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terça-feira, 25 de novembro de 2025

SOBRE A NATUREZA DA FILOSOFIA (4-4)

 Continuação

 

                                                           VI

 

POR UMA TEORIA ABRANGENTE:

BUSCANDO INTEGRAR AS CONFIGURAÇÕES CRITERIAIS

 

 

Neste capítulo, reunimos os resultados obtidos na busca por uma explicação descritivista integrada da natureza da filosofia. Partindo da hipótese inicial de que a filosofia emerge de três polos fundamentais de atividade cultural, essa abordagem oferece uma compreensão mais clara e precisa das principais configurações criteriais que orientam a identificação do discurso e do pensamento filosóficos.

 

 

     1. FILOSOFIA COMO ATIVIDADE

         CULTURAL DERIVADA

 

Entendo por prática cultural um conjunto recorrente de atividades sociais que operam predominantemente em níveis afetivo-cognitivos. Embora não estejam diretamente voltadas à satisfação das necessidades práticas da vida, essas atividades se sustentam sobre o pano de fundo dos interesses coletivos que moldam nossas formas de vida. Nesse contexto, torna-se evidente que a filosofia compartilha traços com três práticas culturais fundamentais, a saber:

 

                                            a)   CIÊNCIA,

                                            b)   RELIGIÃO,

                                            c)   ARTE.

 

Considero essas práticas as mais fundamentais em virtude de sua relevância e de seu caráter originário no contexto da vida humana em sociedade. Outras práticas culturais, sejam elas lúdicas, como esportes e jogos sociais; cotidianas, como os modos de vestir e a gastronomia; ou tradicionais, como festas populares e ritos de passagem, ocupam posição secundária, pois resultam de combinações com elementos que não se definem propriamente como culturais, tais como o entretenimento, o trabalho, a alimentação, a ordenação social.

     Ao reconhecer o caráter fundamental dessas três práticas culturais – ciência, religião e arte – surge uma questão inevitável: seria a filosofia uma quarta atividade cultural fundamental, situada no mesmo nível da ciência, da religião e da arte, embora distinta? Filósofos do passado tentaram conferir à filosofia um status autônomo e, por vezes, superior ao das demais práticas. Contudo, essas tentativas nunca se mostraram inteiramente convincentes. Aceitar essa proposição seria cair no que Timothy Williamson acertadamente denominou de excepcionalismo.

     As reflexões anteriores sobre o caráter protocientífico da filosofia, sua herança religiosa e os aspectos estéticos de seu discurso, conduzem a uma conclusão clara: não é adequado atribuir à filosofia o estatuto de prática cultural autônoma. Somos obrigados a reconhecer a existência de apenas três formas fundamentais de atividade cultural. A filosofia, em última instância, configura-se como uma prática derivada, tanto em suas motivações quanto no material que mobiliza e nos procedimentos metodológicos que emprega.

     O lugar da filosofia em relação às práticas culturais mais fundamentais pode ser comparado, em certa medida, ao da ópera entre as formas essenciais da arte. A ópera é um gênero que combina música, drama e poesia. De modo análogo, a filosofia pode ser concebida como uma prática cultural que articula elementos provenientes da ciência, da religião e da arte. Assim como a poesia não é estritamente necessária à ópera (ao contrário da música e do roteiro dramático), o componente artístico externo também não chega a ser estritamente indispensável à constituição da filosofia. O componente artístico externo é muito pouco presente, como já notamos, no tomismo medieval.

     Como toda analogia, a comparação com a ópera tem seus limites. Embora música, enredo e poesia se combinem para produzir um efeito mais impactante, esses elementos podem ser facilmente dissociados no contexto operístico. É possível, por exemplo, apreciar uma ária em versão para piano. Pensemos, por exemplo, na esplêndida paráfrase do Rigoletto composta por Liszt. Também podemos ler e admirar grandes estrofes poéticas como, digamos, E lucevan le stelle, sem conhecer a música. E ainda é possível ler o resumo de um enredo, como o da ópera bufa L’elisir d’amore, e não se encantar nem um pouco com ele.

    O mesmo, porém, não se aplica com igual facilidade à filosofia. Ela não se configura como uma simples colagem de elementos voltados à aproximação da verdade científica (incluindo a do senso comum modesto, do qual a ciência é extensão), junto à expressão da ambição místico-religiosa de compreender o todo, eventualmente harmonizada por meios estéticos. Por outro lado, tampouco se configura como uma combinação perfeita e original dos componentes dessas práticas culturais, como se fosse um composto químico completamente novo, formado a partir de moléculas distintas.

    Ainda assim, como já notei, é perfeitamente possível reescrever a mensagem do mito da caverna de Platão, abstraindo-a de quaisquer elementos artísticos externos. Da mesma forma, um filósofo analítico pode isolar o esqueleto estrutural da filosofia de Hegel, desconsiderando a imensa carga sugestiva de seu conteúdo. Mas não parece possível dissociar o elemento veritativo de sua abrangência. Talvez aqui a analogia com uma amálgama nos ofereça uma comparação mais precisa.

   Na amálgama química, os elementos não são simplesmente misturados ao acaso, tampouco combinados para formar um composto inteiramente novo. Eles são fundidos de maneira tal que as propriedades macrofísicas do conjunto se transformam significativamente. A amálgama de prata, por exemplo, resulta da fusão de proporções específicas de mercúrio, prata, estanho, cobre e, ocasionalmente, zinco — cristalizando-se em uma estrutura coesa e resistente.

   Algo semelhante pode ser sugerido em relação às teorias filosóficas: elas parecem reunir elementos diversos, articulando-os de modo a constituir um todo coeso e intelectualmente fértil, capaz de gerar reações interpretativas e reflexões de notável interesse. Ainda assim, permanecem como práticas culturais derivadas, pois dessa unificação não emergem elementos intrinsecamente originais; a originalidade reside, antes, na combinação desses elementos e nos efeitos que ela é capaz de produzir.

 

     2. BUSCANDO UMA EXPLICAÇÃO INTEGRADA DA

ATIVIDADE FILOSÓFICA

 

Buscando substituir as analogias anteriores por uma formulação mais literal, proponho que a filosofia seja compreendida como espécie derivada de atividade cultural, tanto em suas motivações, quanto no material semântico que mobiliza e nos procedimentos metodológicos que emprega.

     No que concerne às motivações, a filosofia revela uma tripla derivação:

 

(A) Da curiosidade inquisitiva associada às formas científicas de investigação, isto é, ao desejo de adquirir um conhecimento consensual, validado por sua efetiva capacidade de compreender, explicar, e mesmo prever e manipular a realidade;

(B)  De motivações originalmente religiosas, que incluem o impulso de integrar nossas experiências e de prover uma visão abrangente do mundo e da condição humana. Essa disposição manifestou-se claramente em Platão, por meio do apelo a uma realidade transcendente, situada além da experiência ordinária, capaz de organizar e orientar nosso acesso ao mundo. Ela também se faz presente nos grandes sistemas filosóficos da tradição, aparecendo de maneira mais sutil e velada, mas ainda assim discernível, na concepção wittgensteiniana da filosofia como busca por uma representação panorâmica (übersichtliche Darstellung) da forma como vemos o mundo, ou seja, por um entendimento integrador daquilo que já sabemos[1];

(C)  Da arte, em sua aspiração por efeitos motivacionais de natureza “catártica”: do ingrediente moralizante, elevador do espírito e refinador de nossa sensibilidade, ainda que esses efeitos possam estar também a serviço das demais motivações.

 

No que diz respeito ao material semântico-conceitual – os data primários a serem considerados – também ele não se origina propriamente da filosofia, pelas seguintes razões:

 

(A)   Parte desse material corresponde aos dados do nosso mundo natural – físico, mental ou mesmo formal – acessíveis por meio da experiência ordinária, quando não decorrentes de informação científica. Como discutido no capítulo IV, no caso dos conceitos naturalistas de entidades-princípio [–A+B], esses dados podem, de fato, constituir todos os elementos relevantes a serem considerados.

(B)   No caso de conceitos metafísicos híbridos [+A+B], observa-se que a filosofia pode recorrer a propriedades teomórficas (como transcendência e hipermentalidade, entre outras) originalmente atribuídas aos seres espirituais venerados religiosamente. Tratadas como “abstrações personalizadas”, essas propriedades passam a funcionar como dados elementares ou como indicativos deles. De nosso ponto de vista (absolutamente agnóstico), o material semântico teomórfico nada mais é do que uma modificação do material extraído da experiência comum ou mesmo da experiência científica – física, mental ou formal –, incorporado à constituição semântica de conceitos metafísicos híbridos, ainda que esse movimento costume ser negado.

(C)   O material semântico sugestivo externo é constituído por recursos literários os mais diversos, que operam como elementos metodológicos de natureza esteticizante. Essas construções dependem, ainda, de um componente metafórico/hipostasiador interno, formado sobretudo pelas entidades-princípios que parecem essenciais à reflexão filosófica tradicional e que estão na origem de suas inevitáveis aporias.

 

Passemos agora aos procedimentos e artifícios metodológicos, que tampouco são originariamente filosóficos.

 

(A) Grosso modo, os procedimentos filosóficos não se distinguem essencialmente dos procedimentos ordinários irrefletidos, nem dos métodos empregados pelas ciências formais ou empíricas. O método geométrico adotado por filósofos racionalistas como Descartes e Spinoza, refletia uma abordagem apriorista que mimetizava os procedimentos axiomáticos das matemáticas. Por outro lado, o método histórico dos empiristas – como Locke e Hume – baseava-se fortemente na introspecção e na coleta de dados empíricos sobre o mundo e o comportamento humano. Essa oposição persiste até hoje, como se pode observar, por exemplo, na comparação entre o viés formalista de Saul Kripke e o empirismo de John Searle nas teorias da referência. Embora aplicados de modo mais ou menos conjectural, esses métodos têm as mesmas origens que os procedimentos científicos. Instrumentos analíticos contemporâneos, como os métodos formais ou as teorias pragmáticas, tampouco são propriedade exclusiva da filosofia.

(B)  Como discutido no capítulo IV, o raciocínio filosófico frequentemente repousa na assunção de princípios metafísicos, os quais podem ser representados por três tipos de conceitos: o conceito metafísico incoerente (ou seja, [+A+B]), o conceito carente de sentido (ou seja, [–A–B]), e o conceito naturalista meramente indeterminado (ou seja, [–A+B]). Os dois primeiros preservam, respectivamente, traços dos seres sobrenaturais insuficientemente coerentes ou incognoscíveis da tradição religiosa. Em geral, os conceitos [+A+B] e [–A–B] predominam na metafísica transcendente e no racionalismo, enquanto os do tipo [–A+B] revelam-se mais compatíveis com o naturalismo e o empirismo.

(C)  A expressão interna da imaginação criativa desinteressada, aplicada ao âmbito conceitual, manifesta-se, em geral, por meio de elaborações originais de pensamento, exemplos, analogias, metáforas ou experiências em pensamento desafiadoras, apelidadas por Daniel Dennett “intuition-pumps[2] – um traço recorrente na “estética cognitiva”. Trata-se, aqui, mais uma vez, da filosofia como a “arte da razão”, que emprega conceitos, juízos e raciocínios com finalidade expressiva, capaz de desdobrar-se em ressonâncias cognitivas.

 

As colunas do seguinte diagrama sumarizam as principais propriedades pertencentes ao discurso e pensamento filosóficos:

 

 


FILO-     MOTIVAÇÃO         MATERIAL                   PROCEDIMENTOS

SOFIA                                      SEMÂNTICO

SOFIA                                      (DATA)

 

 


(A) da      Curiosidade eu-      Dados obtidos a par-        Uso de hipóteses   

CIÊN-      rística voltada ao    tir da experiência             e do raciocínio

CIA          conhecimento         comum e científica,         argumentativo.

                 real do mundo.       formal ou empírica.                                         

                 

(B) da       Busca por con-        Traços teomórficos,          Recurso à crença

RELI-       cepções abran-        (hipermentalidade,            em princípios     

GIÃO       gente, que ordene     hiperfisicalidade e            transcendentes

                 em nível profundo   idiossincrasia mente-        à exortação ou a

                 o mundo e a vida.     Corpo), admitidos            alguma forma de

                                                  como princípios.              experiência mística.

 

(C) Da     Busca de expe-         elementos simbólicos        Aplicação de re-ARTE     riência “catártica”     carregados de                    cursos metafóricos

               Harmonizadora         de sugestividade

 

Esse diagrama evidencia que a filosofia, longe de constituir uma atividade cultural autocontida, opera por meio da apropriação de elementos oriundos de outros domínios da cultura humana. Podemos agora interpretar os três níveis horizontais representados no diagrama como expressões das três possíveis dimensões da indagação filosófica:

 

(I)                    Uma dimensão cientificizante, veridicizante ou cientificamente orientada, composta por conjecturas que buscam antecipar o saber consensual da ciência;

(II)            Uma dimensão misticizante, ampliacionista ou holisticamente orientada, que abarca especulações e princípios metafísicos não-fundamentados, frequentemente problemáticos, sob o aspecto cognitivo e geralmente admitidos como matéria de crença;

(III)         Uma dimensão esteticizante ou esteticamente orientada, que manipula criativamente o medium do discurso filosófico, de modo a sugerir externamente possibilidades e ampliar sua eficácia expressiva, ao mesmo tempo em que estimula internamente a produção metafórica/hipostasiadora de princípios (do “ser” de Parmênides ao “Ser” de Heidegger, passando pelo “indizível” de Wittgenstein).

 

A consideração dessas dimensões torna mais explícitos os novelos conceituais envolvidos na identificação do discurso filosófico a partir de uma perspectiva metafilosófica descritivista. Revendo as três dimensões mais uma vez, agora em maiores detalhes:

 

- Dimensão cientificizante ou veritativamente orientada: Essa primeira dimensão, originada entre os pré-socráticos de uma ideia da ciência, é motivada pela curiosidade científica, racional, realista e operativa, voltada à obtenção de resultados efetivos. Constitutivamente direcionada à verdade científica, caracteriza-se por um enfoque cognitivo, heurístico, veritativo. Fundamenta-se sobretudo em generalizações por vezes capazes de obter um relativo consenso, seguidas de argumentos que visam demonstrar suas possíveis implicações e reforçar sua plausibilidade por meio da consistência com os resultados obtidos.

     Essa tarefa é sempre realizada sob o pressuposto – presente ou imaginado – de uma comunidade crítica de ideias, cuja função mediadora é essencial na busca por um consenso autêntico, alcançado efetivamente apenas pela ciência. É justamente pelas limitações inerentes a essa dimensão que a filosofia se distingue negativamente da ciência: por não atender às condições de compartilhamento de pressupostos básicos, de avaliação consensual da verdade e de progresso entendido como acumulação de crenças admitidas como verdadeiras por sua comunidade crítica (ver cap. III). Essa primeira dimensão é por excelência argumentativa e investigadora, apoiando-se em enunciados constatativos. As duas dimensões seguintes, contudo, deixam de ser essencialmente cognitivas e passam a apoiar-se mais na função performativa dos enunciados.

- Dimensão misticizante, ampliacionista ou holisticamente orientada: O impulso motivacional inicial dessa dimensão da indagação filosófica reside na curiosidade especulativa voltada à ampliação do horizonte reflexivo, sem, contudo, comprometer a profundidade, sendo frequentemente acompanhada por um desejo de transcendência. Trata-se de uma abordagem que muitas vezes incorpora elementos não-racionais e não-cognitivos. Tais elementos afetam a especulação filosófica, sobretudo aquela que recorre a entidades-princípio metafísicas de natureza híbrida ou elusiva, mas também, em alguma medida, as investigações de cunho naturalista.

     Recorrendo a uma metáfora wittgensteiniana, essa dimensão ampliativa não seria a do que pode ser dito, mas a do que pode ser apenas mostrado. Sendo cognitivamente elusivos, os princípios metafísicos acabam por se tornar passíveis de demonstração indireta, ainda que, é verdade, com o auxílio da linguagem articulada. Essa dimensão é, em seus fundamentos, exortativa, nesse sentido, mais voltada a uma função performativa do que à verossimilitude.

- Dimensão esteticizante ou esteticamente orientada: Essa dimensão incorpora elementos estéticos externos que enriquecem o conteúdo enunciado, sugerindo possibilidades cognitivas por meios imaginativos e literários. Internamente, ela se estrutura em torno de uma conceitologia metafórica, de entidades-princípios insuficientemente explicadas e de suas inevitáveis aporias. Esse elemento interno, metafórico/hipostasiador, costuma unir a dimensão (III) à (II), pois os princípios são o que mais propicia a orientação holística. A dimensão esteticamente orientada possui um fundamento expressivo que lhe confere um caráter predominantemente performativo.

 

1.     O TRIÂNGULO METAFILOSÓFICO

Meu argumento a favor de uma configuração criterial correspondente à dimensão veritativamente orientada, foi apresentado já no capítulo III. Já os argumentos que sustentam as configurações criteriais para as duas outras dimensões – a misticizante e a esteticizante – foram apresentados respectivamente nos capítulos IV e V. A questão que agora se impõe é: como podemos organizar essas configurações de um modo que isso nos ajude a identificar o que mais conta como filosofia no sentido historicamente central da palavra – aquele que nos foi legado pela tradição? E a que somos conduzidos quando variarmos o peso de cada configuração criterial em relação às demais?

     Minha hipótese é que, para que algo se caracterize como filosofia no sentido tradicional, é necessário que haja, pelo menos em alguma medida, a presença de configurações criteriais cientificizantes, misticizantes (no sentido de buscarem amplitude, aprofundamento, elevação e direcionamento) e esteticizantes, ainda que a predominância de cada uma dessas configurações possa variar significativamente, conforme a espécie de filosofia ou filósofo que se tenha em consideração. Quero argumentar a favor disso.

     Considere o caso das configurações criteriais, que constituem a dimensão cientificizante ou veritativamente orientada. Sua presença pode ser vista como uma condição necessária para que algo possa ser chamado de ‘filosofia’ no sentido tradicional da palavra ou em qualquer outro sentido legítimo. (Filósofos pós-modernos chegaram a negar a pretensão de verdade, mas como eles nos querem convencer de algo, eles querem no mínimo nos convencer de que é verdade que a verdade não existe.[3])

     Mas seria possível que a mera presença da dimensão criterial veridicizante bastasse para constituir a filosofia, como desejavam os positivistas do Círculo de Viena?[4] A resposta é negativa. Eis por que: a curiosidade científica não se confunde com a curiosidade especulativa. Esta última, movida pelo que Freud chamou de processo primário, concede à imaginação direitos especiais. A curiosidade científica, que seria responsável pela dimensão cientificizante ou veridicizante, a qual, quando tomada em isolamento das demais, não conduz ao tipo de empreendimento conjectural, amplo e indiferente a consensos que caracteriza a filosofia em seu sentido mais pleno.

     Mas, se é assim, os elementos criteriais constitutivos da dimensão ampliativa também se revelam indispensáveis a uma forma apropriada de indagação filosófica. Mesmo no âmbito de filosofias naturalistas, como o atomismo de Demócrito e o ceticismo de Hume, que poderíamos representar pela fórmula do tipo [–A+B], há uma inevitável filiação aos mesmos impulsos que, em circunstâncias diversas, deram origem ao imaginário místico-religioso do qual a filosofia se originou.

     No âmbito da dimensão esteticamente orientada, nossas reflexões sobre o papel da arte em filosofia conduzem à hipótese de que o elemento artístico constitutivo do que foram chamadas de similaridades internas, quando transposto para o domínio do intelecto, termina por revelar-se imprescindível. A criatividade filosófica, no plano conceitual, as entidades-princípios pelas quais ela se manifesta, só se tornam estruturas teóricas capazes de comunicar algo relevante se forem semanticamente sugestivas, geralmente polissêmicas, abertas a uma variedade de interpretações. Mesmo filósofos como Gottlob Frege, cujo texto não parece possuir nenhuma dimensão artística, possuem conceitos-chave e dizeres dotados de alguma carga semântica evocativa. O próprio fato de precisarem ser interpretados já é prova disso.

     Entretanto, é preciso lembrar que a presença de algum elemento misticizante-esteticizante em qualquer construção filosófica não nos deve tornar indulgentes diante da ênfase excessiva no elemento artístico-retórico externo, quando dissociado do elemento esteticizante interno, essencial. Tal desequilíbrio ocorre quando nos encontramos diante de meras simulações descompromissadas de uma argumentação filosófica consistente. Exemplo emblemático é boa parte da obra de Jacques Derrida, mesmo que seja legítimo reconhecer que ele tinha razão ao afirmar que seu sonho mais antigo e profundo era deixar um rastro na história das letras francesas.[5]

   As variações na importância de cada dimensão podem ser ilustradas por meio do triângulo metafilosófico sugerido na apresentação desse livro, cujos vértices representam as atividades culturais fundamentais, enquanto as diferentes filosofias se posicionam em seu interior:

 

                                                 CIÊNCIA

 

 

 

 

 

 


                                            FILOSOFIAS

 

 

 

 


RELIGIÃO                                                                            ARTE

 

À filosofia pertence tudo o que se encontra no interior do triângulo metafilosófico. As setas mostram que as relações entre as dimensões são historicamente dinâmicas. Com o passar do tempo, explicações de cunho religioso foram gradualmente cedendo espaço a explicações filosóficas, apoiadas em um recurso místico e estético aos poucos tornados cada vez manos operantes. E os remanescentes religiosos da filosofia foram sendo gradualmente substituídos por formas de indagação que, aos poucos, se subdividiam à medida que se aproximavam do modelo consensual da ciência.

   Como mostra a figura, a atividade e o discurso filosófico encontram-se profundamente associados à expressão estética, se não externamente, pelos recursos literários, ao menos internamente, pela atividade criativa que apela a conceitos metafóricos ou hipostasiados, estes últimos abertos à polissemia na produção de entidades-princípios que requerem trabalho interpretativo. Contudo, à medida que a indagação filosófica se aproxima do discurso consensual da ciência, a expressão artística tende a perder sua força, sendo substituída por formas mais diretas e precisas de apresentação. Trata-se, obviamente, de um processo meramente tendencial, acompanhado de retrocessos parciais e, por vezes, profundos.

   O quase imperceptível processo de alteração da filosofia, em seu direcionamento para maior proximidade com o pensamento científico, deixa marcas na história do objeto que lhe servem de indiscutível evidência. Ninguém mais escreve filosofia em forma de poesia, como Parmênides ou Lucrécio. A forma de diálogo, que outrora cumpria uma função estética, já havia perdido sua importância bem antes dos Dialogues Concerning Religion de David Hume (1779), cujo propósito principal era disfarçar seu ateísmo. O advento da filosofia analítica tornou o discurso filosófico ainda menos receptivo ao elemento artístico.

     É certo que, em oposição a essa tendência, críticos poderiam evocar nomes como os de Nietzsche, Sören Kierkegaard, Walter Benjamin, Martin Heidegger e mesmo Wittgenstein, ainda que só o último tenha sido atuante nos últimos oitenta anos. Mas os primeiros dois filósofos faziam filosofia da vida e da existência, objeto de natureza mutável, facilmente escapando à sua captura por qualquer forma de objetividade científica. Walter Benjamin, considerado por Theodor Adorno um teórico fraco, foi, sobretudo, um literato de estilo incomparável, com forte inclinação filosófica. Muito diversamente, Jürgen Habermas, da mesma Escola de Frankfurt que pensadores expressionistas como Benjamin e Adorno, conseguiu ir mais longe, por ater-se ao rigor argumentativo sistemático, mesmo que a custa de inevitáveis obscuridades.

     Wittgenstein foi um caso à parte: um filósofo exponencial e, junto a Frege e Russell, um dos fundadores da filosofia analítica. É verdade que, com ambições de abrangência misticizante e o aceite de elementos esteticicizantes próprios de sua filosofia, era compreensível que ele se opusesse ao movimento anti-esteticizante e anti-metafísico dos positivistas vienenses como uma expressão de decadência da alta cultura e uma perversão cientificista, tão degradada quanto seu oposto reativo – o irracionalismo, com sua vertente encobertamente mística (ex: Martin Heideger) ou, com o que mais tarde daria em uma vertente encobertamente niilista (ex: Michel Foucault). No entanto, há um custo no procedimento de Wittgenstein: suas metáforas e exemplos são, em geral, profundos e bem orientados, mas, como já foi observado[6], ele geralmente interrompia seus fragmentos argumentativos antes de desenvolvê-los o suficiente. Os resultados foram mais voltados para recomendações e lances argumentativos. Por isso, insisto: o que o exemplo de Wittgenstein e outros, que mantêm um discurso misticizante e esteticizante revela, é que muito da filosofia ainda pode estar longe de se tornar ciência, mesmo no sentido fraco de saber consensual legítimo que temos considerado. Seja como for, ao nos voltarmos para os domínios historicamente centrais da filosofia – metafísica, epistemologia e ética –, os elementos artísticos e religiosos tendem a perder força à medida que esses domínios se aproximam de um terreno de consenso. Mas isso é feito de modo gradual e oscilante, no caso de Wittgenstein, com um retrocesso bem justificado contra a especialização precoce que caracteriza o cientificismo positivista que acabou por invadir território americano e, de maneira encoberta, alastrou-se, tornando-se quase o modus operandi da filosofia analítica contemporânea.[7]

     Mas, nesse caso, como sustentar a tese de que a filosofia, em seu centro de gravidade histórico, possa ser completamente substituída por formas científicas? Pessoalmente, creio que sim, ainda que seja algo impossível de demonstrar. Afora isso, temos o caso das filosofias que dizem respeito a processos temporais destinados a se prolongar no futuro, exigindo, por isso, que seus desenvolvimentos teóricos permaneçam abertos; há também as sempre emergentes novas formas secundárias aplicadas de filosofia; há também o caso de filosofias de ordem superior que se seguem à formação de cada nova ciência particular; por fim, permanece em aberto a questão da própria finitude do conhecimento possível.

 

2.     PARA EXEMPLIFICAR

Pretendo agora apresentar alguns exemplos confirmatórios do que já foi sugerido, acreditando que, em filosofia, a repetição pode ser saudável.

     Como vimos, a filosofia extrai da prática cultural religiosa sua motivação misticizante de abrangência, profundidade e elevação. O “espanto” (θαῦμα), do qual, segundo Aristóteles, nasce a filosofia, vincula-se a essa mesma fonte. A ambição de abrangência carrega um componente integrador, perceptível no impulso de direcionar as conjecturas rumo à maior amplitude possível, se possível ao inefável conjunto da realidade.

     Assim, quando o filósofo busca “uma explicação última do universo e do lugar que o homem nele ocupa” (Aquino), quando se interroga “de onde viemos, quem somos, para onde vamos” (Gauguin), ou ainda, quando formula a questão “por que o ente e não antes o nada?” (Heidegger; Leibniz), o que vemos em ação é a mesma motivação que sob circunstâncias mais mundanas conduzia à religião.

     Mesmo que se conclua negativamente que precisa ser o ente e não antes o nada, porque “se fosse o nada, ninguém estaria aqui para fazer essa pergunta” (Stephen Hawking), o interlocutor revela uma preocupação filosófica de igual abrangência, ainda que para refutar, com boas razões, o sentido da pergunta, o que não é suficiente para desfazer o impulso em direção à abrangência.

     Da prática artística já vimos que o filósofo extrai o caráter criativo e inevitavelmente metafórico ou hipostasiado de conceitos que internamente designam os princípios que fundamentam seu discurso (como os de ser, ideia, coisa em si, absoluto, indizível, e mesmo o conceito de pensamento em Frege...), cuja construção se encontra muitas vezes aliada às mesmas intenções de abrangência, profundidade, elevação e direcionamento que havíamos encontrado na religião, mas que tendem a ecoar na filosofia. Além disso, há questões de estilo: o uso externo de metáforas, alegorias e aforismos, de performances retóricas e mesmo a própria estrutura esteticizante do discurso, como se observa em Platão, em Spinoza e no Wittgenstein do Tractatus... Esses elementos não apenas adornam o pensamento, mas também o moldam, revelando uma dimensão estética que se entrelaça à busca filosófica pelo sentido da totalidade. Considere agora as seguintes sentenças aforísticas:

 

Da luta dos opostos nasce a mais bela harmonia. (Heráclito)

O tempo é a imagem móvel da eternidade. (Platão)

A angústia é a disposição fundamental que nos coloca diante do nada. (Heidegger)

Todo objeto amado é o centro de um paraíso. (Novalis)

O orgulho é a morte do espírito. (Wittgenstein).

 

Por meio delas, o filósofo cede a recursos estéticos como veículos indutores de reflexão. A linguagem, aqui, não se limita à função explicativa: torna-se expressão poética do pensamento, revelando que o estilo é parte constitutiva da filosofia. Metáforas, imagens e ritmos não apenas adornam o discurso — elas o estruturam, ampliando sua capacidade de sugerir, provocar e iluminar.

     Por fim, é da prática científica que o filósofo extrai seu objetivo veritativo: a intenção de aproximar-se da verdade, valendo-se de recursos metodológicos, formais ou empíricos, geralmente tomados de empréstimo às ciências. Além disso, é essencial que o filósofo esteja ciente das consequências da presente imagem científica do mundo, que deve ser interpretada como uma extensão da imagem manifesta do mundo[8], conquanto essa última seja entendida como uma extensão do senso comum modesto (mooreano), sem o qual não poderíamos sequer compreender a ciência, e que é igualmente indispensável para que o filósofo possa manter os pés sobre o chão do verossímil.

     Considere, por exemplo, afirmações como as seguintes:

 

O mundo é feito de átomos e do vazio. (Demócrito)

Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. (Aristóteles)

Ao pensar que existo, não posso estar errado. (Descartes)

A indução só é possível sob o suposto de alguma espécie de uniformidade do universo (Hume)

A ação moral é a que promove o maior bem-estar para o maior número de pessoas. (Bentham)

Os fatos no espaço lógico são o mundo. (Wittgenstein)

 

Por meio dessas sentenças vemos o filósofo empenhado em fundamentar seu discurso em verdades acerca do mundo, o que aproxima a filosofia do saber compartilhado da ciência.

     Quando consideramos a filosofia dos pré-socráticos, todas essas três dimensões, cientificizante, misticizante e esteticizante, se encontram muito fortemente presentes. O componente estético é evidente nos aforismos de Heráclito e no poema de Parmênides. Heráclito escreveu em tom oracular, e o poema de Parmênides (Segundo Kenny, um mau poeta) é apresentado por uma deusa que, apontando para as indevassáveis virtudes do ser, revela a influência totalizante do elemento místico-religioso.

    Além disso, Heráclito, atento à constante mutabilidade do mundo sensível, buscava a sabedoria no logos, nas leis ocultas da razão que regem o cosmo. Parmênides, por sua vez, tinha por objeto o conhecimento do ser, pelos antigos interpretado como o fundamento imutável da verdade.

     Ambos, embora não raro vistos como opostos, revelam-se, caso essa seja a interpretação correta, mais próximos do que à primeira vista se supõe. Torna-se evidente, em ambos, o impulso voltado à compreensão da verdadeira natureza das coisas, a busca do consenso autêntico, a marca da atitude científica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                         VII

 

                             COROLÁRIOS E PERSPECTIVAS

 

     

The future eludes the imagination.

[O futuro escapa da imaginação.]

 D. M. Jesseph

 

 

Neste capítulo, proponho algumas aplicações das conclusões até agora alcançadas acerca da natureza geral da filosofia tradicional. O objetivo é demonstrar que essa abordagem possibilita uma diferenciação mais inteligível entre distintas maneiras de filosofar, além de oferecer uma nova interpretação da sucessão dos diversos modos de se fazer filosofia, incluindo o modo linguístico-analítico.

 

 

1.     FORMAS DE FILOSOFIA

 

O triângulo metafilosófico discutido no capítulo anterior permite traçar, ainda que de forma intuitiva, uma espécie de cartografia das formas filosóficas, conforme o lugar que ocupam em seu interior. A analogia com a ópera volta a ser pertinente. Ela é uma produção artística resultante da combinação de música, poesia e enredo. Também nesse caso temos um triângulo, cujos elementos variam em proporção, qualidade e grau de integração mútua:

 

MÚSICA

 

 

 


ENREDO                                                    POESIA

 

No centro desse triângulo – formado por enredo, música e poesia – eu situaria a ópera Pagliacci, de Leoncavallo. Ela reconta um episódio verídico no qual um palhaço, tendo se descoberto traído por sua esposa, a Colombina, assassina-a em plena apresentação, juntamente com o amante que tentava salvá-la. Nesse caso, os três elementos articulam-se com perfeição: o drama pungente, a música expressiva e a poesia intensa convergem de forma exemplar. Paggliacci ocupa, assim, o centro do triângulo. Algo semelhante pode ser dito de Madame Butterfly, de Puccini, cuja narrativa comovente se entrelaça a momentos de incomparável beleza melódica.

    Contudo, nem sempre essa integração se realiza plenamente. Die Zauberflöte, de Mozart, apresenta um enredo frágil, concebido sobretudo para servir de suporte à música e à poesia, que se revelam insuperáveis. Essa ópera posiciona-se distante do vértice do enredo, mais próxima da melodia e da poesia, embora seja no todo superior a Pagliacci. O mesmo poderia ser dito de Die Dreigroschenoper, cuja trama não chega a convencer, apesar do engajamento político de Brecht. Considere, por fim, uma ópera dodecafônica como Wozzeck, de Alban Berg, melodicamente árida. Ela se afasta do vértice musical do triângulo, aproximando-se do lado que une os vértices da poesia e do enredo.

   Algo semelhante pode ser feito com relação aos trabalhos filosóficos, que podem ser situados, comparativamente, no espaço do triângulo sobre cujos vértices se encontram ciência, religião e arte, conforme o peso relativo de suas dimensões cientificizantes, misticizantes e esteticizantes.

     Considere o caso do Tractatus Logico-Philosophicus, de Wittgenstein: por sua tentativa protocientífica de construir uma teoria pictórica da representação, por sua doutrina mística do indizível e pelos recursos estéticos – tanto estruturais quanto retóricos – essa obra pode ser posicionada próxima ao centro do triângulo, ainda que ligeiramente mais próxima do vértice científico, dado seu propósito explícito de analisar a linguagem da ciência (certamente, devido à influência de Russell). Já sua segunda grande obra, as Investigações filosóficas, parece distanciar-se um pouco mais do vértice científico, aproximando-se algo mais dos outros dois vértices.

     O exemplo mais expressivo de uma obra filosófica que se aproxima do centro do triângulo é o dos diálogos platônicos. Platão já foi considerado por muitos o filósofo par excellence,[9] justamente por articular com vigor as três dimensões mencionadas, muito embora, após a crítica de Nietzsche, sua filosofia pareça pender mais fortemente para o vértice místico.

     A filosofia platônica apresenta uma dimensão veridicizante, cognitiva e teórica própria (nesse sentido protocientífica), evidenciada na natureza essencialmente argumentativa de seus diálogos. No centro deles – a doutrina das ideias – buscam-se e justificam-se verdades ontológicas em conexão com uma teoria sobre nossas capacidades cognitivas, articulada a preocupações morais e sociais mais amplas. Contudo, a filosofia de Platão revela também uma forte dimensão místico-totalizante, perceptível na invenção da transcendência do reino das ideias e na tentativa de criar uma visão especulativa abrangente acerca da modelação do mundo pelo Demiurgo com base nas formas eternas. Essa dimensão manifesta-se especialmente no recurso aos mitos órficos, na doutrina da alma do mundo e na quase religiosa veneração à ideia do bem. Há, por fim, o elemento estético, que confere aos seus diálogos o status de obras literárias de grande beleza e apelo duradouro. Ao equilibrar essas três dimensões – cientificizante, misticizante e esteticizante – a obra platônica permanece próxima ao centro do triângulo, exemplificando um esforço filosófico à beira da perfeição, ainda que com um viés marcadamente místico.

     Também próxima ao centro do triângulo encontra-se a obra de Aristóteles, que, apesar de seu empirismo, jamais se afastou em demasia de suas raízes platônicas.[10] Outras filosofias clássicas, como a de Descartes, também se aproximam – umas mais, outras menos – desse ideal de integração de influências. Embora tanto Aristóteles quanto Kant ocupem a área central do triângulo, o primeiro se encontra algo mais próximo do vértice científico, dignificando especialmente a verdade, enquanto o segundo se aproxima algo mais do vértice místico, sobretudo quando consideramos sua filosofia moral.

     Raramente essas diferentes dimensões se distribuem de forma tão equitativa. Existem filosofias limítrofes, situadas próximas a determinados lados ou vértices do triângulo. A filosofia de Aristóteles, por suas motivações empiristas e realizações como biólogo e lógico, está algo mais próxima do vértice científico do triângulo do que a de Platão. Muitos filósofos analíticos influentes de língua alemã – como Frege, em certa medida, e Rudolph Carnap, em grau muito maior – também se aproximaram desse vértice. O mesmo vale para analíticos de língua inglesa com orientação formalista, direta ou indiretamente influenciados pela mentalidade dos positivistas vienenses, como W. V. O. Quine, Donald Davidson, Saul Kripke, Hilary Putnam e David Kaplan.

     A atração pelo vértice científico se limita a filósofos de orientação formalista. Pensadores de orientação comunicacional como J. L. Austin, P. F. Strawson, John Searle e Paul Grice também visavam aproximar-se do vértice científico, assim como o filósofo da mente Daniel Dennett, influenciado pelo darwinismo. O mesmo pode ser dito da maioria dos filósofos originais de língua inglesa, como Bertrand Russell, e, antes dele, de representantes da tradição empirista, como John Locke e J. S. Mill.

     Passemos agora aos filósofos cujas obras se aproximaram do vértice místico-religioso do triângulo. É o caso de Plotino, Agostinho, Scotus Eriugena e Tomás de Aquino, por suas motivações. O mesmo pode ser dito de Spinoza, Fichte, Schelling e Hegel, o que ajuda a explicar a abrangência de suas filosofias. Alguns filósofos ingleses como o bispo Berkeley, F. H. Bradley e J. M. E. McTaggart, também seguiram esse caminho.

     Quanto aos pensadores mais próximos do vértice artístico, destacam-se nomes como Heráclito e Nietzsche, este, justamente, classificado como um influente artista-filósofo. Sua obra Assim falava Zaratustra foi considerada por Bertolt Brecht o maior poema lírico da língua alemã (ainda que outros prefiram Rilke).  Também savants como Montaigne e Émil Cioran se aproximam mais do vértice artístico, quando não o ultrapassam.

     Por fim, há filósofos que se distanciam significativamente do vértice científico e se aproximam do lado oposto do triângulo – aquele situado entre a arte e a religião – como nos casos de Sören Kierkegaard, Martin Heidegger e (não tanto) Jean-Paul Sartre. Suas obras revelam, não só uma profunda preocupação existencial e estética, mas também inquietações espirituais, religiosas ou não, muito afastadas das preocupações científicas.

     Há, por fim, os casos limítrofes – aqueles que transbordam as fronteiras convencionais do discurso filosófico. Novalis e Cioran, por exemplo, já se projetam no vértice artístico. E a obra de Jacques Derrida, assim como os momentos mais originais da produção de Gilles Deleuze, pode ser mais positivamente avaliada como transbordando para o território artístico. Esses casos podem ser distinguidos daqueles de artistas que operam fora das fronteiras da filosofia, embora em sua vizinhança, como Friedrich Hölderlin e, por vezes, Goethe.

     Casos limítrofes situados no vértice do pensamento religioso incluem místicos como Jakob Böhme e Meister Eckhart (os sermões de Eckhart são impregnados de profundos insights antropológicos de teor filosófico).

     Há também, por certo, zonas de interseção entre a filosofia e a ciência. Considere, por exemplo, a psicanálise de Sigmund Freud: embora ainda marcada por interpretações subjetivas e não consensuais, oferece técnicas que possibilitam insights inéditos, dificilmente alcançáveis pela psicologia introspeccionista que a precedeu. Isso se deve, em grande parte, ao ambiente controlado proporcionado pela prática psicanalítica. Outro exemplo de trabalho nesse domínio fronteiriço pode ser encontrado nos escritos antropológicos de Claude Lévi-Strauss: sua obra busca satisfazer uma ambição predominantemente científica, mas também estética.

 

2.     TRÊS TRADIÇÕES FILOSÓFICAS

Podemos, enfim, classificar os movimentos filosóficos e até mesmo as grandes tradições conforme seus respectivos posicionamentos no triângulo metafilosófico. A filosofia anglófona tende, historicamente, ao vértice científico; a filosofia germanófona tende ao vértice místico-religioso; e a francófona, ao vértice estético. Um sociólogo teria razão ao ver tensões ideológicas subjacentes de cunho institucional, associadas à distribuição dessas formas.

    Entre as filosofias anglófonas encontram-se a inglesa e a norte-americana. Comecemos pela filosofia inglesa. Provavelmente, pelos avanços da ciência desde Isaac Newton e pelo desenvolvimento técnico – como o da máquina a vapor e os da Revolução Industrial – a filosofia inglesa orientou-se, em geral, para o vértice científico. Locke, por exemplo, teve formação científica, colaborou com o químico Robert Boyle e formou-se em medicina. Seu empirismo, mais guiado pelo bom senso do que pela coerência lógica, reflete bem essa inclinação. Filósofos como Thomas Reid, John Stuart Mill e Jeremy Bentham também evidenciaram claramente o direcionamento para o vértice da ciência. Bertrand Russell, o mais relevante filósofo inglês do século XX, destacou-se como defensor da filosofia científica. O Principia Mathematica foi uma tentativa, frustrada, mas ambiciosa e frutífera, de transformar a filosofia da matemática em ciência, como extensão da lógica. E o mesmo poderia ser dito das obras de P. F. Strawson e de J. L. Austin. Este último, como já notei, conseguiu extrair uma teoria científica – a teoria dos atos de fala – do campo filosófico.

     Quanto à filosofia norte-americana, de C. S. Peirce a W. V. O. Quine, ela foi sempre marcada pela influência da ciência. Peirce, com formação científica, desenvolveu uma lógica comparável à de Frege, além de ter fundado a semiótica moderna. Filósofos como Peirce, William James e John Dewey associavam esse direcionamento científico ao pragmatismo, segundo o qual a filosofia deveria servir de instrumento para enfrentar os problemas concretos da vida. (O problema surge quando o pragmatismo passa a dominar os outros valores, instrumentalizando a filosofia, como em Richard Rorty.)

     Essa aproximação com a ciência se manteve entre filósofos analíticos americanos posteriores de orientação analítica, como W. V. O. Quine, David Lewis, Donald Davidson, Saul Kripke, Keith Donnellan, Hilary Putnam e David Kaplan, de orientação formalista, além de Daniel Dennett, Paul Grice e John Searle, de orientação mais empirista.

     O respaldo da ciência contribui para explicar o êxito de filosofias desafiadoras de orientação formalista – como as de Kripke, Hilary Putnam e  David Kaplan – em um mundo cada vez mais orientado pelos resultados científicos. No entanto, esse alinhamento também trouxe certas limitações que, ao combinar as reflexões de Susan Haack com as de Max Weber, podemos descrever como decorrentes de “desencantamentos prematuros do mundo”. Trata-se do problema do cientificismo: a fixação em modelos científicos específicos, como critérios exclusivos de valoração argumentativa, excluindo outros domínios de forma reducionista, o que pode ser útil como maneira de “dividir para conquistar”, mas que, se levado ao extremo, conduz à divisão sem conquista alguma, ou seja, à fragmentação positivista do pensamento e à perda de representações abrangentes alcançáveis, a dizer, ao ocultamento da possibilidade de visões suficientemente amplas, capazes de conter os elementos indispensáveis ao próprio progresso filosófico, especialmente quando este se aproxima da ciência como conhecimento autenticamente consensualizável.

     Consideremos agora a tradição germanófona. Desde Meister Eckhart até Hegel e Husserl, passando por Leibniz e Kant, a filosofia alemã sempre revelou uma inclinação misticizante, voltada para o vértice místico-religioso do triângulo metafilosófico, ainda que, em Nietzsche, essa inclinação se manifeste sob a forma de uma revolta ateia contra a cultura e filosofia cristã.

     Alguns de seus expoentes, como Schelling, Hegel e Heidegger, chegaram a estudar em seminários religiosos, o que revela o entrelaçamento entre a reflexão filosófica e a inquietação espiritual. Historicamente, essa tradição filosófica carrega um acento místico profundo, perceptível tanto na densidade elusiva de seu discurso metafísico quanto na abrangência como busca pelos fundamentos últimos da realidade. Essa vocação sistematizadora, que aspira à compreensão totalizante do mundo, permanece ainda viva, embora já devidamente limitada, como se vê na obra de Jürgen Habermas, cuja produção ainda ecoa esse impulso, mesmo que sob a égide da razão comunicativa.

     Vejamos, por fim, a tradição francófona. A filosofia francesa tende a aproximar-se do vértice estético do triângulo. Já havia uma inclinação literária nos Ensaios de Montaigne e nas Meditações de Descartes. Essa tradição se intensificou muito entre filósofos influenciados por Husserl e Heidegger, como J. P. Sartre e Maurice Merleau-Ponty, atingindo seu ápice na retórica pós-modernista de pensadores como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida. Essa ênfase esteticizante encontra raízes na extraordinária tradição literária da língua francesa, que acabou por impregnar o discurso filosófico de traços retóricos. Mas nesses últimos casos, não se trata de um centramento genuíno na dimensão estética, como ocorreu, por exemplo, com o pessimismo auto-irônico de Emil Cioran, mas de uma centralidade estética aliada a uma imitação insincera e retórica das demais dimensões da filosofia, evidenciada especialmente em Derrida.

     Assim como o excesso de cientificidade perverteu a filosofia anglófona, conduzindo-a ao cientificismo e, deste, à esterilidade, e assim como o excesso misticizante da filosofia germanófona conduziu às profundidades ardilosas do idealismo alemão, a tradição francófona deixou-se contaminar pela arte literária e pela retórica. O resultado final foi um jogo retórico-literário, com escasso ou nenhum compromisso veritativo, no qual argumentos óbvios ou questionáveis foram apresentados de forma suficientemente obscura para que suas fragilidades não se revelassem ao leitor desatento. A persistência nesse modo de proceder culminou numa persiflagem retórica do trabalho filosófico genuíno. Tal como a criança que brinca com um objeto, fazendo de conta que é a coisa real, passou-se a simular a prática da filosofia, como se bastasse encená-la para que ela se efetivasse.

     Por isso, como já fiz notar, seria mais apropriado que certos textos de Derrida fossem avaliados como instalações – obras de arte que se valem de material filosófico. Mas então seriam obras menores, pois a boa obra de arte, como R. G. Collingwood, em adição a Freud, percebeu, manifesta-se como uma ilusão consciente capaz de regenerar nossa consciência, na medida em que revela aquilo que uma sociedade procura esconder de si mesma. Já a “arte” de certos filósofos pós-modernos, ao pretender, como filosofia, situar-se para além da ilusão consciente, arrisca-se a servir mais à corrupção da consciência do que à sua regeneração, uma vez que impede o leitor de progredir para além do jogo de faz-de-conta que por ela fixado.[11]

     Tão teoreticamente trivial quanto nosso exercício cartográfico possa parecer, ele não deixa de impor alguma ordem ao entulho das formas filosóficas. Além disso, contribui para tornar mais plausível a aplicabilidade universal da explicação integrada aqui proposta.

     De particular relevância é o desenvolvimento histórico no interior do triângulo metafilosófico, direcionado para seu vértice científico, que, como vimos, deve ser entendido como um empreendimento progressivista-consensualizador-objetivista (cap. III). Assumindo o pressuposto da consiliência, a tendência geral é a de que as investigações filosóficas, em suas áreas tradicionais, se aproximem, de modo oscilante e quase imperceptível, desse vértice científico. Ou seja, discussões de início inteiramente aporéticas tendem, pouco a pouco, a estreitar suas exigências argumentativas, impulsionadas por um reforço interteorético oriundo de múltiplas direções – reforço este pré-justificado pela assunção da consiliência – até poderem ser traduzidas na forma de conhecimento público legitimamente consensualizável.

     Caso tal cenário se concretize, é de se esperar que a filosofia, ao menos em seus domínios centrais, venha a desaparecer, restando apenas formas menores de conjectura – algo comparável, ainda que com reservas, ao que ocorreu com a ópera, substituída por expressões mais leves como operetas e musicais. É possível que estejamos nos aproximando desse ponto. Nesse contexto, assim como testemunhamos, outrora, poderemos assistir à morte da filosofia enquanto empreendimento profundamente abrangente e aporético, tal como nos habituamos a ver ao longo da tradição até tempos relativamente recentes.

   O maior risco, porém, reside na tentativa de apressar essa morte por meio de formas aparentemente assépticas de eutanásia, como a fragmentação cientificista de áreas centrais da filosofia em obscuros guetos de proficiente miséria intelectual – o que alguns receiam estar hoje acontecendo.[12]

 

 

3.     TRÊS PERÍODOS HISTÓRICOS NA

 EVOLUÇÃO DA FILOSOFIA

 

Como era de se esperar, as relações entre os elementos pós-religiosos e protocientíficos mudaram com a emergência das ciências básicas. Em consequência, todo o desenvolvimento histórico da filosofia ocidental pode ser interpretado à luz das transformações no vínculo dinâmico entre filosofia e ciência. Essa constatação nos convida a dividir a história da filosofia em três grandes períodos, definidos pela natureza dessa relação, que serão aqui denominados pré-formacional, paraformacional e pós-formacional.

     No princípio, existiam apenas religião e arte. Não havia ainda a ideia da ciência e, por conseguinte, pouco ou nenhum espaço para a filosofia. O primeiro período do desenvolvimento da filosofia ocidental teve início com os filósofos gregos pré-socráticos. Chamamos esse estágio de período pré-formacional, por anteceder à constituição das ciências básicas como corpos sistemáticos de conhecimento.

     Como já discutido (cap. IV), o surgimento da filosofia grega não decorreu de uma insatisfação com as explicações mitológicas, mas, sobretudo, da emergência de uma ideia de ciência.[13] O nascimento ainda fragmentário das primeiras teorizações científicas – em áreas como aritmética, geometria, física e astronomia – levou os pensadores pré-socráticos a formar, em suas mentes, uma ideia de ciência, tanto formal quanto empírica. Segundo essa concepção, seria possível, com base em certos dados (axiomas formais, impressões sensíveis empíricas), formar generalizações (como teoremas, leis) que, em abstração de suas aplicações práticas, permitiriam provar, justificar, explicar ou predizer fenômenos. A ciência surgia como um instrumento capaz de revelar o que a natureza mantinha oculto – uma noção que só viria a ser explicitada mais tarde, no Organon aristotélico (para a lógica e a teoria da ciência), além dos Elementos de Euclides (para a geometria).

     É evidente que o novo modelo de pensamento, introduzido pela ciência, foi a centelha que acendeu a chama da especulação filosófica entre os pré-socráticos. Ele sugeriu à mente humana a magnífica possibilidade de que o mundo inteiro – cuja natureza oculta até então era explicada exclusivamente pela religião – poderia ser compreendido por meio de generalizações abstratas. Embora um tal empreendimento fosse, à época, totalmente inviável como realização efetiva, como exercício especulativo ele permanecia sempre possível. Foi precisamente esse horizonte que os primeiros filósofos, também cientistas ou, ao menos, intelectualmente familiarizados com o saber científico, buscaram explorar, em plena consciência da fragilidade de suas conjecturas.

      Nesse processo, era comum que misturassem, em maior ou menor medida, suas especulações com antigas explicações de cunho antropomórfico. No entanto, como demonstrou um atomista como Demócrito, o elemento antropomórfico não se revelou sequer indispensável ao empreendimento filosófico.

     Esse primeiro período de indagação filosófica estendeu-se até o Renascimento. Ao longo de toda a Idade Média, embora incorporasse novos procedimentos dialéticos, a filosofia manteve-se guiada pela ideia – originalmente sugerida pela ciência – de explicar a natureza oculta das coisas por meio de generalizações conceituais, sem necessidade de se afirmar em diálogo com os resultados do saber científico. Isso se deveu ao fato de que a ciência, ainda incipiente e fragmentária, não possuía força suficiente para desafiar as concepções ordinárias do mundo, as quais, somadas às ideias religiosas, constituíam o pano de fundo garantido das reflexões filosóficas medievais.

     A segunda fase da filosofia, começou com a revolução cartesiana, que deslocou o centro da filosofia teórica da metafísica para a epistemologia. Descartes foi um matemático, conhecedor dos desenvolvimentos da ciência, tanto formal quanto empírica,[14] tentando aplicar métodos matemáticos que envolviam clareza e distinção como critérios de verdade ao seu sistema filosófico.

     Essa fase pode ser denominada paraformacional, pois caracterizou-se pela emergência e consolidação das ciências empíricas básicas – a física, seguida da química, da biologia e das ciências humanas e sociais – enquanto corpos sistemáticos e independentes de conhecimento. Esse movimento ocorreu em paralelo aos avanços das ciências formais, abrangendo também os desenvolvimentos práticos indiretamente relacionados a essas disciplinas (ver capítulo III).

     No campo filosófico, esse período teve início com Descartes e se estendeu, pelo menos, até Hegel. A partir de Descartes, a filosofia passou a se desenvolver, em maior ou menor medida, como uma reação ao avanço da ciência.  Não é difícil perceber que a tarefa da filosofia moderna não consistiu tanto em preparar o surgimento de novos campos científicos e seus efeitos, mas, sobretudo, em reformular e realocar o material ideativo dos campos centrais remanescentes da filosofia, em conformidade com novas ideias científicas, tanto formais quanto empíricas, e com uma nova mentalidade que, aos poucos, se formava. Não era possível mais separar a ciência das verdades reveladas, como pretendeu Tomás de Aquino.

     Tomando como exemplo a metafísica de Descartes, é difícil acreditar que ele pudesse ter confiado na fecundidade do método geométrico aplicado à filosofia sem antes ter testemunhado seu poder heurístico na geometria analítica. Da mesma forma, é difícil ver como ele poderia sentir a necessidade de responder ao cético se não estivesse familiarizado com o argumento da ilusão, especialmente na sua formulação científica, ou com a descoberta de que o coração não é a sede das paixões, como pensavam os gregos antigos.[15]

     Outro exemplo foi a suposta revolução copernicana de Kant, marcada pela sugestão de que somos nós os legisladores do universo. Essa ideia, tão audaciosa quanto improvável, só poderia ter surgido como uma tentativa de acomodar nossos poderes cognitivos a um suposto conhecimento absoluto da aplicabilidade (necessária e universal) da aritmética e da geometria euclidiana ao mundo sensível, além de um suposto conhecimento absoluto da aplicação (também necessária e universal) das leis do movimento e da gravitação descobertas por Newton cerca de cem anos antes.

     Os últimos filósofos que tentaram desenvolver sistemas metafísicos capazes de explicar toda a realidade no sentido tradicional foram os idealistas alemães. Depois deles, o desenvolvimento das ciências humanas e sociais tornou essa pretensão de omniabrangência cada vez mais improvável. (Penso em Nietzsche como um psicólogo que antecipou a psicanálise e em Marx como um sociólogo que influenciou o pensamento de economistas como J. A. Schumpeter.)

     Chegamos, enfim, ao que pode ser considerado a fase pós-formacional do desenvolvimento da filosofia, estabelecida após a emergência das ciências básicas. Como vimos, essas ciências exigem uma certa ordem de desenvolvimento, que vai da física à ciência social, já que pode ser praticamente impossível imaginar uma ciência básica mais complexa e particular surgindo antes de uma mais simples e geral.

     Atualmente, uma variedade de desenvolvimentos científicos locais vem emergindo, o que requer a existência prévia de ciências básicas, pois esses avanços se apoiam diretamente nelas. Muito da filosofia contemporânea é, de uma ou de outra forma, uma resposta à emergência desses desenvolvimentos, nascida da necessidade de revisar nossas concepções filosóficas remanescentes de modo a torná-las mais coerentes com as perspectivas que esses avanços científicos vêm instaurando.

 

 

1.     A FILOSOFIA ANALÍTICA

NAS RODAS DA HISTÓRIA

 

A consideração da fase mais recente do desenvolvimento da filosofia, sob a perspectiva aqui adotada, permite compreender por que, no século XX, ela chegou a ser equivocadamente considerada uma atividade essencialmente voltada à análise conceitual. Uma das razões para essa concepção reside no fato de que, com o avanço das ciências empíricas básicas, estas passaram a ocupar o espaço anteriormente ocupado pela filosofia enquanto especulação empírica antecipadora das ciências empíricas. Uma consequência é que a filosofia passou a se restringir a especulações de ordem superior, mais reflexivas, por exemplo, a investigação de conceitos que fazem parte do vocabulário epistêmico comum a qualquer ciência básica, como os de conhecimento, crença, justificação, etc., sem falar em conceitos metafísicos como propriedade, substância, número, existência, evento, processo… ou ainda em conceitos de filosofia da análise linguística, como significado, verdade, referência, bem como suas possíveis relações entre tudo isso, afastando-se assim de preocupações empíricas imediatas.

     Entretanto, a consolidação da filosofia dita analítica linguístico-analítica deveu-se, em grande parte, à tomada de consciência de novos mecanismos de controle dos procedimentos argumentativos, que exigem uma organização mais explícita dos componentes lógico-conceituais do discurso. Essa exigência frequentemente requer ascensão semântica, ou seja, o tratamento do que dizemos por meio de uma metalinguagem semântica. Sob tais circunstâncias, tornou-se fácil confundir a filosofia, em sua natureza própria, com um simples esforço de esclarecimento linguístico-conceitual.

     Contudo, tanto o distanciamento da especulação filosófica de preocupações com questões de ordem empírica imediata quanto a ênfase nos aspectos linguístico-conceituais são apenas momentos contingentes de uma trajetória histórica. Dizer que a filosofia do século XX foi, em boa parte, uma indagação linguístico-conceitual é apenas descrever a forma como ela se apresentou em determinado período histórico, especialmente no contexto da filosofia anglófona, e não diagnosticar sua natureza essencial.

     Adotando essa perspectiva, tornamo-nos melhor posicionados para compreender os desenvolvimentos internos da filosofia linguístico-analítica. Retomando as considerações iniciais, é possível perceber que as principais conquistas desse movimento filosófico se encontraram intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento e à consolidação de uma constelação de teorias científicas que pertencem ao campo da semiótica, no sentido mais amplo possível do termo. A filosofia analítica se vincula à semiótica, por um lado, pelo caráter conjectural que tem marcado a exploração gradual desse domínio (como exemplifica a ambiciosa pragmática universal de Jürgen Habermas); por outro, pela necessidade incontornável de realocar e reformular nossas concepções acerca dos problemas filosóficos tradicionais em resposta aos avanços ocorridos no campo nesse campo, o que inclui, por exemplo, a extraordinária aplicação da lógica modal por Saul Kripke em sua teoria da referência.

     Um ponto fundamental já abordado no capítulo II é a existência de uma ordem de pressuposições entre os três domínios da semiótica: de modo geral, a semântica pressupõe a sintática, e a pragmática pressupõe ambas – sintática e semântica. Essa hierarquia torna-se evidente ao considerarmos que é possível aprender a sintaxe de uma linguagem não interpretada, abstraindo-se dos significados dos signos, de sua semântica e, certamente, de sua pragmática comunicacional. Contudo, dificilmente se pode compreender as relações referenciais de uma linguagem, seja dos signos isolados, das combinações de signos, ou dos próprios signos polissêmicos, sem antes identificar suas unidades sintaticamente estruturadas.

     Afora isso, é possível avançar muito no aprendizado da sintaxe e da semântica em abstração do contexto, isto é, sem levar em conta o uso da linguagem nas circunstâncias concretas da comunicação humana, a dizer, sua dimensão pragmática. Todavia, não se pode aprender a aplicar as regras pragmáticas, isto é, avançar no aprendizado do uso dos signos em proferimentos concretos, quando não sabemos identificar suas possíveis articulações sintáticas e referências.

     Uma implicação dessa sequência de pressuposições é que se torna natural supor que o desenvolvimento histórico do conhecimento semiótico tenha seguido a mesma ordem: iniciando-se pela sintática, avançando para a semântica e culminando na pragmática.[16]

     As reflexões acima contribuem para a compreensão do desenvolvimento histórico da filosofia analítica ao longo do século XX. Como resultado das sequência de pressupões que envolve os domínios da semiótica, a filosofia analítica também emergiu em três ondas sucessivas de investigação. No final do século XIX, Gottlob Frege foi o primeiro a desenvolver uma formulação simbólica completa do cálculo dos predicados, integrada ao cálculo sentencial. Essa foi uma contribuição essencialmente sintática, de importância sem precedentes para o desenvolvimento da lógica, embora já contivesse uma forma esquematizada de semântica. Não seria um grande exagero afirmar que a lógica, enquanto ciência, realmente começou com Frege.

    Os atomismos lógicos de Bertrand Russell e o do primeiro Wittgenstein podem ser vistos como as principais tentativas de integrar questões da filosofia do conteúdo e da teoria do conhecimento aos avanços revolucionários da lógica simbólica. Embora tenham surgido desenvolvimentos semânticos relevantes, como a distinção entre sentido e referência, a teoria referencialista do significado do Tractatus Logico-Philosophicus, bem como as especulações de Russell sobre os designata dos nomes propriamente lógicos – esses elementos ainda desempenhavam um papel complementar e, em grande medida, esquemático.

     A segunda onda foi predominantemente semântica: Wittgenstein, na fase intermediária de seu desenvolvimento filosófico, propôs um princípio de verificação que associava a proposição ao fato que a confirma. Desde 1929 e pelo menos até as aulas de 1934-5, ele sugeriu que o sentido cognitivo – o conteúdo proposicional expresso por uma sentença declarativa – deveria ser constituído por um feixe de modos de verificação com diferentes pesos semânticos. Por exemplo, ao se afirmar “Cambridge venceu a corrida de botes”, modos diversos de verificação, como ver o bote cruzar a linha de chegada, ouvir o apito do juiz, receber a informação de alguém, ler a notícia em um jornal ou ver o troféu no clube, são maneiras de verificar a proposição. Esses modos de verificação, tomados em conjunto, constituem o sentido da frase declarativa ou, se quiserem, a proposição (algo equivalente ao pensamento fregeano) por ela expressa.

     Por fim, como Wittgenstein observou, ao eliminarmos progressivamente esses modos de verificação, enfraqueceremos o significado da frase e, ao suprimirmos todos eles, nada restará de seu sentido.[17] Essa concepção aponta para uma investigação pragmática do significado, estabelecendo regiões e tipos de verificação, capaz de nos lembrar da teoria dos atos de fala. Contudo, tanto quanto sei, ela nunca foi amplamente desenvolvida.[18]

     A terceira onda trouxe consigo os esforços voltados à criação de uma ciência da pragmática e à acomodação de problemas filosóficos à luz desses resultados. Ela começou com as reflexões dispersas do último Wittgenstein sobre as múltiplas funções da linguagem, nas quais o significado das expressões passou a ser identificado com seu uso em contextos específicos de jogos de linguagem: o significado como função das regras de interação comunicativa, como o que J. L. Austin chamou de força ilocucionária.

     A consolidação da pragmática como campo sistemático de investigação das ações comunicativas deveu-se sobretudo aos trabalhos de J. L. Austin em sua teoria dos atos de fala, ao trabalho complementar de John Searle em Speech Acts, e mesmo em contribuições independentes, como a teoria das implicaturas conversacionais de Paul Grice.

     As investigações no campo da pragmática também motivaram tentativas de acomodar antigos problemas filosóficos aos novos aportes teóricos. Um exemplo inicial disso foi a tentativa de reestruturação e relocação do aprendizado da linguagem mentalista por Wittgenstein – ainda que, em última instância, mal-sucedida – como resultado de reflexões pragmáticas sobre a necessária dimensão interpessoal do aprendizado da linguagem. Wittgenstein (que, segundo Strawson, nutria um preconceito contra a subjetividade), ao buscar escapar da consequência paradoxal de seu argumento da linguagem privada – segundo o qual não podemos aprender a falar de nossos estados internos, uma vez que estes não podem ser submetidos à checagem interpessoal – propôs a substituição de nossa linguagem mentalista por uma problemática doutrina da “expressão criterial”. Assim, a expressão natural de dor “Ai!” seria substituída por “Dói”, que, por sua vez, daria lugar ao enunciado “Sinto dores”, o que seria interpessoalmente verificável sem a necessidade de referência à sensação interna de dor.[19]

    Outro esforço de reformulação de problemas filosóficos, que emerge como aplicação de desenvolvimentos pragmáticos (incluindo a teoria dos atos de fala), encontra-se na pragmática universal de Jürgen Habermas. Trata-se de uma teoria filosófica complexa, cuja finalidade última seria demonstrar como normas sociais e suas possíveis distorções podem ser lidas e corrigidas por meio das diversas maneiras pelas quais nossas ações comunicativas funcionam. Uma vez mais, evidencia-se o papel da ênfase linguístico-conceitual como característica relevante, ainda que historicamente contingente e não essencial à filosofia enquanto tal.

 

 

2.     O FUTURO DA FILOSOFIA: PERSPECTIVAS E LIMITES

 

O que pode ser esperado para o futuro?  A explicação socio-histórica da natureza da filosofia, esboçada nesse livro, oferece-nos alguns poucos indícios para pensar o futuro da filosofia. Por se tratar de uma atividade cultural derivada, a filosofia não possui garantias de estabilidade ou permanência. Sua continuidade depende das condições históricas e culturais que a sustentam, o que nos convida a considerar com cautela seu papel e relevância nas configurações futuras do pensamento.

     Retornando à analogia com a ópera: essa se desenvolveu paralelamente à música polifônica após o Renascimento, alcançando seu auge nos séculos XVIII e XIX, apenas para perder quase toda a sua relevância no século XX, sobrevivendo em formas menores, como as da opereta e do musical. A filosofia, no entanto, difere da ópera em um aspecto fundamental: tendo nascido da mitologia e orientado progressivamente em direção ao consenso científico, ela poderá, ao menos em certos domínios, acabar sendo substituída por novas formas de própria ciência.

      Ainda assim, a filosofia pode bem ter o destino da ópera. Pois os melhores tempos, com certeza, já se foram. Seus momentos de auge pertenceram aos grandes sistemas de Platão e Aristóteles e, na modernidade, ao período de configuração das ciências básicas. Nesse contexto, a filosofia, em um percurso que começou com Descartes e culminou com a obra de Kant, buscou acomodar suas concepções às transformações práticas sem dúvida provocadas pelo surgimento dessas ciências e pela nova visão de mundo delas derivada. Hoje, a investigação filosófica, em grande parte confinada a subquestões que emergem de núcleos de questionamento residuais ou limítrofes, parece avançar em formas menores.

     É importante, contudo, lembrar que esse diagnóstico não implica, necessariamente, juízo de valor. A filosofia contemporânea ainda pode ser bem mais relevante do que possa parecer. Afinal, Dreigroschenopera (1928) e Porgy and Bess (1935) não parecem menos significativas do que Götterdämmerung (1876) – ao menos para aqueles que se recusam a se deixar impressionar pelo pathos wagneriano. O mesmo pode ser dito se compararmos Appearance and Reality, do hegeliano F. H. Bradley, com Naming and Necessity, de Saul Kripke – um texto de escopo mais modesto, mas profundamente original e desafiador.

     É evidente que podemos esperar, em algum momento futuro, que as atuais filosofias da ciência evoluam para se tornarem metaciências, à medida que nos aproximarmos de um consenso sólido quanto à veracidade de suas explicações sobre a natureza de seus objetos.

     Nossas maiores expectativas continuam voltadas para o núcleo central dos problemas filosóficos tradicionais, que, em geral, permanecem à margem de qualquer consenso. Os domínios de especulativos mais difíceis e complexos – epistemologia, metafísica e ética – são notavelmente abrangentes: a epistemologia, por lidar com nosso acesso cognitivo a qualquer objeto do conhecimento; a metafísica, por buscar explicar, independentemente das ciências particulares que empregam seus conceitos, as categorias últimas da realidade – como propriedade, substância, existência, causalidade, identidade, parte e todo – que atravessam não somente as múltiplas formas de conhecimento científico, mas também nosso saber comum. Embora não tão abrangente, a ética tem se mostrado profundamente integrada ao cerne da atividade social humana e, requerendo por isso abordagens argumentativas complexas.

    É verdade que, embora a ciência tenha ocupado muitos dos espaços que antes pertenciam à filosofia, ela ainda se mostra incapaz de abarcar os domínios centrais da tradição filosófica, da metafísica à ética, passando pela epistemologia. Contudo, se adotarmos a concepção tolerante da ciência como conhecimento público legitimamente consensualizável, parece não haver razões para negar que, em princípio, em algum momento futuro elas possam ser absorvidas a novas formas de ciência.

    Nesse caso, porém, essa absorção não se daria por meio do que já é reconhecido como ciência, como propõe o cientificismo, mas sim pela releitura de suas representações panorâmicas (übersichtliche Darstellungen) sob o pressuposto da consiliência.

     Tenho aqui meus palpites. No que diz respeito à epistemologia, tudo o que precisamos fazer é livrar-nos da nuvem de poeira confusiva produzida por desafios enganosos, como o argumento de Gettier e um externalismo epistêmico manqué, que demanda uma reconfiguração internalista e nos impede de enxergar com clareza nosso objeto de estudo e de acessar livremente seu núcleo central.[20]

     Quanto à metafísica, necessário seria inverter o platonismo, começando pelo tratamento dos tropos de Donald Williams[21], entendendo-os como propriedades espaço-temporalmente localizáveis. Tais propriedades seriam as pedrinhas ontológicas na construção do universo, explicando tanto objetos materiais, quanto universais e “entidades abstratas” como números – um programa original, difícil e promissor, mas que nunca foi realmente tentado.

    E quanto à ética, o que sob minhas próprias luzes se impõe é a elaboração de um consequencialismo de duas camadas, nos moldes similares ao proposto por R. M. Hare[22]: seguimos, em geral, um utilitarismo de regras; mas em situações em que não há regras aplicáveis ou em que o sofrimento causado pela sua manutenção supera os benefícios do sistema, somos compelidos a adotar um utilitarismo de ação, em alguma medida à maneira de Jeremy Bentham.

     O desenvolvimento de qualquer um desses palpites exigiria um extenso trabalho de investigação sistemática, muito diferente da filosofia fragmentada, improvisada e “da mão para a boca” que hoje se tornou moda.

     O esclarecimento da natureza da filosofia como uma atividade cultural derivada de três atividades culturais fundamentais contribui para elucidar o sentido da palavra ‘filosofia’, tal como tem sido aplicada ao centro de gravidade da tradição ocidental. No entanto, esse esclarecimento tem pouco a ver com as subáreas periféricas que hoje parecem multiplicar-se, ainda que, no final de tudo, elas pressuponham um entendimento implícito, de bom senso, das áreas mais abrangentes. Essas subáreas correspondem a um sentido derivado do termo ‘filosofia’, como capaz de preservar (esperançosamente) apenas o elemento de conjectura orientada pela busca da verdade, mas ainda incapaz de alcançar consenso legítimo quanto aos resultados.

     Mesmo que se entenda por filosofia no sentido estendido, como tudo o que escapa à consensualização pública legítima, a ideia de sua completa transformação em ciência permanece improvável. Basta observar que, sempre que novos domínios do conhecimento emergem, tende a surgir uma filosofia correspondente – não apenas as teorias das ciências básicas, como as filosofias da física e da psicologia, mas também a filosofia da tecnologia, da medicina, da informação, a do meio ambiente, da sexualidade e do gênero, da educação física... E isso, sem mencionar as filosofias do processo, cujos resultados também dependem do que ainda está por acontecer.

     Podemos apenas imaginar como seria se toda e qualquer filosofia se transformasse em ciência. Se esse for o caso, torna-se concebível imaginar um tempo futuro em que filósofos e cientistas se encontrem desempregados, sentados, lado a lado, em um mundo intelectualmente saciado – um mundo em que tudo o que vale a pena conhecer já terá sido investigado e em que nenhuma descoberta relevante reste a fazer.

     Nesse cenário hipotético, não haveria mais espaço para acomodar o que resta de nossa visão filosófica em relação à ciência, uma vez que não haveria mais nenhum “resto” a ser integrado. A cosmovisão seria então reduzida à soma do conhecimento científico com o conhecimento do senso comum modesto, nada mais sendo admitido. A busca por uma totalidade que transcendesse esse arcabouço seria, por fim, reconhecida como um empreendimento desnecessário e sem sentido.

     Diante de tantas incertezas, insisto apenas em um ponto: as problemáticas centrais da tradição filosófica não poderão ser substituídas por uma multiplicidade de “hipóteses curiosas”, de mini-teorias hiperespecializadas e pseudocientíficas, desconectadas entre si e pouco inspiradoras – como sugere a fragmentação positivista-cientificista do campo da experiência que hoje prolifera sob o nome de filosofia analítica. A liberalidade e a flexibilidade de nosso conceito de ciência, aliadas à noção de consiliência aplicada à articulação entre as questões filosóficas centrais e outras áreas do saber, apontam antes para a possibilidade de que certas realizações consensuais se tornem suficientemente refinadas e abrangentes a ponto de assumirem seu lugar como ciência – preservando, assim, o suspeitado valor das indagações que as originaram.

     Na presente filosofia analítica, a estratégia de dividir para conquistar já ultrapassou, em muito, seus limites. Contudo, como o campo se encontra minado por “hipóteses curiosas” de toda sorte, o trabalho de desminagem só será possível quando se tornar evidente a todos que o acúmulo de minas o tornou completamente infértil.

     Finalmente, parafraseando Winston Churchill, o problema da natureza da filosofia, quando seriamente considerado, pode parecer “um enigma envolto em um mistério dentro de um enigma”[23] – um enigma que costuma ser rapidamente passado adiante, quando não severamente deturpado, pois diz respeito à vida contemplativa geralmente contra a vida ativa. Contudo, quem leu e compreendeu o presente texto, no qual quase nada é resultado de invenção, dificilmente poderá evitar a impressão de que dentre os muito enigmas que a filosofia nos legou, o enigma envolto em um mistério que a própria filosofia se impôs – o enigma de sua própria natureza – nele encontrou o caminho para uma resposta atual, inteira e definitiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1] Ver Wittgenstein, Philosophische Untersuchungen, I, § 122. A passagem é central porque explica o papel do entrelaçamento de conceitos teóricos como ‘uso’, ‘jogo de linguagem’, ‘gramática’, ‘forma de vida’… presentes na filosofia do último Wittgenstein. Ideias aparentadas já haviam sido antecipadas, por exemplo, por C. D. Broad, que, em 1923, no capítulo 1 de Scientific Thought, preconizava uma análise sinóptica clarificadora de nossos conceitos centrais e de suas relações, como uma maneira de bloquear um entendimento distorcido da realidade resultante de nosso “wishful thinking”. Mas Wittgenstein foi único ao apresentar, em sua filosofia, o que chamou de uma representação panorâmica da linguagem por meio de sua filosofia.

[2] As “bombas de intuição” (intuition pumps) são experimentos mentais com o objetivo de provocar ou manipular intuições filosóficas. Elas podem ser tanto construtivas quanto enganosas. Dennett sugeriu que, para saber se elas não são meros truques de mágica conceitual, precisamos, antes, desmontá-las. Ver Daniel Dennett: Intuition Pumps and Other Tools for Thinking, cap. 1.

[3] Exemplos foram filósofos franceses pós-modernos como Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, sem falar do americano Richard Rorty. Se eles pretendiam que a verdade é sempre uma construção social relativa, isso é bastante questionável. Mas se eles apenas pretendiam que não somos capazes de alcançar verdades absolutas, objetivas e universais, estavam apenas reafirmando o que a maioria dos filósofos, de C. S. Peirce a Karl Popper, tem considerado um lugar-comum. Minha opinião sobre o assunto fecha com a de Noam Chomsky: um movimento obscurantista, elitista e intelectualmente vazio.

[4] Ver o conhecido manifesto positivista de Moritz Schlick, Hans Hahn e Otto Neurath, intitulado The Scientific Conception of the World: The Vienna Circle (1929).

[5] Benoît Petters, Derrida, p. 647. O juízo de Anthony Kenny sobre esse faz-de-conta retórico do verdadeiro labor filosófico é certeiro: “Não surpreende que sua fama tenha sido menor em departamentos de filosofia do que em departamentos de literatura, cujos membros tem tido menor prática em distinguir filosofia genuína de filosofia falsificada.” A New History of Western Philosophy, vol. IV, p. 96.

 

[6] Ver A. C. Grayling: Wittgenstein: A Very Short Introduction.

[7] Em 1929 os membros do Círculo de Viena, buscado substituir a metafísica pela ciência, visitavam Wittgenstein para que ele lhes explicasse o Tractatus, o que fazia à contragosto. Uma vez, para a consternação de seus visitantes, defendeu um metafísico – supostamente Schopenhauer – que ele havia lido com prazer. Noutra, recebeu-os sentado de costas, lendo em voz alta as poesias de Rabindranath Tagore. Chegou a combinar com o Círculo de ditar um livro expondo sua nova filosofia a um de seus membros, Frederich Waismann, no que faria uma exposição sistemática de sua nova filosofia, o que foi um processo desgastante, pois ele respondia às objeções de Schlick com frases como “Isso não é importante” e “Você não entendeu nada”, além de exigir que tudo fosse sempre reescrito. Moritz Schlick, o mentor do Círculo, era seu amigo. Com a morte de Schlick em 1936, ele se viu desobrigado dessa tarefa, rompendo definitivamente com Waismann e com o Círculo. No Blue Book (1933-1934) ditado a seus alunos em Cambridge em 1933-1934 ele expôs com clareza sua crítica ao cientificismo positivista: “Filósofos constantemente veem o método da ciência diante de seus olhos e são irresistivelmente tentados a se fazer perguntas do modo como os cientistas fazem. Essa tendência é a fonte real da metafísica e deixa o filósofo em completa escuridão”, p. 18.

[8] “Philosophy and the Scientific Image of Man”. In. R. G. Colodni, Frontiers of Science and Philosophy, University of Pittsburg Press, 1962.

[9] É famosa a exagerada frase de A. N. Whitehead: “Toda a filosofia ocidental nada mais é do que notas de rodapé à filosofia de Platão”.

[10] Ver W. K. C. Guthrie, A History of Greek Philosophy, vol. VI, cap. XIII.

[11] Em seu livro The Principles of Art, Collingwood distinguiu o que chamou de arte própria (verdadeira) da arte como mero entretenimento. A arte própria é expressão capaz de regenerar a consciência por ser capaz de trazer à tona aquilo que uma sociedade reprime e ignora, mas que, por questão de sobrevivência, precisa reconhecer.

[12] Cf. Susan Haack: “The Fragmentation of Philosophy: The Road to its Reintegration”. Susan Haack: “Scientistic Philosophy: No; Scientific Philosophy: Yes”.

[13] Pode-se perguntar aqui como seria o caso das filosofias orientais. Tal caso mereceria um estudo à parte. Ao que parece, esses povos estavam inicialmente menos próximos de uma ideia da ciência do que os gregos. Mas é sintomático o fato de a filosofia indiana nunca ter se distinguido suficientemente da religião; ou o fato de a filosofia chinesa ser centrada em questões humanas e sociais práticas. Foi por isso que Hegel as pensou como não sendo propriamente filosofias, mas sabedorias, posto que, em seu modo de ver, insuficientemente argumentativas.

 

[14] Nas matemáticas ele desenvolveu a geometria analítica, capaz de traduzir formas espaciais em equações algébricas; além disso ele conhecia e aceitava a física de Galileu e a astronomia de Copérnico,

[15] Aristóteles, como a maioria, acreditava que o coração era o centro das paixões e da espiritualidade. Para ele, o cérebro era o órgão da razão, cuja função era resfriar o calor produzido pelo coração. Platão e Galeno foram os principais defensores da visão encefalocêntrica.

[16] Uma outra implicação da mesma sequência de pressuposições já foi notada no capítulo II com relação aos estilos filosóficos: o filósofo formalmente orientado (ex: Saul Kripke) tem muito mais liberdade para contrariar o senso comum. Já o filósofo empiricamente orientado (ex: John Searle) precisa tê-lo em consideração, com a possível vantagem de que suas ideias sejam mais fortes no sentido de serem prima facie mais plausíveis.

 

[17] Wittgenstein, Ludwig (2001): Wittgenstein’s Lectures: Cambridge 1932–1935, p. 29. Como já notei, os positivistas lógicos fizeram uma interpretação formalista simplista do conceito de verificação proposto por Wittgenstein, só para descobrir que estavam errados, o que conduziu à enganosa sabedoria herdada de que o princípio é falso. Este me parece o maior blunder da filosofia analítica contemporânea (Cf. nota 48).

[18] P. W. Bridgman apresentou em 1927, no livro The Logic of Modern Physics, uma concepção operacionalista da física. Segundo essa concepção, conceitos científicos só tem significado se forem definidos por operações mensuráveis. Uma consequência é que mesmo um único conceito poderia ter uma multiplicidade de modos de verificação (operações mensuráveis) capazes de conferir-lhe significado, o que contrasta com a rigidez metodológica do positivismo lógico. Mas há evidência de que Wittgenstein tenha lido o livro de Bridgman.

[19] Investigações filosóficas, I, sec. 244-258. Uma defesa da linguagem mentalista encontra-se em meu artigo “Linguagem privada e o heteropsíquico”, publicado em Arquiteturas conceituais.

[20] Claudio Costa: “A Perspectival Definition of Knowledge”

[21] Segundo Williams: “qualquer mundo possível e, certamente, também o nosso, é completamente constituido de seus tropos e suas conexões de localização e similaridade e quaisquer outras que possa haver.” “On the Elements of Being I”, p. 8.

[22] Moral Thinking, its Levels, Methods, and Point.

[23]A riddle wrapped in a mistery inside an enigma.” 

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