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quinta-feira, 30 de julho de 2020

CONSERVADORES E PROGRESSISTAS (SOBRE O ZIG-ZAG POLÍTICO)

 

Draft para o livro Textos Esparsos a ser publicado pela editora Dialética. O texto foi inicialmente publicado no blog Neoiluminismo.

 

CONSERVADORES E PROGRESSISTAS

 

 

Se você acredita que eu penso que é preciso fazer uma opção entre ser de direita ou de esquerda, devo decepcioná-lo. No que se segue, quero demonstrar que pode ser desejável a existência de uma saudável dialética entre direita e esquerda e que ela é em boa medida intrínseca a um sistema político-econômico verdadeiramente democrático no qual existe progresso. Após a consideração dos argumentos, essa ideia se torna uma quase obviedade quando aplicada a estados democráticos pertencentes ao mundo atual, não tanto como eles são, mas pelo menos como deveriam ser.

   Para começar, quero tirar de foco aquilo que foge ao escopo de nossa discussão, que são os estados totalitários ditos de esquerda ou de direita. Quero também excluir esquerdas e direitas que podem ser ditas regressivas no sentido de que, embora geradas dentro de uma democracia, compactuam de forma geralmente furtiva com formas de autoritarismo e rescisão das liberdades civis.[1] Suponho, como base necessária ao meu argumento, uma sociedade democrática suficientemente bem formada, na qual leis sejam cumpridas e onde exista um razoável nível de transparência, de ‘fairness’ na atividade política. Dito isso, minha intenção é procurar esclarecer os verdadeiros papéis da esquerda e da direita em tal sociedade.

   Há uma pluralidade de termos que apresentam a dicotomia direita-esquerda, ela própria ideologicamente carregada e de aplicação confusa e ambígua.[2] Uma dicotomia pouco usada entre nós é a norte-americana entre libertarismo (libertarianism, um equivalente para a direita liberal) versus liberalismo igualitário (liberal-igualitarism, um equivalente para a esquerda democrática). Prefiro substitui-los respectivamente pelos termos conservadorismo versus progressivismo, que vejo como mais essenciais e menos carregados ideologicamente. Mesmo privilegiando essa última terminologia, manterei em parte a primeira, pois quero desafiar concepções arraigadas nas mentes de muitos e que me parecem claramente enganosas.

   Minha tese é simples: direita e esquerda, ou seja, conservadorismo e progressivismo, em um estado legitimamente democrático no qual existe desenvolvimento econômico, são opostos dialéticos interdependentes que podem e eventualmente mesmo devem alternar-se em uma enriquecedora dinâmica interna.[3] Ou seja, faz parte da dinâmica de um estado legitimamente democrático em processo de desenvolvimento econômico-social, um esperado revezamento entre governos mais voltados para a o conservadorismo e outros mais voltados para a progressivismo, dado que ambos devem se complementar no intento de maximizar o bem comum.

   Naturalmente, essa tese demanda esclarecimentos. Primeiro é preciso definir com alguma precisão o que entendo por conservadorismo e progressivismo, de modo a expor a razão mesma dessa dicotomia. Depois é necessário esclarecer por que e de que maneira considero ambas as posições legítimas. Mais além, preciso explicar por que uma alternância entre ambas em um sistema sócio-político no qual há desenvolvimento material costuma ser desejável. Finalmente, quero testar minhas considerações aplicando o critério de estado justo de John Rawls[4], de maneira a mostrar que ele pode se aplicar alternativamente a ambos os casos na dependência do contexto.

   Vejamos, primeiro, como podemos redefinir o espectro político que vai da direita conservadora à esquerda progressista de forma que espero não ser ideologicamente comprometida. Como é sabido, os termos surgiram no período da Revolução Francesa, a direita se referindo aos defensores do absolutismo monárquico, que ficavam à direita do rei, e a esquerda aos que a ele se opunham, que ficavam à sua esquerda. Mais tarde a oposição passou a ser vista como constituindo um espectro que vai da extrema-esquerda à esquerda moderada, ao centrismo, à direita moderada e à extrema-direita. Desse espectro quero considerar apenas a esquerda e a direita moderadas – entendidas como conservadorismo versus progressivismo – uma vez que por não serem autoritárias elas são compatíveis com um estado democrático suficientemente desenvolvido no qual os participantes sejam capazes de um debate potencialmente construtivo, diversamente das posições extremadas. Começo com uma breve caracterização que contrasta as duas posições. Vejamos primeiro o conservadorismo:

Tese A1. O ponto fundamental é o de que o conservadorismo (vulgo direita) deve, por definição, representar as classes sociais ditas mais favorecidas ou influentes ou dominantes. Economicamente, sob o capitalismo, o conservadorismo tende a defender a maximização do capital privado. Aqui se costuma defender a livre competição da parte da economia privada e a minimização do papel do estado. A diminuição das taxações decorrentes da minimização do papel do estado auxilia no crescimento econômico, posto que em um sistema regido pela lei comum e livre de distorções monopolistas, no qual o estado é o menor possível e taxa minimamente, as empresas se tornam muito mais competitivas. A livre competição, por sua vez, faz com que as empresas mais eficazes e criativas predominem, enquanto as menos competitivas vão à falência. Esse é o que desde Adam Smith tem sido considerado o principal instrumento para o enriquecimento de uma nação. Trata-se de uma espécie de darwinismo econômico. O melhor exemplo foi o desenvolvimento dos Estados Unidos na última metade do século XIX, bem notado pelo economista Milton Friedman.[5] O governo taxava os cidadãos de 3% a 5%, restringindo-se ao papel de manter a lei e a ordem, além da defesa. Praticamente tudo era privado. Como havia, por exemplo, competição entre as diversas companhias ferroviárias, o preço das viagens precisava ser minimizado, facilitando a vida do cidadão. O resultado dessa política econômica foi um crescimento exponencial que já no início do século XX fazia os Estados Unidos ultrapassarem a Europa em termos de riqueza, explicando a emigração de mais de quarenta milhões de Europeus pobres para os Estados Unidos na primeira metade daquele século.

   Mas essa forma radical de capitalismo não acontece sem um preço, dado que os perdedores da competição caem na pobreza, seja por incapacidade ou por simples má-sorte, passando a depender da caridade dos mais afortunados. Há também um ethos social gerado pelo sistema. Por si mesma, a mentalidade competitiva não parece muito saudável.[6] A capacidade de agir, o vigor, a personalidade forte, são elevadas à condição de grande mérito moral, produzindo uma ansiedade endêmica.[7] A palavra ‘perdedor’ (loser) é tipicamente norte-americana. Os muitos casos de assassinatos em massa nos Estados Unidos testemunham uma reação psicológica extrema dos perdedores à pressão competitiva do sistema capitalista com pouco estado. O conservadorismo tende a ser anti-liberal. O pecado capital da direita, visível no que já foi apelidado de “capitalismo selvagem”, é o da ganância.

   Vejamos agora, como contraste, características econômicas do progressivismo:

Tese A2. Aqui o ponto fundamental é o de que o progressivismo deve representar as classes ditas menos favorecidas, ou, para usar outra expressão, classes subordinadas na ordem social. Economicamente, a esquerda moderada deve defender a maior medida possível de socialismo democrático. Uma maneira de se tentar alcançar esse objetivo é através de uma maior intervenção estatal na economia, pois geralmente o estado é quem é capaz de redistribuir riquezas que tendem a se acumular nas mãos de alguns poucos. Essa é uma inevitável tendência no domínio da economia privada: dinheiro gera dinheiro. Um exemplo trivial para evidenciar esse ponto: um fazendeiro que possui 50 hectares pode investir suas economias comprando o dobro do que tem. Nesse caso conseguirá adquirir 100 hectares. Já se um pequeno produtor que possui 5 hectares investir suas economias comprando o dobro do que possui, ele conseguirá no final obter 10 hectares. Na comparação, o primeiro ganhará 50 hectares a mais, enquanto o segundo apenas 5, ou seja, o primeiro dez vezes mais do que o segundo. O fato de o capital tender a se concentrar nas mãos de uns poucos pode não ser mal de um ponto de vista meramente econômico (o dinheiro em excesso é reinvestido ou vai para os bancos onde é emprestado); mas os poucos possuidores de mais recursos tendem a possuir maior poder, o que usualmente os permite introduzir distorções a seu favor – distorções capazes de produzir danos colaterais indesejáveis, como a falta de igualdade de oportunidades. Como notou um jornalista americano de esquerda: nos Estados Unidos a maioria das pessoas tem alguma oportunidade uma vez na vida, mas aqueles que pertencem a famílias ricas e influentes tem um grande número de oportunidades que se sucedem umas às outras. Isso contribui para limitar a mobilidade social e debilitar a meritocracia.

   Considerando o seu compromisso em elevar a qualidade de vida das classes ditas subordinadas, a esquerda democrática deve, por princípio, buscar diminuir desigualdades. É aí que entra o papel redistributivista do Estado. A melhor maneira de assegurar a redistribuição é agregar valor humano às pessoas, o que se faz pela educação, a começar pela educação básica. O próprio Marx acreditava que um engenheiro merece ganhar mais, uma vez que (segundo seu raciocínio) foi investido trabalho na sua formação, o que o valoriza. Certamente, só isso não basta. O estado do bem-estar social (o welfaire-state) foi uma conquista da civilização do norte da Europa, por proteger os menos favorecidos. Que as pessoas possam de forma gratuita ter educação básica de qualidade, saúde, alimentação e moradia garantidas em caso de desemprego deveria passar à condição de direito humano. Mas não podemos nos esquecer que esses direitos só existem sob o pressuposto de uma estrutura econômica suficientemente robusta. Se a economia regredisse à Idade Média ou mesmo ao século XVIII esses direitos deixariam de existir. Eles são dependentes do crescimento econômico, o que até Marx percebeu.

   O óbvio problema causado pela introdução de medidas de auxílio social é que elas causam um aumento na taxação, diminuindo a competitividade da economia privada. A economia privada – o livre mercado – é, como já notei, o principal motor do desenvolvimento: o próprio estado se sustenta sobre ela, não obstante o fato de que cada vez mais existam tarefas que só o estado possa ter interesse em realizar. A tese fundamental de Adam Smith vale ainda hoje. O que enriquece uma nação é essencialmente a livre competição entre os agentes econômicos; uma livre competição sem monopólios ou cartéis ou ajuda do estado e sob o controle de leis igualmente aceitas e aplicáveis a todos, ainda que esse ideal de “bom capitalismo” seja apenas limitadamente realizado. Trata-se aqui do que Smith chamou de a “mão invisível” do mercado através da qual cada agente econômico, movido pelo interesse pessoal, busca vencer na livre competição do mercado, acabando por produzir mercadorias melhores e mais baratas, o que acaba por promover um bem maior para todos.[8]

   A transparência, a quase ausência de corrupção em um estado suficientemente rico, a manutenção da meritocracia como um valor cultural homogeneamente aceito, ainda permitem que países nórdicos (Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia) consigam redistribuição sem paralização da mão invisível. A social-democracia é um desejável subproduto de um livre mercado em países altamente desenvolvidos cuja cultura de vida permite diminuir a corrupção ao mínimo. Essa é uma tendência virtuosa de nossa época, pois é hoje inconcebível um estado que cobre ao cidadão 3% do que ganham em impostos. O risco envolvido na busca desse estado do bem-estar social é o do enrijecimento da mão invisível. É o caso de erros estratégicos por vezes grosseiros conduzidos pelo estado  como (no caso típico do Brasil) o crescimento excessivo de um estado incompetente, ineficiente e corrupto a ponto de esmagar a economia privada, produzindo estagnação ao matar o “espírito animal” do empreendedorismo. O Estado, como todos sabem, não tem competidores e tende a ser por essa razão pouco eficiente. Os Estados Unidos começaram com uma marinha mercante estatal. Como não tinha competidores, ela veio à falência. Os fundadores aprenderam a lição rapidamente. A intervenção estatal pode até certo ponto auxiliar no desenvolvimento, mas os limites são bem definidos e culturalmente dependentes. Como a Escola Austríaca demonstrou, a economia planejada que foi tentada por estados totalitários de esquerda, onde o estado é o único possuidor dos meios de produção, destrói a informação econômica necessária para que o mercado opere satisfatoriamente, pois não é capaz de prever as necessidades mutáveis de milhões de agentes econômicos.[9] Ou seja, uma economia socialista autocraticamente planejada pelo estado não tem como ser bem sucedida, o que também indica que mesmo uma economia capitalista democrática com maior intervenção do estado deve possuir limites de eficácia economicamente e culturalmente variáveis.

   A falência de sistemas totalitários de esquerda como a URSS, a China de Mao, a Cuba de Fidel, a Coreia do Norte, o Vietnam do pós-guerra, o Cambodja do Kmehr Vermelho, a Venezuela... são uma prova irrefutável do que escrevi acima. Esses sistemas baseados no assim chamado capitalismo de estado só funcionaram sob as mãos de ferro de ditadores e, mesmo assim, acabando por dar um considerável espaço ao mercado negro. O bom progressivismo, contudo, tende a ser mais liberal. O pecado capital da esquerda, claramente visível em estados comunistas, sempre foi o da inveja.

 

Tese B1. O conservadorismo deve estar comprometido com uma defesa racional das classes dominantes, geralmente sob alguma justificação de fundo meritocrático. Para os antigos essa justificação vinha da escolha divina. Para Rawls, os membros dessas classes merecerão mais somente na medida em que forem capazes de produzir um bem comum maior (Digamos, Henry Ford ao produzir carros populares na década de 1920, ou Bill Gates por ter fundado a Microsoft).

 

Tese B2. O progressivismo deve estar comprometido com um estado capaz de produzir um redistributivismo razoável com relação às classes menos favorecidas e com a minimização de desigualdades econômicas, que podem facilmente se tornar injustas. Isso é correto, mas só é possível pelo desenvolvimento econômico. Não se pode imaginar que isso aconteça em uma sociedade estática. Como notei, não é imaginável uma social-democracia na Idade Média ou no mundo antigo, e devemos levar em conta esses limites quando consideramos as diferenças entre os estados contemporâneos.

Tese A3. O conservadorismo costuma estar comprometido com a conservação dos valores tradicionais, com a resistência à velocidade da transformação, ou mesmo com o retorno à ordem antes estabelecida, caso ela tiver sido desproporcionalmente alterada. Mas qual a razão disso? Esse é um ponto crucial a ser ainda considerado no curso desse artigo.

Tese B3. O progressivismo deve estar mais comprometido com a mudança social sob o suposto (inevitável) de um contínuo progresso econômico. A razão da oposição entre A3 e B3 é simples: uma sociedade é um todo dinâmico, geralmente em desenvolvimento, necessitando acomodações nas relações entre classes. Só o aumento da riqueza permite uma melhoria na condição econômica das classes ditas subordinadas. Nesse caso novos acordos devem ser realizados. É um papel do progressivismo (logo, da esquerda) demandar tais mudanças até o limite onde elas possam se tornar excessivas. Um exemplo disso foi a Revolução Francesa antes da vinda de Napoleão, até sua degradação absolutista, seguida da reação conservadora vinda após sua derrota.

 

II

Alguns pensaram, influenciados pelo marxismo, que esquerda e direita devessem ser posições políticas incompatíveis, a primeira delas defendendo a justiça social e a outra não. Para a esquerda influenciada pelo marxismo-leninismo, as classes menos favorecidas são socialmente exploradas e injustiçadas. Esse ponto pode ter valido para certos momentos da história, como os abusos da Revolução Industrial, tão bem retratados por Marx.[10] Mas não pode ser de modo algum generalizado. Já a direita, influenciada por conservadores na tradição de Edmund Burke, defende que os mais abastados formam uma elite preservadora da tradição conquistada pela experiência de séculos, sendo no final das contas, em geral, aqueles que se demonstraram os mais preparados e capazes de transmitir essa experiência para seus congêneres, sendo bom por isso a preservação do que conquistaram, pois por esse meio se conserva o que foi bem sucedido em uma sociedade.[11] Em termos individuais esse raciocínio é claramente falacioso. Mas não em termos coletivos. Se considerarmos a maneira como o estado sempre funcionou, há um bom grau de consistência nessa ideia. Afinal, os que pertencem à classe dominante tem mais acesso à educação, tem meios de conhecer os mecanismos concretos do poder e são capazes de passar sua experiência para os que pertencem ao mesmo grupo social. Em princípio, ao menos – pressupondo legalidade, ausência de corrupção e mesmo transparência democrática – seriam mais capazes de gerir o estado de modo a maximizar o bem comum.

   Quero defender aqui algo diverso disso, pois penso que ao menos quando consideramos formas moderadas de conservadorismo e progressivismo representadas em um sistema de governo suficientemente democrático em que a corrupção é minimizada e as leis são reconhecidas e seguidas, conservadorismo e progressivismo são posições complementares e capazes de uma interação enriquecedora que possa trazer maiores benefícios a todos. John Searle devia ter algo assim em mente quando notou em seus cursos que o bipartidarismo americano é uma forma de sabedoria política.

   Quero examinar a questão da justiça social, mas antes disso pretendo considerar a questão das classes sociais. A existência de diferentes classes sociais é algo absolutamente indispensável a sociedades desenvolvidas. Sem elas não existe civilização. Elas praticamente não existem em tribos indígenas coletivistas, onde de certo modo tudo pertence a todos, onde existem ao menos duas classes equiparadas: a dos homens, dedicados à caça e eventualmente a guerra, e a das mulheres, dedicadas aos afazeres domésticos e ao cuidado dos filhos. Contudo, desde os impérios da antiguidade a existência de classes sociais se tornou um fato social cuja necessidade é indiscutível. A existência dessas classes não significa, inevitavelmente, injustiça social, como erroneamente pensava Marx. A história não é “a história das lutas de classe”[12], mas a história dos compromissos entre as classes, e a própria ideia de consciência de classe pouco mais é do que uma fantasia romântica.[13] Para evidenciar esse ponto, contraprovas são óbvias. Basta lembrar o caso dos escravos negros que foram enviados dos Estados Unidos de volta para a África, onde ao invés de demonstrarem consciência de classe fizeram o que aprenderam com os seus senhores: escravizaram as pessoas pertencentes a próprio povo. Quanto à luta de classes, um legionário romano sentia-se honrado em servir ao César, apesar da realidade odiosa de sua vida; ao invés de injustiçado ele se consideraria no máximo fadado pela sorte. A vida no mundo antigo era brutal, e ninguém mais do que eles sabiam disso. Se o critério de justiça social de John Rawls fosse aplicado às civilizações antigas, não haveria a possibilidade de se escolher cair em um estado não-escravagista, posto que ele não só inexistia, como não teria condições de se instituir na competição com outros. Em se falando do mundo contemporâneo, os moradores atuais do Butão prezaram o seu príncipe a ponto de terem se sentido indignados diante da sugestão de avaliá-lo pelo voto; estariam eles sendo explorados? Seriam eles felizes, mas alienados? Mas o que isso importa, se conseguem ser felizes? Por outro lado, basta hoje considerar estados social-democráticos muito desenvolvidos para que o compromisso entre classes se torne claro. Uma pessoa rica na Finlândia tem encargos sociais muito elevados, estabelecidos pelo estado do bem-estar social e a sua maior riqueza e maior status social deve ser justificada por maiores deveres e responsabilidades sociais, pelo que ela é capaz de oferecer de retorno à sociedade, muito à maneira de Rawls. Um milionário de Helsinski, dono de uma cadeia de restaurantes, notou em entrevista que, para ele, os deveres sociais são tão grandes que quase não vale a pena ser rico. Isso nos faz passar à questão da justiça social.

   A conclusão notável disso tudo é que tanto um estado de esquerda quanto um estado de direita podem ser tanto socialmente justos quanto injustos. Não é somente a classe dominante que pode ser injusta com a classe subordinada, mas o contrário também é possível. Considerando estados de direita, quero exemplificar meu ponto lembrando o estado francês pouco antes da Revolução Francesa. Os custos do governo monárquico absolutista eram imensos, junto às suas dívidas, enquanto o povo passava fome. Aqui temos um exemplo da direita injusta e exploradora. Se quiserem um exemplo atual, basta falar do Chile. As demonstrações de 2019 agruparam mais de um milhão de pessoas contra as injustiças sociais do sistema econômico liberal-conservador, resultando em cerca de 20 mortes. O estado pequeno, que permitiu o notável desenvolvimento econômico do Chile desde Pinochet, teve um lado negativo, caracterizado por uma grande concentração de renda e um empobrecimento relativo da maioria da população. O programa de capitalização no qual 10% do salário do trabalhador é dado para ser administrado por um oligopólio de empresas privadas terminou por produzir uma massa de aposentados entre pobres e miseráveis, sem direito a nenhuma forma de atendimento médico gratuito e outras benesses que no Brasil bem ou mal ainda existem. Nos Estados Unidos o trabalhador contribui com 7% do seu salário para a capitalização privada e mais 7% para o governo, essa última servindo de garantia para que as coisas não terminem mal, o que já faz a diferença em um país rico. O resultado disso tudo, mesmo com o desenvolvimento econômico, acabou sendo uma indisfarçável injustiça social por parte da direita. Exploração capitalista também existe.

   Passemos agora ao caso oposto, o das injustiças sociais da esquerda. Consideremos o comunismo soviético da época de Stalin. Nesse tempo uma pessoa que tivesse pertencido à nobreza corria risco de vida. O simples modo de falar poderia denunciá-la, fazendo com que fosse acusada de traição ao regime por qualquer razão banal ou inventada, sendo então julgada e executada. E como é sabido, Stalin tinha listas de pessoas que eram arbitrariamente escolhidas para serem acusadas e executadas com o objetivo de manter a população aterrorizada. Fidel Castro e Che Guevara mandaram fuzilar milhares de pessoas após a revolução cubana, muitas vezes gente completamente inocente em julgamentos de fachada, só para dar à população a impressão de que a justiça contra os opressores burgueses estava sendo feita, e, certamente, para atemorizar quem ainda tivesse dúvidas. Esses são dois dentre os muitos exemplos menos sutis de injustiças da esquerda no poder. Um exemplo bárbaro foi o dos exageros que se seguiram à Revolução Francesa, como a indiscriminada condenação à morte de parte do clero (na região bretã foram assassinados cerca de 120.000 católicos por motivos religiosos).

   Mas o ponto crucial a ser notado é que a distância entre classes dominantes e classes subordinadas, em termos de liberdade ou de satisfação de necessidades realmente essenciais à vida humana (que, ao contrário das necessidades artificialmente criadas, são limitadas) tem diminuído com o progresso econômico. Considere, por exemplo, a sociedade da Grécia antiga. Dois terços da população da polis era escravo e a distância entre a vida de um escravo e a vida de um cidadão grego devia ser considerável. Essa distância era imensa em Esparta, onde a população autóctone (cerca de 90%) havia sido escravizada, o que fez com que a classe dominante precisasse ser educada de modo a se tornar extremamente rigorosa e violenta. Só assim ela foi capaz de reprimir qualquer possibilidade de revolta (matar aleatoriamente um escravo era parte do ritual de iniciação de um jovem espartano). Essa distância continuou com os romanos, mas diminuiu muito com o cristianismo e o consequente desaparecimento da escravidão na Europa durante a Idade Média. Ainda assim, a distância entre os servos da gleba e o príncipe e membros das cortes era muito grande. Essa distância certamente diminuiu após o Renascimento e diminuiu ainda mais depois que as revoluções industriais se sedimentaram. A distância entre pobres e ricos em países social-democratas como a Finlândia, em termos de satisfação de necessidades básicas, abstraindo a ilusão de um surplus hedonista e a vaidade do status, é muito menor do que entre os escravos e nobres na Roma antiga. E a razão disso é que o desenvolvimento econômico e a tecnologia permitem uma produção de bens que é mais do que suficiente para a satisfação dessas necessidades humanas fundamentais. Sob tais circunstâncias, a disposição para uma mais equitativa divisão de bens essenciais deve se tornar muito mais aceitável. Aqui entra outra vez em causa o progressivismo, cujo papel consiste em diminuir a distância real entre as classes, na medida em que o desenvolvimento econômico-tecnológico torna isso possível. Essa distância pode ser diminuída no sentido e na medida em que as necessidades que o ser humano precisa satisfazer para o seu bem-estar básico são limitadas e que o desenvolvimento da tecnologia permite provê-las para um número cada vez maior de pessoas. Contudo, é um erro grosseiro se diante desses acontecimentos formos induzidos a pensar que em qualquer momento histórico a distância econômica entre as classes devesse ter sido desnecessária. A natureza humana não mudou; as circunstâncias da vida humana é que mudaram. Da mesma forma que os escravos Americanos ao retornarem para a África escravizaram os habitantes locais, se os escravos romanos pudessem dominar o Estado eles não teriam de ter feito outra coisa senão escravizar os seus antigos donos.

   É impossível aplicar o argumento relativizador do espectro político aos casos de totalitarismos de extrema-esquerda ou direita, pois eles deixam de representar realmente a população, uma vez que a oligarquia dominante com poder absoluto se corrompe e passa a ter sobre a população controle físico e mental. Considere a anomalia trágica que foi o Kmehr Vermelho. Esse grupo de guerrilheiros liderou o Camboja de 1975 a 1979. A ideia absurda pela qual se guiavam os seus líderes, gente que teve alguma formação em Paris, era a de que o Estado ideal seria o de camponeses autossuficientes. Todos os cidadãos foram forçados a se tornarem agricultores do dia para noite. O resultado é que ao menos um quarto da população do país, quase dois milhões de pessoas, foi morta em um período de pouco mais de três anos, de fome, de doenças, ou executados sob qualquer suspeita. Qualquer pessoa que fosse educada, não tivesse calos nas mãos ou conhecesse outro idioma era executada. A capital Pohn Penh, de um milhão e meio de habitantes, foi esvaziada em poucas semanas e seus habitantes – mesmo os velhos e doentes – precisaram marchar a pé para os campos para trabalharem em grandes fazendas coletivas. E quem não sobrevivesse é porque não seria digno do comunismo idealizado por Pol Pot e alguns outros. Algo não tão diverso ocorre hoje no regime de extrema-esquerda da Coréia do Norte. Lá o povo camponês vive em extrema miséria. Comer grama não tem sido coisa tão rara como meio de saciar a fome. Estima-se em 150 mil o número de prisioneiros em campos de concentração, vulgo campos de extermínio. Kim Jong-un, entretanto, vive na opulência junto aos que se corromperam de modo a poderem pertencer ao governo. Essa anomalia bárbara se tornou o inverso de um governo progressivo teoricamente intencionado. Na famosa frase de lorde Acton: “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”: o esquerdismo teórico ingênuo, idealizador da natureza humana, que recorre ao poder absoluto como solução para as diferenças sociais, negando fatos econômicos sólidos, tem sempre cedido lugar ao despotismo, voltando-se contra próprio povo que em princípio objetivava proteger. (Encontramos um bom exemplo disso se compararmos Cuba com Porto Rico. Cuba, que apesar da corrupção havia se tornado um país quase rico antes de Fidel Castro, pagou e ainda paga um preço altíssimo ao ter sua população como que escravizada na fazenda da família Castro e de seus feitores – os membros do partido. A ilha de Porto Rico foi adquirida da Espanha no final do século XIX pelos Estados Unidos. Hoje ela tem a maior renda per capita da América Latina e um IDH muito superior ao de Cuba. Muitos habitantes de Porto Rico querem que a ilha se torne um novo estado dos Estados Unidos.)

   Considere agora o caso do nazifascismo. Eram ditaduras com objetivos socializantes, mas que diferiam das ditaduras de esquerda por preservarem a propriedade privada e um grau controlado de livre comércio capitalista. Por serem ditaduras repressivas elas também diferiam do conservadorismo no sentido em que estamos considerando, que tem como elemento caracterizador indispensável a manutenção de um estado democrático. Isso nos faz lembrar do caso da China contemporânea. Embora herdeira do comunismo, ela só pode ser explicada como algo próximo de um fascismo hierárquico-plutocrático, ou seja, um regime totalitário que admite um grau suficiente de livre mercado como parte integrante; o mesmo eu diria da Rússia contemporânea – no final das contas trata-se de algo que lembra um fascismo autocrático, no qual o czar foi substituído por Putin; um país que seria hoje rico se não tivesse sido vítima da revolução bolchevique. Nenhuma dessas aberrações totalitárias se enquadra em minha tentativa de compreensão das razões do espectro sócio-político. Elas merecem um estudo à parte.

 

III

Quero aplicar agora o teste de John Rawls para a justiça social. Para Rawls, existe um meio para se saber qual é o Estado justo, ainda que a sua aplicação concreta não possa ser mais do que rudimentar. Trata-se de se perguntar em que sistema político você preferiria viver se você caísse nele sob o véu da ignorância. O véu da ignorância é aquele no qual uma pessoa, embora sabendo como funcionam os sistemas político-econômicos, devendo escolher um deles, não sabe como nele cairá, se rico ou pobre, homem ou mulher, saudável ou doente, heterossexual ou não, hábil ou inábil etc. Sob tais condições a pessoa tenderá a escolher o estado justo, pois é nele que ela terá mais chances de ser tratada da forma que ela consideraria correta. Mesmo um jogador disposto a correr riscos tenderá a escolher o estado mais justo, uma vez que se trata aqui de uma escolha única e definitiva.

   Rawls estava pensando no sistema de bem-estar social ao formular sua teoria. Mas é interessante perceber que a melhor escolha pode se dar a favor de um sistema de esquerda, tanto quanto a favor de um sistema de direita. Por exemplo: um sistema conservador-liberal como o da Singapura, que é governado por um único partido desde a sua libertação da Inglaterra (o Partido da Ação Popular) e que possui algumas características supostamente autoritárias, mas privilegia a meritocracia, inibe a corrupção e possui uma administração altamente responsável da economia é hoje um dos lugares mais ricos do planeta.[14] Sem dúvida, é o lugar ao qual preferiríamos pertencer se a escolha fosse entre ele e a vizinha Birmânia, pois Singapura está mais próxima de um sistema social justo. Um sistema com viés de esquerda progressista e democrática, como o da Finlândia, também é algo que sob o véu da ignorância seria de nossa escolha. Não escolheríamos anomalias econômico-sociais como a Rússia e o Brasil, muito menos Cuba ou Coréia do Norte. Assim, tanto um governo considerado conservador quanto um governo considerado progressista pode ser aproximar de um sistema socialmente justo.

   Finalmente, as circunstâncias de uma sociedade são mutáveis. Um governo de esquerda ou de direita moderado pode levar longe demais suas intenções, tornando-se facilmente injusto. Ele pode facilmente aplicar políticas que se tornem inapropriadas. Esse parece ser o caso da Suécia contemporânea. A admissão indiscriminada de imigrantes acabou por formar mais de trinta “no go zones”, algo que lembra as favelas brasileiras, onde as pessoas, embora recebendo auxílio governamental, reforçam-se em seus valores tradicionais e não se dispõem a se integrar culturalmente ao país onde se encontram, passando facilmente à criminalidade. Com isso um estado social-democrático exemplar corre o risco de se perder. O exemplo do lado oposto é o de uma direita como a mexicana de alguns anos atrás, que privilegiava uma minoria de governantes que certamente não haviam conquistado o poder por méritos próprios. Pelas informações que tive, o governo mexicano em 2016 secretamente dirigia o narcotráfico, privatizando empresas entre amigos. Não pode haver muito lugar para um livre mercado não distorcido e para a meritocracia em um governo dessa natureza.

   Vejamos, finalmente, as vantagens da alternância de poder entre conservadorismo e progressivismo em uma economia em desenvolvimento. Aqui outra vez os Estados Unidos entram em cena como exemplo: em princípio, ao menos, o partido democrata exemplifica o progressivismo da esquerda moderada (libertarian-igualitarism) enquanto, em princípio, o partido republicano exemplifica o conservadorismo da direita moderada (libertarianism). O governo republicano de George Bush cometeu um grave erro tático e um crime contra a humanidade, que foi a invasão do Iraque em 2003 junto a suas consequências. Já na época, especialistas como Peter Scholl-Latour advertiam que o preço daquela intervenção militar seria uma guerra civil, dado que o Iraque é uma colcha de retalhos cultural, herança do colonialismo, somente unificado pelas mãos de ferro de Saddam Hussein. O resultado da ação americana foi um conflito com um preço humano extremamente alto: fala-se de mais de cem mil vítimas civis.

   O contraponto disso acabou sendo o governo liberal-esquerdizante de Barack Obama. Ele conseguiu conter a crise econômica, mas foi além do razoável para o país na implementação de políticas multiculturais e de auxílio social. Dessa maneira foram cometidos erros memoráveis, como uma aceitação indiscriminada de imigrantes árabes, o aumento na taxação de indústrias produzindo fuga de capital, a malsucedida Obamacare. Pior foi a debilidade da política externa, que acabou por reforçar sistemas ditatoriais. Um exemplo de apoio ingênuo a ditaduras foi o acordo para a utilização pacífica da energia nuclear, que liberou o estado totalitário que é o Irã para, após dez anos, produzir uma bomba nuclear, o que inevitavelmente provocaria uma corrida armamentista no Oriente Médio, uma vez que a Arábia Saudita, como a maioria dos países da região, é sunita e não xiita (84% dos muçulmanos são sunitas, mas o Irã é xiita). Obama era partidário do controle de opinião no rádio e queria o desmantelamento das defesas americanas antimíssil, o que tornaria o país indefeso diante dos poderes nucleares estrangeiros. Finalmente, como é frequente nas esquerdas, Obama gastou mais do que podia: a dívida norte-americana saltou de 8 trilhões de dólares para mais de 20 trilhões, pondo em risco a estabilidade econômica do país, além de manter uma política econômica externa que foi em grande parte sustentadora do desenvolvimento chinês às custas do enfraquecimento da indústria nacional. A continuação dessa política significaria fragilização e fracasso econômico. Ou seja: a esquerda foi longe demais, perdeu-se e cometeu tantos erros quanto a direita antes dela.

   O contraponto conservador veio com a eleição do governo de Donald Trump, que diminuiu a taxação das empresas, facilitando o seu retorno ao país e por tais meios diminuindo o desemprego, embora criando outros problemas difíceis de serem resolvidos, como os gerados pelo protecionismo econômico. Na política externa, embora ele tenha tido sucesso em não iniciar nenhuma guerra em todo o seu mandato, parece não ter tido grande sucesso em tornar seu país competitivo (vários foram os que predisseram que a Ásia - o que inclui China - tornará o centro econômico do mundo no século XXI e não parece que os Estados Unidos conseguirão fazer frente a esse desafio).

   Uma oscilação semelhante aconteceu no Brasil dos últimos 60 anos, embora de forma muito mais dramática. Primeiro tivemos um governo militar bastante autoritário e conservador, opondo-se a um outro extremo, que defendia pela luta armada a implantação de um totalitarismo de esquerda. Depois veio a democracia com viés de esquerda para compensar, mas com uma ideia de estado grande promotor do crescimento e com um ideário de fundo marxista demasiado idealizado em relação à realidade econômico-cultural do país. O estado, que já vinha aumentando com a ditadura de direita, aumentou desproporcionalmente durante os governos posteriores, todos idealmente progressistas, mas na realidade incompetentes e corruptos. Tudo o que disso resultou foi o incremento de um mau capitalismo, caracterizado pela concessão indébita de monopólios e pela má alocação de recursos, o que acabou por engolir a economia privada que o sustentava através de impostos, produzindo ao final a profunda crise econômica começada em 2015. Como remédio voltamos ironicamente a um governo conservador, que busca a diminuição do estado, sendo em parte formado por militares, agora postos no poder de forma democrática.

   O conjunto das considerações acima justifica a meu ver a tese inicial. Tanto o progressivismo característico da esquerda – devendo por princípio fazer ouvir os interesses das classes ditas subordinadas – como o conservadorismo – devendo por princípio privilegiar os interesses das classes dominantes – tem o seu lugar e razão de ser quando a questão é o bem geral, posto que estando no poder cada um possui um limite para além do qual deixa de produzir o bem geral, precisando ser substituído pelo outro ou transformar-se a si mesmo. Uma alternância dialética de poder entre uma coisa e outra – entre direita e esquerda vegetarianas – é algo que pode ser saudável e plenamente compatível com uma sociedade legitimamente democrática na qual há progresso econômico.

 

 

 



[1] Esse seria o caso, nos EUA, da esquerda democrata que compactua com o radicalismo islâmico, assim como da direita conservadora ultra-libertarista. Na América do Sul esse seria também o caso das ideologias populistas de esquerda e direita como, respectivamente, o lulopetismo e o peronismo, que resultam de deformações manipuladoras do processo democrático e que possuem um elemento potencialmente totalitário e autodestrutivo em termos econômicos.

[2] Ignorararei aqui as crescentemente complexas cartas alternativas do espectro político, como as de Hans Eysenk, David Nolan, Jerry Pournelle e outros, que parecem servir mais para confundir do que para esclarecer.

[3] Não quero sequer afirmar que essa dialética seja indispensável. Ela pode se encontrar internalizada em um partido majoritário. Em Singapura o PAP tem vencido quase sempre as eleições há cerca de 50 anos, mas pelo que sei ouvindo a oposição e sendo suficientemente flexível para se deixar influenciar no que possa ser o melhor para todos.

[4] John Rawls, A Theory of Justice. Harvard: Belknap Press, 2. Ed., 1999.

[5] Milton Friedman (com Rose Friedman): Free to Choose: A Personal Statement. Mariner Books 1990.

[6] Um bom exemplo disso parece ser um país pobre como o Butão, que, quase fechado para o mundo, tem conseguido priorizar uma bem formada estrutura social e a manutenção de sua cultura milenar acima das benesses do capitalismo. Butaneses dizem sentir-se bastante satisfeitos com suas vidas!

[7] Também por isso o protótipo do escritor norte-americano foi o “me man” Ernest Heminguay, cujo antípoda poderia ser encontrado no sensível F. S. Fitzgerald.

[8] Adam Smith: An Inquiry into de Nature and Causes of the Wealth of Nations. MetaLibri, 2007 (1776), Livro IV, cap. 2.

[9] Ludwig von Mises: “Economic Calculation is a Socialist Commonwealth”. Auburn: Mises Institute 1990 (1920).

[10] Karl Marx: Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie, 1867, vol. 1, III, 8. Hamburg: Verlag von Otto Meissner. Ludwig von Mises notou que a vida dos camponeses pré-revolução industrial (que mais tarde se tornarm operários) era tão ruim quanto. Mas o fato é inegável, e essa injustiça social só decresceu na Inglaterra com o fortalecimento de sindicatos defendendo a classe operária no final do século XIX.

[11] Cf. Roger Scruton: Conservatism: Invitation to a Great Tradition. All Points Books, 2018.

[12] Karl Marx & Friedrich Engels: The Communist Manifesto. Createspace, 2015.

[13] Em meu juízo Marx foi essencialmente um filósofo social, e a filosofia ou não é muito mais do que mera especulação com o objetivo de nos fazer pensar com base em princípios mais ou menos plausíveis, ou então não é filosofia. A maior parte do que ele escreveu se demonstrou errônea e inaplicável à realidade, mas para a filosofia isso não tem muita importância. O mesmo vale também para Platão, Rousseau e Hobbes, e menos para Locke e Rawls. O maior erro de Marx estava em sua demasiado ambiciosa auto-interpretação como sendo capaz de fazer filosofia para mudar o mundo. No geral a filosofia pode quando muito mudar-se a si mesma.

[14] Singapura teve a sorte de ter sido governada mesmo antes de sua independência em 1963 por um brilhante líder, Lee Kuan Yew, que havia se graduado na London School of Economics, tendo feito pós-graduação em direito pela Universidade de Cambridge. Por banir o comunismo ele foi considerado autoritário. Mas Karl Popper tinha razão em pensar que a democracia é um bem que não pode admitir um partido que tenha como objetivo a sua destruição, pois nesse caso ela será autocontraditória. Tanto o fascismo quanto o comunismo deveriam ser banidos de um sistema democrático, posto que ameaçam a autopreservação de uma conquista da civilização.



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