente, é justamente esse tipo de aventura que
parece capaz de viabilizar um verdadeiro progresso filosófico.[18]
Cientificismo, hiperespecialização e fragmentação estão interligados.
São sintomas de uma mesma síndrome reducionista, responsável pela multiplicação
de becos sem saída filosóficos. Esses impasses se multiplicam porque seus
fundamentos — tênues e vacilantes — jamais são questionados, sendo assumidos
dogmaticamente. Como resultado, tornam-se obstáculos à formulação de soluções
reais, suficientemente complexas e sistemáticas para os problemas que se
propõem a enfrentar.
Haack não escreveu sobre o que
eu chamaria de filosofia popular — isto é, “popular” no interior dos
povoados acadêmicos. Filósofos oriundos de fora do sistema anglo-americano resistem
à tentação da fragmentação cientificista. É o caso, por exemplo, de Slavoj
Žižek, Markus Gabriel e Quentin Meillassoux. Žižek, influenciado por Hegel,
Marx e Jacques Lacan, promove uma crítica social imaginativa e importante. No
entanto, sua abordagem teórica torna-se “lacaniana” no sentido de permanecer
enredada em imbróglios conceituais expressivos, sem conseguir superá-los. Como
já se observou, ele é suficientemente inteligente para formular boas críticas,
mas não o bastante para construir uma teoria consistente. Markus Gabriel, por
sua vez, recorre a uma vasta gama de textos históricos e contemporâneos que
remasteriza de modo a produzir “pseudo-thaumas” — efeitos de
maravilhamento — em um público juvenil, mais impressionável do que exigente. Meillassoux,
por fim, elabora fantasias intelectuais elegantes, que no fundo continuam a
tradição pós-modernista. Suas complicadas provocações são tão superficiais
quanto um pires, diversamente da originalidade profunda de Hume, filósofo no
qual a escora. A originalidade só é verdadeiramente explosiva quando combinada
com relevância.
A única alternativa para salvar
a filosofia de sua atual indigência reside na renovação consciente dos
pressupostos sobre os quais ela tem se apoiado. Contudo, essa renovação não
parece viável a partir de dentro dos mecanismos que a mercantilizam, sobretudo
em um ambiente cultural dominado pela racionalidade instrumental.
1
Existe
uma saída para essas atribulações? Também aqui Haack apontou para o caminho
certo, tomando como modelo o gênio filosófico de C. S. Peirce. O que está
faltando é uma filosofia mais propriamente abrangente, o que
também equivale a dizer, mais profunda. Trata-se de seguir o conselho que
Wittgenstein deu a si próprio em um de seus diários: “Não se envolva em
problemas parciais, mas sempre alce voo para onde há visão livre do todo o
grande único problema, mesmo se essa visão ainda não é clara.”[19] Como ele famosamente
notou em suas Investigações, precisamos buscar abrangência através de representações
panorâmicas ou sinópticas (übersichtliche Darstellungen) de nossa gramática conceitual.[20] Ernst Tugendhat, em
sintonia com essa perspectiva, definiu a filosofia como a investigação das
estruturas conceituais centrais responsáveis por nossa compreensão do mundo.[21] Nada muito distante das
questões do tipo “O que é X?” que já havíamos encontrado nos diálogos
socráticos.
À abrangência, Haack acrescentou um elemento
heurístico por ela chamado de “busca por aproximações sucessivas”[22] a partir de uma vaga e
abrangente concepção inicial. Podemos comparar esse procedimento com a arte de
pintar: começa-se com a concepção como um todo, uma vaga exibição de formas,
cores, luzes e sombras... Gradualmente as formas são delineadas com mais
precisão, erros são detectados e corrigidos, detalhes e tonalidades são
adicionados e aquilo que a princípio parecia borrões incompreensíveis acaba
sendo transformado em imagens claras, convincentes e verdadeiramente belas.
Podem ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra de Habermas, por
exemplo, me parece comparável a uma série de grandes painéis com alguns
momentos de grande densidade, como o de sua pragmática universal.
À ideia de abrangência, Haack acrescenta um elemento
heurístico que ela denomina “busca por aproximações sucessivas”, partindo de
uma concepção inicial vaga e ampla. Esse procedimento pode ser comparado à arte
de pintar: começa-se com uma visão geral — uma exibição difusa de formas,
cores, luzes e sombras. Aos poucos, as formas vão sendo delineadas com maior
precisão, os erros são identificados e corrigidos, detalhes e nuances são
adicionados, e aquilo que inicialmente parecia apenas borrões incompreensíveis
transforma-se em imagens claras, convincentes e verdadeiramente belas. Podem
ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra de Habermas, por exemplo, me
parece comparável a uma série de grandes painéis, com momentos de notável
densidade — como o de sua teoria da pragmática universal.
Para
justificar esse método, Haack recorreu à noção de consiliência, já
apresentada no primeiro capítulo deste livro. A consiliência é um pressuposto
heurístico indispensável ao progresso da ciência, segundo o qual o mundo possui
unidade e, por isso, as ideias científicas verdadeiras devem se complementar,
reforçando-se mutuamente por sua relação com a verdade. A originalidade de
Haack reside em aplicar essa noção às teorias filosóficas. Se bem me lembro,
foi Wittgenstein quem captou essa interdependência por meio de uma hipérbole: a
dificuldade da filosofia consiste no fato de que, para resolver um problema
filosófico, é preciso resolver todos os outros. De fato, à medida que
diferentes subáreas da filosofia se entrelaçam, as teorias nelas desenvolvidas
devem ser capazes de se fortalecer mutuamente em sua pretensão de verdade. Isso
implica que o filósofo deve possuir sólida formação científica, humanista e
filosófica. A ciência pode ser convocada para auxiliar em certos casos, mas não
para dirigir a reflexão filosófica. A adoção da consiliência, nesse contexto,
exige um procedimento por aproximações sucessivas, no qual os diversos campos
do saber se tornam gradualmente mais coerentes entre si de modo a compor um
grande painel.
É evidente que não podemos
abordar as questões hoje da mesma maneira que Kant ou Hegel. Tampouco é
possível fazê-lo sem uma reconsideração profunda das contribuições dos
filósofos tradicionais e de alguns pensadores contemporâneos. No entanto,
parece perfeitamente viável enfrentar esse desafio ainda hoje, desde que nos
apoiemos em fundamentos culturais e científicos significativamente mais amplos,
dentro dos mais estritos e rigorosos espaços de investigação disponíveis.[23]
2
Com as observações feitas até aqui, procurei considerar as causas
imediatas das dificuldades enfrentadas pela filosofia contemporânea. No
entanto, há também fatores mais remotos e complexos que merecem atenção. A
seguir, faço uma tentativa de lançar alguma luz sobre essa questão — ainda que,
confesso, talvez não consiga mais do que entreter o leitor com um pot-pourri
imperfeito de ideias extraídas de fontes bastante diversas. Espero, ao menos,
oferecer algo informativo.
Há, primeiramente, um fenômeno sociocultural profundo
e pervasivo no curso do desenvolvimento da civilização, que Max Weber chamou de
Entzauberung der Welt: o desencantamento do mundo.[24] Ainda que Weber tenha se concentrado
no exame de processos sociais advindos da reforma protestante e do
desenvolvimento das economias capitalistas, sua origem foi bem mais remota. No
início do processo civilizatório o mundo que nos rodeia era visto como algo
vivo, capaz de possuir entendimento e paixão e de responder aos apelos humanos.
Como complemento, as práticas culturais que presidiam as comunidades humanas
eram elas próprias organicamente construídas com base nas interações sociais do
assim chamado mundo da vida (Lebenswelt) – o mundo do agir quotidiano. Mesmo
após a emergência do monoteísmo judaico-cristão, quando as comunidades eram administradas
em associação com lideranças religiosas, quando ainda existiam santos e
milagres, e uma vida humana profundamente regulada pela religião, o mundo era
ainda repleto de magia.
Contudo, especialmente com o avanço da economia capitalista no final do
século XIX e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que a sustentaram,
instaurou-se uma ruptura muito mais profunda com a visão religiosa
anteriormente dominante. Ainda que as religiões continuem exercendo influência,
hoje elas muito mais acompanham do que presidem a vida humana. O que se observa
é uma substituição gradual — e atualmente acelerada — do mundo animista por um
mundo cada vez mais secular, cada vez mais “mundanizado”. O progresso
científico e técnico contribuiu decisivamente para o enfraquecimento da magia e
da força institucional do universo místico. No plano da organização social,
essa transformação foi impulsionada por processos que Max Weber denominou de racionalização
(em que tudo deve ser esclarecido, calculado e controlado), burocratização
(quando os processos sociais passam a ser regidos por regras, números e
critérios de eficiência, em detrimento da tradição) e secularização (que
desloca a religião para o âmbito da crença privada).
Esses processos tornam a
produção de bens significativamente mais eficaz, mas frequentemente se
estabelecem a custo do que ele chamou de ação valorativa. Sob tais condições, a
alienação torna-se inevitável: o indivíduo perde sua autonomia,
transformando-se em uma pequena peça de um mecanismo que desconhece, ao mesmo
tempo em que se desvincula do enraizamento construído naturalmente no mundo da
vida.
Hoje, quando a ciência e a técnica conquistam
cada vez mais a vida humana, vivemos sob a égide dessa forma intensificada de desencantamento.
Como procurou sumarizar Jürgen Habermas: a patologia do mundo contemporâneo
consiste na “colonização do mundo da vida pelo sistema”, entendendo-se por
sistema as instituições de poder econômico e político.[25] Uma razão para ser assim é
que os sistemas são “autopoiéticos” no sentido de que, uma vez estabelecidos,
eles se organizam e desenvolvem de modo autônomo, sobretudo quando deixados à
revelia de um controle social suficientemente crítico, capaz de garantir que
continuem servindo aos interesses da sociedade que os criou. Mas isso não é
tudo.
Weber introduziu o conceito de desencantamento
sob a influência de Nietzsche, o que nos remete à questão do niilismo. Uma
consequência da perda do papel fundacional da crença religiosa na sociedade pode
bem ser o niilismo, entendido como a dissolução dos valores morais e o
esvaziamento de sentidos compartilhados. Esse vazio pode ceder lugar a
ideologias simplificadoras, como seitas místicas degeneradas ou sistemas
totalitários, exemplificados pelo comunismo soviético em sua versão estalinista
e pelo nazifascismo. Trata-se nos dois últimos casos de patologias sociais
profundamente perturbadoras, que sob outros nomes ainda hoje nos assediam.[26]
Embora Weber reconhecesse a
inestimável importância dos processos de racionalização, burocratização e
secularização para o aprimoramento do desempenho social, ele também foi um
crítico enérgico de suas limitações e dos riscos de produzirem efeitos
colaterais, cultural e socialmente patológicos. É emblemática, nesse sentido, a
célebre metáfora da “jaula de ferro”, utilizada por Weber para ilustrar a perda
da autenticidade da vida interior em um mundo progressivamente desumanizado
pela racionalização, pela burocracia e pela secularização indiscriminadas:.
Ninguém sabe quem irá viver nessa jaula no futuro, ou
se no final desse tremendo desenvolvimento profetas inteiramente novos
surgirão, ou se haverá um grande renascimento de velhas ideias e ideais, ou, se
nada disso, apenas petrificação mecanizada, adornada por uma espécie convulsiva
de autoimportância. Para o “último homem” desse desenvolvimento cultural poder-se-á
dizer com amarga precisão: “Especialista sem espírito, sensualista sem coração;
essa nulidade imagina que conquistou um nível de
humanidade nunca antes alcançado”.[27]
O sistema econômico-institucional orientado para os fins (Zwecksorientiert)
dissolve os modos míticos de apreensão e domínio da realidade, organicamente
gestados no interior de formas de vida sociais pretéritas. Em seu lugar instauraram-se
instituições burocráticas que modelam ideologicamente os interesses dos seres
humanos de forma empobrecedora e alienadora.
Na contemporaneidade, esse
sistema revela-se ainda mais proeminente ao ser marcado pelo metacapitalismo,
definido como uma configuração em que grandes corporações não apenas suprimem a
livre concorrência, mas também exercem influência direta sobre o Estado. Os
efeitos são manifestamente alienadores: os indivíduos passam a operar como pequenas
peças cuja única ambição é a de se tornarem peças maiores no interior de um
imenso maquinismo dentro do qual, sem perceber, trilham um caminho que, segundo
Weber, só poderá conduzi-los à “noite polar da mais gélida escuridão”[28]. Esse diagnóstico só não
é mais pessimista porque, como notei, ele acreditava que a mesma sociedade que forja
as jaulas de ferro também carrega em si o potencial de reabri-las.
Convém notar que os processos
de burocratização, racionalização e secularização engendram um outro elemento ideológico
indispensável ao esclarecimento da problemática aqui abordada: o fenômeno de
massificação da cultura frequentemente denominado indústria cultural. A
alta cultura do passado já não atende aos propósitos ideológicos da sociedade
tecnológica na qual vivemos, cada vez mais intoxicada por hedonismo materialista.
A cultura de massa suspende o elemento reflexivo e possivelmente conflitante que
emerge sempre que se confronta uma vida dominada pela ação voltada à consecução
de fins materiais com a ação valorativa. Isso implica no rebaixamento do
potencial crítico da arte e da religião, que devem ser tornadas banais o
suficiente para paralisar qualquer potencial de formação de conteúdos críticos
perturbadores da organização social. Tal dinâmica manifesta-se, por exemplo, na
regressão da qualidade do gosto musical, um fenômeno que Theodor Adorno denominou
“regressão da audição”, e na simplificação popularizadora dos rituais
religiosos. A ideia é que, nos dias atuais, o ser humano encontra-se tão
profundamente mergulhado na cultura de massa produzida pela assim chamada
indústria cultural, que se tornou inteiramente incapaz de se perceber do grau
de sua própria alienação. Mais do que isso, junto com a burocratização, a indústria
cultural tem se infiltrado profundamente na própria instituição universitária, um
impacto que se manifesta de forma evidente na prática filosófica. A
universidade, cada vez mais orientada pelo imperativo do progresso
científico-tecnológico, passou a restringir o florescimento da filosofia
enquanto expressão de uma cultura superior, reflexiva e crítica.
A questão que importa é a
seguinte. Por que a sociedade, que tem o poder de questionar e neutralizar o
processo de burocratização quando ele se revela distorsivo e massificador da
cultura, ainda não o fez? Como Jürgen Habermas demonstrou, através do discurso
dialógico (Diskurs) é possível instaurar situações ideais de fala
nas quais a atividade voltada para os fins é reavaliada sem coerções internas
ou externas, com acesso irrestrito à informação e mediante interlocutores
heuristicamente e eticamente comprometidos.[29]
Parte da resposta, creio, pode
ser encontrada em Freud.[30] Para ele o ser humano é
por natureza inimigo da cultura. A civilização – incluindo-se nela a alta
cultura, da qual a filosofia estudada nesse livro é expressão, representa uma
arma de dois gumes: se de um lado facilita a vida, de outro demanda repressão pulsional,
oprimindo o indivíduo. Na modernidade europeia (de Descartes a Kant) havia
espaço para a alta cultura na música, na literatura e na filosofia, justamente em
função mesmo das exigências restritivas impostas pela civilização. Tensões
semelhantes podem ser observadas no Renascimento e na Grécia Antiga. Note-se,
por exemplo, que na época de Bach, uma cidade alemã como Leipzig, com 30 mil
habitantes, tinha quatro ou cinco locais de concerto. E a Königsberg de Kant
tinha cerca de 65 mil habitantes — número equivalente ao da cidade de Caicó, no
Rio Grande do Norte. A Revolução Industrial parece ter reduzido
significativamente a pressão repressiva necessária à sustentação da alta
cultura — fenômeno já denunciado por Nietzsche. E o mundo tecnológico
contemporâneo permite um alívio dessa pressão, compatível com um modus
vivendi que torna as pessoas escravas do trabalho e do prazer material.
Essa seria, sob o ponto de vista freudiano, a razão profunda da rejeição que a alta
cultura tem hoje sofrido. Bach, Goethe e Leibniz parecem ter se tornado
supérfluos. Sob a ótica freudiana, essa seria a razão profunda da rejeição que
a alta cultura vem sofrendo: o ser humano não parece precisar mais dela. Bach,
Goethe e Leibniz tornaram-se, ao que parece, supérfluos.
Muitos
argumentarão que a explicação freudiana, embora contenha elementos de verdade,
é insuficiente, pois o fenômeno em questão reflete as distorções geradas pela
superestrutura ideológica do sistema capitalista. Filósofos influenciados por
Marx — como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse — atribuíram ao
capitalismo pós-industrial a responsabilidade pela alienação cultural do homem
contemporâneo, vítima daquilo que denominaram “indústria cultural”.
Herbert Marcuse,
ao tentar combinar Freud com Marx, introduziu o conceito de dessublimação
repressiva[31]:
necessidades e desejos só podem ser satisfeitos se não forem capazes de ameaçar
estruturas sociais e econômicas vigentes. Nesse contexto, a superestrutura
ideológica do capitalismo avançado fomenta uma forma de filistinismo cultural
que torna os indivíduos mais úteis à produção tecnológica e ao consumo de seus
produtos, num ciclo vicioso de trabalho e consumo que, se deixado à revelia, torna-se
destrutivo. A negligência em relação à natureza é um exemplo emblemático desse
processo. A prática filosófica tampouco escapa às vicissitudes impostas pela
dessublimação repressiva. Historicamente ela tem servido – e continua a servir
– à superestrutura ideológica, apesar dos esforços críticos de gente como Marx,
Nietzsche e Wittgenstein.
Podemos agora
examinar algumas maneiras pelas quais os atuais mecanismos de racionalização
burocrática e o sistema socioeconômico são capazes de militar contra o que de
melhor pode ser feito em filosofia.
Considere
primeiro, por razões comparativas, o modo como a filosofia foi feita nos tempos
de Locke e Hume, na Grã-Bretanha, ou nos tempos de Kant e Hegel, na Alemanha. Ela
sempre foi, da parte do filósofo, o resultado de um longo, persistente e imenso
“trabalho sobre si mesmo... sobre o próprio modo de ver as coisas”, para usar
as palavras de Wittgenstein.[32] Naqueles tempos, a filosofia
era honrada por uma nobreza erudita e por uma classe letrada que valorizava a
alta cultura em uma sociedade que era (para o bem e para o mal) extremamente
estratificada e elitista. Foi assim até a primeira metade do século XX.
Algum grau de esclarecimento
pode ser alcançado quando comparamos a situação atual com momentos de
revivescência cultural do passado. A verdadeira inovação — seja cultural ou
científica — é, por natureza, subversiva. Ela exige um redimensionamento profundo
e inevitável dos valores estabelecidos. Por isso, a alta cultura só floresce em
terrenos marcados por grandes conflitos, capazes de catalisar rupturas e forçar
o desenvolvimento de novas formas de assimilação. É nesse contexto que se torna
pertinente recordar a citação de Hegel mencionada no início deste capítulo.
Foi um tal cenário o que se
desenhou na primeira metade do século XX. Era imenso o sentimento de tensão e
insegurança nos relatos de quem viveu essa época. As velhas instituições, como
a monarquia, encontravam-se em ruínas, e os conflitos sociais acumulados
culminariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Reinava uma profunda
incerteza quanto ao rumo a seguir. Desse caos, alimentado por uma desconfiança
generalizada em relação aos valores, ideias e instituições tradicionais,
emergiu uma renovação cultural de proporções comparáveis às do Renascimento. Nesse
período, surgiram artistas de linguagem profundamente disruptiva, como Picasso
e Dalí na pintura, James Joyce na literatura, Igor Stravinsky e Béla Bartók na
música. Na filosofia, destacaram-se pensadores de originalidade radical como
Wittgenstein e Russell (que resgataram Frege) além de Edmund Husserl e Martin
Heidegger, além do revolucionário analista da cultura e da psicologia profunda
que foi Sigmund Freud. Paralelamente a isso veio a grande revolução da física
moderna, com a criação da teoria da relatividade por Einstein e o aparecimento
da teoria quântica através do esforço conjunto de alguns físicos excepcionais. Esse
ímpeto transformador perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o
mundo voltou à normalidade. A filosofia foi então progressivamente absorvida
por um cada vez mais amplo sistema universitário. Nesse novo ambiente, o solo
fértil para inovações disruptivas foi aos poucos cedendo espaço a uma filosofia
institucionalizada, que, embora muito produtiva, operava cada vez mais em ponto
menor. Não surpreende que os dois mais significativos filósofos alemães da
segunda metade do século XX, Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat, tenham nascido ainda
na primeira metade do século XX. Não surpreende, portanto, que os dois mais
influentes filósofos alemães da segunda metade do século XX — Jürgen Habermas e
Ernst Tugendhat — tenham nascido ainda na primeira metade do século.
Uma última questão
é saber se a academia ainda é capaz de selecionar pessoas genuinamente
vocacionadas. Parece-me cada vez menos. A filosofia, assim como a matemática ou
a música, demanda alguma espécie de vocação, além de um ambiente propício ao
seu florescimento, onde rigor e liberdade possam coexistir.
Após ter estudado o pensamento de Tomás de
Aquino, Anthony Kenny distinguiu uma característica comum à vocação filosófica:
A filosofia é tão abrangente em seu assunto, tão vasta em seu campo de
operação, que alcançar uma visão filosófica sistemática do conhecimento humano
é uma tarefa tão árdua que só o gênio pode fazê-la. Tão imensa é a filosofia
que apenas uma mente totalmente excepcional pode ver as consequências até mesmo
do mais simples argumento ou conclusão filosófica. Para todos nós que não somos
gênios, a única maneira de lidar com a filosofia é alcançando a mente algum
grande filósofo do passado.[33]
Embora a expressão como ‘gênio filosófico’ seja
facilmente envolvida por uma aura de mistificação, ela pode ser aqui entendida
como o uso reflexivo e contínuo de um talento que une rigor lógico a uma
sensibilidade quase artística, tendo mais a ver com uma integração das
faculdades do que com alguma habilidade isolada. O esforço consiste sobretudo
em um trabalho ruminante, mesmo quando inaparente, que é o de selecionar entre
muitas ideias ruins aquelas que são boas em suas articulações com o domínio mais
amplo do saber. Trata-se de um processo longo, independente e geralmente
inconsciente.[34]
Essa foi uma característica distintiva de todos
os filósofos discutidos nesse livro, o que exigia um ambiente minimamente
fértil para seu desenvolvimento. Tal ambiente, contudo, parece ausente na atual
paisagem acadêmica, dominada por uma hiperespecialização cientificista, reducionista
e fragmentadora do domínio especulativo resultante de um ethos perverso
imposto por uma sociedade culturalmente decadente.
[1] Susan Haack: “The Fragmentation of Philosophy,
The Road to Reintegration,” in Reintegrating Philosophy. Ed. J. F. Göhner, Eva-Maria
Junger (Springer Verlag, 2016), p. 5.
[2] Jenny Teichmann: “Don’t be Cruel or
Reasonable”, in Polemical Papers (Ashgate 1997), p. 134. Cf.
também Harry Frankfurt, On Bullshit (Princeton University Press, 2005). Segundo
Frankfurt, o "bullshiteiro" difere do mentiroso. Enquanto o mentiroso
conhece a verdade e deliberadamente a oculta, o bullshiteiro é alguém que
produz construções intelectuais sem qualquer compromisso com a verdade. Esse
fenômeno decorre do fato de que, no mundo contemporâneo, há um número crescente
de pessoas que possuem cultura, mas que não têm nada de relevante a dizer.
[3] Fabrice Correa, Logic of Grounding
(Cambridge University Press, 2025).
[4] Maurin,
A-S. “Infinite Regress – Virtue or Vice?” In Philosophical Papers: Hommage à
Wlodek, 2007.
[5] Christopher Shields, Aristotle (Routledge,
2013)
[6] Katrin Koslicki, Form, Matter, Substance
(Oxford University Press, 2018).
[7] D. W. Hamlyn: Uma história da filosofia ocidental (Zahar,
1990), p. 398. O original foi publicado em 1987.
[8] O cientismo foi denunciado nos artigos de Susan Haack,
mas antes dela por P. F. Strawson, e antes dele por Wittgenstein, segundo o
qual “Filósofos veem constantemente os métodos da ciência diante dos olhos e
são irresistivelmente tentados a perguntar e a responder do modo como a ciência
o faz. Essa tendência é a fonte real da metafísica e deixa o filósofo na
completa escuridão” The Blue and the Brown Books (Basil Blackwell,
1958), p. 18.
[9] Isso não acontece só na filosofia. Há muitos anos li um sociólogo
inglês, D. G. MacRae, queixar-se de que não é mais possível produzir um Max
Weber, uma vez que não dispomos mais do tempo e da liberdade quase ilimitada na
aquisição de conhecimento que eram dadas aos professores da universidade alemã
do início do século XX.
[10]
“Scientistic philosophy, No; scientific philosophy, Yes.” In Philosophical Investigations, vol. 15, 2021,
pp. 4-35, 26.
[11] Como notaram Kevin Mulligan, Peter Simons e Barry
Smith sobre o formalismo excessivo, “Uma tradição filosófica que sofre de horror
mundi sob forma endêmica está condenada à futilidade”. “What is Wrong with
Contemporary Philosophy?” Topoi 25, 63-67, 2006.
[12] Keith Campbell., Abstract Particulars. Oxford:
Blackwell, 1990
[13] Harris, S., Free Will. Free Press,
2012.
[14] Susan Haack, “The Fragmentation of
Philosophy, The Road to Reintegration,” p. 24.
[15] Cf.
Scott Soames. Philosophical Analysis in the Twentieth Century (Princeton
University Press 2003) vol. II, Epílogo. Opostamente a Haack, Soames viu essa
multiplicação de subespecializações de forma positiva como a marca da filosofia
atual.
[16] Susan
Haack, “Scientistic philosophy, No; scientific philosophy, Yes”, p. 24.
[17] John Searle, “Proper Names”, Mind 1958.
[18] Digo isso por experiência
própria, uma vez que me considero a inesperada exceção como autor do livro How
do Proper Names Really Work? (De Gruyter, 2023), que solapa a sabedoria
herdada ao propor uma abrangente que confronta diretamente a fragmentação
teórica que, tanto quanto sei, continua a alimentar as teorias da referência.
[19] Personal notebooks, 1931.
[20] Wittgenstein, Philosophische
Untersuchungen (Blackwell 2009), I, sec. 122.
[21] Ernst Tugendhat, „Die
Philosophie unter dem Sprachanalytischen Sicht“, in Philosophische
Aufätze 1967-1990 (Suhrkamp 1991).
[22] Susan
Haack, “Scientistic Philosophy, No; Scientific Philosophy, Yes”, p. 30.
[23] Na presente introdução procurei demonstrar essa
possibilidade ao explorar algumas relações entre as filosofias da tradição e
entre elas e a filosofia e ciência contemporâneas. Um exemplo: a ponte lançada entre a ontologia
platônico-aristotélica (caps. II e III), a crítica nietzschiana da filosofia
cristã (cap. XVI) e a metafísica naturalista de Donald Williams (cap. XIX).
[24] Ver Max Weber: „Wissenschaft als
Beruf“. Trad. port. “Ciência como vocação“, in Ensaios de sociologia (Rio
de Janeiro: LTC 1982), pp. 97-107.
[25] Jürgen Habermas. „Entgegnung.“ In
A. Honnett, Joas H. (1986) Kommunikatives Handeln (Suhrkamp, 1986), pp.
327-417.
[26] Note-se, por exemplo, que não temos sequer
uma ciência da moralidade capaz de substituir suficientemente a moral teológica,
apesar de mais de dois milênios de reflexão filosófica sobre o tema. Essa
lacuna permite o surgimento de seitas como as do reencantamento místico e do
pós-modernismo. Ambos oferecem respostas a uma demanda por fundamentos éticos
mais sólidos e universalizáveis.que são insuficientes para suprir.
[27] Max Weber: Die
protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (1905). Trad. port. A
ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. in coleção Os
Pensadores n. 37 (Abril Cultural, 1974) p. 236.
[28] Max Weber. Political
Writings. Ed. Peter Lassman (Cambridge University Press 1994), xvi.
[29] Cf. Jürgen Habermas: “Was heisst
Universalpragmatik?” In Karl-Otto Apel, Sprachpragmatik und Philosophie (Suhrkamp
1982).
[30] Sigmund Freud: Das Unbehagen in der Kultur. Trad.
port. O mal-estar na civilização (Imago 1997).
[31] One-Dimensional Man: Studies in the
Ideology of Advanced Industrial Societies (Beacon Press 1964), cap, 3.
[32] Wittgenstein, Culture
and Value (Oxford: Blackwell 1996), p. 18.
[33] Anthony Kenny, Aquinas on Mind (Routledge
1994), p. 9.
[34] Friedrich Nietzsche apresentou
insights importantes sobre essas questões em Humano, demasiado humano, sec.
IV.
Artigo para publicação. Escolhi tornar a exposição mais "soft", o que não creio ser o mais correto.
A FILOSOFIA NA JAULA DE FERRO
A necessidade da filosofia só pode nascer em épocas de
crise, quando o poder de unificação desaparece da vida dos homens, e as
oposições, perdendo a sua viva semelhança e reação recíproca, se tornam
independentes.
Hegel
Resumo:
Este artigo propõe uma explicação para
a falta de inovações disruptivas na filosofia contemporânea como consequência
da racionalização e da burocratização dos sistemas acadêmicos responsáveis pela
produção e avaliação da reflexão filosófica. Tais sistemas adotam critérios de
avaliação oriundos da pesquisa científica, os quais, embora eficazes em seus
domínios específicos, costumam revelar-se inadequados à natureza da
investigação filosófica, conduzem à fragmentação cientificista e
hiperespecialização da pesquisa filosófica, comprometendo sua capacidade de
gerar rupturas conceituais significativas e de dialogar com questões
fundamentais de forma ampla e integrada.
Summary
This article aims to examine the lack
of disruptive innovations in contemporary philosophy as a consequence of the
accelerated rationalization and bureaucratization of academic systems governing
the production and evaluation of philosophical inquiry. These systems tend to
adopt evaluative criteria derived from scientific research paradigms, which,
while methodologically rigorous, have limited value if applied to philosophical
reflection. As a result, they tend to foster a scientistic, fragmented approach
to philosophical research, thereby constraining its potential for conceptual
breakthroughs and broader intellectual engagement.
Palavras Chave:
Metafilosofia, filosofia crítica,
cientismo, fragmentação, Susan Haack.
Key-Words
Metaphilosophy, critical philosophy,
scientism, fragmentation, Susan Haack.
Se
entendermos filosofia como a produção de desenvolvimentos intelectuais disruptivos,
como queremos considerar aqui, parece claro que a filosofia atual se encontra
em má forma.
Essa avaliação não é isolada. Susan Haack
figura entre os poucos acadêmicos que ousaram abordar esse ponto sensível. Em
sua opinião, a filosofia contemporânea atravessa um verdadeiro “desastre
intelectual” (2016: p. 5). Essa perspectiva é reforçada por Jenny Teichman,
que, em tom irônico, sugeriu que o escolasticismo acadêmico dos nossos tempos
acabará por nos conduzir a debates tão estéreis quanto a questão de saber quantos
filósofos seriam capazes de sentar sobre a ponta de uma agulha (1997: p. 134).
Antes de sermos mal interpretados, é
importante esclarecer aquilo que não se enquadra nessa crítica. Referimo-nos
aqui apenas aos desenvolvimentos disruptivos, revolucionários, transformadores;
aqueles que ainda ocorriam em um passado não muito distante. Não estamos nos
referindo a trabalhos especializados paralelos como, para dar exemplos, a
lógica do grounding, junto a suas interessantes aplicações (Correa:
2025), nem a desenvolvimentos pontuais (Maurin: 2007), nem a estudos
interpretativos (Shields: 2007) ou mesmo reconstrutivos, como a recente releitura
do hilomorfismo aristotélico proposta por Kathrin Koslicki (2018).
A Stanford Encyclopedia of Philosophy é,
obviamente, uma fonte indispensável para se compreender o que o sistema
acadêmico atual tem podido visualizar como sendo mais relevante nas discussões
filosóficas. Não obstante, quando voltamos nosso olhar para os desenvolvimentos
verdadeiramente disruptivos, os únicos nomes que nos ocorrem ainda pertencem à
segunda metade do século XX: ‘Jürgen Habermas’, ‘Saul Kripke’ e ‘John Searle’,
entre outros.
Os problemas que afetam a inovação
disruptiva na filosofia contemporânea têm sido agrupados sob as rubricas de escolasticismo,
cientismo, fragmentação e hiperespecialização. A análise
desses traços revela as razões pelas quais a filosofia atual parece estar presa
a um impasse que dificulta essa espécie de avanço. Para compreender esse
cenário, é necessário começar pelas causas imediatas desses fenômenos.
O primeiro deles, o escolasticismo, foi
caracterizado por D. W. Hamlyn como fruto da cultura dos artigos e livros. Em
vez de debates presenciais e dinâmicos — como ocorria ainda na Cambridge do
início do século XX — as discussões filosóficas hoje se desenrolam de forma
mais lenta, mediadas por textos e réplicas igualmente escritas.[1] Embora esse argumento perca força na era da Internet,
onde o diálogo pode ser instantâneo, o escolasticismo permanece uma realidade difícil
de ser contestada.
O cientismo é o problema fundamental.[2] Ele decorre do desenvolvimento exponencial da ciência
e da tecnologia que caracteriza nossa época. A cultura atual tende a substituir
a reverência aos deuses pela reverência aos átomos. Assim como já se disse que
a filosofia francesa foi corrompida pela literatura, pode-se afirmar que a
filosofia anglófila — hoje quase hegemônica — foi corrompida pela ciência.
Essa corrupção, denominada cientismo,
manifesta-se tanto externamente quanto internamente. No plano externo, ela se
relaciona ao sistema acadêmico, que há muito se tornou praticamente o único
lugar de abrigo para filósofos. Como observou Susan Haack, as universidades
modernas são cada vez mais geridas por CEOs, que priorizam produtividade e
exigem que todos estejam engajados em pesquisa. O paradoxo é evidente: onde
todos devem ser filósofos, ninguém pode realmente sê-lo.
Para ascender na hierarquia acadêmica, é
preciso publicar, de preferência nas revistas mais prestigiadas, sob a
supervisão de revisores especializados, atentos às últimas tendências
filosóficas, segundo o imperativo do publish or perish. Semelhante
competição selvagem pode até ser eficaz em certos campos da ciência aplicada,
mas revela-se contraproducente na filosofia. Ela inviabiliza a formação de uma
cultura ampla e diversificada, além de sufocar o lento amadurecimento das
ideias — condição essencial para um trabalho filosófico verdadeiramente
inovador. Sob pressão social e diante de uma concorrência crescente, os
pesquisadores acadêmicos passaram a encarnar a metáfora de Max Weber: um mundo
burocratizado onde indivíduos se tornam pequenas peças de uma imensa engrenagem
e cuja única ambição é se tornarem peças um pouco maiores.
Essa
lógica foi intensificada pela expansão da Internet no século XXI. O número de
artigos acadêmicos cresceu de forma tão vertiginosa que sua avaliação e
influência passaram a depender mais da reputação das instituições e periódicos
que os publicam do que de seus méritos intrínsecos. Nesse cenário, a
“habilidade computacional” do operário acadêmico substitui a amplitude e
profundidade do pensamento, já que apenas a primeira admite formas de
mensuração que tendem a se tornar cada vez mais técnicas e mecânicas. Vale
lembrar que Einstein aprendeu física com uma lentidão exasperante — só
comparável à sua persistente paixão intelectual.[3]
Afora isso, o autor de um trabalho
filosófico deve alinhar seus objetivos às metas pré-estabelecidas por editores
cada vez menos expressivos, o que desestimula ideias verdadeiramente
inovadoras, pois estas enfrentam maiores obstáculos para atravessar o cerco de
avaliações cada vez mais burocráticas e pré-definidas em suas expectativas.
Haack acrescentou a isso sintomas de corrupção intelectual como o carreirismo e
o compadrio, somados a “incentivos perversos” como, em filosofia, a
doação de bolsas e premiações dentro de um escopo inevitavelmente restrito e
previsível (2021: p. 26).
É nesse ambiente filosoficamente empobrecido
que o cientismo filosófico revela seu poder de sedução. Do ponto de vista
externo, embora tecnicamente exigente, ele não impõe grandes exigências culturais
— o que contribui para atrair um número significativamente maior de
pesquisadores. O especialista precisa apenas dominar um nicho específico de
discussão, onde possa respirar com relativa segurança, munido de alguns
dispositivos metodológicos tomados em empréstimo de alguma ciência particular.
Em outras palavras, o filósofo-especialista está dispensado de adquirir uma
cultura geral, de estudar a história da filosofia e, por vezes, até mesmo de
conhecer a história recente do próprio domínio específico em que atua.
O cientismo pode ser entendido de um ponto
de vista interno, como uma imitação do procedimento da ciência pelo recurso a
desenvolvimentos científicos aplicados indebitamente a um domínio de
investigação filosófica.[4] Isso se manifesta, por exemplo, no recurso a
formalismos questionáveis, como a tentativa de resolver o problema dos
universais por meio de sua redução a conjuntos de propriedades (Campbell,1990).
Também se observa na apropriação de ideias oriundas da ciência empírica, como filósofos
que, baseados nos experimentos de Benjamin Libet mostrando que em situações
específicas o potencial de prontidão ocorre antes da consciência do agir,
defenderam que o livre-arbítrio não existe, ignorando reflexões filosóficas
mais amplas e complexas sobre o tema (Harris, 2012).
É compreensível que as reações
cientificistas conduzam à fragmentação do domínio investigativo. Acerca disso,
Haack divisou um problema mais profundo, subjacente aos demais, que ela chamou
de especialização precoce. O mecanismo é o seguinte: partindo de
fundamentos não garantidos, embora integrantes de uma sabedoria herdada,
teoristas elaboram alguma “hipótese curiosa”, prima facie implausível. Qualquer
observador externo não especializado dirá que a hipótese curiosa não levará a
lugar algum. Mas isso pouco importa. Uma vez abraçada pelos membros da seita,
ela possibilita a todos sustentarem discussões, garantir bolsas de pesquisa e
gerar publicações por um certo número de anos. Eventualmente, escreve ela, o
tédio se instala e os participantes abandonam o problema, procurando outra
hipótese curiosa com a qual possam reiniciar o jogo. (Haack 2016: 24) A
situação torna-se ainda mais preocupante quando essas hipóteses curiosas se
subdividem indefinidamente, sem qualquer limite à vista.[5]
Nesse cenário, o que se vê não é uma evolução conceitual sustentada por
fundamentos sólidos, mas uma sucessão de hipóteses curiosas que, embora
sofisticadas em aparência, carecem de estabilidade epistemológica.
Haack contrapôs a esse cenário a
especialização genuína, que emerge de um campo científico bem fundamentado.
Nesse caso a especialização é produtiva, permitindo desenvolvimentos internos
seguros. Já a hiperespecialização filosófica, construída sobre bases
hipotéticas instáveis e incertas, carece de um rigoroso trabalho de
questionamento da sabedoria herdada, o que nunca é feito. Haack também observou
que quando se trata dos diferentes grupos de teóricos que trabalham na mesma
problemática, cada grupo se orientando segundo suas próprias hipóteses
curiosas, esses grupos evitam discutir entre si. E isso não deveria
surpreender: afinal, não se pode tentar avaliar uma improbabilidade através de
outra.
Tomando como exemplo as teorias da
referência na filosofia da linguagem, observamos aqui também uma multiplicação
de abordagens: há quem defenda teorias metalinguísticas, outros optam pelo
predicativismo, pelas semânticas bidimensionais, pelo referencialismo, pela
teoria dos arquivos mentais e até mesmo pelos neodescritivismos... Todos esses
modismos teóricos fragmentadores dependem da formação do que Haack ironicamente
chamou de “panelinhas, nichos, cartéis e feudos” (2021: p. 24). Tais
agrupamentos, entretanto, revelam-se mal orientados se considerarmos a
possibilidade da construção de uma teoria da referência realmente abrangente,
que revolucione os fundamentos externalistas-causais (Saul Kripke...) ou mesmo internalistas-descritivistas
(John Searle...) que cada grupo sustenta de forma dogmática.
O exemplo que escolhi acima é o das
discussões entre os teóricos da referência na filosofia da linguagem
contemporânea. Tais disputas poderiam ser resolvidas de forma definitiva caso
dispuséssemos de uma teoria da referência abrangente, capaz de solapar os
fundamentos que cada grupo aceita de maneira dogmática. No entanto, empreender
uma iniciativa com essa amplitude seria embarcar numa aventura difícil,
perigosa e prolongada – uma empreitada de caráter potencialmente destrutivo,
que inevitavelmente se chocaria com os interesses estabelecidos. Por isso, é
improvável que alguém inserido no meio acadêmico se atreva a realizá-la em
plena consciência. Paradoxalmente, é justamente esse tipo de aventura que
parece capaz de viabilizar o verdadeiro progresso filosófico.
Cientificismo, hiperespecialização e
fragmentação estão interligados. São sintomas de uma mesma síndrome
reducionista, responsável por gerar becos sem saída filosóficos. Esses impasses
se multiplicam porque seus fundamentos — tênues e vacilantes — jamais são
questionados, sendo assumidos dogmaticamente. Como resultado, tornam-se
obstáculos à formulação de soluções reais, suficientemente complexas e
sistemáticas, para os problemas que se propõem a enfrentar.
A única alternativa para salvar a filosofia
dessa espécie de indigência reside na renovação consciente dos pressupostos
sobre os quais ela tem se apoiado. Contudo, essa renovação não parece viável a
partir de dentro dos mecanismos que a mercantilizam, sobretudo em um ambiente
cultural dominado pela racionalidade instrumental.
1
Existe uma
saída para essas atribulações? Também aqui Haack apontou para o caminho certo,
tomando como modelo o gênio filosófico de C. S. Peirce. O que está faltando é
uma filosofia mais propriamente abrangente, o que também equivale
a dizer, mais profunda. Trata-se de seguir o conselho que Wittgenstein deu a si
próprio em um de seus diários: “Não se envolva em problemas parciais, mas
sempre alce voo para onde há visão livre do todo o grande único problema, mesmo
se essa visão ainda não é clara”.[6]
Como ele mesmo famosamente notou em suas Investigações filosóficas,
precisamos buscar abrangência através de representações panorâmicas ou
sinópticas (übersichtliche Darstellungen) de nossa gramática
conceitual (2009: I, sec. 122). Ernst Tugendhat, em sintonia com essa
perspectiva, definiu a filosofia como a investigação das estruturas conceituais
centrais responsáveis por nossa compreensão do mundo (1991: p. 132). Nada muito
distante das questões do tipo “O que é X?”, onde X está para um conceito, que
já eram encontradas nos diálogos socráticos.
À ideia de abrangência, Haack acrescenta um
elemento heurístico que ela denomina “busca por aproximações sucessivas” (2021:
p. 30), partindo de uma concepção inicial vaga e ampla. Esse procedimento pode
ser comparado à arte de pintar: começa-se com uma visão geral — uma exibição
difusa de formas, cores, luzes e sombras. Aos poucos, as formas vão sendo
delineadas com maior precisão, os erros são identificados e corrigidos,
detalhes e nuances são adicionados, e aquilo que inicialmente parecia apenas
borrões incompreensíveis transforma-se em imagens claras, convincentes e
verdadeiramente belas. Podem ser pinturas a óleo, colagens, afrescos... A obra
de Habermas, por exemplo, me parece comparável a uma série de grandes painéis,
com momentos de notável densidade — como o de sua teoria da pragmática
universal.
Para justificar esse método, Haack recorreu
à noção de consiliência (2016: p. 15). A consiliência é um pressuposto
heurístico indispensável ao progresso da ciência. Segundo ela, o mundo possui
unidade e, por isso, as ideias científicas verdadeiras devem se complementar,
reforçando-se mutuamente por sua relação com a verdade. A originalidade de
Haack reside em aplicar essa noção às teorias filosóficas. Foi Wittgenstein
quem captou essa interdependência por meio de uma hipérbole: a dificuldade da
filosofia consiste no fato de que, para resolver um problema filosófico, é
preciso resolver todos os outros. De fato, à medida que diferentes subáreas da
filosofia se entrelaçam, as teorias nelas desenvolvidas devem ser capazes de se
fortalecer mutuamente, de forma heurística. Isso implica que o filósofo deve
possuir sólida formação científica, humanista e filosófica. A ciência pode ser
convocada para auxiliar em certos casos, mas não para fundamentar a reflexão
filosófica. A adoção da consiliência, nesse contexto, exige um procedimento por
aproximações sucessivas, no qual os diversos campos do saber se tornam
gradualmente mais coerentes entre si, compondo um grande painel.
É evidente que não podemos abordar as
questões hoje da mesma maneira que Kant ou Hegel. Tampouco é possível fazê-lo
sem uma reconsideração profunda das contribuições dos filósofos tradicionais e
de alguns pensadores contemporâneos. No entanto, parece perfeitamente viável
enfrentar esse desafio ainda hoje, desde que nos apoiemos em fundamentos
culturais e científicos significativamente mais amplos, dentro dos mais
estritos e rigorosos espaços de investigação disponíveis.
2
Com as
observações feitas até aqui, procuramos considerar as causas imediatas das
dificuldades enfrentadas pela filosofia contemporânea. No entanto, há também
fatores mais remotos e complexos que merecem atenção. O que se segue será uma
tentativa de lançar alguma luz sobre essa questão — ainda que talvez não
consigamos mais do que entreter o leitor com um pot-pourri imperfeito de
ideias extraídas de fontes bastante diversas.
Há, primeiramente, um fenômeno sociocultural
profundo e pervasivo no curso do desenvolvimento da civilização, que Max Weber
chamou de Entzauberung der Welt: o desencantamento do mundo
(1982: p. 105) Embora Weber tenha se concentrado no exame de processos sociais
advindos da reforma protestante e do desenvolvimento das economias
capitalistas, sua origem foi bem mais remota. No início do processo
civilizatório o mundo que nos rodeia era visto como algo vivo, capaz de possuir
entendimento e paixão e de responder aos apelos humanos. Como complemento, as
práticas culturais que presidiam as comunidades humanas eram elas próprias
organicamente construídas com base nas interações sociais do assim chamado
mundo da vida (Lebenswelt) – o mundo do agir quotidiano. Mesmo após a
emergência do monoteísmo judaico-cristão, quando as comunidades eram
administradas em associação com lideranças religiosas, quando ainda existiam
santos e milagres, e uma vida humana profundamente regulada pela religião, o
mundo permanecia repleto de magia.
Contudo, especialmente com o avanço da
economia capitalista no final do século XIX e o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia que a sustentaram, instaurou-se uma ruptura muito mais profunda com
a visão religiosa anteriormente dominante. Ainda que as religiões continuem
exercendo influência, hoje elas muito mais acompanham do que presidem a vida
humana. O que se observa é uma substituição gradual — e atualmente acelerada —
do mundo animista por um mundo cada vez mais secular, cada vez mais
“mundanizado”. O progresso científico e técnico contribuiu decisivamente para o
enfraquecimento da magia e da força institucional do universo místico. No plano
da organização social, essa transformação foi impulsionada por processos que
Max Weber denominou de racionalização (em que tudo deve ser esclarecido,
calculado e controlado), burocratização (quando os processos sociais
passam a ser regidos por regras, números e critérios de eficiência, em
detrimento da tradição) e secularização (que desloca a religião para o
âmbito da crença privada).
Esses processos tornam a produção de bens
significativamente mais eficaz, mas frequentemente se estabelecem a custo do
que ele chamou de ação valorativa. Sob tais condições, a alienação torna-se
inevitável: o indivíduo perde sua autonomia, transformando-se na peça de um
mecanismo que desconhece, ao mesmo tempo em que se desvincula do enraizamento
construído naturalmente no mundo da vida.
Hoje, quando a ciência e a técnica
conquistam cada vez mais a vida humana, vivemos sob a égide dessa forma
intensificada de desencantamento. Como procurou sumarizar Jürgen Habermas: a
patologia do mundo contemporâneo consiste na “colonização do mundo da vida pelo
sistema”, entendendo-se por sistema as instituições de poder econômico e
político (1986: pp. 327-417). Uma razão para ser assim é que os sistemas são
“autopoiéticos” no sentido de que, uma vez estabelecidos, eles se organizam e
desenvolvem de modo autônomo, sobretudo quando deixados à revelia de um
controle social suficientemente crítico, capaz de garantir que continuem
servindo aos interesses da sociedade que os criou. Mas isso não é tudo.
Weber introduziu o conceito de
desencantamento sob a influência de Nietzsche, o que nos faz pensar na questão
do niilismo. Como vimos, uma consequência da perda do papel fundacional
da crença religiosa na sociedade pode bem ser o niilismo, entendido como a dissolução
dos valores morais e o esvaziamento de sentidos compartilhados. Esse vazio pode
dar lugar a ideologias simplificadoras, como seitas místicas degeneradas ou
sistemas totalitários, exemplificados pelo comunismo soviético em sua versão
estalinista e pelo nazifascismo. Trata-se nos dois últimos casos de patologias
sociais profundamente perturbadoras, que sob outros nomes ainda hoje nos
assediam.[7]
Embora Weber reconhecesse a inestimável
importância social dos processos de racionalização, burocratização e
secularização na melhoria do desempenho da sociedade como um todo, ele também
foi um crítico enérgico de suas limitações e dos riscos de produzirem efeitos
colaterais socialmente e culturalmente patológicos. É emblemática, nesse
sentido, a célebre metáfora da “jaula de ferro”, utilizada por Weber para
ilustrar a perda da autenticidade da vida interior em um mundo progressivamente
desumanizado pela racionalização, pela burocracia e pela secularização
indiscriminadas.
Ninguém sabe
quem irá viver nessa jaula no futuro, ou se no final desse tremendo
desenvolvimento profetas inteiramente novos surgirão, ou se haverá um grande
renascimento de velhas ideias e ideais, ou, se nada disso, apenas petrificação
mecanizada, adornada por uma espécie convulsiva de autoimportância. Para o
“último homem” desse desenvolvimento cultural pode-se dizer com amarga
precisão: “Especialista sem espírito, sensualista sem coração; essa nulidade imagina que conquistou um nível de
humanidade nunca antes alcançado”. (1974: 236)
O sistema
econômico-institucional orientado para os fins (Zwecksorientiert) desfaz
os modos míticos de apreensão e domínio da realidade, originariamente gestados
e elaborados de forma orgânica a partir de formas de vida sociais pretéritas.
Em seu lugar instaurou-se um sistema empobrecedor e alienador, que se apresenta
na forma de instituições burocráticas que modelam ideologicamente os interesses
dos seres humanos que lhe pertencem. Esse sistema se torna ainda mais
proeminente na contemporaneidade, marcada pelo metacapitalismo – uma
configuração em que grandes corporações não apenas suprimem a livre
concorrência, mas também exercem influência sobre o próprio Estado. Os efeitos
são manifestamente alienadores: os indivíduos passam a operar como pequenas
peças cuja única ambição é a de se tornarem peças maiores no interior de um
imenso maquinismo dentro do qual, sem perceber, trilham um caminho que tenderá
a conduzi-los, segundo Weber, à “noite polar da mais gélida escuridão” (1994:
xvi). Esse diagnóstico só não é mais pessimista porque, como notamos, ele
acreditava que a mesma sociedade que produz as jaulas de ferro também possui o
potencial de reabri-las.
Também vale notar que os processos de
burocratização, de racionalização e de secularização são originadores de um
outro elemento ideológico que parece indispensável ao esclarecimento da
problemática aqui abordada. Trata-se do fenômeno de massificação da cultura
frequentemente denominado indústria cultural. A alta cultura do passado
já não serve aos propósitos ideológicos da sociedade tecnológica na qual
vivemos, cada vez mais materialista e hedonista. A cultura de massa suspende o
elemento reflexivo e possivelmente conflitante que emerge sempre que se
confronta uma vida dominada pela ação voltada à consecução de fins materiais
com a ação valorativa. Isso significa que a arte deve ser rebaixada de seu
potencial crítico e que a religião, ou qualquer sublimação de sentimentos a ela
associada, deve ser tornada suficientemente banal para limitar seu potencial de
formação de conteúdos críticos paralisadores da ação e perturbadores da
organização social. Isso é evidente na atual regressão da qualidade do gosto
musical, um fenômeno chamado por Theodor Adorno de “regressão da audição”,
assim como na simplificação popularizadora dos rituais religiosos.
Isso implica o rebaixamento da arte em
relação ao seu potencial crítico, bem como a banalização da religião e de qualquer
forma de sublimação afetiva a ela vinculada, de modo a neutralizar sua
capacidade de gerar conteúdos críticos que possam paralisar a ação ou perturbar
a ordem social estabelecida. Tal dinâmica é evidente na regressão da qualidade
do gosto musical (fenômeno que Theodor Adorno denominou “regressão da audição”),
assim como na simplificação popularizadora dos rituais religiosos. A ideia
central é que, nos dias atuais, o ser humano encontra-se tão profundamente
imerso na cultura de massa produzida pela chamada indústria cultural, que se
tornou completamente incapaz de perceber sua própria alienação.
Mais do que isso, a indústria cultural tem
penetrado profundamente na própria instituição universitária, impacto que se
manifesta de forma evidente na prática filosófica. A universidade, orientada
prioritariamente para o progresso científico-tecnológico, passou a restringir o
florescimento da filosofia enquanto expressão de uma cultura superior. Essa
transformação responde a fenômenos como o desencantamento, a burocratização, a
racionalização e a colonização do mundo da vida pelo sistema — aos quais se
soma, mais recentemente, a subserviência à indústria cultural.
A questão que importa é a seguinte. Por que
a sociedade, que tem o poder de questionar e neutralizar o processo de
burocratização, quando ele se demonstra distorsivo e massificador da cultura,
ainda não o fez? Como Jürgen Habermas (1982) demonstrou, através do discurso
dialógico (Diskurs) é possível criar situações ideais de fala nas
quais a atividade voltada para os fins é reavaliada sem coerções internas ou
externas, com acesso irrestrito à informação e através de interlocutores
heuristicamente e eticamente comprometidos.
Parte da resposta, cremos, pode ser
encontrada em Freud (1997: p. 48). Para ele o ser humano é por natureza inimigo
da cultura. A civilização – incluindo-se nela a alta cultura, idealmente
representada pelos grandes filósofos da tradição, representa uma arma de dois
gumes: se de um lado facilita a vida, de outro demanda repressão pulsional,
oprimindo o indivíduo. Na modernidade europeia (de Descartes a Kant) havia
espaço para a alta cultura na música, na literatura e na filosofia, justamente
em função mesmo das exigências restritivas impostas pela civilização. Tensões
semelhantes podem ser observadas no Renascimento e na Grécia Antiga. Note-se,
por exemplo, que na época de Bach, uma cidade alemã com sessenta mil habitantes
podia contar com meia dúzia de salas de concerto. A Königsberg de Kant tinha
cerca de 65 mil habitantes — número equivalente ao da cidade de Caicó, no Rio
Grande do Norte. A Revolução Industrial parece ter reduzido significativamente
a pressão repressiva necessária à sustentação da alta cultura — fenômeno já
denunciado por Nietzsche. E o mundo tecnológico contemporâneo permite um alívio
dessa pressão, compatível com um modus vivendi que torna as pessoas escravas do
trabalho e do prazer insublimado. Essa seria, sob o ponto de vista freudiano, a
razão profunda da rejeição que a alta cultura tem hoje sofrido. Sob a ótica
freudiana, essa seria a razão profunda da rejeição que a alta cultura vem
sofrendo: na sociedade tecnológica o ser humano não parece precisar mais dela.
Bach, Goethe e Leibniz tornaram-se, ao que parece, supérfluos.
Muitos argumentarão que a explicação
freudiana, embora contenha elementos de verdade, é unilateral, pois o fenômeno
em questão reflete as distorções geradas pela superestrutura ideológica do
sistema capitalista. Filósofos influenciados por Marx — como Theodor Adorno,
Max Horkheimer e Herbert Marcuse — atribuíram ao capitalismo pós-industrial a
responsabilidade pela alienação cultural do homem contemporâneo, vítima daquilo
que denominaram “indústria cultural”.
Marcuse, ao tentar articular Freud com Marx,
introduziu o conceito de dessublimação repressiva: os impulsos e desejos
só podem ser satisfeitos se não forem elevados a ponto de ameaçar as estruturas
vigentes de poder e ação (1964: cap. 2). A superestrutura ideológica do
capitalismo avançado fomenta uma forma de filistinismo cultural, que torna os
indivíduos mais úteis à produção tecnológica e ao consumo de seus produtos —
num ciclo vicioso de trabalho e consumo que, se deixado à revelia, tende à
autodestruição. A negligência em relação à natureza é um exemplo emblemático
desse processo. A prática filosófica, por sua vez, não parece escapar às
vicissitudes impostas pela dessublimação repressiva. Ela serviu, e continua a
servir, à superestrutura ideológica, apesar dos esforços críticos de Marx,
Nietzsche e Wittgenstein.
Podemos agora examinar algumas maneiras
pelas quais os atuais mecanismos de racionalização burocrática e o sistema
socioeconômico são capazes de militar contra o que de melhor pode ser feito em
filosofia.
Considere primeiro, por razões comparativas,
o modo como a filosofia foi feita nos tempos de Locke e Hume, na Grã-Bretanha,
ou nos tempos de Kant e Hegel, na Alemanha. Ela sempre foi, da parte do
filósofo, o resultado de um longo, persistente e imenso “trabalho sobre si
mesmo... sobre o próprio modo de ver as coisas”, para usar as palavras de
Wittgenstein (1996: p. 18). Naqueles tempos, a filosofia era honrada por uma
nobreza erudita e por uma classe letrada que valorizava a alta cultura em uma
sociedade que era (para o bem e para o mal) extremamente estratificada e
elitista. Foi assim até a primeira metade do século XX.
Algum grau de esclarecimento pode ser
alcançado quando comparamos a situação atual com momentos de revivescência
cultural do passado. A verdadeira inovação — seja cultural ou científica — é,
por natureza, subversiva. Ela exige um redimensionamento profundo e inevitável
dos valores estabelecidos. Por isso, a alta cultura só floresce em terrenos
marcados por grandes conflitos, capazes de catalisar rupturas e forçar o
desenvolvimento de novas formas de assimilação. É nesse contexto que se torna
pertinente recordar a citação de Hegel mencionada no início deste capítulo.
Foi exatamente esse cenário que se desenhou
na primeira metade do século XX. Era imenso o sentimento de tensão e
insegurança nos relatos de quem viveu essa época. As velhas instituições, como
a monarquia, encontravam-se em ruínas, e os conflitos sociais acumulados
culminariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Reinava uma profunda
incerteza quanto ao rumo a seguir. Desse caos, alimentado por uma desconfiança
generalizada em relação aos valores, ideias e instituições tradicionais,
emergiu uma renovação cultural de proporções comparáveis às do Renascimento.
Nesse período, surgiram artistas de linguagem profundamente disruptiva, como
Picasso e Dalí na pintura, James Joyce na literatura, Igor Stravinsky e Béla
Bartók na música. Na filosofia, destacaram-se pensadores de originalidade
radical como Wittgenstein e Russell (que resgataram Frege) além de Edmund
Husserl e Martin Heidegger, além do revolucionário analista da cultura e da
psicologia profunda que foi Sigmund Freud. Paralelamente a isso veio a grande
revolução da física moderna, com a criação da teoria da relatividade por
Einstein e o aparecimento da teoria quântica através do esforço conjunto de
alguns físicos excepcionais. Esse ímpeto transformador perdurou até o fim da
Segunda Guerra Mundial, quando o mundo voltou à normalidade. A filosofia foi
então progressivamente absorvida por um cada vez mais amplo sistema
universitário. Nesse novo ambiente, o solo fértil para inovações disruptivas
foi aos poucos cedendo espaço a uma filosofia institucionalizada, que, embora
muito produtiva, operava cada vez mais em ponto menor. Não surpreende que os
dois mais significativos filósofos alemães da segunda metade do século XX,
Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat, tenham nascido ainda na primeira metade do
século XX. Não surpreende, portanto, que os dois mais influentes filósofos
alemães da segunda metade do século XX — Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat —
tenham nascido ainda na primeira metade do século.
Uma última questão é saber se a academia
ainda é capaz de selecionar pessoas genuinamente vocacionadas. Parece-me cada
vez menos. A filosofia, assim como a matemática ou a música, demanda alguma
espécie de vocação, além de um ambiente propício ao seu florescimento, onde
rigor e liberdade possam coexistir.
Após ter estudado o pensamento de Tomás de
Aquino, Anthony Kenny distinguiu uma característica comum à vocação filosófica:
A filosofia é tão abrangente em seu assunto, tão vasta
em seu campo de operação, que alcançar uma visão filosófica sistemática do
conhecimento humano é uma tarefa tão árdua que só o gênio pode fazê-la. Tão
imensa é a filosofia que apenas uma mente totalmente excepcional pode ver as
consequências até mesmo do mais simples argumento ou conclusão filosófica. Para
todos nós que não somos gênios, a única maneira de lidar com a filosofia é
alcançando a mente de algum grande filósofo do passado. (1994: p. 9)
Embora a
expressão como ‘gênio filosófico’ seja facilmente envolvida por uma aura de
mistificação, ela pode ser aqui entendida como o uso reflexivo e contínuo de um
talento que une rigor lógico a uma sensibilidade quase artística, tendo mais a
ver com uma integração das faculdades do que com alguma habilidade isolada. O
esforço consiste sobretudo em um trabalho ruminante, mesmo quando inaparente,
que é o de selecionar entre muitas ideias ruins aquelas que são boas em suas
articulações com o domínio mais amplo do saber. Trata-se de um processo longo,
independente e geralmente inconsciente. (Nietzsche, 2005, sec. IV)
Essa foi uma característica mais distintiva dos
grandes filósofos da tradição, o que sempre exigiu um ambiente fértil para seu
desenvolvimento. Tal ambiente, contudo, parece ausente na atual paisagem
acadêmica, dominada por um ethos acadêmico estimulador da
hiperespecialização cientificista e fragmentador do domínio especulativo.
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[1] D.
W. Hamlyn: Uma história da filosofia ocidental, p. 398. O original foi
publicado em 1987.
[2] O
cientismo foi denunciado nos artigos de Susan Haack, mas antes dela por P. F.
Strawson, e antes dele por Wittgenstein, segundo o qual “Filósofos veem
constantemente os métodos da ciência diante dos olhos e são irresistivelmente
tentados a perguntar e a responder do modo como a ciência o faz. Essa tendência
é a fonte real da metafísica e deixa o filósofo na completa escuridão” The
Blue and the Brown Books, p. 18.
[3] Isso não acontece
só na filosofia. Há muitos um sociólogo inglês, D. G. MacRae, queixou-se
de que não é mais possível produzir um Max Weber, uma vez que não dispomos mais
do tempo e da liberdade quase ilimitada na aquisição de conhecimento que eram
dadas aos professores da universidade alemã do início do século XX.
[4] Como
notaram Kevin Mulligan, Peter Simons e Barry Smith sobre o formalismo
excessivo, “Uma tradição filosófica que sofre de horror mundi sob forma
endêmica está condenada à futilidade”.
[5] Cf. Opostamente a Haack, Scott Soames saudou essa
multiplicação de subespecializações como a marca distintiva da filosofia atual.
(2023: vol. II, Epílogo)
[6] Personal
notebooks, 1931.
[7] Note-se, por
exemplo, que não temos sequer uma ciência da moralidade capaz de substituir su(ficientemente
a moral teológica, apesar de mais de dois milênios de reflexão filosófica sobre
o tema. Essa lacuna permite o surgimento de seitas como as do reencantamento
místico e do pós-modernismo. Ambos oferecem respostas a uma demanda por
fundamentos éticos mais sólidos e universalizáveis.que são insuficientes para
suprir.
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